terça-feira, 29 de novembro de 2016

Temer reclamar das instituições é como comandante de navio esculachar o mar

Estreou em Brasília, na noite desta segunda-feria, um espetáculo político inédito. Nele, Michel Temer, no papel de si mesmo, vive o drama de um mandatário cofuso, que cospe no prato em que não consegue comer. O personagem deve sua presença no comando do Executivo à solidez das instituições. Em meio à crise, foi alçado ao topo da República como solução constitucional implementada pelo Legislativo, sob a supervisão do Judiciário. Súbito, vai à boca do palco para expectorar desaforos sobre as instituições que lhe asseguram o poder.

Dirigindo-se a uma plateia amiga, feita de empresários e investidores, Temer sapecou: ''Os senhores imaginam o capital estrangeiro como está ansioso para aplicar no Brasil. Aliás, os senhores sabem melhor do que eu. Mas é interessante que, de vez em quando, há uma certa instabilidade institucional com um fato ou outro. Como não temos instituições muito sólidas, qualquer fatozinho, me permitam a expressão, abala as instituições.''

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O ‘fatozinho’ a que se refere Temer é o caso do ministro que foi apanhado com lanças em punho, guerreando contra o interesse público para salvar o negócio privado da compra de um apartamento milionário em Salvador. O episódio converteu-se num ‘fatozão’ no instante em que Temer decidiu transformar a agenda imobiliária do amigo Geddel Vieira Lima num processo de desmoralização de sua Presidência. Era uma crise localizada. Irradiou-se para o governo depois que Marcelo Calero deixou a pasta da Cultura batendo a porta.

''O investidor fica um pouco assustado, sendo o investidor nacional e muito maiormente o investidor estrangeiro”, disse Temer. “Mas essas instabilidades são passageiras e não podem ser levadas a sério, porque levado a sério tem de ser o país.'' Levando-se em conta que os brasileiros que não toleram brincadeiras com seu país rosnam para o governo nas redes sociais enquanto se preparam para voltar às ruas, Temer parece considerar que o Brasil, para tornar-se mais estável, precisa trocar de povo.

Esse povo que aí está não consegue compreender que Temer apenas repete em cena o velho enredo do gestor que, rendido às circunstâncias, promote o avanço econômico com os pés fincados no atraso político em que se misturam o patrimonialismo e a corrupção. De saco cheio, o povo se divide em dois grupos. Num, estão os brasileiros que acham que o governo é tocado por pessoas capazes de tudo. Noutro, encontram-se os patrícios que acreditam que a máquina pública é tocada por pessoas incapazes de todo. Nenhuma das duas alas está preparada para oferecer o país tranquilo que os investidores precisam.

Como não ficaria bem para um presidente da República esculhambar o povo do seu país, Temer reclama das instituições, que “não são muito sólidas”. Além de inédito, o espetáculo é confuso. Deve doer em Temer o destino que a história lhe reservou. Ao reclamar das instituições que o levaram à cabine de comando, o substituto constitucional da presidente que foi impedida fica numa posição parecida à de um comandante de navio que se queixa da existência do mar.

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