quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Polícia Federal de pernas quebradas

Dias atrás o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a investigação da Polícia Federal em inquérito que envolvia senadores, na chamada Operação Métis. Ele externou o entendimento de que os senadores têm prerrogativa de foro, pela função que exercem, e por isso remeteu o processo à geladeira do Supremo.

Naquela famosa Corte, nove processos contra o senador Renan Calheiros dormem a sono solto. Agora será só mais um – e por isso não fará muita diferença para os julgadores, mas para nós representa uma porretada na cabeça.

Sim, com a decisão de Zavascki, a Polícia Federal fica praticamente de pernas quebradas. A remessa do processo ao Supremo significa que os policiais, para dar continuidade às investigações, terão de remeter um ofício ao presidente do STF, este o examinará pela ordem cronológica e, quando o deus da preguiça estiver satisfeito, será o processo enviado a algum dos ministros.

Aquele que o receber decidirá, quando lhe aprouver, se é o caso de deferir ou não a pretensão de investigar. O objetivo da investigação abortada era evitar e punir a ocorrência de crime por obstrução da Justiça, ou seja, a polícia interna do Senado tentava blindar as casas de alguns senadores de investigações em curso pela Operação Lava Jato.

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Pelo que aprendemos com a Lava Jato, crimes dos mais graves se consumaram nos gabinetes e nas residências de senadores, como, por exemplo, acertar as propinas com as empreiteiras, exercer influência maléfica para destinar obras caras aos amigos, combinar valores a serem depositados no exterior e outras coisas assim. Isso se tornou público e ocorreu ao abrigo de um privilégio de virar o estômago, chamado prerrogativa de função, ou seja, a inviolabilidade e a imunidade que a Constituição federal concede a cada parlamentar.

Mas se a ação criminosa se situa além da inviolabilidade e da imunidade consagradas ao parlamentar, impedir investigações destinadas à apuração do crime representa um erro dos mais graves. Imagine-se, por exemplo, uma partida de droga camuflada na casa de um parlamentar, mesmo sem a participação dele. Não pode a Polícia Federal investigar?

A investigação suprimida pelo ministro Teori Zavascki fazia parte de processo da Lava Jato, ou seja, caso de corrupção, que precisa e deve ser posto a nu para julgamento. A Polícia Federal é instituição de alta credibilidade no País e não merecia ter sido submetida a humilhação pela fala arrogante do senador Renan Calheiros.

Ao estilo dos velhos coronéis nordestinos, com a arrogância que o caracteriza, Renan Calheiros chegou a investir furiosa e equivocadamente contra o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que nada tinha que ver com a ação em desenvolvimento pelos policiais do Senado nas residências de senadores. Foi grosseiro ao extremo, estava errado na sua avaliação e nem pediu desculpas. Alexandre de Moraes poderia até mesmo agradecer, porque, como diziam os antigos latinos, “laudari a bonis et vituperari a malis unum atque idem est”, ou seja, ser louvado pelos bons e censurado pelos maus é a mesma coisa.

Foi igualmente grosseiro com o juiz federal que exercia sua competência de conformidade com o que lhe delega a Constituição federal no seu artigo 109, V, ou seja, processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticados em detrimento de bens, serviços ou interesses da União.

Como a Constituição dá com uma mão, é curioso admitir que alguém tire com a outra, razão pela qual parece contraditório suprimir competência do juiz e dos policiais federais quando não se trata nem de inviolabilidade, nem de imunidade, que privilegiam o foro. Os senadores e deputados federais são pessoas como todas as outras e não podem ser diferenciados quando a acusação de crime se afasta das hipóteses de prerrogativas destinadas a proteger a independência do Poder Legislativo.

Essas prerrogativas foram estabelecidas em favor não do congressista, mas da instituição parlamentar, e se destinam a garantir o exercício da atividade com independência. Assim, por exemplo, deputados e senadores não respondem civil ou penalmente por suas opiniões, palavras e votos.

Mas se eles cometem crimes inafiançáveis, podem até ser presos. Razão por que não se deveria impedir a Polícia Federal de investigar crime comum praticado por senador ou deputado federal, sobretudo quando é cometido fora do recinto de trabalho.

No episódio em que a arrogância de Renan Calheiros abalou o Congresso Nacional, não havia provas de que o crime investigado fosse de sua autoria, mas ele causou a impressão de que era. Os chamados policiais do corpo de segurança interna do Senado tentaram, nas residências de alguns senadores, impedir a coleta de provas objeto de investigação pela Lava Jato, isto é, buscava-se dificultar a realização de justiça.

A grita de Renan Calheiros é própria de alguém que pretende apresentar-se como vítima quando contra ele ganham força os processos por suspeita de crime de corrupção que dormem no STF. Algo assim: “Estão vendo? Eu enfrentei os poderosos e agora tentam se vingar de mim...”.

Há uma certa ignorância, até mesmo de graduados políticos, a respeito do que seja a Lava Jato. Trata-se de processos judiciais que tramitam de conformidade com o Código de Processo Penal e o Código Penal, sob a supervisão de um juiz. Não existe a menor forma de interferir nesses processos, porque significaria desautorizar o juiz Sergio Moro.

Vários deputados federais e senadores são alvo desses processos e por isso a grita de Renan Calheiros de nada os livrará. Todos devemos alegrar-nos quando o Ministério Público Federal e a Polícia Federal agem no combate aos crimes do colarinho-branco.

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