segunda-feira, 28 de novembro de 2016

A difícil equação

A Lava Jato segue o seu inexorável curso. É como um cataclismo que se abate sobre a classe política. As delações da Odebrecht, acompanhadas de suas respectivas provas materiais, atingirão a base parlamentar do governo e muito provavelmente muitos de seus ministros. Governar será ainda mais difícil num contexto de devastação da classe política.

Entretanto, o País foi praticamente levado ao abismo pelos governos petistas, com o PIB caindo vertiginosamente, o desemprego alcançando 12 milhões de pessoas, o que equivale a 46 milhões, considerando quatro pessoas por família. As expectativas da população em geral são muito ruins. O impasse é grande.

Urge, portanto, que o governo tome medidas para tirar o País do buraco, o que pressupõe a aprovação da PEC do Teto do gasto público, a reforma da Previdência e a modernização da legislação trabalhista. Sem isso o País continuará patinando no marasmo, se não na decadência.


O problema que se apresenta consiste no timing da aprovação dessas reformas, tendo como pano de fundo o avanço da Lava Jato e o vazamento de suas investigações. As reformas devem ter prioridade, sob o risco de serem inviabilizadas. O que está em questão é o País.

A difícil equação está precisamente nessa correlação. Quanto antes essas reformas forem aprovadas, menor impacto terá a Lava Jato sobre elas; e quanto mais tardarem, mais a Lava Jato poderá atingi-las, até torná-las inviáveis, dada a desordem política daí resultante.

Como se não bastasse, os fatos que levaram à demissão do ex-ministro Geddel expõem outro flanco delicado do governo ao exibirem as complexas relações entre moral e política, sobretudo à luz do cenário atual. Suas repercussões são tanto mais graves por ocorrerem neste momento de devastação da classe política pelas operações da Lava Jato, quando a sociedade civil clama por moralidade pública.

A classe política e setores do governo parecem não ter compreendido que a sociedade brasileira já não admite a política cínica voltada para o atendimento particular de políticos e corporações dos mais diferentes tipos, sejam do funcionalismo público, sejam das corporações patronais e sindicais.

Os interesses corporativos não se podem sobrepor aos do Brasil. O Judiciário e o Ministério Público, que tão relevantes serviços têm prestado ao País, não podem, por exemplo, neste momento de crise aguda, exigir aumentos salariais e variados benefícios enquanto outros não têm o que comer.

Exige-se, hoje, uma política que siga padrões de moralidade pública. Exige-se do novo governo que ele se diferencie do anterior. Se isso não for feito, poderá ser fortalecida a percepção de que a mudança seria apenas mais do mesmo. O País poderia ser paralisado.

O fosso entre a sociedade, de um lado, e a classe política e o governo, de outro, só tende a aumentar se as brigas da corte primarem sobre o bem coletivo. Difunde-se a ideia de que o governo está se dissociando da sociedade.

Os políticos e as corporações continuam num jogo particular, pequeno, como se o precipício não estivesse logo ali. Há um ensimesmamento extremamente perigoso, pois nasce da falta de consciência da gravidade da crise.

A Nação clama por transformações e por um esforço coletivo, devendo a classe política e o governo tomar essa vanguarda. Ora, essa liderança não está sendo exercida a contento, os interesses menores prevalecem sobre os maiores.

Mostra disso está no projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados com o intuito de anistiar os crimes do caixa 2. A insensibilidade parlamentar é total, bem como sua falta de senso de oportunidade. A sociedade clama pela punição dos mais diferentes tipos de crime, enquanto a classe política procura preventivamente isentar-se dessa responsabilidade.

Mesmo que devamos distinguir entre os crimes eleitorais e os de corrupção e propina, o momento não poderia ser mais inadequado. Aos olhos da sociedade aparece essa iniciativa como uma anistia antecipada, uma precaução diante dos desdobramentos da Lava Jato.

A classe política está brincando com fogo. O povo foi às ruas, em especial a classe média, para protestar contra um governo corrupto, que se caracterizou por práticas ilícitas e imorais. O mensalão e o petrolão mostraram isso à saciedade.

As manifestações populares disseram não ao governo Dilma e indiretamente sim ao então vice-presidente Michel Temer, na expectativa de que este se mostrasse diferente do ponto de vista da moralidade. A sua biografia o respalda.

Agora poderão voltar essas manifestações enquanto expressão de aguda indignação moral, podendo elas cair no colo do próprio presidente. Seria o pior dos cenários. Deve ele, portanto, dissociar-se publicamente desse projeto de anistia, dando garantias, já, de que não o sancionará caso aprovado.

Acrescente-se que essas manifestações, caso venham a ser realizadas, teriam uma face nitidamente social, com os desempregados também delas participando. Expressariam toda a sua indignação e seu desamparo.

Juízes poderiam também juntar-se a essas manifestações, protestando contra o projeto de lei da anistia aos crimes do caixa 2, respaldados por movimentos sociais como o MBL e o Vem pra Rua.

A demissão do ministro Geddel tira um pouco o fogo do caldeirão, porém esse indigesto caldo de cultura permanece. O governo deverá avançar tanto nas reformas quanto moralmente, escutando a sociedade e apoiando-se nela. A pauta do governo não pode ser um apartamento na Bahia.

O governo deverá mostrar mais claramente que o seu diferencial consiste em ser moralmente diferente do anterior, o que exige uma reformulação das práticas políticas correntes. Não há mais tergiversação possível. É o futuro do País que está em jogo.

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