quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O golpe nos feios, sujos e malvados

Tento voltar a ser um cronista do amor lírico e louco, mas sempre vem uma notícia ruim e me faz seguir no relato da poeira das ruas, por supuesto. É preciso falar dos feios, sujos e malvados que morrem de morte morrida muito antes de qualquer previdência pública ou privada, muito antes da média das estatísticas, antes dos cálculos dos burocratas, no país onde os meninos cortam cana-de-açúcar antes dos dez e os adultos morrem de morte matada na véspera dos trinta.

Você ai, amigo, não se faça de frio ou desentendido, sem esse papo de reforma sem mexer com os podres de rico, assim é fácil, assim vira manchete limpinha, assim não mexe com os banqueiros, muito menos com os barões da velha casa-grande, assim os comentaristas dos telejornais aplaudem, que lindos infográficos!, vamos cortar na carne, no osso, passa a motosserra, você aí, compadre, cai na metáfora do âncora bonitinho – uma família não pode gastar mais do que arrecada –, só que não sabe que essa economia nada familiar é apenas para pagar juros de uma dívida pública que não tem nada a ver com a sua vida, o seu sal, o seu açúcar, morô?

É o jogo das ilusões, também já caí muito, se liga.


Rasgue esse carnê da dívida eterna, se revolte, vamos à rua contra esses pestes, tente entender melhor o noticiário que é a favor dos ricos e de quem faz dinheiro à sua custa, juro, juros, não importa a cor do partido, o que você tem a ver com quem sempre viveu da sua audiência e agora tenta apenas dividir contigo a velha culpa? Se ligue, cuidado com o truque, quanto mais carece de comentarista mais ilusionismo, mude de canal, please, melhor conversar na esquina.

Não estou aqui de passagem, estou desde 1962, por que tentam aplicar o varejismo do golpe, um dentro do outro, mesmo sabendo que nossas fatigadas retinas estão cansadas de golpismos?

Ah, tá, porque a agenda econômica bate com a superstição neoliberal da hora, que bonito! Aí vem o milagre. A mesma crença unânime da mídia brasileira convencional de que bastaria o vice-traíra assumir no lugar da Dilma para tudo ficar cor-de-rosa. Isso foi vendido página a página, coluna a quinta-coluna. Assim se construí, conta a conta do rosário golpista, o que vivemos agora.

Sim, as instituições estão funcionando, me diz aqui o Ubu-Rei, perdão, o supermacho Alfred Jarry, o filósofo da patafísica, a ciência das soluções imaginárias e das leis que regulam as exceções. Lindo.

Óbvio que mesmo a lógica patafísica é infinitamente mais razoável do que o pensamento da legião que caiu no conto do patinho amarelo da Fiesp do sr. Skaf, pego de calça curta na delação da Odebrecht. Propina braba além do caixa 2. Senhor de escravos modernos da Paulista é isso aí, que beleza, isso dá capoeira na senzala. Bonito.

Não, não vamos rir agora, nem por último, nem por escárnio de saber que hoje só vale a obsessão Lula qual a bíblica cabeça de São João Batista.

Ah, jamais vale a lógica (patafísica?) de saber que o Brasil dos corruptos, sem nenhum distanciamento odebrechtiano – expressão que cunhei quando fiz minhas primeiras reportagens sobre o inocente setor das empreiteiras durante o governo FHC – jamais será punido por inteiro. Só a parte manjada e encarnada. A essa altura da madruga, amigos, sou testemunha ocular da história, o senador Aécio Neves, tucano mineiro, toma tranquilamente o seu uísque no Leblon, Rio de Janeiro. Quem tem amigo no poder Judiciário brasileiro tem tudo! Acho chique!

Xico Sá

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