segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Vá entender!


Vista de fora, a situação brasileira nos últimos anos se caracterizou por uma impressionante disputa autodestrutiva entre os grupos no poder e na oposição. Os dois lados fizeram o possível para levar o Brasil à falência. E, ao menos em parte, eles tiveram sucesso. O mundo, que agora ganhou um profundo apreço pelo Brasil, se pergunta por que a classe dominante tem demonstrado tamanha miopia para destruir esse tesouro, o progresso socioeconômico que tornou o Brasil tão admirado no grupo dos BRICs
Domenico de Masi

Megadescaso e microcefalia

Zika, devastação do ecossistema do Rio Doce, gestores privados de hospitais públicos no Rio e diretores da Hemobrás em Recife acusados de corrupção, falência de uma grande empresa de planos privados e corte de recursos para o SUS são contas de um rosário de irresponsabilidades. A concentração da política e dos políticos há quase há um ano no fica ou sai do governo aumentou o peso da cruz da saúde. A lista dos problemas cresceu; a emergência da epidemia de microcefalia somou-se aos não resolvidos como dengue e chicungunha, agrotóxicos e negações de acesso. Quanto mais se rezou, mais apareceu assombração. O ministro da Saúde, um político dedicado aos negócios pecuários, cujo perfil é o oposto ao requerido para liderar o esforço para esclarecer e organizar o enfrentamento da microcefalia, lançou às trevas ações setoriais estratégicas. O programa de Aids foi destituído dos seus componentes de direitos humanos, entregou-se a saúde mental a um ex-diretor do hospício, que por anos submeteu pacientes a condições desumanas, e a bucal a um representante do mercado de planos odontológicos privados.

Neste momento, a angústia das gestantes, da população, deveria ser respondida com uma linguagem clara, honesta, que permita a comunicação e a implementação de ações responsáveis. O Aedes, conhecido como mosquito da dengue, transmite outras doenças como a zika, é diurno (pica durante o dia) e se reproduz em água limpa acumulada dentro ou no entorno de casas, bairros e cidades. O aumento de casos de microcefalia está associado com o zika virus. O conhecimento disponível não permite afirmar qual é a taxa de teratogenicidade (anormalidades fetais) no sistema nervoso dos bebês causada pela zika. Basta olhar qualquer foto dos aglomerados urbanos brasileiros e suas condições sanitárias para entender as dificuldades para controlar o mosquito.

Informações veiculadas sobre índices de infestação baixos de Aedes e elevado número de doentes são implausíveis. A presença de casos significa que tem mosquito. Não existe uma única medida (bala de prata) para o controle do mosquito. Cingapura, que é uma cidade notoriamente rica, ainda está às voltas com a presença de surtos sazonais de dengue. É preciso esclarecer como minimizar a reprodução do mosquito e evitar as enfermidades virais que ele transmite, mas também evitar gastos desnecessários com medidas de controle inadequadas. O desenvolvimento da vacina da dengue, com presença relevante da pesquisa nacional, é um investimento virtuoso. Mas, o uso de inseticida (fumacê) demonstrou-se nocivo ao meio ambiente e à saúde. Os produtores de “veneno” levaram muito dinheiro da saúde, que poderia ter sido aplicado na melhoria das condições de moradia, acesso à água encanada e coleta de lixo.

As ameaças de mais uma doença que vem da floresta e se urbaniza revelaram perplexidades. Especialistas declaram humildemente desconhecimento sobre o novo vírus. Acreditava-se que a chicungunha seria o grande problema. Em contraste, tentativas improvisadas de debelar a zika renovaram omissões e picaretagens. A sequência temporal e a lógica espacial do controle do Aedes não é a mesma da especialização institucional e dos mandatos políticos. O mosquito não reconhece divisões administrativas municipais ou estaduais e não é um inimigo a ser eliminado por um exército de agentes de saúde, destacados de uma sociedade civil supostamente inerte, durante o prazo da gestão de tal ou qual mandatário. O combate ao Aedes deixado apenas à atuação tradicional de órgãos estatais não é factível. Qual seria o número de agentes de saúde para visitar periodicamente todas as edificações e terrenos urbanos?

A chegada do verão, do carnaval e dos Jogos Olímpicos deveria estimular a organização imediata de uma força tarefa, proporcional à extrema gravidade das consequências da zika, para estabelecer estratégias de comunicação e de controle do vetor efetivas e organizar os locais de orientação e atendimento às gestantes, bem como induzir e coordenar as atividades para o desenvolvimento de testes para detecção precoce. A zika é um problema de saúde coletiva, diz respeito ao meio ambiente, a todos, população e poder público; não será resolvida apenas pela área de saúde. A atuação conjunto das áreas de saneamento e meio ambiente e a contribuição da população são imprescindíveis. Já se sabe que os vasos de plantas com água são criadouros de Aedes. Mas, as campanhas e as intervenções precisam ser realistas, devem considerar: latinhas jogadas nas ruas; formas objetivas de armazenamento de água; rompimento das proteções de caixas por carros-pipa e circunstâncias concretas para se desfazer do lixo.

O ano de 2015 foi desastroso para a saúde. O SUS levou a pior. Crenças fundamentalistas em governos e orações para partidos políticos desejosos de permanecer ou assumir o poder não protegeram a população — conseguiram no máximo promover a mobilidade social de um grupo ultrasseleto de militantes, ora técnicos, ora políticos, raramente posicionados como servidores públicos comprometidos com politicas direcionadas a solucionar entraves básicos à igualdade. A rearticulação da saúde pública brasileira é prioritária para a compreensão e intervenção sobre os determinantes sociais das doenças. Subfinanciamento, portas giratórias, corrupção, prejudicaram dramaticamente a capacidade de resposta do SUS. Em 2106, os bebês, as mães, as famílias, a população e o SUS merecem levar a melhor.

Ligia Bahia

É o clima, estúpido!

Houve uma época em que quando alguém não sabia como começar uma conversa fingia interessar-se pelo estado do tempo. Perguntava: “Acha que vai chover?”, mas na realidade não queria saber se iria chover ou não. Queria, sim, ouvir a voz da outra pessoa; queria saber o nome dessa outra pessoa; queria, talvez, convidá-la para jantar. Era, em todo o caso, um mau começo de conversa, um sinal de falta de imaginação. Isso mudou. Nos últimos anos a meteorologia virou um assunto sério, talvez o assunto mais sério destes dias tão perigosos. Hoje, se perguntarmos a alguém: “O que pensa do tempo?” corremos o risco de iniciar um debate furioso sobre o aquecimento global, os seus efeitos e as suas causas.
A 21ª Conferência do Clima (COP 21), que terminou no passado dia 12, em Paris, após discussões intensas entre os representantes da maioria das nações do mundo, incluindo 150 chefes de estado e de governo, aprovou um documento que impõe um limite ao aquecimento global: não mais de um grau e meio em relação à era pré-industrial. O documento foi saudado como uma grande vitória: “Hoje é um dia histórico” — proclamou o presidente francês, François Hollande.

Não estou tão otimista. Tenho dúvidas de que seja caso para festejar. Em primeiro lugar, um grau e meio pode parecer irrisório para um leigo, mas qualquer biólogo, ecologista ou meteorologista sabe que essa simples variação já trará alterações enormes. Um aumento superior a dois graus poderá conduzir, alertam vários cientistas, a alterações irreversíveis, com os oceanos galgando os continentes, secas prolongadas em certos países e cheias em outros, e, no geral, uma nova e terrível desordem climática mundial.

Em segundo lugar, o acordo apenas estabelece tal meta, mas é assustadoramente vago no que diz respeito às medidas gerais para a alcançar e não impõe sanções aos países prevaricadores. Os EUA conseguiram mesmo fazer aprovar uma cláusula que impede que o país venha algum dia a sofrer processos judiciais devido à sua responsabilidade histórica no processo de aquecimento global.

Parece-me pouco, muito pouco, para um desafio tão difícil e que poderá ter — já está a ter — consequências devastadoras para todas as formas de vida no planeta.

A questão é que tudo quanto diga respeito ao clima não diz apenas respeito ao clima. Envolve economia, sociedade, saúde, ecologia, o misterioso funcionamento da terra enquanto organismo vivo. O aquecimento global aumentará o fluxo de refugiados econômicos e de guerra. As nações mais prósperas e poderosas, incluindo os Estados Unidos, pagarão um alto preço pela sua persistente indiferença, não apenas de forma indireta, porque terão de lidar com essas sucessivas vagas de refugiados, mas também diretamente. Tragédias como as do Furação Katrina, que em 2005 destruiu Nova Orleans, irão repetir-se e banalizar-se.

Perderemos (estamos a perder) biodiversidade e com isso a comprometer o nosso futuro. As grandes florestas tropicais e outros ecossistemas ainda amplos e preservados constituem imensas farmácias, muito pouco conhecidas e exploradas. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Ambiente, PNUA, a manter-se o atual ritmo de extinção das espécies a Humanidade perde um medicamento importante a cada dois anos. Só nos Estados Unidos, 56% dos 150 medicamentos mais comuns resultam de descobertas feitas na natureza e não em laboratórios farmacêuticos.

Há quem defenda que esta crise do clima é também uma crise do sistema capitalista. Porém, pensando na China e no ar irrespirável das suas grandes cidades, ou na antiga União Soviética (ah, Chernobil!) e na dramática herança que a mesma deixou, em matéria ecológica, fica claro que os modelos de economia centralizada também não foram capazes de responder positivamente ao desafio.

Os países do norte da Europa, como a Noruega, a Suécia ou a Holanda, estão neste plano muito à frente da maioria. Passei alguns meses em Amsterdã, numa residência para escritores. Na terceira noite bateram-me à porta. Era um policial. Foi muito gentil. Quis saber há quanto tempo eu chegara. Haviam descoberto que eu não separava o meu lixo. Explicou-me como devia fazer, matéria orgânica para um lado, vidro para o outro, papéis num terceiro depósito. Foi-se embora, sorrindo, dizendo que se voltasse seria para me multar. Não voltou, é claro, eu passei a separar o lixo.

Mais do que de um novo modelo político, o que precisamos é de uma ampla revolução de mentalidades. Precisamos de novos cidadãos. Suspeito que só então teremos novos governos. Bem sei que é difícil criar novos cidadãos com os governos arcaicos a que estamos sujeitos — mas é esse o desafio.

José Eduardo Agualusa

Feliz Natal, apesar de tudo

Papai Noel ou o Japonês da Federal? Sapatos de cromo ou tornozeleira eletrônica? É um dilema para os estão no topo da política brasileira. Na planície, foi um ano terrível, aqui e lá fora. Milhares de refugiados de guerra, atentados, mar de lama, epidemias, corrupção. Ainda assim, há o que celebrar. A solidariedade, por exemplo. Esteve presente na onda de refugiados que invadiu a Europa. Nos distritos arrasados de Mariana, felizmente, também não faltou.

Há que celebrar a competência dos médicos e cientistas brasileiros que estabeleceram rápido a conexão entre o vírus zika e a microcefalia. E comunicaram ao mundo. As perspectivas são aterradoras, mas seriam mais ainda se não tivéssemos dados para, pelo menos, buscar uma vacina. Os cientistas americanos que passaram pelo Recife ficaram admirados como se fez tanto com equipamentos tão modestos.

Mesmo não sendo um defensor da pobreza dos meios, valorizo esta qualidade, a tentativa de superar criativamente a limitação dos instrumentos. Já é uma qualidade de muitos brasileiros. Com o dólar nas alturas, talvez seja, por um tempo, uma espécie de segunda natureza.

O imperador Adriano, da escritora Marguerite Yourcenar, disse algo interessante sobre pessoas, mas que bem poderia ser adaptado ao Brasil: “Ele havia chegado a um certo momento da vida, variável para cada homem, em que o ser humano se abandona ao seu demônio ou ao seu gênio e segue uma lei misteriosa que lhe ordena destruir-se a si mesmo ou a superar-se”.

Creio que vivemos sob essa lei misteriosa e, ao contrário de Adriano, não a vejo comandar apenas uma coisa ou outra: os dois movimentos, autodestruição e superação, se entrelaçam, como se a própria lei hesitasse. O processo político brasileiro é autodestrutivo. Se apenas implodisse mansamente... Mas é um espetáculo longo de sirenes, buscas, batidas policiais.

De 2013 para cá, surgiu um movimento de protesto, tentando despertar mudanças e reverter a decadência. O movimento ainda está vivo hoje, sabendo agora que não se trata apenas de cobrar os serviços, mas condenar a corrupção, pedir o impeachment.

Enquanto a solidariedade marcava o ano aqui embaixo, lá em cima o ano terminava com duas notícias assombrosas: corrupção na Hemobrás e nas obras de transposição do São Francisco. Roubam a água e o sangue de populações vulneráveis. Naturalmente numa escala muito menor que os assaltos à Petrobras. Não avalio os números nem artigos do Código Penal. Não é preciso trabalhar com palavras para saber que sangue, água e óleo são substâncias diferentes.

Por essas razões, o Natal no Brasil é uma festa no front. Um ano de governo e o único resultado político é o processo de impeachment. Ele nos espera no ano que vem. Assim como a crise econômica, pois recuamos quase 4% do PIB. O Brasil talvez esteja precisando de um presente. A disposição de cada um em seguir o próprio gênio e afastar o perigo da autodestruição. Seguir o gênio, no texto, significa apenas usar as próprias qualidades, superar-se como se superaram os médicos e cientistas nordestinos.

Vamos ouvir o som das sirenes como se fosse o trenó de Papai Noel. Vamos tirar mais algumas tornozeleiras do saco de brinquedos, e ao dobrar dos sinos das igrejas de Mariana, lembrar que acaba um ano difícil. Os mais velhos, como eu, sempre dão um balanço dos seus mortos. Senti a perda de Carlos Lemos e fiquei sabendo, através da família, que ele guardou um cheque que entreguei a ele no fim dos anos 1960. Está intacto. Independentemente da cifra, é o cheque mais valioso que assinei na vida. Querido Lelé.

Na noite seguinte, fui ao aniversário de um amigo: 90 anos. Nadamos na mesma piscina. Estranhei sua ausência pela manhã. Ele disse: preciso me poupar para a festa. Ao vê-lo pulando de mesa em mesa, movendo os mesmos braços longos que desloca na água, pensei: quantas vezes falamos do Brasil, quantas vezes lamentamos o curso das coisas no país. Mas Armando Salgado, esse é seu nome, erguendo uma taça de vinho alegremente, despertou-me um sentimento essencial: sobrevivemos e é bom estar aqui.

Não creio que o Brasil se coloca um problema que não possa resolver. Há clamor nas ruas, mesmo sob o sol de dezembro, às vésperas do Natal. As forças autodestrutivas chegaram ao seu destino. Estão dentro de um amplo cerco policial contra a corrupção: o que deveria ser uma experiência histórica tornou-se um processo penal.

No ano que acaba, o difícil foi não ver a luz no fim do túnel. Se aparecer em 2016, será uma grande conquista. Esperar que as dificuldades desapareçam é ilusão. Uma luz, uma simples luz, atenua as asperezas do caminho. O planeta achou sua luz na conferência de Paris e decidiu conter o processo de autodestruição. Celebro pelas novas gerações, embora também aí a luz não não baste: o caminho é áspero. Mas se 189 países conseguem achar um horizonte comum na luta contra as mudanças climáticas, porque um só país não encontrará o seu na luta por melhores governantes? 

Para: Papai.Noel@Polo.Norte.FI

Caro Papai Noel,

Perdoe-me pela invasão de sua privacidade. Tomei a liberdade de encontrar seu endereço na internet (http://www.santaclausvillage.info/). Nos dias de hoje, anonimato é cada vez mais difícil. Tecnologia tem dessas coisas.

Começo pedindo-lhe desculpas. Nunca acreditei em Papai Noel. E escrevo em cima da hora. Talvez o tempo não lhe seja suficiente para atender meu pedido. Além disso, pelo que entendi você (desculpo-me desde já pela informalidade) atende somente os pedidos de crianças, e, mesmo assim, dependendo do seu comportamento durante o ano. Mas daqui de Vancouver, olhando a neve cair delicada sobre os pinheiros, fica mais fácil acreditar na sua existência.

Apesar da chance limitada de sucesso, escrevo mesmo assim. Em meu beneficio, não peço em causa própria (ou pelo menos, exclusivamente minha). Esta semana, um grande amigo me pediu que eu o contatasse. Disse que, já que eu moro mais perto do Polo Norte, talvez você se anime em atender.

Tendo este meu amigo testemunhado à coleção de injurias de todo o tipo derramadas sobre o território verde e amarelo em 2015, ele procura ajuda. Qualquer ajuda. Parece desespero. Talvez seja. Mas mesmo assim, talvez valha a pena apelar para Papai Noel. Quem sabe somente Papai Noel possa garantir que em 2016 venham melhores dias. Pedido grande, eu sei. Pelo sim, ou pelo não, achei que não custava tentar.

Estou ciente de que ao atender este pedido, você terá que ignorar algumas de suas regras. Talvez a gente não mereça mesmo. Somos um povo desacostumado a reconhecer no espelho os culpados pelas nossas próprias aflições. Coisa de quem gosta de carnaval, mas abomina ressaca.
O espelho pode muito. Mas não pode tudo. Sempre mostra a quem quiser ver, o rosto dos que são responsáveis por resolver os problemas que, afinal de contas, foram criados por eles mesmos. Sem sucesso. Ninguém acredita. Pelo menos até o momento.

Por isto, resta pedir a Papai Noel que nos entregue os dias melhores que a gente falhou em conseguir pelos nossos próprios méritos. Apesar da evidencia de que dias melhores sem trabalho, esforço e sacrifício seja mesmo brinquedo que não tem.

Com tanta apatia e desilusão coletiva, a gente precisa de milagre. Milagre de Natal, claro.

Dilma pensa (?) que já se livrou do impeachment e de Lula

Por razões que a própria razão desconhece a presidente Dilma Rousseff está acreditando que a decisão do Supremo sobre o rito do impeachment afastou, de forma definitiva, o risco de cassação que pesa sobre seu mandato. E se julgou tão fortalecida a ponto de imediatamente afastar o ministro Joaquim Levy e substituí-lo por um petista que mais parece um boneco de ventríloquo, sempre pronto para repetir a voz do dono. Nem se importou com as inevitáveis consequências desse ato desvairado, como o agravamento da crise econômico-financeira e o aprofundamento do descrédito que seu governo sofre interna e externamente. Simplesmente decidiu, e estamos conversados.


Todos sabem que o ex-presidente Lula vinha insistindo em indicar Henrique Meirelles, para melhorar a imagem do governo, mas Dilma se recusou a aceitar a sugestão, determinada que está em provar que a saída da crise virá através do aumento da arrecadação, um milagre que nem mesmo o Natal está conseguindo concretizar, que Charles Dickens no perdoe. Ela pensa (?!) que se livrou do impeachment e também de Lula, que está desesperado e calado, mas não pode deixar o PT continuar a ser destruído.

Como sempre, a presidente está inteiramente equivocada, porque jamais conseguirá se livrar de Lula. Além disso, o impeachment não morreu. Pelo contrário, quanto mais o tempo passa, mais se fortalecerá, pois as mudanças no Supremo não alteraram o principal, que foi a aceitação do pedido pela presidência da Câmara, e é isto que realmente interessa.

É preciso raciocinar sobre fatos. O pedido de impeachment que vai voltar a tramitar depois do recesso foi aprovado pela criteriosa Assessoria Jurídica da Câmara, formada por advogados de alto nível e aprovados em concurso público, que já tinham dado parecer contrário a mais de 30 requerimentos anteriores. No entanto, ao analisar o pedido apresentado por Bicudo/Reale/Janaina, os consultores da Câmara identificaram que realmente havia provas da ocorrência de crimes de responsabilidade pela presidente da República e deram parecer pela aprovação do pedido, que é o primeiro passo para a cassação.

Não adianta que o governo consiga maioria na Comissão Especial ou até nomeie o relator. As provas apresentadas no pedido e as que forem acrescentadas no decorrer dos trabalhos se tornarão públicas e serão amplamente debatidas. O mínimo que essa discussão provocará é o progressivo desgaste do que resta do prestigio da governanta, porque as provas já existem, ela é que terá de se justificar juridicamente. A corrosão de sua imagem será inevitável.

O relator (seja quem for) pode até forçar uma barra e produzir um parecer contra o impeachment. Isto é comum no Congresso, ninguém liga, porque é permitido que se apresente um substitutivo a ser examinado pelos membros da Comissão. E tudo acontece às claras, com cobertura direta pela televisão, ao vivo e a cores, um verdadeiro massacre sobre um governo que já está caindo de podre.

Mesmo na hipótese de a Comissão aprovar o parecer contra o impeachment, o resultado terá de ser referendado pelo plenário, com apoio de no mínimo 171 deputados (o presidente da Câmara não tem direito a voto).

Na votação para eleger a Comissão, há duas semanas, o governo só conseguiu 199 votos. Ou seja, mesmo com a caneta na mão e tudo o mais, teve apenas 28 votos de folga sobre os 171 necessários. Acontece que esta votação foi secreta, os deputados puderam se esconder sob o manto do anonimato. Na hora da verdade, quando houver a votação em plenário, tudo será transparente, como aconteceu no impeachment de Collor, que ficou surpreso ao perder grande número de votos que considerava certos a seu favor.

Não interessa o que o Supremo concluiu na teoria, sobre a aceitação do impeachment pelo Senado. Na prática, se a Câmara aprovar, o Senado irá atrás igual a um cachorrinho. Os senadores não terão tamanha desfaçatez, isto é uma ilusão, a política não funciona assim.

Há um futuro sombrio que espera Dilma Rousseff, embora ela prefira acreditar que o pior já passou e daqui para frente tudo serão flores. Sonhar não é proibido, especialmente numa noite de verão. Mas não estamos falando da comédia de Shakespeare, mas de uma tragédia anunciada, que está ameaçando destruir os sonhos de desenvolvimento econômico e social do futuro do quinto maior país do mundo.

Alma coletiva de Dilma, anunciada em janeiro de 2015, encarnará em janeiro de 2016


Primeiro alguns números: a construção civil demitiu 447.728 pessoas. Temos 1,7 milhão de desempregados recentes no país. Um lote de 8,8 milhões já estavam desempregados. Fora o rebaixamento das duas agências gringas, o Brasil está sem crédito no exterior desde julho passado. O investimento direto estrangeiro deve recuar para US$ 50 bilhões, abaixo da média de US$ 73 bilhões, registrado desde 2008.

Some-se a isso que, dos 136 países listados pela agência Standard & Poors, só 19 perderam o selo de bons pagadores. Seis conseguiram voltar ao time de bons pagadores, como Colômbia e Uruguai. Nós não voltaremos tão logo.

Agora vemos nesse fim de semana, na mídia, que Dilma só vê um jeito de contornar as coisas: fazer uma guinada à esquerda, com Nelson Barbosa, na Fazenda, liberando o consumo desenfreado que as centrais sindicais (que pediam a cabeça de Levy) postulavam.

O termômetro do Peru Sadia apita quando você alia uma crise econômica, sem precedentes, a um projeto nacionalista, como tábua de salvação. Dilma vai brandir, em 2016, o evangelho do “retorno ao campo social” defendendo um novo nacionalismo.

O termômetro do Peru Sadia apita, ainda mais, quando lembramos do discurso de posse de Dilma, em janeiro de 2015.

Lembram que ela muito insistiu em falar em “alma coletiva”?

Pois bem: quem mais entendeu sobre alma coletiva no Brasil foi o embaixador José Osvaldo de Meira Penna, sobretudo em sua obra “Em Berço Esplêndido” (Editora Topbooks, 1999). Meira Penna mostra, como ninguém, que Getúlio Vargas, exatamente quando o Eixo assombrava o mundo na Segunda Guerra, vendia, a torto e a direito, a ideia de “alma coletiva”.

Meira Penna dissecou como ninguém os perigos da “alma coletiva” ser defendida no Brasil. E foi beber na origem de quem apontava os perigos na alma coletiva na política: Karl Jung.

Escrita em 1936, a obra Wotan, de Jung, deixa claro os perigos da alma coletiva em política: “A a psicose coletiva alemã surge a partir do louvor da imagem arquetípica de Wotan, deus nórdico pagão dos germânicos, das tempestades, da efervescência, da inspiração e da guerra”.

Segundo Jung, de Wotan corresponde a “uma qualidade, um caráter fundamental da alma alemã, um “fator” psíquico de natureza irracional, um ciclone que anula e varre para longe a zona calma onde reina a cultura”.

Tem muito líder religioso fundamentalista que adora também o termo alma coletiva. Mas o vende como “egrégora”.

Do grego egrêgorein, «velar, vigiar”, é a soma de energias coletivas.

Juntemos as peças: crise impagável, nos dois sentidos do termo; guinada à esquerda como resgate de identidade nacional: e alma coletiva.

Temos os ingredientes venenosos para um nacionalismo intolerante: nacionalismo milenarista.

O projeto do PT, para 2016 sob Dilma, é o de um partido que quer ver um Brasil bipolar, dividido entre o bem e o mal.

Virá um partido milenarista como nunca vimos: William Miller, capitão dos EUA, previu o fim do mundo um punhado de vezes, no final do século 19. E para cada data de fim do mundo que prefixava, Miller vendia túnicas de ascensão, sem as quais os “bons” não seriam arrebatados aos céus quando do dia do Armagedon (Miller emprestou seu sobrenome ao conceito de milenarismo).

Juntemos essa química a algo não tão distante. Foi a crise econômica da República de Weimar que criou terreno para o surgimento do pessismo cultural (kulturpessimismus) que acabou gerando o partido Nacional Socialista e o nazismo. E lembre-se: eles adoravam a alma coletiva defendida por Dilma.

A crise profunda gera também alguns substratos culturais bem malucos.

A tese de doutorado do jornalista Ignacio Ramonet, do Le Monde Diplomatique, escrita há tantos anos, diz melhor, e mais. Indica que, em épocas de crise, o cinema atrai o populacho purgando-lhe os medos reais com medos imaginários ainda mais terríveis.

Foi depois da crise da Primeira Guerra Mundial que a República de Weimar produziu o clima para Nosferatu, para Fritz Lang, e para os terrores e monstruosidades em preto e branco de Murnau. Os monstros clássicos do cinema japonês, Gargula, Monstro da Bomba H, Godzilla, vieram depois de Hiroshima e Nagasaki.

A crise do Petróleo de 73 gerou a primeira filmagem do Destino do Poseidon, Tubarão e Inferno na Torre, a partir de 1975. O medo da virada do milênio, de 2000 para 2001, nos trouxe Mar em Fúria e Independence Day. Hollywood também buscou outros panegíricos: quando a autoridade federal entra em crise nos EUA, a partir de 1973, com o caso Watergate, a indústria de cinema gringo convida as minorias a serem, nas telinhas, heróis federais: o tira grego Kojak, o tira negro Shaft, e os tiras italianos Columbo e Serpico.

Como o Brasil vai reagir?

De tudo isso, tenho medo de um fantasma só: a alma coletiva de Dilma, anunciada em janeiro de 2015 : mas que começa a operar em janeiro de 2016.

E não me venham com o papo de que minorias optam pelo coletivismo deboísta. Quem mais criticou o conceito de alma coletiva, aliás, foi o negro mais brilhante dos EUA: W.E.B. Du Bois, homem de Harvard , estudado na Alemanha. Referia que a “alma vital”, a que em alemão ele chamava de “seleleben”, ia pelo individualismo.

Sinto cheiro de pólvora no ar.

Corrupção generalizada

Não há nenhuma obra de vulto executada pelos governos petistas, desde a primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, que não tenha sido contaminada pelo vírus da corrupção. A recente revelação de que a transposição do Rio São Francisco passou a integrar esse vergonhoso rol apenas confirma o que o senso comum já indicava: os grandiosos projetos anunciados por Lula e Dilma Rousseff ao longo desses anos todos podem até nem sair do papel, e muitos deles não sairão mesmo, mas sua principal utilidade - servir como oportunidade para que partidos, políticos e empresários amigos do governo se fartem de dinheiro público desviado - já está comprovada.

O caso da transposição é particularmente infame. Prometido por Lula como algo “que nem d. Pedro II conseguiu realizar”, o projeto foi anunciado com pompa no distante ano de 2004, quando o chefão petista completava um ano na Presidência e já dava o tom megalomaníaco que nortearia seu mandato. Lula afirmou que, “se Deus quiser”, a primeira etapa da obra estaria pronta em 2006.

Na ocasião, Lula sentiu-se à vontade para espezinhar seus antecessores, ao dizer que “muitas vezes a coisa pública foi tratada no Brasil como se fosse uma coisa de amigos, um clube de amigos, e não uma coisa pública de verdade”. E ele acrescentou que, até o advento da aurora petista, os governos eram irresponsáveis, pois não terminavam as obras prometidas nas eleições: “Alguém pensou que era possível chegar numa tribuna, fazer um discurso para poder ganhar uma eleição e depois não concluir as obras”.

Invocar Deus não foi suficiente para que a profecia de Lula se confirmasse - em 2006, no final do prazo dado pelo presidente, as águas do Velho Chico permaneciam placidamente em seu leito. Reeleito, Lula lembrou-se de sua promessa e disse, com a caradura que lhe é peculiar, que tudo ficaria pronto em 2010 - quando então um “nordestino pobre”, isto é, ele mesmo, faria “o que nem o imperador conseguiu”.

O ano de 2010 chegou, e então Lula, sem conseguir entregar o que vendeu, garantiu que sua sucessora, Dilma, teria o privilégio de cortar a fita da transposição dali a dois anos. Pois 2012 veio e Dilma teve de admitir que o prazo anunciado por seu padrinho subestimara a complexidade da obra. Em compensação, como agora se sabe, o “clube de amigos” ao qual o então presidente se referiu nos idos de 2004 já estava se servindo do abundante dinheiro público colocado à disposição pelo governo petista.

O orçamento da transposição saltou de R$ 4,5 bilhões para R$ 8,2 bilhões, com evidentes sinais de superfaturamento, conforme apontou o Tribunal de Contas da União. No dia 11 passado, a Polícia Federal prendeu vários suspeitos de participação em um esquema para desviar ao menos R$ 200 milhões da obra. Entre os detidos estão executivos das empreiteiras OAS e Galvão Engenharia, integrantes do consórcio responsável por dois lotes da transposição.




Eis aí o padrão petista, que instituiu a rapinagem em todos os bilionários projetos de Lula e Dilma em troca de pedágio para o partido e suas campanhas eleitorais. As investigações em diversas frentes mostram que houve pagamento de propinas em obras da Petrobrás, na Usina Nuclear de Angra 3, na Ferrovia Norte-Sul, na Usina Hidrelétrica de Belo Monte e nos estádios erguidos para a Copa do Mundo. E é improvável que a lista se limite a esses empreendimentos.

Em todos os casos, o tal “clube de amigos” nem sequer se empenhou em entregar o que foi contratado no prazo acertado. Ao contrário: o atraso parece fazer parte do jogo, pois permite aditar os contratos, inventando novos e vultosos custos. A obra em si é o que menos importa.

Assim, já não é mais possível falar apenas de quadrilha, pois essa imagem sugere algo restrito a um punhado de pessoas interessadas em roubar dinheiro público. O que o País constata cada vez mais é que, desde que o PT se instalou no Planalto, a corrupção deixou de ser ocasional para se consolidar como um método de governo.

A bordo do trem fantasma

No Planalto está a presidente mais fraca e inapta à costura política desde Collor. Chefia a Câmara um cadáver adiado que procria discórdia e cavilações. No Senado, um macunaíma das Alagoas imagina que dá as cartas, enquanto seus litígios penais só fazem aumentar.

A maioria no Supremo continua a fazer enxertos no sistema político, baseada numa estética simplória do que seria a arquitetura ideal da representação popular.

Papai STF aplica corretivos nos políticos há mais de uma década, quando Nelson Jobim quis harmonizar numa canetada as coligações partidárias no país continental. Não foi diferente na semana passada, com a proibição pela corte de chapas avulsas na comissão do impeachment.

O vice-presidente, de estilo epistolar, não assegura hegemonia nem sequer em seu partido, que dirá num alargado consórcio de forças, necessário para rebocar a economia do atoleiro. Extensa e poderosa parcela de empresários beneficiou-se do capitalismo estatal nos últimos anos. Alguns foram presos. A maioria está calada.

A oposição cometeu estelionato eleitoral reverso. Prometeu na campanha de 2014 austeridade na lida com o dinheiro público. Meses depois, no Congresso, tornou-se sócia de uma investida cavalar do Legislativo contra a responsabilidade fiscal.

Assim caminha o trem fantasma da República, no meio de uma recessão inflacionária que vai piorar e alongar-se. Será tão severa e duradoura quanto a que solapou o regime ditatorial no início dos anos 1980. Será severa e duradoura porque tem sido alimentada pela inépcia, pela pequenez e pelo egoísmo de lideranças políticas, institucionais e empresariais.

A locomotiva desgovernada arrasta a composição para o desastre. No desfecho apocalíptico, o despedaçamento do statu quo dificilmente servirá de premissa para a reconstrução de um mundo melhor. Será garantia de mais sofrimento.

Para pensar melhor




Se continuarmos achando que os direitos econômicos, sociais e culturais estão acima das questões de possibilidade orçamentária não vamos a lugar nenhum. Será desastre econômico na certa.
(...)É preciso conter os altos salários do setor público e fazer um corte com critérios. Mas não existe ajuste de longa duração. Se transformarmos uma crise de curta duração em uma de longa duração, estamos dizendo para os pobres: “Não tem jeito. Vocês vão sair dos trilhos de novo"
Ricardo Paes de Barros, do Insper. 

Impeachment e democracia

Não são poucos os que argumentam que um eventual impeachment de Dilma, com uma caricatura de “voto de desconfiança”, traria efeitos deletérios para a democracia, abrindo precedente para que outros presidentes sejam derrubados em graves crises ou extrema impopularidade.

Aqueles que reprovam o impeachment argumentam que a melhor forma de punir um governo impopular ou incompetente no presidencialismo é deixar que as urnas se pronunciem ao final do mandato. Em outra perspectiva, Linz e Valenzuela, na obra “The Failure of Presidential Democracy”, afirmam que mandatos fixos seriam um dos muitos elementos que tornam as crises em democracias presidencialistas mais difíceis de serem solucionadas.

Blog do  Robson  Freitas: Pedido de impeachment inspira Charge do Brum

Todavia, mesmo em sistemas parlamentaristas, graves crises políticas podem produzir aberrações como Berlusconi. O problema, portanto, parece ser mais profundo do que arranjos institucionais.

No caso brasileiro, não acredito que um eventual impeachment venha a abalar uma democracia que, como argumentei em outra ocasião, já se encontra abalada. As jornadas de 2013 foram o ponto culminante desse abalo. Naquele momento, nenhum canal institucional foi capaz de traduzir institucionalmente o que a rua reivindicava.

A rua, por sua vez, dada a pouca legitimidade dos canais de representação política, não conseguiu “afunilar” suas reivindicações para que essas fossem processadas pelo sistema político.

De lá para cá, tivemos eleições que transcorreram dentro da legalidade “possível”, porém, com os detentores de mandato eletivo perdendo cada vez mais o protagonismo político para atores como o STF, MP e PF. Pode-se considerar isso como um sinal de normalidade e avanço democrático?

Por mais salutar que possa ser o fortalecimento dos órgãos de fiscalização, não é, em absoluto, normal que os acontecimentos do mundo político sejam orientados pelo rumo de investigações policiais.

Assim como não é normal que um partido que tenha tido quase toda a sua cúpula investigada ou presa, e um governo que tenha sequestrado a máquina para o próprio financiamento partidário e de seus aliados, goze de confiabilidade mínima para, ao menos, administrar a crise que ele próprio gerou.

É nesse contexto que se deflagra o pedido de impeachment como catalizador — ainda que acolhido de forma extemporânea — de um sentimento de descrença generalizada no sistema político. Se aprovado, teremos uma solução atípica mas institucional para a atual crise. Se rejeitado, poderemos caminhar para uma solução não institucional.

As duas soluções não são salutares. Contudo, somente o tempo produz a vacina contra estes momentos agudos, isso quando o vírus das crises não se aloja no organismo politico, tornando-se uma doença crônica.

Gustavo Müller