sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

'Por que amanhã não pode ser hoje?'

Igor, um garotinho de quatro anos, esperava ansioso seu aniversário – e, claro, os presentes. Fazendo confusão com o conceito de tempo, perguntava todas as manhãs aos pais se já era o dia da festa. Na véspera lhe disseram: “É amanhã.” O pequeno, incisivo e nada feliz, perguntou: “E por que amanhã não pode ser hoje?”

Milhões de brasileiros honrados leem com apreensão as notícias da crise política e econômica, cuja solução se distancia mais no horizonte. É que primeiro diziam que chegaria no final do ano, depois em 2016, e agora vai ficando para 2017, e amanhã não sabemos se a luz no fim do túnel poderá ser vista só em 2018 ou até depois.

Como o menino, eles se perguntam “por que amanhã não pode ser hoje”. Quem são os culpados pela demora? Até quando poderá esperar essa caravana de brasileiros, que tem o direito de exigir uma resposta sobre o que estão urdindo nas sombras e intrigas dos palácios do poder?

Lula disse que os que roubam não têm direito de levantar o dedo acusando de ladrões os membros do PT. Os que roubam não, mas milhões de brasileiros têm, sim, o direito de levantar seu protesto contra os responsáveis pela piora da economia. Milhões de trabalhadores que toda semana perdem parte dos frutos de seu trabalho honrado devido à inflação, aos juros cada vez mais altos e ao desemprego à espreita.

Dezenas de analistas escrevem diariamente sobre o emaranhado da crise política. Talvez o que menos interessa é conhecer os sentimentos em efervescência no coração desses milhões de brasileiros que “não querem desistir do Brasil”. Desses, sem culpa, que só têm tempo para trabalhar e que sofrem impotentes com o golpe de uma crise da qual não podem ser culpados. E desta classe média cada vez mais recortada e castigada. Só os milionários podem continuar dormindo sonhos tranquilos. As crises não os tocam, estão vacinados e blindados contra elas.

É preocupante observar o Brasil escorregando rumo à desilusão depois dos anos exuberantes de esperança.

Quando se fala com os mais velhos e com os jovens, o que mais se nota nessas famílias, que toda semana precisam fazer malabarismos e acrobacias para pagar as contas sem cair no abismo perigoso do cartão de crédito, é um sentimento que pode chegar a ser mais daninho que o ódio e a violência. Quis chamá-lo com uma palavra inventada, que não existe no dicionário da Real Academia da Língua Espanhola: “desalegria”, mas que meu colega do jornal, Alex Grijelmo, grande especialista em linguística espanhola, me diz que se trata de uma palavra “morfologicamente correta”, formada com recursos do próprio idioma e que evocaria “desencanto” e “desilusão”. Em português, no dicionário Houaiss existe só “desalegre” e “desalegrar”, não “desalegria”, e apenas com o significado de “tristeza”.

Trata-se da sensação vivida por quem de repente perdeu a alegria, o que leva não exatamente a tristeza, mas a falta de vontade, desilusão e um certo desamparo institucional. É um sentimento grave e perigoso porque a desalegria desnutre a esperança, tira o ânimo para protestar e lutar, instala-se impotente sobre seu pesar, alimentada por uma dor que não lhe é merecida.

Por que diminuíram as manifestações de protesto em massa no Brasil? Talvez porque o que sentem os brasileiros neste momento é a desalegria do desencanto que lhes faz voltar ao antigo e resignado. “Fazer o quê? São todos iguais”, escuto cada vez mais.

Essa sensação de desabrigo que começa a ser notada na alma brasileira pode vir a ser duplamente perigosa na formação dos jovens. É preocupante observar o Brasil escorregando rumo à desilusão depois dos anos exuberantes de esperança.

O nome Brasil talvez venha de brasa, fogo. Possui cor e luz. Os primeiros habitantes dessa terra luminosa eram, segundo seus colonizadores e escravistas, “pessoas doces, nuas e alegres”.

Hoje, a classe política está conseguindo criar nos brasileiros, além de ira, uma sensação de amargura e desalento, que, segundo me contava dias atrás um professor de jornalismo que já sofreu a ditadura e o exílio mas que continua fiel ao seu ofício, “nunca tinha visto antes em sua longa vida”.

É urgente que o Brasil não perca a esperança de ressurgir, mesmo se o preço for expulsar democraticamente do jogo os que se fizeram indignos de reger o destino deste país continental.

Quando perdemos a esperança de melhorar as coisas, o pior pode bater à nossa porta. Portanto, é melhor que os responsáveis por essa desalegria, incentivados pela sociedade, acelerem a chegada de um amanhã, que seja o mais hoje possível, com uma política mais decente, exercida à luz do dia, não nas sombras do crime.

Sobre o ato de respirar

Deixo Brasília com a sensação de que nada muito importante acontecerá antes do carnaval. Mas a crise sempre pode surpreender. Muitos ainda não sabem se vão receber a visita de Papai Noel ou do japonês da Federal. Mas a verdade é que o cerco se está fechando sobre o PT e seus aliados.

A semana foi marcada por manifestações contra o impeachment. Foram menores que as outras. E os analistas se apressaram a concluir que o governo respira. O interessante é que há uma sensação de alívio nesta frase: o governo respira. O pensamento político brasileiro se estreitou. Respirar apenas passa a ser uma qualidade do governo.


Governos existem para resolver problemas atuais e encaminhar soluções futuras. As previsões de queda do PIB aproximam-se de 4% em 2015. Somadas às crises política, ambiental e sanitária, é preciso ser um analista panglossiano para achar tranquilidade nesta frase: o governo respira.

Um pouco escondido pelos empurrões e cotoveladas no Congresso, o cerco policial continua a fechar-se em várias frentes. Duas novas investigações avançam. Uma delas é sobre a transposição do Rio São Francisco, megaobra muito combatida na sua origem. A Polícia Federal encontrou indícios de desvios de R$ 200 milhões em apenas dois trechos da obra. Há mais uma dezena deles.

A escolha da transposição nasceu mais da vontade de Lula de se inscrever na História do que do próprio exame das alternativas. A Agência Nacional de Águas (ANA) produziu um estudo sobre a região e um projeto bem mais barato de cisternas e melhoria da distribuição água. Independentemente da escolha, a verdade é que estão roubando o dinheiro que matará a sede das pessoas, dos animais e irrigará as plantações numa das áreas mais pobres do Brasil.

Outra frente: investigações na Hemobrás. Em Pernambuco produziram o espetáculo dantesco de maços de notas voando pela janela. Somente os médicos parecem ter-se dado conta da gravidade e lançaram uma nota cobrando transparência na Hemobrás.

Estão roubando a água e o sangue de populações pobres. Quem se apresenta para defender isso em nome da causa, da esquerda ou do diabo a quatro?

O governo respira. O que inalam seus pulmões comprometidos? A Polícia Federal apresentou um manuscrito de José Carlos Bumlai, o amigo de Lula. O título é:2010, o Ano Dourado.

As cifras dos negócios de Bumlai estão lá. BNDES, Petrobrás, milhões pra cá, milhões pra lá, a página amarelada em que Bumlai contabiliza os ganhos do ano é uma peça histórica, se examinada no contexto de um empresário que tinha entrada livre no Planalto.

Outro anel do cerco foi a revelação das contas da Agência Pepper, que atende ao PT. Transferências diretas da Andrade Gutierrez para a Pepper foram registradas: R$ 6,8 milhões no ano em que a agência cuidava da conta de Dilma nas redes sociais. De outra empreiteira, a Queiroz Galvão, a Pepper recebia grana numa conta da Suíça.

O governo respira os gases envenenados da corrupção que emanam a cada investida da Polícia Federal, a cada novo documento revelado.

Os que veem com tranquilidade o governo num balão de oxigênio deveriam calcular um pouco melhor a quantidade do gás e o tamanho do percurso. E enfrentar a questão crucial: no horizonte de outro ano depressivo, com os problemas se agravando, um governo que apenas respira é um obstáculo. O ato de respirar, que hoje parece uma qualidade, pode tornar-se um lamento: apenas respira, coitado.

Leio e, às vezes, entrevisto pessoas contrárias ao impeachment. Na maioria são afirmações de respeito ao resultado das eleições. Quase não tenho visto argumentos demonstrando que Dilma tem capacidade de conduzir o País para fora da crise. Poucas pessoas acreditam nisso. Talvez nem a própria Dilma acredite. O governo não atrai quase ninguém para sua esfera. Seu principal esforço é evitar que o grande aliado, o PMDB, o abandone.

A falta de credibilidade, os impasses no Parlamento, tudo contribuiu, por exemplo, para que o mercado se animasse com a possibilidade da queda de Dilma. Nem todas as posições do mercado são racionais. Num caso arrastado como esse, tiveram tempo de avaliar e parecem ter concluído que com Dilma não dá.

Apesar dos tumultos na Câmara, a semana revelou forte tendência pelo impeachment, com a vitória da chapa da oposição para conduzir o processo. Uma visão temerosa conduziu ao voto secreto. Minha impressão é que mesmo com voto aberto o resultado seria animador. O que importam alguns votos a menos, se isso é um processo?

Para os teóricos do balão de oxigênio, os deputados e senadores podem ter-se impressionado com a queda das manifestações. Francamente, o que decidiria agora uma grande manifestação? Os parlamentares vão para o recesso. Uma parte deles viaja, outra fica aqui, no Brasil: a influência cotidiana dos eleitores será muito mais forte.

Alguns observadores acham eles que voltarão com a faca nos dentes. Não sei se tanto. Com um palito não voltarão.

Independentemente das surpresas que dezembro ainda nos possa trazer, caminhamos para um novo ano sem resolver as questões essenciais da crise.

Um olhar externo ao Brasil diria que a performance nacional foi débil. O ponto culminante da crise foi o pedido do impeachment. Não importa o que o Supremo decida, é uma realidade no calendário do ano que vem.

Por ironia, um pedido aceito por Eduardo Cunha, uma das pessoas que não sabem se vão receber o Papai Noel ou o japonês da Federal.

Mas o calendário independe de Cunha. O processo vai rolar num clima de inflação, desemprego galopante, desastres ambientais e epidemias. Alguns passam até em branco, como o incêndio que destrói parte da Chapada Diamantina.

As nossas colunas avançadas que observam o Palácio do Planalto continuarão dizendo da porta do gabinete presidencial: ainda respira. E nós, por acaso, ainda respiramos?

Não se pode elogiar

Essa expressão era muito comum antigamente. Não sei se ainda tem a mesma força. O que sei é que há pouco tempo, em 27 de novembro, publiquei no Blog do Noblat um artigo intitulado 'A Força da Toga', no qual eu exaltava a força da toga que eleva o espírito dos ministros do STF.
No artigo eu destacava a frase da ministra Carmem Lúcia que se tornou uma frase épica, frase que já entrou para a História como das mais belas ouvidas aqui em nosso Brasil, onde ela enfatiza que o escárnio venceu o cinismo, mas que o crime não vencerá a Justiça e encerra dizendo que (os corruptos) não passarão sobre a Constituição do Brasil.

Tenho certeza que, a depender dela, isso é o que acontecerá. Só esperava que a Constituição não fosse pisoteada nem pelos corruptos, nem por mais ninguém.

Devo a Fernando Collor dias e dias de muita angústia e tristeza. Sofri pessoalmente e sofri pelos mais velhos de minha família, que eram as pessoas mais importantes de minha vida. Jamais o perdoei e jamais esquecerei aqueles dias. Francamente, sua figura me é detestável.

Não acredito em horóscopo, mas meu signo é Balança e talvez venha daí meu mais profundo horror à Injustiça. E ontem, ao ouvir aquele excessivo latinório no STF, só me vinha à mente o seguinte: só nos falta desimpichar o Collor!

Ele foi impichado em 1992. Desde então, não houve mudança na legislação que justifique um rito diverso em um processo de impeachment. “Não há como vislumbrarmos novas regras, novas interpretações à luz de uma base jurídica já pacificada e que não se alterou. Isto sim, seria um golpe no passado e no presente”, afirmou o único presidente brasileiro impichado.

Não há como, apesar de toda minha má vontade em tudo que se refere ao senador alagoano, deixar de lhe dar razão.

O Brasil é um país peculiar. Aqui, coisas misteriosas acontecem, chocam, impressionam, mas passada uma semana, se tanto, fica tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Um exemplo: cadê o helicóptero sequestrado por um Papai Noel no interior de São Paulo? Vocês não acham esse episódio uma maravilha? Pois eu acho. Nas mãos do Woody Allen, daria um filme e tanto. Aqui, sumiu, tá sumido.

Esses são os sumiços materiais. Os imateriais são mais aflitivos. Afinal, dinheiro não é tudo. Já a honra de uma Nação...

O Brasil está numa situação periclitante. Fomos rebaixados por duas agências de risco. Nosso nome está igual ao falecido rio Doce...

Hoje Eduardo Cunha levou uma traulitada do STF enquanto Renan Calheiros foi levado às alturas. O que, em matéria de malfeitos, distingue um político do outro?

Todo o procedimento da Câmara dos Deputados em relação ao processo encaminhado pelos doutores Helio Bicudo, Miguel Reali, Jr e Janaína Pascoal, vai ter que ser refeito, perdeu a validade, segundo o plenário do STF.

O Senado terá a batuta nas mãos. Quer dizer, Renan Calheiros ganhou parte da força que Eduardo Cunha perdeu. Mas isso só vai ser posto à prova depois do recesso. E quem garante o espírito que reinará no Brasil daqui a tantos dias?

Outra coisa: você apostaria que o voto aberto é mais palaciano que o voto secreto?

Se o rito e o ritmo do impeachment de Fernando Collor não foram muito corretos, será que ele agora terá direito ao “desimpeachment”?

Deus, ó Deus, não esqueça que somos seus filhos!

Você colocaria seu dinheiro no país que a cada dia se desmente e se bifurca?

Um labirinto de símbolos …Um invisível labirinto de tempo
Jorge Luis Borges, em O Jardim das Veredas que se Bifurcam

A agência de classificação de risco Fitch retirou o grau de investimento do Brasil. Duas das três grandes agências nos tiraram o selo de bons pagadores.

Há um precedente dolorido nisso. Quero lembrar de uma passagem daquela metade de 2002, quando o dólar bombava mais que hoje: o economista Rudiger Dornbusch, professor do MIT (Massachusetts Institute of Technology), morto em junho daquele ano, aos 60 anos, em Washington.

Destacou-se por ter previsto a crise mexicana, em novembro de 1994, quando da desvalorização do peso mexicano.

Em seu obituário, três grandes jornais brasileiros destacaram uma frase sua, de 1998, um ano antes da desvalorização cambial brasileira. Dornbusch referiu que o FMI (Fundo Monetário Internacional) não deveria colocar dinheiro no Brasil para evitar uma crise. “Quando o Brasil ligar, apenas deixe o telefone tocar. Diga que nossos operadores estão ocupados”.

Imaginemos que você dispõe de alguns milhões de dólares para investir aqui.

Mas aí brota a análise inevitável. O Brasil é o país do jogo de espelhos quebrados, da caleidoscópio. Da pernada de anão.

Os atores políticos mudam o discurso a cada dia.

Alckmin era contra o impeachment depois apoiou.

Bumlai volta atrás e diz que os 12 milhões de pixulecos eram na verdade para o PT.

Aécio a cada seu dizer defende, como um Moisés ensandecido, uma causa diferente.

O vice Temer faz uma carta-bomba contra Dilma e dias depois a beija ao som de Amigos para Sempre.

Na última hora, em julho passado, 28 deputados mudaram seus votos com relação à maioridade penal.

Em agosto passado, o ministro Joaquim Levy declarou que não iria pagar a clássica antecipação do décimo terceiro do aposentado.

Teve de voltar atrás.

Em maio passado, um dia depois de rejeitar a inclusão do financiamento empresarial de campanha na Constituição, a Câmara voltou uma emenda aglutinativa que permite que partidos, e não candidatos, recebam doações de empresas nas eleições.

E agora o de ontem: após o Planalto optar por reduzir a meta fiscal de 2016 para preservar o Bolsa Família, Joaquim Levy decidiu deixar a Fazenda.

Você colocaria seu rico dinheirinho num país cujo mapa muda a cada segundo?

Você colocaria seu rico dinheirinho num país cujos atores políticos mudam de discurso ao sabor da hora?

Sabem porque viramos assim? Ninguém pode assumir compromissos do que fala, nem com ninguém: afinal a nova fase da Lava Jato, a do amanhã, pode mostrar em verdade quem você é…

Isso invadiu até a Lava Jato

Um trecho que extraí da mídia, de 26 de agosto passado:

"A Procuradoria Geral da República (PGR) voltou atrás e desistiu do acordo de delação premiada do ex-assessor parlamentar do deputado federal Pedro Corrêa (PP), Ivan Vernon Gomes Torres Júnior. A informação foi repassada pelo procurador Bruno Calabrich à defesa de Vernon, por WhatsApp, a menos de 24 horas da assinatura de um termo de confidencialidade ser encaminhado à Justiça do Paraná informando sobre a colaboração. Vernon é acusado pelo Ministério Público Federal de usar uma funcionária fantasma lotada no gabinete de Corrêa para desviar mais de R$ 600 mil para o esquema de corrupção.A reviravolta no acordo pegou de surpresa Vernon e sua defesa. O GLOBO apurou que, desde abril, o ex-assessor do PP encontrava regularmente com membros do MPF para tratar da delação. Na segunda-feira, os defensores anexaram o termo de confidencialidade para tentar adiar o depoimento de Vernon à Justiça, marcado para a tarde desta quarta-feira. Minutos antes de entrar no depoimento, Calabrich encaminhou uma mensagem a um dos advogados de Vernon informando: “Não haverá acordo”. Surpresa, a defesa questionou: “Como assim?”. Em seguida, o procurador respondeu: “Não haverá acordo. Sem chance”.


Nada se espera de um delator. Napoleão Bonaparte costumava usar a informação que estes lhes davam, e depois os fuzilava, repetindo um seu adágio: "Do delator, só se aproveita a delação”.

Nada no Brasil se sustenta, tampouco palavra. Não há possibilidade de acordos políticos e pacificações num país em que as regras do jogo sempre mudam aos 46 do segundo tempo.

O Brasil pelo menos um status ganhou: virou personagem daquele conto de Jorge Luis Borges, da década de 1940, chamado O Jardim das Veredas que se Bifurcam.

Qual por vereda nos bifurcaremos loucamente amanhã?

Estratégia imoral

Interessa muito ao governo de Dilma Rousseff e aos corruptos em geral espalhar a versão segundo a qual a Operação Lava Jato é a responsável pela instabilidade política e econômica do País. Ao atingirem gente graúda por suspeita de participação nesse grande escândalo, as autoridades policiais e judiciais, conforme essa interpretação, comprometem o trabalho do Congresso e assustam o meio empresarial, prejudicando o País no momento em que este mais precisa de serenidade.


Embora seja de um cinismo patente, tal visão tem conquistado adeptos. Por essa razão, e por incrível que pareça, tornou-se necessário enfatizar, com todas as letras, que a instabilidade que hoje paralisa o Brasil é resultado do comportamento devasso dos políticos e empresários envolvidos no assalto ao Estado patrocinado pelo governo petista, e não do esforço da polícia, do Ministério Público e da Justiça para pôr cobro nesse descalabro. Se não houvesse a esbórnia do petrolão, do mensalão e de outros escândalos menores, não haveria crise nas atuais dimensões. E essa crise só será superada quando a Justiça cumprir integralmente sua missão.

Trata-se de uma constatação elementar, mas parece que, em meio ao tumulto em que se transformou a vida política nacional, o óbvio já não é mais tão ululante – para satisfação dos que têm culpa no cartório. Todos concordam – alguns mais por conveniência do que por convicção – que é preciso punir os corruptos, mas há quem sustente que a Lava Jato, com suas complexas conexões e seus desdobramentos imprevisíveis, adiciona insegurança a um cenário já suficientemente abalado. “O que nos preocupa é a instabilidade política que isso gera”, comentou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), em agosto. De lá para cá, essa visão que toma o efeito pela causa só tem se espalhado. Trata-se de uma tentativa de minimizar a avassaladora crise moral produzida pelo aparelhamento inescrupuloso da máquina do Estado pelo PT, acolitado por empresários e funcionários desonestos.

Essa visão interessa muito a Dilma, ao PT e a seus parceiros, que precisam desesperadamente desmoralizar a Lava Jato. A operação, como se sabe, frustrou um gigantesco sistema de arrecadação criminosa de fundos públicos, que atendia a interesses os mais diversos dentro do condomínio de poder construído por Lula e mantido por Dilma. Era essa base, alicerçada na corrupção e no compadrio, que prometia garantir fartura de recursos para sedimentar o lulopetismo no poder. Agora, com esse edifício de desfaçatez exposto à luz do dia, cresce a certeza de que ninguém – ninguém, frise-se – será poupado. “Tem tanta coisa para acontecer ainda nessa Lava Jato”, disse o lobista Fernando Baiano, delator da Lava Jato. É justamente isso o que apavora o governo.

O Planalto nunca escondeu seu desconforto em relação à Lava Jato, o que é natural, dado o envolvimento de muitos de seus inquilinos nos escândalos. Tratou de insinuar, por exemplo, que a operação contra próceres do PMDB, inclusive ministros, foi açodada. Em nota, a Presidência disse esperar “que todos os investigados possam apresentar suas defesas dentro do princípio do contraditório” – como se as buscas não tivessem sido autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal, guardião das garantias constitucionais.

Ao mesmo tempo, o governo alardeia que a operação tende a agravar a instabilidade política. A estratégia é recorrente. Em julho passado, por exemplo, Dilma disse, em reunião com seus ministros, que “o pior é a instabilidade” política e econômica causada pela Lava Jato. “Para vocês terem uma ideia, a Lava Jato provocou uma queda de um ponto porcentual no PIB brasileiro”, afirmou Dilma, numa tentativa torpe de atribuir às ações da Justiça a culpa pelo desastre econômico causado apenas por sua incompetência. Na mesma época, a Fundação Perseu Abramo, do PT, afirmava que a Lava Jato “criou um cenário de incerteza política que impede a criação de coalizões sólidas, que permitam ao governo implementar sem maiores custos seu projeto” – isto é, responsabilizou a operação policial pelo desastre político que tem sido o governo Dilma.

Cabe aos brasileiros honestos não se deixarem levar por essa tentativa imoral de constranger os que se empenham em limpar o monturo acumulado por essa gente.

Dilma já nem tenta disfarçar

Há poucas semanas, ainda parecia que o final do primeiro ano do segundo mandato da presidente Dilma poderia ser simplesmente melancólico. A esta altura, já não há mais dúvida de que será deprimente. A impressão que se tem é de desmoronamento. O governo se desfaz a olhos vistos. A cada dia, parece menos provável que a presidente consiga escapar do impeachment. Caso escape, será apenas para enfrentar dificuldades insuperáveis no que lhe restará de mandato.
Formalmente, a tramitação do impeachment deverá gravitar em torno de acusações de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, ainda que o desfecho do processo possa acabar sendo altamente influenciado pela mobilização da opinião pública com a possibilidade de afastamento da presidente.
Aos trancos e barrancos, o debate evoluiu. E há hoje percepção cada vez mais clara de que as acusações formais são mais do que suficientes para justificar o impeachment. O que se viu, em 2014, foi uma acintosa operação de dissimulação, cuidadosamente concertada, para esconder do eleitorado a alarmante deterioração das contas públicas. E no afã de dissimular o descalabro, o Planalto se permitiu recorrer a estratagemas que configuraram graves e reiteradas transgressões da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Apesar de todas as pressões por pronta reorientação da política econômica, inclusive de parte do próprio PT, a presidente insistiu em conservar a mesma equipe até o último momento. No sufoco de um embate eleitoral bem mais difícil do que esperava, a candidata entendeu que não poderia abrir mão de um comando fazendário que não titubeasse diante do desafio de manter, a qualquer custo, a gestão fiscal que a campanha da reeleição parecia exigir.
Em longa matéria sobre as pedaladas fiscais, no “Valor” de 11/12, Leandra Peres menciona a lamúria do ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, ao saber que, afinal reeleita, Dilma decidira entregar o Ministério da Fazenda a Joaquim Levy: “Fizemos tudo o que ela pediu, e agora ela nomeia o Levy? Isso não vai dar certo. Eu a conheço”.
Não há como negar. Arno Augustin, de fato, a conhecia. E anteviu o que ocorreria. Nem bem passado um ano, quem hoje tem razões para se lamuriar é Joaquim Levy. Tendo se esfalfado para propiciar um simulacro de credibilidade à política econômica da presidente Dilma, Levy termina o ano definitivamente derrotado por Nelson Barbosa, o mestre arquiteto da nova matriz macroeconômica. Nada mais lhe resta do que pressagiar, como Arno, mas por razões distintas, que “isso não vai dar certo”.
Não vai mesmo. No seu desespero com o impeachment, Dilma não teve melhor ideia do que reabrir o guichê de distribuição de benesses fiscais a governos subnacionais, abandonar de vez qualquer veleidade de levar adiante um esforço crível de ajuste fiscal e encaminhar, ao Congresso, proposta que, na prática, implicaria redução a zero da meta de superávit primário de 2016.
A esta altura, já não é mais preciso gastar papel, tinta e tempo dos leitores para alertar sobre os prováveis desdobramentos dessa nova e ostensiva explicitação de falta de compromisso da presidente Dilma com a sustentabilidade fiscal. A segunda e decisiva perda do grau de investimento é só o começo do que vem por aí.
Não falta, no governo, quem esteja alarmado com isso. Mas o Planalto parece entregue ao imediatismo. Para quem está prestes a se afogar, o que importa é o próximo minuto. Não existe amanhã.
O problema é que a tramitação do impeachment promete ser lenta. E, em meio à incerteza sobre seu desfecho, não será fácil recrutar um novo Levy, que possa disfarçar o fato, inegável, de que, 12 meses após ter iniciado seu segundo mandato, Dilma decidiu voltar às origens, abrigar-se entre os seus e entregar a condução da política econômica a Nelson Barbosa, com quem compartilha convicções estapafúrdias sobre as possibilidades de condução da política econômica.
Já não há mais espaço para autoilusão. É com essa dura realidade que o país terá de conviver nos próximos meses.

STF referenda aspirações golpistas de Renan Calheiros


Prezados leitores, animamo-nos um tanto cedo diante do voto surpreendente de Luiz Edson Fachin no Supremo Tribunal Federal, que rejeitava a ação do PCdoB pedindo mudanças no rito do impeachment que começou a ser seguido na Câmara dos Deputados. O que achávamos improvável aconteceu. De um dia para o outro, tudo muda, e assim tem sido em nossa maltratada República. Contrariando todo o bom senso e todas as obviedades, os ministros, por maioria, preferiram virar as costas à nação e referendar as aspirações de golpismo de Renan Calheiros.

Os principais pontos que suscitaram polêmicas foram a questão do voto aberto ou fechado na Comissão Especial do impeachment, a possibilidade ou não de candidaturas avulsas em sua formação e a admissão do processo pelo Senado como devendo ser automática – com afastamento da presidente – ou não. Os primeiros pontos, embora ministros como Gilmar Mendes tenham deixado bem claro que a lei menciona “eleições”, o que envolve a admissibilidade das candidaturas avulsas, ficando apenas a questão do voto aberto ou fechado como algo realmente passível de elaboradas discussões, eram de menor peso no que diz respeito a efetuar-se ou não o impeachment. O elemento crucial era a questão de ser aceitável conferir ao Senado o direito de arquivar o pedido, uma vez que ele tenha sido acolhido e apreciado pela Câmara. Trata-se de medida que diverge da Constituição, para a qual a admissão cabe à Câmara e ao Senado cabe a condução do processo, e entrega a Renan Calheiros, o governista presidente do Senado, a faca e o queijo na mão para articular o fim do que se iniciou com Eduardo Cunha, presidente da Câmara, e o sepultamento deste pedido de impeachment. Não fica estabelecido, é verdade, que ele possa, monocraticamente, produzir o arquivamento; a tendência é realizar-se nova comissão no Senado para isso. No entanto, recomeça-se do zero, investe-se a Câmara de uma nulidade inacreditável, e abre-se o terreno para que Renan articule suas traquinagens e exerça sua influência.

Gilmar Mendes fez o que se esperava dele e, em alguns momentos, ironizou, para nosso deleite, a desfaçatez dos colegas de tribunal. Definiu que os ministros do STF estavam “tomando uma decisão casuística” e “manipulando o processo”. Argumentou que “os 171 votos necessários para permitir que se escape de impeachment não são suficientes para governar. Estamos ladeira abaixo, ontem fomos desclassificados mais uma vez, estamos sem governo, sem condições de governar, com um modelo de fisiologismo que nos enche de vergonha”. Toffoli, ao contrário, tido corretamente como um dos mais petistas entre os ministros do STF, surpreendeu, tal como Fachin: endossou o voto do relator, exaltou-se e chegou até a endurecer o tom com o presidente do órgão, Lewandowski, ao sustentar que proibir a candidatura avulsa é tolher a soberania popular e “criar deputados de primeira e segunda classe”, favorecendo as oligarquias dentro dos partidos.

Não adiantou a veemência. Por maioria, o STF invalidou a comissão especial da Câmara, celebrada pelos partidos de oposição. Mais: invalidou a Constituição, por óbvio, ao conceder ao Senado poderes que ele não tem. O STF preferiu aceitar não o Fachin que votou ontem, mas o Fachin que insinuou a “proposição de um rito” para o impeachment, como se nada houvesse ocorrido em 1992; como se já não tivéssemos deposto um presidente, dentro da legalidade, dentro da vigência da Constituição de 1988. Trocando afagos e puxa-saquismos repulsivos, os ministros do STF consagraram a irresponsabilidade, espezinharam as nossas instituições e decretaram o caos institucional. Para ajudar a proteger uma presidente, diminuíram a importância da Câmara, praticamente a anularam. Todo o processo se repetirá no Senado, sem que haja regras minimamente definidas para conduzí-lo; a brecha está aberta para Calheiros fazer uso de todo seu “espírito público” e promover sua bazófia com o povo brasileiro. No mesmo dia, vale constar, o TSE rejeitou uma representação da oposição contra a chapa de Dilma e Temer por uso indevido dos Correios para vencer a eleição de 2014, mesmo depois da divulgação, pelo O Estado de São Paulo, de vídeo de reunião de dirigentes dos Correios, em que o deputado estadual Durval Ângelo (PT-MG) afirmou que a presidente teve bom desempenho no estado porque “tem dedo forte dos petistas dos Correios”.

Ainda cabe aguardar para ver o que virá, quais serão as reações e como o Senado se posicionará diante dessa reviravolta. Quaisquer que sejam os desdobramentos, no entanto, é um dia triste para o país. Um dia em que, como poucas vezes, fica clara a fragilidade da nossa democracia. Um dia em que, como poucas vezes, fica clara a imponência vazia e asquerosa dos burocratas e dos soberanos monarcas do Estado, do alto das tribunas ou exibindo suas opulentas togas, para debochar das aspirações e das dores do povo e escarnecer dos imperativos da lei. Um dia em que caem por terra aqueles cegos voluntários que se pavoneiam para dizer que “nossas instituições estão funcionando maravilhosamente”. Um dia em que, ao lado da corrupção sistêmica oficializada como método de governança, a hipocrisia se tornou doutrina oficial jurídica, e o ministro Celso de Mello disse que o Senado pode arquivar o impeachment em nome do “útil, do oportuno e do conveniente”, critérios, no mínimo, de abominável subjetividade. Um dia em que a ministra Carmen Lúcia, que havia declamado um poético discurso assegurando que os criminosos “não passarão por cima da Constituição do Brasil”, mostrou que o fez apenas para, no apagar das luzes de 2015, se juntar a eles. Um dia em que a vergonha na cara tirou férias, e o descaso com a República foi exibido despudoradamente na televisão.

Falo, desde o começo, em República. Corrijo-me. Que República? A República morreu. Graças às mais imundas armações e ginásticas conceituais, entretanto, permanece um cadáver insepulto, cujos ilegítimos condutores, empossados mediante desvios de recursos e tenebrosas transações, se recusam a enterrar. Os vermes, o odor fétido, a deterioração dos despojos, fazem adoecer e agonizar o povo brasileiro. O que se dá a olhos vistos é uma estúpida piada de mau gosto. Costumo rir delas. Desta, não consigo; apenas pranteio, junto à Pátria, a nossa desgraça.

Mudar o regime para acabar com a corrupção

Amplia-se a corrupção. A cada dia surgem novas denúncias contra políticos, partidos, altos funcionários públicos e empresários. Alguns encontram-se na cadeia, outros em prisão domiciliar, estes aguardando sentenças, aqueles à beira de um ataque de nervos. Mas a maioria vai muito bem, obrigado. Seu exemplo é perfeito. O festival de corrupção explicita generalizado a partir do governo Lula e exposto ao máximo durante o governo Dilma vai conseguindo efeito singular junto à opinião pública: reduzir a capacidade de indignação do cidadão comum, aumentando-lhe a cobiça.

A lista de criminosos denunciados em cascata já não irrita nem assusta a população. Pelo contrario, acende sua inveja, pela evidência de estarem envolvidos com sucesso os mais favorecidos pela roubalheira, primeiro parlamentares e detentores de cargos de nível na administração e na economia do país, mas logo também aqueles que, por se encontrarem de fora, almejam ir para dentro. Fora algumas exceções, comportam-se todos como se nada pareça incomodá-los. Imaginam-se blindados e protegidos pelo regime vigente, pelas leis e regulamentos de espécies variadas. Quando recebem a acusação de ter recebido propinas, promovido desvio de dinheiros públicos e multiplicado de forma irregular suas contas bancárias, aqui ou no exterior, a tentação e a reação surge sempre maior entre aqueles que apenas observam, já sem protestar: melhor aproveitar, quando der.

A nação está corrompida entre os que roubam e os que não reagem. Estes, certos de que não adiantará nada ser honesto, parecendo preferível seguir o exemplo daqueles, acreditando na possibilidade de lucrar com os usos e costumes adotados pelos outros.

À medida em que o tempo passa, mais se aprofunda essa dupla prática. Claro que aqui e ali a Justiça consegue resultados. Bandidos têm ido parar na cadeia, mas jamais a ponto de alterar a mentalidade que nos assola.

Sendo assim, a única saída possível estará na mudança do regime. Nada de adotar o presidencialismo-parlamentarista ou a monarquia, iniciativas que de nada adiantariam. Muito menos transformar o Brasil numa imensa prisão.

Mudar o regime significa reduzir a diferença entre ricos e pobres. Ampliar direitos de uns e deveres de outros, misturando-os num conjunto capaz de, em algum tempo, significar igualdade. Em certos casos, pela força, mas na grande maioria, pelo convencimento. Pela demonstração da impossibilidade de ser diferente. Continuar como vamos exprime a desagregação, cuja primeira etapa está sendo a corrupção, admirada por cada vez mais gente…

Carlos Chagas

De cabeça para baixo

Na série de TV “Isabel, rainha de Castela”, que o canal pago Globosat está exibindo diariamente, o navegador genovês Cristóforo Colombo tenta convencer Sua Majestade a financiar seu projeto de descobrir o caminho das Índias.

Ele mostra à rainha cartas de navegação fraudadas e falsificadas tentando convencê-la dos fundamentos infalíveis de seu projeto, e aparece com um globo terrestre na mão, para comprovar que a Terra era redonda e que através do Atlântico chegaria ao seu destino.

O projeto de Colombo era recolher o ouro e a riqueza de terras ainda não conquistadas, mas para ganhar a simpatia da rainha católica foi aconselhado a enfatizar que sua missão principal era a de espalhar a fé cristã por terras desconhecidas. A rainha aprovou a história da fé, mas por via das dúvidas não esqueceu de perguntar se aquela missão também iria também ajudar “as arcas do Reino”.

Andando com aquele globo na mão, na época em que ainda se acreditava que a terra era plana, a rainha de Castela se perguntava, olhando para a parte de baixo do globo, como é que as pessoas que estavam lá conseguiam andar de cabeça para baixo e não caiam no espaço infinito.

Quem, quando criança, em algum momento, não teve essa dúvida maluca?

Há mais de 500 anos existiram Isabel e Fernando, reis de Castela e Aragão o navegador genovês Cristóvão Colombo, e a América foi descoberta.

Há ou não há um leve e melancólico tom de ridículo envolvendo essa metáfora do mundo de cabeça para baixo que intrigava Isabel de Castela?

A América, historicamente jovem, tem um quê de patafísico (a ciência das soluções imaginárias), um quê de surrealismo (no sentido que lhe dava André Breton, seu idealizador, como uma espécie de expressão do sonho, do instinto e do desejo, deliberadamente incoerente) e um quê do realismo fantástico (elementos mágicos ou fantásticos tratados como normais na narrativa).

Na Macondo venezuelana, o povo foi chamado a dizer nas urnas o que pensa do bolivarianismo de pajaritos, e tomou a Assembleia Nacional dos esbirros do patético Maduro por mais de 30% de votos de diferença. Problema nenhum nesse mundo de cabeça pra baixo. El señor governante resolveu a pendência salomonicamente: monte-se outra assembleia, essa inteirinha dele, e deixem de atrapalhar a marcha para o futuro. Como ninguém tinha pensado nisso antes?

No Brasil, uma obscura juíza de Direito do interior se achou investida de poderes divinos e suspendeu por 48 horas a comunicação via Whats’app entre milhões de pessoas que usam o aplicativo como recreação ou instrumento de trabalho. A medida da onipotente de subúrbio foi revogada algumas horas depois, mas deixou sua marca para a história das iniquidades.

É neste pedaço de mundo também que aqueles que o polonês Czeslaw Milosz, Nobel de Literatura de 1980, chamava de “universo de sombras ambulantes”, tenta dar vida nova a velhos fantasmas que jazem no subconsciente, imaginando forjadores de rios de leite e mel onde só existem quadrilhas de aproveitadores vulgares.

No globo que o navegante genovês deu de presente a Isabel de Castela pode acontecer de tudo, mas as pessoas de cabeça para baixo não cairão e nem se perderão no espaço infinito. Como os juízes do Supremo decidiram ontem, sempre haverá quem esteja disposto a ajudar a lei da gravidade a manter cada coisa em seu lugar, mesmo que esse lugar seja o inferno.

O julgamento desvendado

130806-OligarquiaFinanceira

O que estamos dizendo é que cabe a uma oligarquia escolher os representantes (da comissão). Estamos manipulando esse processo com eficácia próxima de zero, senão zero. Ninguém vai cessar (processo de impeachment) por interferência do Judiciário. Se (o presidente) não tiver base parlamentar, não resiste
  1. Gilmar Mendes, ministro do STF

Uma vitória de Pirro no Supremo, que acaba sendo derrota

Houve comemoração ontem à noite no Planalto/Alvorada, no PT e no Instituto Lula. Festejou-se o que se pensou ser uma vitória, mas agora de manhã, mesmo na ressaca, é preciso racionalizar o que aconteceu. O Supremo Tribunal Federal, presidido por Ricardo Lewandowski, confirmou que continua disposto a servir ao governo, desde que não dê muito na vista, algo que possa ser considerado politicamente correto, e por aí vamos. Mas tudo tem limites e o governo acabou perdendo a questão principal das ações e mandatos apresentados, porque o Supremo não teve coragem de anular a aprovação do pedido de impeachment aprovado pelo deputado Eduardo Cunha, na condição de presidente da Câmara.

Ou seja, o pedido de impeachment continua de pé, alicerçado pelo parecer favorável da Assessoria Jurídica da Câmara. O que realmente houve de positivo para o Planalto/PT/Instituto Lula foi a anulação da votação secreta para eleger a Comissão do Impeachment.

Agora, os líderes terão de aprovar nova lista, para submetê-la à Mesa da Câmara, com vistas a uma decisão simbólica, pois não haverá candidatura avulsa e a eleição será de chapa única.


Nesta mesma quinta-feira, o Planalto conseguiu outra vitória, ao reconduzir o amestrado Leonardo Picciani para a liderança do PT, para indicar os oito deputados que integrarão a comissão, mas Cunha já promete que na terça-feira Picciani será derrubado por um novo líder,a briga é boa.

Enquanto esta disputa interna prossegue, cabe a pergunta: o que decidirá a tão cobiçada Comissão? Simplesmente vai dizer que apoia ou não o parecer do relator, que pode ser contra ou a favor de Dilma, dependendo dos velhos trinta dinheiros que notabilizaram Iscariotes.

Acontece que o impeachment de Dilma Rousseff na verdade será decidido pelo plenário da Câmara, em voto aberto, depois de amplamente conhecida e analisada a acusação desferida pela Assessoria Jurídica da Mesa.

Como aconteceu com Collor, no plenário a votação será aberta, com cada deputado proferindo seu voto ao vivo e a cores. Dilma precisa de um placar estelionatário que atinja 171 votos favoráveis. Na última eleição, teve 199 votos, mas foi no sistema secreto. Com voto aberto, esses escassos 18 votos que lhe sobraram podem se esfumaçar diante das implacáveis telas da TV.

Com as ações e recursos, o Planalto conseguiu atrasar a votação, quando deveria tentar acelerá-la. O tempo conspira contra Dilma e o Congresso vai entrar em recesso, para complicar ainda mais a situação. Enquanto isso, a economia do país vai se derretendo e o povo pobre volta a sofrer cada vez mais. A solução desta gravíssima crise fica para quando Deus quiser, como é praxe na política brasileira.

Dilma leva para a segunda divisão

Não sei se repararam, mas está em curso uma derrama fiscal. E não é só em Brasília. A partir de 1º de janeiro, por exemplo, os moradores de nove estados e mais o Distrito Federal pagarão impostos mais caros sobre os serviços de telecomunicações. Nos demais estados, não haverá aumento por uma razão simples: as alíquotas já estão no teto.

O consumidor brasileiro já pagava os impostos mais altos do mundo sobre telecomunicações. Com os últimos aumentos, vai pagar, na média, o dobro do que paga o segundo colocado, o consumidor argentino.


O brasileiro residente em Roraima pagará R$ 63 de impostos em cada conta de R$ 100 por serviços de telecomunicações. Os que pagam menos são os consumidores de São Paulo, Santa Catarina e de outros quatro estados, apenas 40%. Pela Constituição, essa carga tributária não poderia ser superior a 26%.

Em todos os estados, está subindo o ICMS para diversos produtos, a começar dos suspeitos habituais, bebidas e cigarros. São os produtos do mal, dizem, logo o imposto deve ser alto mesmo, até para desestimular o consumo.

Pois então, a carga tributária sobre telecomunicações está no mesmo nível. É um assalto ao consumidor, uma brutal elevação do custo Brasil.

Vários outros assaltos são cometidos em Brasília. No calor do impeachment de Dilma e da cassação de Eduardo Cunha, entre uma operação e outra da Lava-Jato, Câmara e Senado discretamente promovem a derrama, nas várias modalidades de impostos, taxas e contribuições. Sobem impostos sobre bebidas (de novo!) e produtos de informática — de maneira que o consumidor vai pagar mais ao governo federal na compra do celular, tablet e computador, e mais um tanto ao governo estadual quando utilizar os serviços.

Sobe também a carga tributária em quase todas as aplicações financeiras e sobre ganhos de capital, na venda de um imóvel, por exemplo. Dirão: renda financeira é coisa de rico, eles que paguem. Mas o Tesouro Direto aceita aplicações de 30 reais, de gente que está tentando salvar dinheiro da inflação causada pelo governo.

Tem mais. Agências reguladoras, como a Anvisa, estão aumentando as taxas que cobram por serviços, como o licenciamento de produtos.

Não faltam expedientes para arrecadar mais.

Tudo somado, e ainda sem contar com a CPMF, o governo federal arranjou nada menos que R$ 1,25 trilhão para gastar ao longo do ano que vem. Isso dá algo como 20% do PIB. Repetindo: só o governo federal. Acrescente as administrações estaduais e municipais, e o setor público gasta algo entre 35% e 40% do PIB. Ou cerca de R$ R$ 2,3 trilhões.

É muito ou pouco? Depende do que o governo faz com o dinheiro, não é mesmo? E pelo jeito, não faz nada bem.

Hospitais públicos suspendem cirurgias por falta de dinheiro. Universidades suspendem a limpeza, por falta de dinheiro. O Exército não pode fornecer tropas para combater o mosquito da dengue por falta de dinheiro.

E todos que trabalham nesses serviços — e em todo o setor público — pedem mais verbas. Daí, mais impostos.

Mas, caramba, onde gastam aqueles trilhões? Há duas décadas, o governo federal gastava 10% do PIB. Dobrou o gasto, aumentou duas vezes e meia a carga tributária — e ainda falta dinheiro? E ainda os serviços são precários?

Pensando do mesmo modo, o governo da presidente Dilma acaba de dizer que não tem como fazer o superávit primário no ano que vem. Reparem, diz que não consegue economizar uns trocados, pois o que são 20 bilhões, que era a meta, num orçamento de R$ 1,25 trilhão?

Resumo da ópera: o governo está tomando mais impostos, gastando mais e, ainda assim, quer mais dinheiro. Simplesmente isso, mais dinheiro. E consegue, porque deputados e senadores acabam pensando do mesmo modo.

Ninguém ali sequer pensa em fazer, digamos, uma grande auditoria para saber como se gasta o dinheiro do contribuinte. Nas universidades, nos hospitais, nas diversas repartições, ninguém fala em reforma administrativa, busca de eficiência e produtividade. Em trabalhar mais, por que não? Em mérito. Em pagar mais para quem trabalha mais e melhor.

Ou ainda, não se discute sobre quais serviços o governo deve ou não prestar. O que deve ser de graça? O que se deve cobrar? O economista Ricardo Paes de Barros foi direto ao ponto em entrevista na “Folha”, no último dia 14: não dá para oferecer serviço de saúde grátis para todo mundo; ou faculdade de graça para quem pode pagar, isso é burrice.

Não é por acaso que o Brasil cavou de novo um buraco nas contas públicas.
O país ficou a vida toda na segunda divisão mundial. Com o real, a lei de estabilidade fiscal, os seguidos superávits primários, a redução da dívida pública, o Brasil tornou-se grau de investimento em 2008, por três agências. Primeira divisão. Ontem, a Fitch foi a segunda agência a rebaixar o Brasil para grau especulativo. Apenas nove anos na primeira. O governo Dilma terminou de estragar tudo.
Carlos Alberto Sardenberg

'Há metais pesados no rio Doce'


Análises feitas por uma equipe independente de pesquisadores mostram que há níveis elevados de metais pesados no curso do rio Doce. Os dados são conflitantes com os de outro relatório divulgado nesta semana pelo governo , que nega a presença desses metais. A dúvida permanece: qual é a qualidade das águas atingidas pela enxurrada de rejeitos?

O Grupo Independente para Avaliação do Impacto Ambiental (Giaia), formado por cientistas voluntários de várias universidades, analisou amostras de água coletadas entre os dias 4 e 8 de dezembro, em dez pontos ao longo dos três rios mais afetados pelo rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro: Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce.

"Em várias dessas amostras, encontramos níveis de manganês, arsênio e chumbo acima do considerado seguro pela legislação brasileira", afirma a toxicologista Vivian da Silva Santos, do laboratório de nanotecnologia verde da Universidade de Brasília (UNB) e integrante do Giaia, que realizou as coletas e análises. Nesse laudo preliminar, foram medidas as concentrações de dez metais.

O relatório divulgado pelo Ministério de Minas e Energia nesta terça-feira analisou a presença desses mesmos metais em amostras de água coletadas de 12 a 23 de novembro em vários pontos do rio Doce pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM). O laudo diz que a qualidade da água é compatível com os dados colhidos antes do desastre.

Um terceiro relatório, divulgado na mesma data pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), detectou metais pesados em concentrações acima dos limites considerados seguros para o rio, mas principalmente nos dias em que a enxurrada de lama passava pelos pontos de coleta. Alguns dias depois, segundo o órgão, esses níveis se reduziam e voltavam à normalidade. Os dados também são conflitantes com os encontrados pelo Giaia.