sábado, 8 de outubro de 2016

Filosofou no meio do passeio público

Em 1966, o prefeito Faria Lima lançou um concurso para escolher a melhor arte para as calçadas paulistanas. A vencedora foi Mirthes Bernardes, desenhista da Secretaria de Obras.

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Era um desenho geométrico, com o formato do mapa do estado de São Paulo. A ideia da artista paulista é saudada até hoje – e já lá se vão 50 anos. Com apenas três peças: uma preta, uma branca e a última dividida em diagonal, com uma metade de cada cor, Mirthes Bernardes concebeu um criativo padrão randômico. Nos anos seguintes, a prefeitura começou a pavimentar as ruas e avenidas de São Paulo com essa criação minimalista. Muitas calçadas, tanto de imóveis residenciais quanto comerciais, ainda têm o estado de São Paulo como estampa.

Corta para o Anno Domini de 2016.

Estou bordejando pelo bairro da Vila Madalena, indo do barbeiro a um restaurante durante meu horário de almoço. De um ponto a outro, segundo o GPS do meu celular, não dá 300 metros. Vou enumerando mentalmente os diferentes tipos de passeio público (se é que algum pode ser chamado assim): calçada de cerâmica, de pedrisco, de cimento, de tijolinho, de grama, estilo deck de madeira. 9 entre 10 estão fora de padrão ou com enormes valas.

Como a Vila Madalena é um bairro quase montanhoso, em alguns locais há verdadeiras calçadas-escada. E muitas sem a escada propriamente dita. Há uma espécie de cume e cada um com seus problemas na hora da mobilidade urbana.

Toco nesse tópico, não por falta de assunto, fato tão caro ao gênero crônica. Mas pela recente eleição dos chefes das municipalidades em nosso país.

Não seria o caso de, já no princípio das gestões, repensar um pouco as calçadas?

Sim, eu sei que elas são uma obrigação do dono da propriedade. Mas onde está o padrão proposto pelo Faria Lima? Ou o concurso inédito para criar um novo paradigma? A calçada é o primeiro passo para uma cidade civilizada. Por ela, os bebês flanam em seus carrinhos ao sol, os cães levam seus donos para passear, os food-trucks vendem o seu peixe, os floristas temperam a aspereza do concreto. E, nas madrugadas, o pecado monta suas barracas, posto que a vida não é feita só de virtudes.

A calçada é o oposto do Whatsapp. É nela que os cidadãos se socializam da maneira mais saudável que existe: na base do tête-à-tête. Os SMS, os e-mails são transmitidos ali em ‘real time’ e ainda não inventaram uma forma tão rápida e expressiva de se passar uma emoção. Claro que a violência resvala pelas calçadas. Mas onde não há selvageria? Até na Antártida, onde não existem nem ruas, está presente a brutalidade humana.

Contudo, num ambiente onde nota-se esmero e urbanidade a crueza tende a diminuir. Basta comparar os índices de violência do Capão Redondo aos do Quartier Latin. Obviamente há dezenas de outros fatores econômico-sociais que levam a realidades tão díspares, mas a calçada é um deles.

Carlos Castelo

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