quinta-feira, 20 de outubro de 2016

A indiferença de gênero

Toda vez que alguém afirma que, na escola, não pode existir diferença entre garotas e garotos e que, em sala de aula, o gênero não deve ser nem mencionado, Freud se vira e revira no túmulo e morre de vontade de fumar um charuto para se acalmar. Às vezes, um charuto é apenas um charuto. Às vezes, nem sempre. Negar o óbvio não resolverá o relacionamento entre o sexo masculino e o feminino, tampouco aumentará o respeito a homossexuais, transexuais, bissexuais e os mais de quarenta tipos sexuais diferentes.

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Para ilustrar a questão, recorro aos índios koguis, da Colômbia. Vivem na região caribenha de Santa Marta, no meio da selva amazônica, perto da Cidade Perdida, a gigantesca e desafiante ruína da civilização Tayrona, desaparecida há séculos. O Pico São Cristóvão, o mais alto da Colômbia, é o centro de seu universo.

Andei por lá, contatei alguns membros da tribo. São evasivos, desconfiados, calados. Não reconhecem a diferença de sexo entre meninos e meninas até os 10 ou 11 anos. Elas e eles se vestem com a mesma bata branca rente ao chão, não cortam o cabelo que lhes toca o ombro, brincam juntos, uns e outros muito parecidos fisicamente. Em seu paraíso tropical, as meninas são tão destras quanto os meninos para voar entre uma árvore e outra usando cipós. Nada de macho e fêmea, nenhuma discriminação, nenhuma disputa.

No entanto, assim que chega a puberdade, o quadro muda. Eles assumem o papel de machões e elas se tornam semiescravas. Esposas obedecem aos maridos às cegas. Muitos as castigam fisicamente, largam-nas em cômodos pouco confortáveis, não admitem que frequentem o templo central da aldeia ou abandonem a tribo. Uma delas, apaixonada por um guia turístico, foi caçada depois de fugir. Outra teria sido morta. O que faz uma situação de absoluta igualdade se transformar em desigualdade?

A resposta é a cultura. Apesar de toda a equiparação inicial, a sociedade no fundo pratica outros valores, tacitamente aceitos. É a tradição dos koguis, com a qual convivem há séculos. Para mim soa uma afronta, um ato inadmissível. Para eles, é a norma. Não devo julgar. Trata-se de uma questão antropológica.

Sempre houve e haverá diferença entre os sexos, mascarada na infância dos koguis. Entre nós, nas escolas, também há e esquecê-la tampouco evitará, no futuro, a discriminação e o preconceito, mantidos os atuais padrões de nosso convívio.

Para eliminar a absurda discriminação ou agressão à mulher, a sociedade como um todo precisa se preparar. A sala de aula é um ótimo ponto de partida. Custa muito mudar um preconceito centenário, aceito até por quem é prejudicado. Conheço mulheres que até hoje dispensam tratamento especial aos filhos homens. São mais machistas que eles. Jamais admitiriam, por exemplo, que fossem homossexuais.

Atitudes positivas e afirmativas também ajudariam a minorar o problema. Além disso, a lei deve prevalecer. Existem proteções legais contra os abusos. Estão em vigor. Se aplicadas, muitos problemas deixarão de existir.

No entanto, há um longo caminho até a igualdade entre os sexos e até a completa liberdade de opções sexuais. Assim como para a discriminação racial. A qualquer hesitação, encampamos a atitude dos kóguis, sem qualquer prurido antropológico. Aliás, no fundo, é a nossa tendência. Muitas gerações e muitos discursos nos levaram a esse comportamento. Até quando?

Luís Giffoni

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