terça-feira, 25 de outubro de 2016

Rio e terror

Venho por esta colocar minha colher na sopa de bode preto que o Rio virou. Espero que se interrompam os desastrosos anos de populismo sinistro que nos afligem.

O Rio é hoje um labirinto bárbaro de corrupção e ineficiência burocrática; estamos diante de uma cidade quebrada, onde a violência assume aspectos cada vez mais ousados, assimilando táticas de terrorismo aprendidas na TV, pois perceberam que são invencíveis pelos métodos tradicionais de polícia.

A barbárie, a corrupção e a estupidez ganharam contornos tão “originais” no Rio, quase uma cultura separada, que só gestos corajosos, até temerários, podem ajudar. Não há jurisprudência para os crimes atuais. São pavorosamente novos. Temos de conter as consequências, tentando reparar as causas. Não se pode tratar esses horrores com a lentidão dos procedimentos comuns. Novas formas de combate têm de surgir.

Hélvio(Foto)
Agora, vai sair da Secretaria de Segurança do Rio o mais competente líder contra o crime que tivemos até hoje: José Mariano Beltrame. Fez tudo que era possível na criação das UPPs, mas acabou travado pela resistência do atraso, que não melhorou os morros com medidas de avanço social. Entre outros problemas internos da polícia, Beltrame também foi prejudicado pela displicência de juízes que irresponsavelmente soltam os presos perigosos caçados com dificuldade. Lembram do Elias Maluco que assassinou com espada o repórter Tim Lopes? Estava em “liberdade condicional”.

Acho que temos de entrar nas favelas, não com festinhas odontológicas provisórias, mas para ficar, integrar. Lembram-se da ideia das favelas-bairro? Era uma ideia muito boa e, claro, esquecida. Demora muito? Sim. Mas, se já levamos cem anos armando essa bomba, leva tempo para desativá-la.

A única mudança que a política “correta” fez até hoje foi trocar o nome “favela” para “comunidade”. Tirando uns trenzinhos ou elevadores de morro, continua tudo na mesma lama.

Enquanto procurarmos uma “solução” para o crime no Rio, não haverá solução. Não haverá solução enquanto não entendermos que todos somos parte do problema. Nós é que temos de nos reformar, subverter nossas cabeças, nossas polícias, nossos poderes. Mas fazer como? A máquina do Estado sozinha não dá conta. Creio que deveria haver uma campanha nacional para atrair investimentos para o Rio. Creio que tinham de ser criados “grupos executivos” desenhados por homens como o coronel José Vicente da Silva, do Instituto Fernand Braudel, ou Luiz Eduardo Soares, que fizessem um “bypass” eficiente cortando o labirinto burocrático podre, como fez JK.

“Solução” é um conceito obsessivo e superado; só um processo amplo, multidisciplinar, um processo lento, caro, poderá minorar esta tragédia imunda que nos aflige, caindo de 500 favelas abandonadas e financiadas pela cocaína. O problema é que não há capacidade de regeneração dos tradicionais vícios cariocas. O sistema não está apto a se autocriticar, a se renovar. A complexidade é muito maior do que o simplismo das providências. Quem vai regenerar essa m*rda? O bispo Edir Macedo, por meio de seu preposto Crivella, o irmãozinho do Garotinho, que escondeu que foi em cana por expulsar com armas uns pobres diabos de um terreno da Igreja Universal, aquele supermercado da fé que cobra dízimo até no cartão? A opinião pública teria de rejeitar isso. Mas não vai.

Isso porque nós ainda falamos dos criminosos como se fossem “desviantes” de nossa moral, como gente que se “perdeu” da virtude e caiu no “mundo do mal”. Mas o que surgiu foi uma nova sociedade periférica, feita de fome, rancor e desejo de consumo. E criativa; o funk é o hino dos excluídos.

Houve uma sinistra “modernização” na violência da miséria e um envelhecimento do poder público.

Não adianta defendermos a “normalidade” de nosso sistema, pois não há normalidade alguma. Estamos no fundo da vergonha; hoje, tem gente que ainda discute se as milícias são “boas” ou “más”, se criminosos do “bem” matando os do “mal” resolvem nosso vazio policial ou se viriam mais vagabundos para o asfalto. As milícias vão votar no bispo. A que ponto chegamos...

As causas da violência sempre estiveram aí, como uma bomba de retardo, uma mina enterrada. Só agora ficou visível. Os criminosos estão expondo ao país nossa absurdíssima incompetência.

Temos de aprender com os criminosos suas táticas, pois eles têm a mesma vantagem dos terroristas – não têm rosto e ninguém sabe de onde vêm. Eles são microempresas privadas, filiais da multinacional do pó. Eles já têm até mísseis antiaéreos. Eles agilizam métodos de gestão; nós trabalhamos com administração do século XIX. Eles são rápidos e criativos. Eles estão no ataque; nós, na defesa. Nós nos horrorizamos com eles. Eles riem de nós. Eles lutam em terreno próprio; nós, em terra estranha. Eles se reproduzem sem parar, com mais adeptos jovens mergulhados na miséria. Já é até um “bom programa” descer e matar com faca para roubar bicicletas. A droga e as armas vêm de fora – eles são “globais”; nós somos regionais. Eles não temem a morte. Nós morremos de medo.

Precisamos de uma urgente autocrítica de nossa ineficiência. A população tem de ser convocada para participar ativamente, por exemplo agora, votando contra o Bispo do Mal.

Se não agirmos (como?), ficaremos no velho vício da reclamação ou em inócuos abraços pela paz, de roupa branca, em volta da Lagoa. A luta contra o crime não é mais uma luta policial; não é mais a Lei contra o Pecado; tornou-se um problema de Estado-Maior, sim. A situação tem de ser estudada profundamente – trata-se de um problema nacional, de Estado, trata-se de uma calamidade pública ainda não assumida, como um terremoto ignorado.

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