domingo, 18 de dezembro de 2016

O homem que acende o cigarro em ônibus em chamas somos todos nós em 2016

Em 2016, muitas coisas aconteceram no Brasil. Foi destituída a presidenta e muito poucos sabem explicar por quais delitos exatamente; houve Jogos Olímpicos. Caiu um avião com uma equipe de futebol dentro. O novo Governo deu luz verde à austeridade mais crua; e, em outra ordem de coisas, a filha de Xuxa, Sasha, concedeu sua primeira entrevista à TV. Mas nenhum destes eventos resultou em uma imagem tão popular como a captada na terça-feira, 13, pelo fotógrafo Adriano Machado em Brasília.

Nela se pode ver um ônibus em chamas, resultado do enésimo enfrentamento entre a polícia e manifestantes neste ano, e, ao lado dele, um despreocupado homem, vamos chamá-lo de Sr. Passava por Aqui, que aproveita o fogo que sai do veículo para acender um cigarro.

A imagem foi vendida para a Reuters, que a publicou em uma de suas páginas no Facebook, onde até o momento foi compartilhada 4.500 vezes. Como observa um dos comentários com mais curtidas: “É como uma tela de videogame com Sim City, mas controlado por um psicopata. Ou seja, um resumo muito bom de 2016”.

O próprio fotógrafo tem dificuldade para explicar o que seus olhos viram. “Geralmente, pelo meu trabalho na Reuters, cubro muito política: e este ano isto significa que também cubro muitos protestos, onde se veem muitas coisas”, explica por telefone a EL PAÍS, na saída do Palácio do Planalto.

O 13 de dezembro foi um desses dias: o Senado aprovou, com pouco mais que os votos mínimos necessários, a PEC 55, o primeiro grande pacote de austeridade do novo Governo, que estabelece um teto para os gastos públicos durante os próximos 20 anos. Em um país em que a Constituição definia até agora um mínimo, e não um teto, para esse tipo de gastos, isso representa uma mudança fundamental: a manifestação que resultou disso foi especialmente destrutiva. “Vi muitos manifestantes mascarados que se dirigiam à Esplanada romperem uma barreira policial. Fui nessa direção e comecei a notar muito barulho, muitas bombas e muita fumaça. Ouvi os bombeiros. Vi uma torre de fumaça preta e a segui: vi que saía de um ônibus”, prossegue Machado. E logo chegou o Sr. Passava por Aqui.

“Não tinha nem ideia de onde esse homem saiu, mas ali estava. Todo tranquilo, despreocupado, de cara limpa, sem máscara, apesar das bombas de gás e do cheiro de plástico queimado. Como se nada fosse com ele. Eu não acreditava”, explica Machado. “Depois me dei conta de que o sujeito estava com os manifestantes, mas sua aparência sem dúvida não parece a de alguém que está aí para alguma coisa”.

A fotografia do homem andando ao lado do ônibus em chamas para acender o cigarro logo se tornou facilmente compartilhada nas redes sociais. “Acho que é pela combinação: a explosão é agressiva e o homem está tranquilo”, explica Machado. Para uns, é o resumo visual de 2016, o ano que saiu do avesso, rompeu tudo e nos deixou para que nos virássemos. Para outros, é o cúmulo do cool. Para os compatriotas de Mr. Passava por Aqui, é um símbolo da capacidade dos brasileiros de tirar proveito de qualquer situação, até das desgraças.

Em um tuíte com mais de 10.000 retuítes, que mostra a imagem, está escrito: “Um dia eu quero ser tão descolado quanto esse cara acendendo o cigarro nas chamas dum ônibus queimado por manifestantes ontem em Brasília”. Machado acha que a foto tem algo de metafórico, mas não sabe dizer muito bem o quê: “Parece lembrar que tudo chega, até para as pessoas que não se importam com nada, e que tudo passa”.

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