quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Uma paradinha rápida para reabastecimento de esperança, se ainda tiver no mercado.
Mas mesmo sem ela vamos em frente com a cara, a coragem e a dignidade, que não devem nada a ninguém e são à prova de corrupção. Tesouros que ladrão não rouba nem governo se atreve a taxar.    

A racionalidade irracional

Eu digo muitas vezes que o instinto serve melhor os animais do que a razão a nossa espécie. E o instinto serve melhor os animais porque é conservador, defende a vida. Se um animal come outro, come-o porque tem de comer, porque tem de viver; mas quando assistimos a cenas de lutas terríveis entre animais, o leão que persegue a gazela e que a morde e que a mata e que a devora, parece que o nosso coração sensível dirá «que coisa tão cruel». Não: quem se comporta com crueldade é o homem, não é o animal, aquilo não é crueldade; o animal não tortura, é o homem que tortura. Então o que eu critico é o comportamento do ser humano, um ser dotado de razão, razão disciplinadora, organizadora, mantenedora da vida, que deveria sê-lo e que não o é; o que eu critico é a facilidade com que o ser humano se corrompe, com que se torna maligno. 

Aquela ideia que temos da esperança nas crianças, nos meninos e nas meninas pequenas, a ideia de que são seres aparentemente maravilhosos, de olhares puros, relativamente a essa ideia eu digo: pois sim, é tudo muito bonito, são de facto muito simpáticos, são adoráveis, mas deixemos que cresçam para sabermos quem realmente são. E quando crescem, sabemos que infelizmente muitas dessas inocentes crianças vão modificar-se. E por culpa de quê? É a sociedade a única responsável? Há questões de ordem hereditária? O que é que se passa dentro da cabeça das pessoas para serem uma coisa e passarem a ser outra?

Uma sociedade que instituiu, como valores a perseguir, esses que nós sabemos, o lucro, o êxito, o triunfo sobre o outro e todas estas coisas, essa sociedade coloca as pessoas numa situação em que acabam por pensar (se é que o dizem e não se limitam a agir) que todos os meios são bons para se alcançar aquilo que se quer.

Falámos muito ao longo destes últimos anos (e felizmente continuamos a falar) dos direitos humanos; simplesmente deixámos de falar de uma coisa muito simples, que são os deveres humanos, que são sempre deveres em relação aos outros, sobretudo. E é essa indiferença em relação ao outro, essa espécie de desprezo do outro, que eu me pergunto se tem algum sentido numa situação ou no quadro de existência de uma espécie que se diz racional. Isso, de facto, não posso entender, é uma das minhas grandes angústias. 
José Saramago

O sol para todos

Vou arriscar. O ano de 2015 foi regido por Shiva, o aspecto da Tríade hinduísta que tem em Brahma, o criador de tudo, a inteligência suprema, a mente cósmica, a emanação; em Vishnu, a força mantenedora, o dharma, o dever de fazer o que é certo e correto; em Shiva, a força destruidora, não daquilo que é ainda necessário, mas do que se esgotou, que enfaixa uma situação. Shiva destrói a casca do egoísmo e permite a libertação da consciência.

No ano que se finda Shiva deu golpes certeiros em quem se acreditava ao reparo das atenções divinas. Colocou em crise quem adota qualquer método para atingir seus fins. Para alguns intocáveis fez ruir a ilusão da impunidade. Rachou alicerces que pareciam eternos.

Se nas dificuldades existe uma importante lição, chegou para muitas pessoas a hora de apreender e, para outras, compreender o que não sabiam.


Embora ser rico ou ser pobre sejam coisas que nos acontecem, saber ser rico ou ser pobre é algo que nós produzimos por dentro. O que nos faz felizes não é essencialmente aquilo que temos, mas sim o que nós somos.

Ser rico não é pecado, e ser pobre não é virtude. O pecado é não saber ser rico ou ser pobre, pois os dois aspectos têm aspectos positivos, virtudes e defeitos.

O que não pode acontecer é ser egoísta, figura antidivina, e, por isso, não conseguir compreender o que é sublime sem adquirir “pureza de coração”, aprofundados no nível mais cruel da vida.

Existe uma lei cósmica infalível que gera o enriquecimento do homem que em si mantém uma atitude doadora, que está sempre disposto a dar do que tem e a dar o que é. Isto é, ajudar os semelhantes com o que possui e com aquilo que ele “é”. Não basta “fazer o bem” dando coisas – é necessário também “ser bom”, dando a própria capacidade e exemplo.

Os cálculos mesquinhos podem lograr êxito por algum tempo, mas certamente sucumbirão a sua inconsistência crônica.

Quem sabe que é embaixador de Deus aqui, na Terra, e em outros mundos trabalha por amor a sua grande missão. E é por isso que ele trabalha com alegria procurando a perfeição, tanto nas coisas grandes como nas coisas peque­nas.

Não subestima os detalhes, não trabalha para ter público que o aplauda. Receia os louvores e não se deprime com as censuras. Consegue aceitar com razoável indiferença as homenagens e as vaias, porque se libertou das escravidões do homem raso e se revestiu da luminosidade do homem que pratica a Verdade.

Podemos prever – e não há por que imaginar que de repente tudo cesse – que 2016 será um ano predominantemente dedicado aos acertos de Shiva. Um ano fundamentalmente útil para apreender novas e melhores formas de convivermos.

Precisamos agradecer a cada dia não só os amigos que nos confortaram, mas nossos adversários que nos estimularam a vigiar constantemente, a sermos mais compreensivos e compassivos.

Na vida tudo tem sentido e utilidade.

Desejo, assim, que “você” tenha a força para desempenhar seu papel em plenitude – festejando as 365 vezes em que o sol nascerá em 2016, permitindo-lhe corrigir-se e ampliar suas virtudes
.

Impossível domar o bom monstro

A matriz econômica que criou as empresas campeãs, a complacência com a inflação, as regras intervencionistas nas concessões de PPPs, as intervenções desastrosas no setor de energia, do açúcar e do álcool, o controle irracional de preços administrados, a inconsistência regulatória e a insegurança jurídica fortaleceram o monstro que é a economia brasileira. Nossa economia está disfuncional. Não apenas pela crise econômica nem somente pelas investigações da Operação Lava-Jato, mas pelo descompasso entre as respostas do mundo político à situação que se apresenta.

No passado recente, as intenções eram as melhores possíveis: acelerar o crescimento, criar empresas nacionais com robustez internacional, distribuir renda e aliviar os problemas sociais crônicos. Uma espécie de Frankenstein, um bom monstro. O projeto, porém, tinha pés de barro e cabeça de vento. Não deu certo. Não há crescimento sustentável na base da bolsa TJLP sem regras claras e segurança jurídica.


A impossibilidade de domar o bom monstro se revela no fato de que, mesmo tendo boas intenções, ele não é bom. Sua essência, como tal, pressupõe interesses que, aparentemente, bons não são. O bom monstro existiria para a prática de uma espécie de colonização dos interesses do povo. Um sistema gerado pela soberba ideológica justificado a partir de um ideário de boas intenções. Numa sociedade de paspalhos e néscios, as boas intenções seriam suficientes para nos resgatar do fracasso. Mas não é bem assim que o mundo real funciona. Nem deve ser assim por aqui.

Qualquer projeto de poder que assuma a direção dos destinos dos homens com uma vocação salvacionista deve ser repelido como escravagista e colonizador. Não é o caminho certo para se construir uma sociedade livre e responsável, de direitos e deveres. Não faz sentido superlotar uma sociedade de benesses sem lhe dar a noção de direitos e responsabilidades. Não funcionou nos países socialistas, apesar da força da ditadura que tentou implantar tal modelo social e econômico.

No Brasil de hoje, não havia clareza de que as benesses eram condicionadas ao momento fiscal. Sacrificou-se o equilíbrio da nação para manter a distribuição de recursos para os programas sociais. Com isso, o governo enganou a todos, já que, no limite, podemos entrar em default. É a síndrome do bom monstro que tudo faz para agradar. Inclusive, sem querer, matar a todos.

Hoje, o bom monstro nos mata com a inflação recorde, o desemprego e o desinvestimento. Infelizmente, a recessão e o insucesso não fizeram, ainda, com que o bom monstro fosse para o Polo Norte ou sumisse da humanidade, como no romance de Mary Shelley. Vamos penar algum tempo até que o fracasso seja grande o suficiente para forçar um novo jogo. A opção do momento é tentar conciliar as boas intenções do bom monstro com a dura realidade atual.

As chances de dar errado são imensas. Não é hora de conciliar. Mas, sim, de enfrentar os desafios e reconhecer o fracasso da matriz econômica que robusteceu o monstro que nos escraviza. Em não acontecendo o desafio fatal, prosseguiremos em nossa sina de acreditar que o monstro é apenas desastrado. Disse a poetisa portuguesa Florbela Espanca: “de tudo o que nós fazemos de sincero e bem intencionado alguma coisa fica.” Digo eu: até mesmo os efeitos perversos de nossas escolhas e de nossos fracassos.

Perdido por um...

O ano se foi pelo ralo e o país acabou na lama do volume morto. Perdeu-se um ano, o que não se recupera senão em anos. Ainda foram para o brejo as proclamadas conquistas sociais do petismo.

A situação crítica gerada pela incompetência e os mandamentos ditatoriais do esquerdismo mambembe fizeram e farão nos próximos anos mais mal aos mais necessitados como nunca antes na história deste país.

A proliferação de bolsas não poderá suprir o desfalque nos bolsos proletários com alta inflação e taxas assustadoras de desemprego.

A megalomania de serem os melhores para governar fez com que os mais abastados se dessem bem, pagando um troquinho de dízimo partidário.

Boa vida terão os ricos, os que vivem nas boquinhas e os escalões governamentais do comissariado, sem contar a tropa de corruptos a serviço partidário. Medíocres e ideologicamente ultrapassados, fizeram o Brasil dançar.

A conta agora está na porta para ser paga e anunciam que será rateada inclusive por quem ainda nascerá.

Um governo que endivida o próprio futuro da nação não tem crédito. Pagará nas páginas da História como devedor eterno do prejuízo de levar fome e desespero a milhares de cidadãos.

Governo perdido por um, perdido por mil anos.

'Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade'

Se fosse obedecer ao que agora me diz o insistente diabinho da vaidade ou da soberba que habita em todos nós e, constantemente, nos desafia, sucumbiria ao silêncio. Ou, quem sabe, caso isso fosse possível, me ateria a uma coluna só preenchida – por quê não? –, em letras garrafais (ainda se usa essa expressão?), com a frase que dá título a estas últimas linhas do ano. Carlos Drummond de Andrade, que conheci pessoalmente e de quem fui contemporâneo (que honra!) no velho e sempre saudoso “JB” (lembra-se, leitor, desse grande jornal?), e de quem recebi o poema inédito “Minas Mineral” para publicar numa das suas edições especiais, coordenada por mim, é o autor desse belíssimo verso que, de maneira muito simples, diz absolutamente tudo.

O pensador e escritor francês George Bernanos, que, durante alguns anos, residiu na cidade mineira de Barbacena, também disse que “saber encontrar alegria na alegria dos outros é o segredo da felicidade”. Publicamos dele, na revista “Coluna”, do Centro Acadêmico Afonso Pena, da Faculdade de Direito da UFMG, artigo inédito – uma descoberta, com minha ajuda, do amigo e poeta Pierre Santos – dedicado ao também saudoso médico João Resende Alves. E foi nele que Bernanos nos deixou esta lição inesquecível, que me acompanha desde 1957: “A vida não é um problema a resolver, é um risco a correr – o maior de todos os riscos”. O ato de viver, além de arriscado, exige coragem. 

E é por aí, de risco em risco, que vou trilhando um caminho que a vida me ofereceu (pois, sinceramente, nem sei se de fato o escolhi…), cujo fim é uma realidade mais do que palpável, mas que sempre nos negamos a aceitar. Confesso, contudo, humildemente, que não é só a procura da felicidade que me preocupa e me leva a esse desabafo impróprio e talvez desnecessário. É a tristeza que toma conta de mim logo às vésperas do Natal. Não sei ao certo se a palavra perdeu mesmo a delicadeza que tinha antes, como disse, em sua coluna (“Natal Desesperado”), o cronista e cineasta Arnaldo Jabor. Nem se é o Menino Deus que me leva a refletir, sem dúvida com mais consciência, mais do que normalmente já o faço, sobre a verdade, a justiça e a compaixão.
É do meu irmão Otto Lara Resende a seguinte frase: “Todo mundo que cruzou comigo, sem precisar parar, está incorporado ao meu destino”. Talvez seja isso, a preocupação com o “anônimo” (que, por si só, vale pouco), que me deixa mais triste nas festas de fim de ano.

Ademais, elas me fazem recordar a minha infância (que deve ter sido boa…) e, também, de entes da minha família, que já se foram, e, simultaneamente, de velhos amigos, que, sem aviso prévio, igualmente se foram. Enquanto vivos, sempre me pareceram eternos.

Pior, todavia, do que a morte de familiares e amigos, talvez seja a decepção com alguns (ou com todos?) dos vivos, em todo sentido, que se transformaram em políticos ou agentes públicos, embora totalmente destituídos, desde sempre, de um mínimo de sensibilidade diante do sofrimento humano. O que se passa, por exemplo, no Rio de Janeiro, com o setor da saúde, dói como uma punhalada no peito. Mas nem por isso os responsáveis por essa calamidade deixam de dormir…

Perder a esperança é puro desperdício. Que nossos atuais (e futuros) governantes botem a mão na consciência e, enfim, sucumbam a estas palavrinhas milagrosas: verdade, justiça e compaixão
Elas são indispensáveis à missão de nos representar.

Feliz Ano Novo para todos!

Mariana, não esquecemos!

Samarco
“O rio Doce corria majestoso entre as escuras florestas que o margeiam. Completa calma reinava em toda a natureza (...) Solidões vastas assim têm qualquer coisa de importante e eu me sentia humilhado diante dessa natureza tão possante e austera”. A descrição é do naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire, que em 1818 percorreu o rio em expedição. Hoje, imaginar a exuberância daquele cenário chega a levar às lágrimas, quando se tem a dimensão do “golpe de morte” desferido na Bacia Hidrográfica do rio Doce em nome da busca desenfreada pelo lucro.