segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A história do homem empalhado e exibido como um animal

No início do século 19, era "moda" entre os europeus recolher animais de vários lugares do mundo, levá-los para casa e colocá-los em exposição. Um comerciante francês, porém, foi além e trouxe para casa o corpo de um guerreiro africano.

O escritor holandês Frank Westerman descobriu o homem em um museu espanhol há 30 anos e decidiu investigar a história por trás dele. 
Leia, a seguir, o seu relato:

AVISO: Algumas imagens ao longo deste texto podem ser consideradas ofensivas

"Uma cerca de arame decorativa nas cores nacionais - azul, branco e preto - marca a sepultura de um dos mais famosos - e menos invejados - filhos de Botswana: "El Negro".

Seu local de descanso em um parque público na cidade de Gaborone, sob um tronco de árvore e algumas pedras, faz lembrar o túmulo de um soldado desconhecido.

Uma placa de metal diz:
El Negro
Morreu em 1830
Filho da África
Trazido para a Europa morto
Levado de volta a solo africano


Sua fama vem de suas viagens póstumas - que duraram até 170 anos - como as para exibições em museus na França e na Espanha. Gerações de europeus ficaram boquiabertos com o corpo seminu, que havia sido empalhado por um taxidermista. Ali ele ficou, sem nome, exibido como um troféu.

De volta a 1983, como estudante universitário na Holanda, eu acidentalmente acabei "cruzando" com ele em uma viagem de carona para a Espanha. Eu havia passado uma noite na região de Banyoles, uma hora ao norte de Barcelona. A entrada do Museu Nacional de História de Darder era coincidentemente na porta ao lado.

"Ele é real, você sabia?", uma garota de colégio gritou para mim.

"Quem é real?"

"El Negro!", a voz dela ecoou pela praça, acompanhada de roncos e risadas de seus amigos.

No instante seguinte, uma senhora apareceu saindo de um salão com um casaco sobre os ombros. Ela abriu o museu, me vendeu um ingresso e apontou na direção da Sala de Répteis.

"É ali", ordenou. "Aí vá passando pelas salas no sentido horário".

Cartão Postal vendido no Museu Darder, na Espanha
Quando eu estava no caminho para o Quarto Humano, um anexo do Quarto dos Mamíferos, passei uma parede de escalada com macacos e esqueletos de gorilas - e, de repente, comecei a tremer. Estava ali, o Negro de Banyoles, empalhado. Uma lança na mão direita, um escudo na esquerda. Curvando-se devagar, ombros levantados. Seminu, apenas com uma tanga laranja.

El Negro era um homem adulto, pele e ossos que mal chegavam a um cotovelo. Ele estava mantido em um recipiente de vidro no meio do carpete.

Ele era um ser humano, mas sendo exibido como qualquer outra amostra de animais selvagens. A história ditou que o taxidermista era um europeu branco e, seu objeto, um negro africano.

O reverso era inimaginável.

Ao ver essa cena, meu rosto corou e senti as raízes do meu cabelo formigarem - simplesmente por causa de uma sensação difusa de vergonha.

Senhora Lola não tinha uma explicação. Ela nem tinha um catálogo ou um livro com a história daquele homem. Me deu um cartão postal que dizia apenas "El Negro" e que trazia atrás "Museu Darder - Banyoles. Bechuana".

"Bechuana?", eu questionei.

Senhora Lola continuou olhando para mim. "Os cartões custam 40 pesetas cada", ela disse.

Comprei dois.

Vinte anos depois, decidi escrever um livro sobre a extraordinária jornada de El Negro de Botswana (Bechuana) até Banyoles e de volta de novo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário