domingo, 20 de novembro de 2016

...o teu sofrer, o teu penar

Schadenfreude (IPA: [/ˈʃɑː.dənˌfrɔɪ.də/], literalmente, alegria ao dano) é um empréstimo linguístico da língua alemã também usado em outras línguas do Ocidente para designar o sentimento de alegria ou satisfação perante o dano ou infortúnio de um terceiro.
Prenúncios sugeriam uma semana aguda. Como se não bastassem as já cansativas notícias dessa molecada autoritária, na prática títeres dispostos a atropelar o direito alheio para forçar a sanha de seus guias, o plenário da Câmara fora invadido por idólatras de militares — os mesmos que chegaram a organizar um ato em apoio a Donald Trump na Paulista. Isto tudo sem falar nos protestos pela extinção do Uber que tumultuaram a Alerj.

Pois azar dos prenúncios. Foi uma semana genial.

Capital do império e também federal, cidade que dita moda, modos e o sotaque ao restante do país, não é de hoje que o Rio de Janeiro está habituado a ser o centro das atenções. E mesmo assim, com tanto traquejo para momentos dignos de registro, em sua história política recente nada pode ser comparado às 48 horas em que dois de seus mais populares ex-governadores foram presos.


Dito isto, tanto Anthony Garotinho quanto Sérgio Cabral, sabidamente crápulas e cada vez mais próximos de terem suas famas confirmadas pela Justiça, nem de longe receberam a quantidade de apupos que merecem. Muito pelo contrário, bastou um canastrão chilique do ex-governador quando deixou o hospital para que aflorassem sinais de compaixão desmedida.

Decifrar o que leva o sujeito a nutrir ternura por políticos corruptos não é simples. Passado o estupor pelo inusitado da reação, e no meu caso também um profundo desconforto, comumente associamos este comportamento à cegueira provocada pela paixão política, à ignorância ou ainda à desfaçatez do dito cujo.

Não desta vez.

Arrisco-me a dizer, são duas as hipóteses em condições de destrinchar tão bizarra manifestação, robusta ao ponto de fazer o sujeito ignorar a dificuldade em pagar as contas no fim do mês, ou pelo menos de sensibilizar-se com os apertos do povo para seguir em frente: vaidade e identificação.

O primeiro deles é óbvio. Aparentemente desesperada por autopromoção e, quem sabe, ainda suspirando pelos tempos de adolescência, é cada vez mais comum a figura do indivíduo disposto a embarcar no primeiro discurso disponível desde que este lhe confira a capa da moralidade superior. E quanto mais improvável for a causa em questão, quanto maior for o alarido geral em reação ao posicionamento defendido, mais recompensador será o êxtase deste personagem.

Esta, porém, é a sugestão menos alarmante. Grave mesmo é constatar nosso apreço pela carteirada. Um cacoete ainda mais explícito em casos assim, quando estabelecemos conexão quem detém o poder.

Quando nos compadecemos pela figura maltrapilha de Garotinho sendo forçado a permanecer em uma maca, involuntariamente cedemos a uma espécie de reconhecimento. Não com próprio, claro, mas com o chefia. Endossamos ainda que sem perceber, insisto, o famigerado questionamento: você sabe com quem está falando?

Está tudo certo, nenhum cidadão deve sofrer com ilegalidades, mesmo políticos corruptos quando estiverem sendo presos. Aliás, principalmente nessas horas, sob pena de favorecer artimanhas com o intuito de contornar suas penas. Entretanto, não cabe a tentativa de desumanizar um sentimento tão sincero quanto o apreço do cidadão pela derrocada de seus algozes.

Cabe, isto sim, agradecer a cada uma das instituições que estão dando provas de absoluto compromisso com o país, apoiar suas operações com nomes pitorescos e fiscalizar a classe política desesperada para obstruir a Lava-Jato.

E festejar muito. Sem culpa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário