quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Governo ladeira a baixo

À falta de outro, o governo e o PT continuarão insistindo com o discurso do golpe. O impeachment da presidente Dilma seria um golpe e pronto.

Não, não importa que, logo mais, pela maioria ou unanimidade dos votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) decida que o rito do impeachment foi cumprido com correção até aqui.

Pelo menos assim concluiu, ao dar seu voto ontem, o ministro Edson Fachin, relator do caso e eleitor assumido de Dilma.

Mas fazer o quê se o PT e o governo nada têm para inventar em defesa da presidente? Alegam, como a própria Dilma, que faltam motivos para tirá-la do cargo. E que por isso seria golpe.


Na verdade, ela é acusada do crime de ter feito despesas sem autorização do Congresso – as famosas “pedaladas fiscais”. E isso, por si só, pode configurar crime de responsabilidade, sim.

A palavra final será do Congresso.

No caso do mensalão, a palavra final foi do STF. E, no entanto, até hoje, Lula e outros caciques do PT repetem que o mensalão jamais existiu; e que o STF errou ao condenar os mensaleiros.

De fato, Dilma, o PT e o governo parecem estar a poucas horas de colher a derrota catastrófica desenhada por Fachin.

Em resumo, o ministro disse:

* que o Senado não pode barrar a instauração do procedimento de impeachment como queria o governo;

* confirmou a votação secreta para a formação da Comissão Especial do Impeachment na Câmara ao contrário do que o governo defendia;

* negou o pedido do governo de afastamento do deputado Eduardo Cunha da comissão;

* contrariando a vontade do governo, argumentou a favor do afastamento de Dilma quando a Câmara autorizar o processo e enviar ao Senado;

* e rejeitou a necessidade de defesa prévia de Dilma na fase em que se encontra o processo de impeachment na Câmara. Se tivesse acolhido, o processo teria que recomeçar.

Não houve um só ponto do voto de Fachin que tenha favorecido o governo.

Uma vez que seja derrotado no STF, o governo começará a assistir a silenciosa migração de votos dentro do Congresso na direção da defesa do impeachment de Dilma.

Para detê-la, restará ao governo o uso de duas armas: apelar para a militância dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais, que ontem saiu às ruas “contra o golpe”; e oferecer mais e mais cargos na administração pública para deputados e senadores dispostos a apoiá-lo.

A reta final do impeachment ficará para depois do carnaval, quando a crise econômica terá piorado, assim como o mau humor dos brasileiros.

Notícias da democracia


 

Enquanto os 204 milhões de brasileiros, na impotência da sua menoridade política, assistem o espetáculo dos seus tutores disputando a socos, cabeçadas e navalhadas regimentais os pedaços da carcaça inerte da economia nacional que destroçaram, a emancipada cidadania americana segue impávida a sua rotina de reformas cotidianas para remover, em regime de mutirão nacional e sem pedir licença a ninguém, toda e qualquer atrapalhação que se interponha entre o dever de todos de trabalhar para o engrandecimento da nação e o direito de cada um de colher integralmente os frutos do esforço pessoal empenhado nessa obra coletiva.

Como em todo ano impar, em que há no máximo eleições municipais ou eleições locais especialmente convocadas para decidir esse tipo de proposta, 2015 não tem sido especialmente movimentado em matéria de leis e outras iniciativas formuladas e submetidas por cidadãos comuns à decisão dos demais cidadãos comuns que tomam carona nas cédulas das eleições regulares para os poderes executivo ou legislativo nos EUA. Apenas 28 propostas de “leis de initiativa popular” ou “referendos de veto” a leis dos poderes legislativos estaduais foram homologadas para subir às cédulas em 9 estados. A média nacional em anos ímpares tem sido de 45 itens pedindo decisões dos eleitores em cada cédula, com alguns estados chegando a mais de 70. Nos anos pares o numero aumenta muito. Nas eleições de 2014 foram votadas 158 leis de iniciativa popular de alcance estadual em 42 estados. Nos anos anteriores a média rondava a casa das 200. Já as de alcance apenas municipal são milhares.

Como em todos os anos nos mais de 100 anos que já dura esse processo recorrente de ajuste fino, houve propostas sobre temas tão diversos quanto aprovação ou rejeição de impostos, liberação ou não da maconha, valor do salário mínimo (que lá é municipal), reformas da previdência do funcionalismo local, regras para redivisão de distritos eleitorais, normas trabalhistas, assuntos relacionados às comunidades LGTB, leis de zoneamento, normas para eleição de juizes de cortes supremas estaduais, direitos de caça e pesca, normas para limitar a criação de monopólios e, por aí afora, tudo.

29 municípios decidiram no voto, por exemplo, a permissão ou não para a perfuração de novos poços de petróleo tradicionais ou pela nova tecnologia de “fracking” de maciços de xisto (“shale gas”) em seu território. Como eles já resolveram ha séculos que o Capital fica de um lado e o Estado do lado oposto, obrigando os ricos e poderosos a cumprir as leis em vez de se associar a eles para ganhar dinheiro burlando-as, não se cogita de perguntar se tais decisões afetam ou não alguma “política nacional” decretada pelos autoproclamados “donos” de todo o subsolo nacional como os que detonam petrobrases ou afogam populações e bacias hidrográficas inteiras em mares de lama impunemente por aqui. Nem Barak Obama em pessoa “pode” nada contra essas sugestões do mais humilde “zé” de qualquer esquina do país, desde que aprovadas pela maioria dos outros “zés” do mesmo distrito que constituem sua majestade o povo. A praia dele é defesa da moeda, política internacional e segurança nacional. E só. Tudo que diz respeito à vida dos nacionais é decidido por eles mesmos onde essa vida transcorre que não é na ficção política chamada União nem muito menos na Brasília deles que se chama Washington, DC, mas sim no âmbito dos estados (se e apenas se a questão envolver mais de um município) e, principalmente, no das cidades. E no que o povo decide, é claro, legislador nenhum pode tocar.

Constavam nas cédulas das eleições de 2015 também os nomes dos diversos candidatos aos inúmeros cargos públicos que lá são preenchidos por eleição direta. Xerifes, supervisores de serviços públicos (prestados por empresas privadas), promotores municipais, promotores regionais, promotores estaduais, secretários de Tesouro, membros das diretorias de escolas públicas; funcionários com funções de fiscalização e controle em geral, e todos os demais que não tenham função exclusivamente política, enfim, ninguém “nomeia” por lá: são todos eleitos (e “deseleitos”) diretamente por aqueles que eles terão por função servir. Apenas até 15 de junho de 2015, 97 processos de “recall” (“deseleição”) afetando 137 funcionários – um governador, um chefe indígena, dois senadores e inúmeros prefeitos entre eles – tinham sido abertos.

Fecha o cerco desse controle direto do cidadão sobre tudo que afeta sua vida o “voto de retenção” dos juízes de cada comarca a cada quatro anos. 956 juizes em 19 estados passaram por ele em 2014. A três foi negada a retenção no cargo, um deles apenas por “arrogância”; outro “por ser lento e leniente demais nas penas para os criminosos”…

Tudo isso começou pela atribuição do poder de cassar a qualquer momento os mandatos concedidos a seus representantes (“recall”) e de propor e aprovar leis de iniciativa popular aos eleitores de cada distrito de uma única cidade dos Estados Unidos. Usando essas ferramentas, de cidade em cidade, de eleição em eleição, o povo foi reforçando o alcance e a precisão desses instrumentos e cerceando mais e mais a liberdade dos seus políticos de fazerem o que quer que seja sem seu consentimento expresso.

Se os correspondentes do seu jornal ou da sua TV nunca mostraram essas ferramentas em ação, até como alternativa a essa mixórdia de Brasília que lhe servem diariamente em doses cavalares, é por todos os motivos menos porque seja uma prática rara ou pouco visível no cotidiano das sociedades que eles têm por função dar-lhe a conhecer.

O Brasil está humilhado e ofendido. Mas as grandes crises ensejam as grandes reformas. Uma ordem institucional para o bem não cai do céu; é uma obra coletiva em permanente evolução. O voto distrital com recall dá a quem precisa delas boas condições de se defender do banditismo político e construir e reconstruir suas instituições conforme a necessidade, como convém a um mundo em mudança. Não existe outro meio conhecido.

Fernão Lara Mesquita

Somos Guga

Conclamo aos nossos representantes, a todos, a quem comanda nosso país, todos do poder público, que olhem para dentro desta sala. Que vejam essas pessoas que estão aqui, e se espelhem, que sejam justos, sejam honestos. Sejam brasileiros de verdade. Esqueçam um pouco os partidos, a panelinha ou a própria pessoas. Lutem pelo brasil, nosso país merece isso, o povo merece isso
Ex-tenista Gustavo Kuerten ao receber o Prêmio Brasil Olímpico

Últimos capítulos em 90 dias

Nos anos 90, havia uma novela mexicana chamada Canavial de Paixões. A fórmula era a de sempre: traições, irmãs inimigas, paixões proibidas, bate-bocas, mentiras descaradas, favorecimentos indevidos. Tudo melodramaticamente composto com maquiagem excessiva, pintura nos cabelos, muitos, muitos canastrões e alguns bigodões. O Brasil de hoje é um Canavial de Paixões.

O que agradava nas novelas mexicanas era a alta voltagem do drama, da indignação, das maldades. Maldades feitas pela bedel do orfanato contra a pobre menininha. A irmã malvada tramando contra a irmã paralítica (ou cega). O tapa na cara seguido do indefectível “calla te”.


Tudo feito de forma a chocar a alma simples de um povo pouco dado a maiores reflexões. Para aqueles que se impressionam, no Brasil, com os anúncios explosivos da Ricardo Eletro ou das Casas Bahia. “Tudo sem juros”, diz a cavernosa voz em off. Nossa novela da vida real é sem juros, mas o preço do fracasso é altíssimo.

O espetáculo da política no Brasil do momento é igualmente eletrizante e melodramático. Com recheios de dramalhões e reviravoltas diárias e mirabolantes. Carta indignada do vice-presidente para a presidente, pancadaria em plenário, manobras traiçoeiras nos conselhos de ética, copo de vinho no rosto do senador galanteador, um herói vingador, gravações com revelações extravagantes, um ator que se arrisca gravando um senador para salvar o pai, banqueiro preso que tem o cabelo raspado como mostra perversa de autoridade. Enfim, roteiros, atores e cenas dignas das novelas mexicanas.

Só que não é uma novela mexicana. É um dramalhão político real em meio à mais grave crise econômica dos últimos tempos. Uma perversa combinação de inflação e recessão. E, o pior de tudo, a falta de opções e de iniciativas políticas para resgatar o país da paralisia e do desencanto. Ou seja, a falta de um final, qualquer que seja, para a história sem fim da corrupção, da mentira, da incompetência.

Enquanto o mundo político encena um dramalhão, o país sofre na vida real. Governo e oposição se debatem em torno do impeachment e transformam o processo na única saída que temos. Com ou sem impeachment, teremos um recomeço? Tomara que sim.

Seja quem estiver presidindo o Brasil, em noventa dias teremos decisões sérias a tomar. O governo, em sua indecisão e fragilidade, não completou o ajuste. Caso um novo governo pra valer seja formado, a agenda do ajuste e da retomada será absolutamente imprescindível.

E precisará da ampla colaboração de todas as principais forças políticas. Será o momento em que a vida real terá que ser mais autêntica do que o drama político. O momento do encontro do país com a verdade crua do ajuste, quando as lideranças que ainda não existem devem obrigatoriamente aparecer.

E o PT parte no Verão


Eu vivi a inflação em todo o seu tétrico esplendor. Ainda não chegamos lá, mas o caminho é exatamente este: gastar demais, gastar errado, corrupção, incompetência, tudo em doses cavalares. Junto com a inflação galopante do passado recente, veio também o fantasma da escassez. Não havia carne, pois escondiam os bois. Comprar carro novo era um privilégio não apenas para os que tinham dinheiro, mas para os que tinham muita, muita paciência. Para comprar um jogo de pneus, já havia mercado negro, com ágio por sobre ágio. Pagar um restaurante com cartão American Express Platinum? Você era considerado um marginal que achava que os lojistas eram idiotas.

Os que ainda lembram do período em que os salários da gente eram reajustados 60% ou mais num único mês, do tempo em que uma passagem de avião custava 100 de manhã e 200 na semana seguinte, não vão sentir saudades dos postos de gasolina fechados das 20 às 06h da manhã do dia seguinte e também nos finais de semana inteirinhos. Por outro lado, alguns vão sentir saudades das operações de overnight e de open Market, que fizeram alguns milionários sem produzir uma simples tampinha de garrafa.

Tudo isso aconteceu, gente! Tudo isso e muito mais, por incrível que possa parecer. Os que viveram esta época insólita e nojenta, comemoraram a retomada da normalidade com a URV e o Plano Real, vibraram com o tripé macroeconômico e com as defesas que foram criadas para que aquela época não voltasse. Com a estabilização do Real, retomamos o convívio com a estabilidade e a inflação de quase zero, coisas que já imaginávamos como algo impossível. Passamos a nos localizar melhor no mundo civilizado, até porque havia caído o tal “depósito compulsório”, que as pessoas tinham de fazer para poder viajar para o exterior. Você ouviu bem (e lembrou): depósito compulsório para poder viajar às nossas custas, com o nosso dinheiro!

Chega a doer na alma ver que estamos a caminho de tudo isto de novo, graças às escolhas medonhas e cretinas que fizemos neste país. Depois que o PT passou a ser protagonista, ao invés de ocupar apenas o confortável posto dos que criticam e nada fazem, as coisas começaram a desandar devagarinho nas cidades, depois nos estados e, depois de 13 anos, na Federação. Rasgaram os manuais de matemática simples, evitaram as calculadoras, expulsaram o bom senso e desandaram a gastar, gastar e gastar. Desdenharam as boas práticas gerenciais, repeliram os bons e implantaram uma casta de ladrões e incompetentes que, obviamente, nos levaram à beira do caos e de volta potencial a um passado que, por sua configuração, poderá ser ainda mais danoso do que foi o seu ancestral.

As evidências abundam: empobrecimento veloz da população emoldurada pelos números suicidas de um PIB decrescente, indústria em depressão por falta de dinheiro, energia e inovação, emprego em queda e pessoas em depressão por verem suas conquistas em direção ao ralo, ausência de projeto de nação, violência explodindo em cada bairro, autoestima em erosão, preços apontando para o alto e valores como ética e justiça cada dia mais distantes. Estes são os resultados de um país governado por um bando, uma quadrilha, uma organização criminosa. Corrupção? Apenas o resultado mais bisonho de tudo isto acima.

Impedir Dilma, prender Lula, eliminar o PT da vida política brasileira, acabar com a imunidade parlamentar e punir a todos os corruptos com a dura pena da lei são muito mais do que medidas preventivas para que não retornemos ao pior passado de nossa existência. Trata-se apenas de medidas profiláticas para que tenhamos algum futuro. O fim deste pesadelo é um sonho colorido de verão. Graças a Deus o verão está recém começando...

É hora de basta

Os brasileiros não aguentam mais ser apunhalados pelas costas. Basta! Os limites da tolerância e da paciência foram há muito esgotados
Jorge Mussi, ministro do STJ

Reforma institucional ou estelionato eleitoral

O crime de estelionato está assim definido no Código Penal Brasileiro: "Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento". É o famoso 171. Por analogia, aplica-se a designação aos casos em que o candidato ou candidata, após vitória eleitoral, passa a fazer o oposto do que afirmara em seus compromissos e promessas de campanha. O caso se torna ainda mais grave quando esse candidato ou candidata, durante a disputa, atribuiu a seu adversário a intenção oculta de aplicar essas mesmas políticas. Tem-se aqui, com toda clareza, a obtenção da vantagem ilícita (vitória eleitoral), em prejuízo de outrem (o adversário), mediante indução dos eleitores ao erro, através de persuasivo ardil.

Em janeiro deste ano, na eleição grega, o Syriza, partido de esquerda, obteve maioria parlamentar para formar governo com um discurso radicalmente avesso aos ajustes fiscais exigidos pelos credores. O líder partidário, Alexis Tsipras, como ocorre via de regra nos países que adotam o sistema parlamentar, assumiu o governo e durante meses tentou sustentar seu discurso. Por fim, rendeu-se aos fatos. Imediatamente após, numa atitude corretíssima, renunciou ao cargo e novas eleições foram convocadas. Seu partido voltou a vencer, e Tsipras retornou à chefia do governo com ainda maior força política e moral.

Deu para notar a diferença? Alguém alegará que o Brasil não é um país parlamentarista e que estelionato eleitoral não é crime no Brasil. Tem razão quem diz. Vender falso bilhete premiado dá prisão, mas não é crime enganar 45 milhões de eleitores (número a que se chega diminuindo dos 54 milhões de votos obtidos pela presidente os 9 milhões que ainda a apoiam). Contudo, mesmo não sendo crime, os artífices desse estelionato deveriam andar pelas ruas, pelos aeroportos, pelos restaurantes do país, com os olhos baixos, constrangidos de encararem a sociedade à qual, iludiram de modo ardiloso. Esta seria a atitude moralmente exigível e não a arrogância que ostentam quando exigem que a legitimidade do mandato assim conquistado possa valer, inclusive, como blindagem contra julgamento por posteriores crimes de responsabilidade fiscal. Aí estamos diante de uma indignidade que nem mesmo uma dúzia de adjetivos pesados são insuficientes para caracterizar.

Julgo que a atual crise brasileira geraria algum ganho se desse causa a uma reflexão nacional sobre a irracionalidade do nosso sistema de governo (que funciona como um amplificador de crises) e convencesse nossos legisladores da necessidade de separar Estado, governo e administração (causa principal do descontrole fiscal e da corrupção). A menos que queiramos continuar sendo enganados.
 

O que falta para enxergarem o que ameaça o futuro do país

O difícil para o colunista nem sempre é a falta, mas o excesso de assunto. Meu artigo já estava pronto e deveria estar no jornal, nas mãos do editor de Opinião, de acordo com o compromisso assumido, desde as 15h de anteontem. Antes de enviá-lo, a avalanche que desabou sobre a política, mas, na verdade, sobre minha cansada cabeça, por meio de mais uma “operação Limpa Brasil” (ou seria operação Lava Jato?), me deixou um pouco mais atordoado do que já estou.

Apesar dos longos (mais de meio século!) e incansáveis anos de estrada, vivo, sinceramente, nestes últimos tempos, momentos de absoluta perplexidade, embora ainda consiga conter a raiva. Às vezes, acho que estou vivendo um pesadelo, que vai acabar quando chegar a hora de despertar. Ou, então, um filme. Aliás, mais para um filme de horror, pois não creio ainda que tudo isso que estou vendo seja verdade.

O que se especula, no meio político e mesmo fora dele, é sobre quem, do contingente político, na República (que é coisa pública, leitor!), no Estado ou no município, será o próximo. Continuará a ser alguém do PT ou será do PMDB? Ou, ao contrário, o bicho, finalmente, vai pegar a oposição? Para mim, não haverá mais surpresas.

Por essas e por outras é que me pergunto e pergunto a você, leitor, e aos políticos que ainda têm um mínimo de honradez e dignidade (ou estou sendo ingênuo?): não teria já chegado a hora de um acordo entre a presidente da República, Dilma Rousseff, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o presidente do Senado, Renan Calheiros, com vistas à renúncia dos três? Pois estão – os três – implicados (trato, agora, só deles, bem como deixo de lado, por ora, o vice-presidente Michel Temer) em denúncias gravíssimas, de crimes diferentes.

A presidente Dilma, por exemplo, não será julgada pelo Código Penal, de vez que ainda não está sendo acusada (perdão, leitor, mas não posso deixar de usar o advérbio) de crimes nele previstos, mas de haver cometido crime de responsabilidade.

Por que não refletem sobre esse ato de grandeza e o assumem ainda (olhe aí, de novo, o advérbio) a tempo de receberem, no juízo da história, algum registro favorável? Não são seres humanos? São seres de outro planeta? Não se acham culpados pelo que têm feito à nação brasileira? Que falta aos três, finalmente, para que enxerguem, com desassombro, a realidade dramática que ameaça, por culpa deles, o futuro promissor e de paz do nosso país?

Vivemos, hoje, leitor, não apenas o mar de lama que cobriu de dor a bela e inesquecível Mariana, atolada que foi, uma vez mais, pela irresponsabilidade criminosa do poder público. Vivemos, sim, em meio a um mar de lama muito maior do que esse ou do que aquele que, um dia, foi objeto de vigoroso discurso de um grande e inesquecível mineiro, Afonso Arinos de Mello Franco.

Permita-me, leitor, o desabafo, que já vem de longe, de muitos anos, e que quase me sufoca. Não tenho tribuna, senão (ainda) a maior delas, a liberdade de expressão, que me permite, deste cantinho, suplicar aos três que, pelo menos uma só vez, dirijam o olhar sobre nosso sofrido povo e concluam depressa que tudo tem a sua hora, e a hora, agora, é de grandeza e desprendimento.

Deixe de lado as filigranas jurídicas, presidente, e não permita que seu governo se transforme num estuário de lama nem exploda na desordem. E confie na verdade. E, “se não é possível saber o que é a verdade, é perfeitamente possível saber o que é a mentira”.

Só renúncia e governo de unidade evitam convulsão social

Ninguém é capaz de um prognóstico do amanhã deste Brasil de corruptos e aéticos. A economia afunda, a Polícia Federal cerca mansões de políticos e empresários às primeiras horas da manhã com mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça. A impopularidade da presidente sobe a espantosos números e os petistas, alheios a essa anarquia generalizada, guiados por centrais sindicais aparelhadas, vão às ruas para brigar pelo status-quo dessa quadrilha que eles patrocinam e que se apossou do país.

Os números da economia são os mais escabrosos dos últimos vinte anos, o que mostra um país à deriva, sem comando e sem liderança. E cada vez mais distante de se recuperar e se reorganizar. “A projeção é de recessão de 13 trimestres e a queda do PIB per capita de 8,1%”, como estima a economista Silvia Matos, da Fundação Getúlio Vargas, em análise para o Valor Econômico.

No mesmo jornal, o economista Delfim Netto, lúcido e pragmático nas suas previsões, também não enxerga um futuro promissor para o Brasil: “Se não nos organizarmos, e mobilizarmos urgentemente a nossa vontade, imaginação e inteligência, não há a menor hipótese de, nos próximos dez anos, voltarmos a reduzir a nossa distância do crescimento mundial. Nos últimos cinco anos crescemos 5%, enquanto o mundo cresceu 18% e os emergentes (sem o Brasil), nada menos do que 28%. Estamos afundando”.

O mundo assiste estarrecido como o Brasil, uma economia emergente, foi para o brejo em pouco mais de dez anos. Numa declaração recente durante viagem a Europa, o ex-presidente Lula repetiu uma confissão para mostrar seus arroubos e autossuficiência típicos de quem ainda não fez uma autocritica. Disse que ao assumir a presidência, sempre temeu acabar no ostracismo como o sindicalista polonês Lech Walesa que, segundo ele, virou a economia do seu país de cabeça pra baixo.

Às vezes devemos dar um desconto às bobagens que o Lula fala. Como ele mesmo apregoa, essa deficiência acadêmica é fruto da sua própria ignorância. Walesa, eletricista, filho de carpinteiro, Prêmio Nobel da Paz em 1983, criou o Solidariedade. Ativista dos direitos humanos, saiu da cena política depois de duas derrotas seguidas ao deixar o mandato de presidente da Polônia em 1995. Fez mea-culpa da sua rejeição e recolheu-se. Deixou que pessoas mais preparadas reorganizassem o país e conseguiu se penitenciar diante dos poloneses, reconciliando-se com o seu povo.

Aqui, Lula teima em permanecer à sombra do poder. E quem o acompanha inevitavelmente acaba na cadeia como Zé Dirceu, Bumlai, Vaccari, Delúbio, Genoíno, Vargas, Odebrecht, Delcídio, João Paulo Cunha e dezenas de outros que caíram nas garras da polícia e da justiça. Como não bastasse atrair os amigos para a organização criminosa, Lula ainda envolveu os filhos, nora e outros familiares na onda mafiosa, como um pai desalmado, obcecado pelo poder, que conduz os parentes para o cadafalso.

Mas o mau maior cometido pelo ex-sindicalista contra este país, sem dúvida, foi a escolha de Dilma para sucedê-lo. Despreparada, desequilibrada e alienada, a presidente conseguiu enterrar de vez o país. Insegura, talvez, por isso, ela queira enfrentar o mundo a chibatada, tratando seus subordinados com desprezo e humilhação, Dilma deve despejar a última pá de cal na cova de um cadáver chamado Brasil se até lá não for afastada da presidência ou mesmo renunciar.

Se tiver bom senso e deixar o governo espontaneamente, certamente ela vai evitar um derramamento de sangue. É para um grande conflito de rua e uma convulsão social que caminha o país, patrocinado pelo Exército Vermelho” de Lula, sob a liderança de Stédeli, e de todos os outros líderes sindicais e de centrais, manipuladores da miséria social.

O país, mais do que nunca, precisa de um ato de grandeza de uma presidente que tem a reprovação de mais de 90% dos brasileiros: a renúncia.

'Inútil! A gente somos inútil!'

Em 17 de junho de 2013, cerca de 2 milhões de brasileiros protestaram nas ruas contra o statu quo. Em 15 de março deste ano, cidadãos em número similar queixaram-se de Dilma, Lula e do PT deles. Em 12 de abril, 660 mil. Em 16 de agosto, 790 mil. Neste domingo, 73 mil exigiram impeachment, cassação, deposição ou renúncia da presidente Dilma Rousseff. O povo está se calando? Ou já se cansou de berrar o óbvio, à toa?

Para entender o esvaziamento progressivo das ruas este ano convém, primeiro, ouvir o que dizia quem saiu de casa e relatar como a elite política dirigente do País lhe respondeu. Em 2013, o Movimento Passe Livre (MPL) convocou protestos contra o aumento de tarifas de transporte urbano e evoluiu para reivindicar a gratuidade. A multidão aproveitou para exigir direitos que a Constituição garante e os três Poderes da República lhe negam: segurança pública, saúde e educação, principalmente.

Resultado de imagem para protestos de domingo 1q3 charge

Quem, em sã consciência, garante que o povo foi atendido? Fingindo só ter percebido o pedido de dispensa de R$ 0,20, governadores, entre eles o paulista Geraldo Alckmin, do PSDB, e prefeitos de grandes cidades, incluído o paulistano Fernando Haddad, do PT, adiaram o aumento, fingindo que assim eliminariam a causa da revolta. Mitigariam a ira popular por R$ 0,20 a cabeça?

Ledo e ivo engano, dir-se-ia na minha adolescência em Campina Grande, quando grande parte dos adolescentes sabia ler. O PT no poder, sob a égide de Dilma Rousseff, fez ouvidos surdos ao clamor e prometeu Constituinte exclusiva para reforma política, com financiamento das milionárias campanhas eleitorais dos políticos pelo suado dinheirinho escasso do cidadão. Mera embromation, diz-se na pré-adolescência de meu neto. E a oposição prometeu dar o que o povo pedia e o governo não atendia. Só que não contou como. Um ano e meio depois, Dilma e o PT venceram Aécio e o PSDB. Se o pleito foi fraudado, como muitos desconfiam, ninguém na rua jamais saberá, pois é impossível recontar votos.

O que qualquer cidadão que protestou contra gregos e baianos no inverno de 2013 e contra o 13 petista nas quatro estações no primeiro ano do segundo desgoverno Dilma viu foi tudo piorar muito nestes 30 meses. Inocentes morrem em tiroteios nos bairros pobres de grandes cidades em maior número do que antes. E a saúde pública, totalmente sucatada, não honra seu patrono, Oswaldo Cruz, que expulsou o Aedes aegypti, transmissor da febre amarela, destes tristes trópicos há cem anos. Mas este voltou para ficar em pleno século 21, transmitindo dengue, zika e chikungunya antes mesmo de o ovo virar inseto, segundo explicação da douta presidenta no ápice de sua sesquipedal ignorância sobre todos e tudo.

O símbolo da educação desbaratada são sem-teto organizados, black blocs alucinados e partidecos de extrema esquerda sem eleitores que, beneficiados pelo aparelhamento generalizado dos Poderes republicanos, invadem escolas públicas no Estado mais rico da Federação. Enquanto o governo tucano brinca de fechar e reabrir escolas ao sabor da queda nos índices de popularidade

Essa explicação não é única. Há outra, além da falta de líderes à altura da crise, do curto prazo da organização e da proximidade das festas de fim de ano: é que todos concordam quanto ao diagnóstico da situação, mas falta consenso sobre o que fazer para lhe dar o xeque-mate. A solução para a crise, ulula o óbvio (apudNelson Rodrigues), será tirar de Dilma qualquer poder. Todos sabem que ela condescendeu com a metástase do câncer moral que nos assola, erigiu tijolo por tijolo a ruína econômica, como o faz na transposição do Véio Chico, e afagou a fera política com as garras da arrogância e da ignorância que formam sua personalidade. E é incapaz de debelá-las pelas mesmas deficiências próprias que as produziram: como poderá liderar a conciliação se não convive em paz sequer com o seu vice?

A carta de desamor de Michel Temer a Dilma é criticada por explicitar o fisiologismo reinante no presidencialismo de coalizão, que vira de colisão – o caso no momento. Nunca antes na História tantas queixas pessoais exibiram com tanta crueza as mazelas deste sistema que \joga o público na privada.

Três processos dentro dos conformes do Estado Democrático de Direito se propõem a remover o obstáculo à pacificação nacional e à entrega da administração a gestores com QI de mais de dois dígitos. Impeachment, ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) investigando uso de propina no financiamento da campanha presidencial e votação no Congresso da violação explícita da Lei de Responsabilidade Fiscal, que a presidente jurou cumprir, não são lana caprina. Mas talvez nem a divulgação pelo Valor Econômico de documento obtido por Leandra Peres, revelando o que os “juristas” vassalos do Planalto não conseguirão provar que ela “jura” que não sabia, tenha o condão de evitar que 5.600 trabalhadores percam o emprego no Brasil diariamente sob o jugo de uma chefe de governo que tem provado diuturna, noturna e madrugadurnamente não saber de nada em geral.

A Nação suporta o Legislativo contaminado por presidentes da Câmara e do Senado investigados por corrupção milionária. E a oposição muda ao capricho do vento, só que na direção contrária, não sendo alternativa de poder e só gemendo no muro das lamentações.

Tardando a enquadrar os maganões, a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Supremo Tribunal Federal (STF) negam à cidadania o tratamento igual dado pelo juiz Sergio Moro, pela PF e pelo MPF na Lava Jato, que processam ricos e pobres sem distinção. Ao distinguir quem tem mandato de quem não tem, PGR e STF tornam letra morta a igualdade de todos perante a lei. Nesta democracia capenga, em que uns são mais iguais que outros e não se ouve o cidadão, é o caso de trocar o Hino Nacional pela canção do Ultraje a Rigor: “Inútil! A gente somos inútil!”.

É preciso abrir a caixa-preta do novo Código de Mineração

Ainda no ano passado e no início deste ano, questionávamos naTribuna da Internet quem estaria se beneficiando com a morosidade do novo Código da Mineração. Os pequenos e médios empresários apresentavam sucessivas denúncias, porque o projeto do Código, da forma como saiu do Ministério de Minas e Energia, só beneficiaria as grandes mineradoras, como a Vale e outras gigantes internacionais. E não me refiro ao que aconteceu após a entrega do anteprojeto ao Congresso, mas durante os quatro anos em que foi chocado pelo então ministro Edison Lobão, senador pelo PMDB maranhense, hoje envolvido na Lava Jato.


O fato é que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), assim como todas as instituições públicas brasileiras, foi transformado num cabide de empregos e gratificações para detentores de cargos de confiança, deixando de cumprir sua importantíssima função. Na verdade, em todo o serviço público, nada funciona com eficiência. Portanto, não é de se estranhar que o DNPM também atue precariamente.

Vejam este trecho da carta-aberta dos servidores do DNPM em São Paulo:
“Nos posicionamos contra as recorrentes manifestações de menosprezo que o órgão vem sofrendo por parte do governo, a despeito dos alertas do corpo profissional da autarquia sobre o sucateamento da instituição.
Para ilustrar a situação de caos que impera em boa parte das Superintendências do DNPM e até mesmo em sua sede, citamos os seguintes exemplos:
*o repasse da arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais tem sido de cerca de menos de 10% do índice definido legalmente. Entre 2009 e 2014 foram repassados 0,8%, quando a determinação legal seria de 9,8%.
*a redução orçamentária, cada vez mais grave ao longo dos últimos anos, teve seu ápice no período 2014/2015 . Em 2015 foram repassados apenas 13,2% do previsto na Lei Orçamentária. Isso ocasionou rescisões contratuais com prestadores de serviço, em especial de mão-de-obra terceirizada, limpeza, vigilância, apoio administrativo, gerando enormes problemas operacionais, além de gargalos e sérios atrasos nas análises processuais e no atendimento aos cidadãos. Some-se a isso a falta recursos para pagamento de despesas fixas como água, luz, telefone, combustível e manutenção de viaturas, essenciais à realização da atividade-fim.
A título de curiosidade, saibam que, segundo os dados oficiais de 2010, emitidos pelo IBGE, há cinco anos o Rio Doce já estava em 10º lugar no ranking dos rios mais poluídos do país. Vejam este texto de apresentação na listagem dos Indicadores de Desenvolvimento Sustentável do IBGE:

“O Rio Doce possui um percurso total de 853 km, drena os estados do Espírito Santo e Minas Gerais, sendo a mais importante bacia hidrográfica totalmente incluída na Região Sudeste. O principal formador do rio Doce é o Rio Piranga, cuja nascente localiza-se na Serra da Mantiqueira. A degradação atual do rio é resultante da contaminação química de indústrias e propriedades rurais com uso de pesticidas e herbicidas, ameaçando a saúde dos moradores de cidades a sua margem.”

Bem, isto foi há cinco anos, antes da tragédia de Mariana. E ainda aparecem “cientistas” dizendo que dentro de seis meses o Rio Doce estará recuperado...

Lula e o PT não têm mais influência no Supremo

O ministro Edson Fachin fez uma estreia apoteótica como relator de grandes causas no Supremo. Metódico e esclarecedor, redigiu um parecer com cerca de 100 páginas, para que se transformasse num trabalho jurídico à prova de qualquer contestação ou reparo. Para quem pensava que ele poderia “costear o alambrado”, como dizia Leonel Brizola, o jurista paranaense manteve uma firmeza constitucional exemplar, um dia depois dos categóricos 4 a 1 com que o Superior Tribunal de Justiça manteve na cadeia o maior empreiteiro do país, Marcelo Odebrecht, que já se preparava para passar o Natal em casa.

Nos últimos anos, a imagem do Supremo esteve abalada pelos equívocos primários que foram cometidos no julgamento do mensalão (Ação Penal 470), quando a maioria dos ministros aceitou ressuscitar os embargos infringentes, que tinham sido extintos na reforma do Judiciário. A alegação era de que esse tipo de recurso ainda constava no Regimento do Supremo, que, por distração ou preguiça, não havia sofrido adaptação.

Outro erro inacreditável, orquestrado pelo ministro Ricardo Lewandowski, foi a invenção da organização criminoso autônoma, que funciona sem formação de quadrilha, vejam a que ponto chega a criatividade jurídica no Brasil. Por isso, hoje podia-se esperar de tudo na sessão do Supremo sobre o impeachment.

Nesta histórica quarta-feira, porém, o novato ministro Edson Fachin recolocou nos trilhos a locomotiva jurídica do país. De início, recusou o extravagante pedido de defesa prévia arguido pela Advocacia-Geral da União, pelo PT etc. e tal. “Ausência de defesa prévia não viola o devido processo legal”, sintetizou.

Com impressionante rigor, em seguida o relator indeferiu os pedidos que denunciavam suposta parcialidade do presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, na aceitação do pedido de impeachment. E foi derrubando, um a um, os demais esdrúxulos argumentos dos “juristas” do Planalto & Cia Ltda.

Fachin disse que é necessário fazer uma “filtragem” da Lei do Impeachment à luz da Constituição, mas ressalvou que não é encargo do Supremo editar a matéria.

Reconheceu o direito de haver chapa avulsa na escolha da Comissão Especial do Impeachment. “Não cabe ao Judiciário tolher opção legitimamente feita pela Câmara dos Deputados”, reforçou, acrescentando que, apesar de publicidade ser regra geral, a própria Constituição prevê sigilo em votações.

“Não há ofensa à Constituição no fato de regimento da Câmara propiciar votação secreta”, salientou, ao dizer que não compete ao Judiciário interpretar o regimento interno de um outro Poder da República.

Fachin considera que a Lei do Impeachment (Lei 1079/50) está adequada materialmente à Constituição, ou seja, que os crimes de responsabilidade ali previstos estão em consonância com as hipóteses constitucionais. Porém, o ministro considera que processualmente é preciso fazer uma adequação, sobretudo quanto às competências conferidas a cada uma das casas legislativas no processo e concretização do impeachment.

Considerou também aplicável o Regimento Interno da Câmara dos Deputados de forma subsidiária à Lei 1079/50, desde que esteja adequado à Constituição e sem impedir o exercício de direito de defesa.

O relator entrou, então na fase final do processo do impeachment, quando a Câmara vota a favor ou contra a acusação, para enfatizar que, mesmo que a Câmara tenha aprovado a acusação, o afastamento do presidente por 180 dias somente acontece após a instauração do processo de impeachment no Senado.

Chegou a hora de abordar o tema mais polêmico e Fachin então observou que não há previsão legal de que não compete ao Senado rejeitar a autorização da Câmara para abertura do processo de impeachment. Ou seja, a seu ver, o Senado deve funcionar no processo do impeachment como um tribunal revisor, que pode ou não aceitar a decisão da Câmara.

Essa posição de Fachin parece clara e procedente. Afinal, se a decisão da Câmara fosse realmente imutável (como pretendem Eduardo Cunha e o deputado Miro Teixeira, que representou a Câmara no julgamento) não haveria necessidade de a Constituição mandar o Senado se reunir, reanalisar as provas e realizar nova votação nominal. É elementar…

Isso tudo, apenas na teoria. Porque na prática, o que existe é o seguinte: quando a Câmara aprova a acusação do impeachment, o presidente já está tão desgastado que é melhor pedir logo o boné, como Collor fez em 1992. O resto é folclore.

Parabéns ao ministro Edson Fachin. O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), grande defensor da indicação dele, realmente tinha razão. Trata-se de um jurista de primeiro time.

Carlos Newton

Por que desastre em Mariana gerou processo nos EUA

Além de responder na Justiça brasileira pelo desastre da Samarco em Minas Gerais, a mineradora Vale - coacionista da empresa ao lado da anglo-australiana BHP Billiton - também será cobrada a se explicar sobre o caso em uma corte em Nova York.

Na semana passada, o escritório de advocacia The Rosen ingressou com uma ação na Justiça federal americana para cobrar a Vale a compensar perdas de investidores relacionadas à tragédia. Desde o acidente, em 5 de novembro, as ações da empresa listadas na bolsa de Nova York caíram 27%.

O processo engloba todos os acionistas que compraram papéis da Vale nos Estados Unidos entre 21 de março e 30 de novembro de 2015. Detentores de ações da Vale emitidas no Brasil estão fora do escopo da ação.

Maior desastre da história da mineração mundial, segundo a consultoria de riscos americana Bowker Associates, o rompimento da barragem de rejeitos de uma mina em Mariana (MG) deixou 16 mortos e três desaparecidos, além de causar graves danos ambientais e sociais ao longo dos cerca de 700 quilômetros entre o local da ruptura e a foz do rio Doce, no Espírito Santo.

A ação alega que, antes e após o acidente, a Vale deliberadamente divulgou informações falsas, que inflaram artificialmente o valor de suas ações e prejudicaram a capacidade de avaliação de investidores.

A abertura do processo foi possível porque a Vale tem ações negociadas nos Estados Unidos e está sujeita às leis que regem o mercado de capitais do país.

O processo tem como réus a Vale, o presidente da companhia, Murilo Ferreira, e o diretor financeiro, Luciano Siani. Segundo a legislação americana, dirigentes de empresas também devem ser responsabilizados por violações, já que as companhias são entidades "fictícias".

Em nota à BBC Brasil, a mineradora afirma que "ainda não há como nos posicionarmos sobre qualquer ação que tenha sido impetrada contra a Vale nos Estados Unidos, mas daremos as respostas apropriadas nos tribunais quando forem necessárias”.

Nesta terça-feira, o alto comissário da ONU para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad Al Hussein, disse que a tragédia de Mariana requer uma “investigação completa e imparcial”.

Em encontro informal com membros e observadores do Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genebra, o alto comissário afirmou que é responsabilidade conjunta dos governos e das empresas de proteger e respeitar os direitos humanos, de acordo com os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos.