domingo, 6 de dezembro de 2015

E no teatro mambembe...

Se quiserem saber minha torcida íntima (e não política), tomara que a própria presidente ainda encontre forças para reconstruir seu papel na História. Mas esta é impiedosa quando os atores ficam aquém do que o momento exige
Fernando Henrique Cardoso, em SOS Brasil

Os donos da crise


Salve-se quem puder e como puder. Desde que a Operação Lava-Jato se aproximou de forma incontestável do Planalto e do Congresso Nacional, essa tem sido a regra.

Com a lama já batendo no queixo, aqueles que deveriam ser exemplares na defesa e respeito aos poderes constituídos agem para desestabilizar as instituições. E, com a já conhecida desfaçatez, o fazem em nome da normalidade democrática.

Ninguém escapa: a presidente Dilma Rousseff, o vice Michel Temer, os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Eduardo Cunha - um showman especializado em pirotecnias -, o ex Lula e dirigentes do PT.

Na tentativa desesperada de se safarem, tentam fazer crer que são as instituições, e não eles, o cerne da crise.

Cada um despeja culpas em outros e todos culpam o Ministério Público, a Procuradoria Geral da República e a Polícia Federal por fazerem exatamente o que tem de ser feito: investigar e denunciar.

A categoria dos que se acham intocáveis parece nada ter apreendido com o Mensalão. Reincide nos delitos e na conduta pós-crime.

Espanta-se com as ações das diferentes instâncias da Justiça. Considera ingratidão a recusa do ministro do Supremo, Teori Zavascki, em abrandar prisões. Esperneia nas aprovações de delações premiadas, quebras de sigilo e de mandados de busca e apreensão em casas de políticos, como o que desbaratou a frota não declarada de carros de luxo do ex-presidente deposto e senador da base aliada, Fernando Collor de Mello (PTB-AL).

A saída, com menor ou maior estardalhaço - caso típico do presidente da Câmara, acusado de ter recebido uma bolada de US$ 5 milhões -, é fazer confusão, ameaçar, subir o tom, criar clima de ruptura institucional.

A tese de instituições e democracia em risco, levada ao extremo por Renan e Cunha na semana passada, já vinha povoando discursos de Dilma e de seu vice, de Lula e do PT. Acuados, todos reclamam de vazamentos seletivos de depoimentos à Justiça, denunciam interesses escusos genéricos e golpismo.

Os petistas, com uma imaginação fertilíssima, materializam maquiavélicas fileiras da direita, orquestradas para barrar o projeto do PT – sabe-se lá qual – e a volta de Lula, o grande, à Presidência da República.

O país já está mergulhado em crises política e econômica gravíssimas, com crescimento negativo, desemprego e inflação em alta, uma presidente da República frágil, impopular, sem crédito algum depois de se reeleger sob um manto de mentiras. Tudo o que não precisa é de uma crise institucional forjada ora por Lula e o PT, ora pelo Planalto, ora por Renan ou Cunha.

Todos, sem exceção, miram na destruição da credibilidade da Justiça para salvar suas peles.

Mas, por maior que seja a tentação do presidente do STF, Ricardo Lewandowski, que, em inexplicável segredo, se reuniu com Dilma em Portugal -, as instituições de Estado provaram e continuam a demonstrar que não caem em armadilhas. A expectativa é de que nem ao menos tropecem.

Do contrário, aí sim, a crise institucional se tornaria real. Uma temeridade
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O prêmio Lula de melhor Lula do ano vai para ... Lula

O título não é (totalmente) gozação: o Instituto Lula avisa que o prêmio Luiz Inácio Lula da Silva para aqueles que contribuíram para o desenvolvimento rural foi atribuído… ao Lula. Seria ridículo, se não fosse ridículo. Mas converge com um dos hábitos mais bizarros da esquerda governista do século passado: o do culto à personalidade.

Tudo começou com as homenagens recorrentes ao finado Lenin, morto em 1924 (homenagens cuja progressiva solenidade era precisamente uma cortina de fumaça para a extrema distorção da revolução russa promovida por Stalin). Dessa época é o início do, digamos assim, surto simbólico que levou, entre outras coisas, ao apagamento de Trotsky das fotos históricas – com se mudar uma foto mudasse a própria história.

Não estou dizendo que se Trotsky tivesse podido vencer Stalin a revolução socialista teria sido levada a bom termo (o próprio Trotsky negava a possibilidade da revolução em um só país). Mas o fato é que Trotsky tinha uma percepção cultural bem mais sofisticada, vide as conversas de bom nível com gente como o surrealista André Breton, ou com o casal Diego Rivera e Frida Kahlo (com quem teve um affair ao se refugiar no México, onde acabaria morto).

O culto a Lenin produziria, além da estatuária, itens involuntariamente paspalhos como o broche do Lenin-bebê (foto), que é uma espécie de apropriação de esquerda do milagreiro Menino Jesus. Junto com a virgindade de sua mãe (fecundada por um pai incorpóreo), e a própria vitória de Jesus coincidindo com sua aniquilação física, não é estranho que uma mitologia monoteísta como a cristã se empenhe em situar a fonte da virtude moral fora do corpo. Também não é estranho que a mulher, dotada de útero (ou seja, de um equipamento reprodutor de matéria), seja considerada fonte da tentação viciosa.

O que é esquisitão é que a esquerda supostamente marxista (ou seja, em tese fundada no materialismo dialético, que trata da interrelação dos sistemas sociais com as contingências físicas da produção econômica) viaje nessa maionese simbólica. Como hoje em dia, quando esse é o caso de Nicolás Maduro, que vê o comandante Chavez no c* do cachorro (brincadeira, viu no barro, e piando em um passarinho).

Ou de outro maluco, o nortecoreano Kim Jong-Un, que herdou de seu pai a infalibilidade (isso nem o Papa alega mais) e títulos oficiais que mais parecem nomes de fantasias categoria luxo de Clóvis Bornay, como “Grande Homem Que desceu do Céu” (천출위인), “Suprema Encarnação do Amor Revolucionário Entre Camaradas” (혁명적 동지애의 최고화신) e “Grande Homem, Que É Um Homem de Ações” (실천가형의 위인). Eu maldosamente traduziria como “O Grande Homem Que Caiu na Terra”, “Suprema Encarnação do Amor O Que É Isso, Camarada” e “Grande Homem, Que É Gente Que Faz”.

Brincadeiras à parte, há enorme perigo em envolver um movimento popular com essas simbologias delirantes. Vimos na Rússia uma revolução que, em seu início, mobilizou uma enorme potência criativa – o que pode ser aferido no desenvolvimento explosivo das artes locais, como no cinema (Einsentein, Vertov) e nas poéticas visuais e literárias (Rodchenko, Maiakovski). Stalin se encarregaria de domar e canalizar essa inventividade para a institucionalidade merreca do realismo socialista.

A potência simbólica soviética viria a inspirar, por um lado, a épica nazista, e depois a maoista; e por outro a própria indústria cultural pop. Sim, cineastas russos da década de 1920 como Vertov, Eisenstein e Kulechov são os pais do videoclipe (e as drogas psicodélicas são as mães). Por sorte, chegamos ao século 21 mais equipados para arrastar impiedosamente gente como Maduro e Kim Jong-Un – e Lula – no seu próprio ridículo. Fora um ou outro surto simbólico descontrolado mas rapidamente debelado, como o da Dilma “Coração Valente”, temos (pelo menos uma parte de nós) mostrado resistência a esse tipo de credulidade. Aqui, fizemos flopar um projeto insidioso como o do filme Lula, o Filho do Brasil, peça-chave do lulismo, que passava do bolivariano ao nortecoreano.

Mas onde está, então, na disputa simbólica atual, o resquício de “verdade”, do que interessa? A minha resposta, a sério, é: na zoeira. A grande inteligência coletiva revelada na horizontalidade da internet tem a ver com a disposição (quase incontrolável) de desconstruir o que se apresenta como solene e/ou sagrado, ou seja, vertical. Assim, a rede não é um campo a mais onde o marketing possa lançar suas narrativas sem ter uma recepção crítica. O atraso do PT (ou sua condição patriarcal de “fim de uma era”, e não “o início de outra”) se comprova pela tacanheza narrativa dos chamados blogs progressistas (petistas).

Um novo discurso feminista, por outro lado, começa a marcar posição nas redes. Neste texto, A carapuça do amigo secreto, eu tento estabelecer a importância de uma nova hashtag que somou, à denúncia da #primeiroassédio, um componente de desconstrução e deslocamento. Evidentemente não se trata de negar a seriedade de ocorrências graves mas, ao contrário, impedir que elas sejam sequestradas e abduzidas pelas “grandes narrativas” verticais – inclusive as do “esquerdomacho”.

Por isso eu até entendo a impaciência com que a solidariedade aos parisienses vitimados por ataques terroristas tenha sido tratada por quem “preferia” a solidariedade à tragédia ambiental de Mariana, no Brasil. Por um lado, como especulei neste texto, Meu mártir é mais mártir do que o seu (não), há um componente (cristão e marxista) na busca de narrativas de culpa e punição nas tragédias. Mas, neste caso, houve também o elemento saudável de desconstruir a grande narrativa institucional que tentou se vender em torno de Mariana (acidente, heroísmo, a empresa como co-vítima, a pretensa resposta do estado). Se finalmente está se colocando um dedo na cara da Samarco, da Vale (cujo papel tentou se ocultar), dos governos municipal, estadual e federal, foi (num aparente paradoxo) por conta da pressão das redes virtuais.

Na verdade, a “lama tóxica” não existe no corpo natural da terra. Ela é a resultante de um estupro, o da mineração, e de suas tecnologias mais irresponsáveis. Assim como o abuso de um corpo feminino extrai de uma mulher o seu pior, o abuso da natureza, produto de uma alucinação coletiva patriarcal, conduz a terra ao desequilíbrio e à destruição. Com a chamada esquerda totalmente intoxicada pela ilusão desenvolvimentista, como nota o professor Moysés Pinto Neto, “essa divisão entre direita e esquerda (…) não será a mais relevante para os próximos tempos. A batalha não está mais no campo antitético entre Estado e Mercado, mas entre o crescimento e seus inimigos – os rexistentes ou, usando o termo de Latour, os terranos”.

De certa forma, é a inteligência “terrana” (horizontal) que chega à internet, para desautorizar uma suposta esquerda cuja impertinência narrativa é em tudo similar à da direita. A cara de um peixe morto se parece cada vez mais com uma tragédia – e a cara de um líder autorreferente, autocongratulatório e autocredibilizável como Lula se parece cada vez mais com a de um peixe morto.

Governo Gênesis

Estimamos a recuperação em dez anos com base em duas perspectivas. Um lado é a restauração dos processos ecológicos do rio e de suas áreas marginais. Vai demorar até que as áreas impactadas sejam reflorestadas e haja uma multiplicidade de espécies. Até que o rio possa ter condições de receber as matrizes que foram capturadas e que estão agora em centros para reprodução é preciso um prazo. Além disso, na área estuarina e costeira, o desastre ainda está em andamento. Ainda não temos uma ideia completa do nível do impacto que será atingido ali. O segundo aspecto é que, apesar de a chuva levar parte desse material e a empresa fazer a drenagem e retirada dos rejeitos que estão depositados, sabemos que é tecnologicamente impossível retirar tudo e promover uma verdadeira filtragem do rio
Marilene Ramos, presidente do Ibama

Tijolos para Babel

Não comprar a “roubada” dessa guerra, entende-se. Seria inteligente negar-lhes o que eles mais querem desde que ficasse claro que era disso que se tratava. Mas Geraldo Alkmin, o candidato-custe-o-que-custar que não conduz, é conduzido, fez muito mais que isso: atirou pedras no deus da educação pública que os fariseus arrastavam pelo calvário; renegou um plano de indiscutível melhoria da qualidade da educação e da gestão do dinheiro público para ajoelhar-se diante do me-engana-que-eu-gosto dos estudantes de araque do soviete da Apeoesp; reconfirmou a idéia de que neste país quem mete o pé na lei vence ao enche-los de rapapés e salamaleques…

Herman Voorwald, diante desse ato oficial que veio estabelecer que não só o interesse público como também a educação deixaram de fazer parte do escopo da Secretaria de Educação, pediu, digno, as contas, educador e servidor sem aspas que é. Seja quem for o cabo eleitoral que sua excelência encontre para por no lugar dele é certo que não lhe renderá os votos pela adulação dos quais está humilhando São Paulo. Aquela turminha de gatos pingados que foi animada a cuspir nos direitos dos 12 milhões de paulistanos nas últimas semanas ficou desolada com a perspectiva do fim da farra e promete continuá-la indefinidamente para que fique mais uma vez bem claro que nada disso tem qualquer coisa a ver com educação, com reorganização escolar ou, muito menos ainda, com “diálogo“, é só mais um ensaio do que vem por aí quando o Brasil pedir que o estado petista dê um passinho atras para que a economia nacional consiga por o nariz um dedo acima do mar de lama.

Já aquela imprensa aliada dos opressores dos seus leitores que “turbina” cada ato do “Movimento dos Sem Crise” para vender traque por furacão e intimidar quem venha querer tocar nos seus privilégios, esta colocou mais um tijolo no tumulo no qual se vai emparedando. E os “publishers” desnorteados, incapazes de desviar o olho de qualquer coisa mais que o próprio bolso na sua incúria omissa, descem mais um degrau em direção ao Nono Círculo do Inferno, aquele mais baixo de todos que Dante reserva aos traidores da pátria aos quais nega até o fogo; condena ao gelo do opróbio eterno.

Mosquitos, tragédias e desleixo

O mosquito da dengue continua sugando corpos e deixando um rastro de sofrimento pelo país. A conclusão é patente: o Brasil tem fracassado no combate a esse bichinho, o Aedes Aegypti, eis que, a cada ano, um surto explode em algumas regiões. Mas a crônica das doenças é mais densa: esse mesmo mosquito, responsável pelo surto de febre chikungunya no ano passado, transmite também o zika vírus, um séria ameaça e um tormento para as gestantes desde meados deste ano.

Os cientistas o chamam de arbovírus, que aportou por estas plagas tropicais vindo das florestas africanas e espalha terror, com o mal assemelhado à dengue. Seus efeitos aparecem na má formação congênita do cérebro, cujo perímetro cefálico é menor que o normal, habitualmente superior as 33 cm. O pavor da epidemia de microcefalia se espalha entre famílias, sinalizando que as férias de final do ano no Nordeste, principal região afetada, serão acompanhadas pelo medo do vírus africano.

Em Minas Gerais, a tragédia que se abateu sobre a região, a partir de Mariana, devastando 15 km2, é o retrato da irresponsabilidade de governos e empresas em relação ao meio ambiente. Nessa frente, o discurso é de mais e as ações preventivas são de menos. De tragédia em tragédia, o Brasil vai apagando das páginas de sua História o mito de paraíso terrestre que aqui se cultiva desde os tem­pos em que Pero Vaz de Caminha, embevecido com a exuberância das matas, as águas cristalinas dos rios, a beleza das praias, o jardim paradisíaco habitado por homens pacatos e mulheres nuas, descreveu a el-rei a condição ímpar de uma terra em que “se plantando, tudo dá”.
Lévi-Strauss, após uma excursão por Goiás, Mato Grosso e Paraná, em seu livro Tristes Trópicos (1955) foi cruel: “é o ambiente mais hostil ao homem sobre a superfície da Terra”. Descrevia o antropólogo o reino horripilante de insetos e artrópodes, picadas de mosquitos, mutucas e miruins, piuns e carrapatos, aranhas, lacraias e escorpiões, o espec­tro das moléstias e do calor, sob o qual padeceu nos grotões de Mato Grosso. Dos idos de 1935 a 38 para cá, as entranhas nacionais foram ocupadas de modo acelerado, ganhando as tintas da devastação. E assim o território passou a conviver com as curvas que entrelaçam a estética de uma maravilha do planeta com paisagens aterradoras, geradas pela força da na­tureza e pela incúria humana.


A tragédia que devastou as terras banhadas pelo Rio Doce é a inequívoca demonstração de que o nosso pa­raíso vira, às vezes, um inferno. As catástrofes, de tão previsíveis, começam a fazer parte do calendário entre o Natal e a folia carnavalesca. Em 1984, um incêndio na Vila Socó, em Cubatão, por falha em um duto subterrâneo da Petrobras, ocasionou 93 mortos; em 1987, a contaminação por Césio 137, em Goiânia, contaminou pessoas, água, solo e ar; em 2000, um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo na Baía de Guanabara causou a morte da fauna local, poluindo o solo de vários municípios; em 2002, na Região Serrana do Rio de Janeiro morreram 42 pessoas. No final de 2009, houve o deslizamento de terra na Ilha Grande, em Angra dos Reis, que chegou a matar 30 pes­soas; em 2003, o rompimento de uma barragem em Cataguases, em MG, atingiu os rios Pomba e Paraíba do Sul.

Em 2007, mais um rompimento de barragem em Minas, desta feita em Miraí, com vazamento de 3 milhões de m3 de água e argila; em 2008, as águas devastaram Santa Catarina, afetando mais de 1,5 milhão de pessoas e 25 comunidades e registrando mais de 100 mortos; em 2011, outra tragédia na região serrana do Rio resultou em cerca de 800 mortos; nesses mesmo ano, um novo vazamento na bacia de Campos deixou um rastro de destruição numa área de 162 km2. E, por último, assistimos ao rompimento da barragem de Mariana, que provocou a liberação de 62 milhões de m3 de rejeitos.

Esse painel de desastres aponta para o desleixo. Há cerca de 7 milhões de pessoas que vivem em áreas de risco no Brasil. A qualquer hora podem ser aterradas. Onde estão os planos para administrar os acidentes que podem acontecer? Não existem. O que há é muita polêmica, a partir da questão: qual a autoridade com responsabilidades para cuidar de tragédias? Há muitos órgãos nas três instâncias federativas, porém sem nenhuma integração entre eles. União, Estados e municípios deveriam adotar uma linguagem homogênea em matéria de Defesa Civil, até porque essa frente faz parte das estruturas das municipalidades. Se não há ar­ticulação entre os entes federativos, inexistem planos integrados de prevenção.

Não são necessárias mais leis. Importa, isso sim, fazer que os códigos existentes sejam aplicados. Lembremos a lição de Montesquieu: “Quando vou a um País não examino se há boas leis, mas se são executadas as que há, pois há boas leis por toda parte”. Urge que o Minis­tério Público ponha a mão na cumbuca, identificando os atores responsáveis pelo desleixo nas instâncias municipal, estadual e federal. No dia em que governantes forem flagrados e punidos por não cumprirem a lei que coíbe construções precárias e irregulares em solo urbano, o Brasil estará dando um passo à frente no terreno da ordem pública.

Na esteira do descontrole, há outro fundo do poço na área da saúde. Todos os anos, as mesmas epidemias, as mesmas endemias, a mesma lengalenga. O Nordeste e o Rio de Janeiro emergem com seus surtos de dengue. Recursos para combate às urgências são escassos. Esta semana, o Congresso teve de alterar a meta de superávit de 2015 para um déficit de R$ 119,9 bilhões. A máquina pública está praticamente estancada. O cúmulo da situação é ler que pode faltar dinheiro para água, luz e até papel higiênico na administração federal. Ou saber que, em outubro de 2016, poderemos nos deparar com a volta da velha cédula eleitoral por falta de recursos para bancar a eleição eletrônica. O Brasil do Século XVIII está à vista.

Socialismo, corrupção e bondade

Todos nós exercemos a bondade como estratégia de qualificação social. Ser reconhecido como uma pessoa boa nos ajuda a conseguir amigos, amantes, empregos e clientes. Como já disse Joseph P. Kennedy, “não importa o que somos, mas o que as pessoas pensam que somos”. Não há pecado nisso. Os problemas surgem quando a bondade é invocada como ferramenta de manipulação social.

Hitler apresentava-se como uma pessoa boa, que amava e queria o bem dos alemães. Seu grande ato de bondade foi levá-los à guerra, exterminar judeus e destruir os países vizinhos.

Stalin apresentava-se como uma pessoa boa, que amava e queria o bem dos russos. Seu grande ato de bondade foi tirar a liberdade de todos eles, assassinar ou deixar morrer de fome dezenas de milhões de pessoas que não estavam contribuindo com a sua bondade.

Papa Doc era um médico cheio de bondade. Era tão bondoso que foi eleito presidente do Haiti. Era tão bondoso que perseguiu e matou quase todos os opositores ao seu governo, já que eles tentavam impedir o exercício de sua bondade.

Pol Pot era outra pessoa cheia de bondade no coração. Estudou Lenin, Fundou o Partido Comunista Khmer e exterminou uma parte da população do Camboja para oferecer amor e dignidade à outra parte.

Cuba é governada há mais de cinco décadas por pessoas extremamente boas. Fidel Castro, com a ajuda de pessoas tão bondosas quanto ele, tomou o poder para eliminar a ganância e o egoísmo da sociedade cubana. Perseguiu, torturou e matou dezenas de milhares de cidadãos porque toda bondade tem seu preço. Hoje os cubanos vivem exclusivamente da bondade de seus líderes.

A bondade também reina na Coreia do Norte. Kim Jong-um adora crianças e persegue implacavelmente todos que se opõem à sua bondade.

Terroristas são pessoas boas. Explodem bombas invocando o Islã, que é a religião do amor, da tolerância e da bondade.

Na semana passada, em depoimento à Polícia Federal, o senador petista Delcídio do Amaral justificou sua tentativa de corromper um dos condenados pela Operação Lava Jato e de organizar sua fuga do país como sendo uma ação humanitária. Delcídio é uma pessoa boa.

Quando um político confessa sua corrupção, o faz apenas para conseguir algum benefício jurídico, mas o comum é que todos se digam pessoas boas que recorreram a meios “informais” para ajudar outras pessoas.

Qual é a pessoa mais bondosa da história do Brasil? Lula. Ele próprio afirmou isso diversas vezes. Quem ousa contestá-lo? Só quem tem ódio no coração.

Lula liderou o maior exercício de bondade que esse país já viu. Através de seu governo e de seu partido, roubou bilhões de reais de maus brasileiros para distribuir centenas de milhões de reais aos bons brasileiros, os mais pobres, aqueles que são excluídos pelo capitalismo. A moral socialista diz que a diferença entre o que foi tirado de uns e dado a outros é uma compensação pela bondade que foi empenhada.

A política é um exercício de bondade. Políticos são pessoas abnegadas, sem qualquer interesse pessoal, dedicadas a fazer justiça social. Brasília é a maior concentração de pessoas boas do país. O estado é a grande ponte da bondade.

Socialismo é bondade. Todos os movimentos socialistas são liderados por pessoas extremamente boas. A prova está em seus discursos. Nunca conseguiram sequer fazer uma granja funcionar, mas são pessoas boas e é isso o que importa.

A moral socialista diz que existem dois tipos de corrupção, a má e a boa. A primeira visa interesses privados. Eduardo Cunha. A segunda tem função social e por causa isso deixa de ser corrupção e se torna apenas solidariedade. O PT é um partido extremamente solidário.

Os políticos do PMDB e do PSDB têm bondade em seus corações. No coração dos petistas têm mais bondade, mas ninguém questiona que o PSOL é o partido que mais concentra bondade, afinal, entre seus militantes estão muitos artistas, e como sabemos, artistas são pessoas boas. A Rede também representa a bondade, já que sua principal líder veio da floresta. Pessoas das florestas são pessoas boas.

A bondade socialista também se dedica a apontar onde está a maldade. A maldade está nas pessoas que visam obter lucro depois de pagar salários, impostos e fornecedores. A bondade socialista indica que a maldade está em quem ousa decidir o destino de seu próprio lucro. A bondade socialista indica que a maldade está nas pessoas que ousam pensar em si mesmas e em suas famílias, que ousam acumular capital para tornar mais fácil a vida dos filhos, que ousam querer se defender da violência urbana, que ousam rejeitar um governo incompetente, mentiroso e ladrão.

A verdade é que o salto de qualidade de vida da humanidade registrado no último século não se deve a uma única manifestação de bondade. Todos os avanços científicos e tecnológicos que tornaram nossa vida imensuravelmente melhor do que a vida dos nossos antepassados foram produzidos por indivíduos que, em vez de fazer discursos lindinhos, dedicaram-se a transformar ideias em benefícios reais, práticos e acessíveis ao maior número de pessoas.

A sociedade precisa enxergar o mal por trás dos discursos de bondade. Precisa enxergar que os ladrões são aqueles que se apresentam como os promotores da “justiça social”. Precisa enxergar que por trás de todo discurso lindinho há um cretino ou um canalha ou a soma das duas coisas.

Caia quem caia

A aceitação do pedido de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff veio um dia depois de conhecermos a brutal recessão que o país atravessa. Recessão com inflação de 10% ao ano. Dilma se mantinha há meses em situação de impasse político no Congresso, refém de um presidente da Câmara inadequado para o cargo e também ameaçado. A situação e o jogo jogado no Congresso eram deprimentes e ajudaram a acabar com que sobrava da reputação da presidente e do PT. Dos parlamentares, já se esperava o pior.

Fora as chantagens políticas, nada de relevante foi aprovado no Congresso neste ano. E a falta de medidas para reequilibrar as contas públicas foi arruinando o país rapidamente.

A presidente agora sob ameaça é considerada razão para muitos empresários e consumidores pisarem no freio. Derrubando o PIB de forma inédita.


Mas esse é só um pedaço da história, dos que têm onde cortar. Entre os mais pobres, o governo Dilma 2 se revelou um verdadeiro pesadelo cujo fim pode chegar apenas em 2018 ou além.

Quase 40% dos brasileiros vivem com menos de R$ 15,60 ao dia, segundo estratificação do Datafolha. Numa pobreza tão grande a ponto de mais de 50 milhões estarem em famílias que recebem o Bolsa Família.

O peso da atual recessão com forte inflação sobre eles é gigantesco, afeta o prato e é onde o desemprego mais faz vítimas.

O IBGE mostrou que a queda no consumo das famílias vem se aprofundando em ritmo chocante. Do trimestre findo em dez. 2014 ao que terminou em set. 2015, elas consumiram 5,7% menos, o maior tombo desde 1996.

O processo de impeachment não resolve nada disso, ao menos no curto e médio prazos.

Mas, levando ou não à destituição de Dilma, funcionará como uma espécie de “reset”. Com um arranjo posterior diferente deste que nos envenenou em 2015.
Fernando Canzian

Enterrar o 13 no dia 13

Credo de um guerreiro

Não tenho país: Fiz do céu e da terra o meu país.
Não tenho lar: Fiz da percepção o meu lar.
Não tenho vida ou morte: Fiz do fluir e refluir da respiração a minha vida e a minha morte.
Não tenho poder divino: Fiz da honestidade o meu poder divino.
Não tenho recursos: Fiz da compreensão os meus recursos.
Não tenho segredos mágicos: Fiz do carácter o meu segredo mágico.
Não tenho corpo: Fiz da resistência o meu corpo.
Não tenho olhos: Fiz do relâmpago os meus olhos.
Não tenho ouvidos: Fiz da sensibilidade os meus ouvidos.
Não tenho membros: Fiz da diligência os meus membros.
Não tenho estratégia: Fiz da mente aberta a minha estratégia.
Não tenho perspectivas: Fiz de “agarrar a oportunidade por um fio” as minhas perspectivas.
Não tenho milagres: Fiz da acção correta os meus milagres.
Não tenho princípios: Fiz da adaptabilidade a todas as circunstâncias os meus princípios.
Não tenho tácticas: Fiz do pouco e do muito as minhas tácticas.
Não tenho talentos: Fiz da agilidade mental os meus talentos.
Não tenho amigos: Fiz da minha mente o meu amigo.
Não tenho inimigos: Fiz do descuido o meu inimigo.
Não tenho armadura: Fiz da benevolência e da imparcialidade a minha armadura.
Não tenho castelo: Fiz da mente imutável o meu castelo.
Não tenho espada: Fiz da ausência do ego a minha espada.

Samurai anônino do século XIV

De barganhas e mentiras

Estou entre os 67% que consideram o governo Dilma ruim ou péssimo, mas não estou entre os 63% que aprovam o seu impeachment. Muito menos me encontro no meio daqueles que acham que “somos milhões de Cunha”. Deus me livre. Será que ter de decidir entre os dois é o que nos reservam esses tempos de lama?

Pelo menos é o dilema que se coloca nessa troca de acusações para saber quem de fato está mentindo — se ela, quando disse que seu governo “nunca fez e não autorizou barganha” para se livrar do impeachment, ou se ele, quando afirmou que “a barganha veio, sim, veio proposta pelo governo e eu recusei”. Ou se o ministro Jaques Wagner, que revidou devolvendo a agressão: “Quem mentiu foi o Cunha”. E se todos estiverem dizendo a verdade sobre quem mentiu?

Afinal, o país, como eu, está careca de saber que tanto Dilma quanto Cunha já cometeram ostensivamente esse pecado — ela, na campanha eleitoral, e ele, ao negar sempre, inclusive na CPI da Petrobras, que tinha contas na Suíça. É deprimente ver altos representantes do Executivo e do Legislativo chegarem a esse nível de ofensas mútuas. Poucas vezes a palavra “mentira” foi tão usada num debate como esse.

Durante meses, governo e oposição ficaram reféns de Eduardo Cunha, por medo ou por interesse, oscilando entre a troca de favores e a troca de desconfianças. De um lado, estava quem fazia o que podia para evitar o impeachment; do outro, quem o queria a todo custo. E, nessa “regra do jogo”, ninguém, ou quase ninguém, foi inocente.

A presidente, porém, pode ter sido ingênua. Diante das tentativas de chantagem praticadas por Cunha, ela não respeitou as recomendações básicas que a polícia faz às vítimas dessa pressão criminosa: não negociar, não ceder e não demonstrar fraqueza. Está claro que o governo cedeu e foi fraco ao tentar barganhar. O resultado é que foi chantageado e, depois, retaliado por quem tinha condição técnica, mas não moral de fazê-lo.

Hoje, segundo levantamento do GLOBO, o impeachment não seria aprovado. A presidente teria 86 votos a mais para se manter no poder. Enquanto isso, se como quer a oposição, o processo for postergado, resta saber o que acontecerá com a política e a economia. É importante que o país saia da paralisia. Tudo bem.

Mas, e se passar da paralisia para o excesso de movimento, ou seja, a turbulência, o conflito nas ruas? Desprestigiada e impopular, Dilma ainda corre o risco de fazer de seu desafeto o herói dessa farsa. Aí, teremos que cantar com Tom Jobim: “É o fundo do poço, é a lama, é a lama”.

Tomara que não. Como se sabe, a esperteza, quando é demais, engole o esperto, que no caso já pode estar com os dias contados.
Zuenir Ventura

Nova fase do autoritarismo

Não é de hoje que o Estado brasileiro tenta estropiar o ensino da História no país. No regime militar, a principal tentativa veio com a obrigatoriedade do ensino de Estudos Sociais, fundindo a História e a Geografia em uma mesma disciplina, em detrimento de ambas. Foi uma decisão do governo Médici, em 1971, no auge da ditadura, restrita ao atual ensino fundamental, antigo primeiro grau. O modelo era o do Social Studies dos EUA, que concebia o estudo da História a partir de círculos concêntricos: família, escola, bairro, cidade, país. Um modelo limitado, ao mesmo tempo individualista e nacionalista. O combate à História como disciplina se alastrou para o antigo secundário, atual ensino médio, com a imposição das disciplinas Organização Social e Política do Brasil (OSPB) e Educação Moral e Cívica. Tais reformas foram executadas nas gestões dos ministros Jarbas Passarinho e Ney Braga no MEC, ambos militares reformados engajados no golpe de 1964.

A sociedade brasileira reagiu, e a História foi restaurada como disciplina específica, entre 1984 e 1993, em meio ao processo de redemocratização do país. Atualmente, ela integra o currículo mínimo do ensino fundamental e do ensino médio. Os diversos Parâmetros Curriculares Nacionais garantiram a interdisciplinaridade, sem rejeitar a especificidade do conhecimento histórico: a diacronia, as particularidades.


Eis que agora vem à baila a discussão da Base Curricular Comum, urdida pelo Estado desde o primeiro governo lulopetista. Nunca se soube como foram escolhidos os membros da comissão encarregada do trabalho, cujos nomes só agora vêm a público, muito menos as instruções que receberam deste governo cara de pau. O fato é que os trabalhos da comissão foram consolidados em 2014, ano eleitoral, e publicizadas em 2015. O conceito de Base Curricular Comum é, por si mesmo, discutível, ao presumir uma uniformidade de conhecimentos desejáveis, sobretudo em História, para um país gigantesco e diverso.

O mais grave, porém, é a retomada da postura autoritária, ainda que invertendo a chave da ditadura militar. A disciplina História prevista pelo regime lulopetista estabelece para o fundamental I o ensino de sujeitos, grupos sociais, comunidades, lugares de vivências e, por fim, o dos “mundos brasileiros”. Conceitos abstratos e anódinos, impossíveis de serem ensinados a crianças, salvo como doutrina. Os primeiros dois anos do fundamental II prosseguem nesta linha abstrata de “processos e sujeitos”.

Imagine-se o aluno que ingressar no ensino médio com tais “conhecimentos” incertos. E logo no primeiro ano, terá aulas sobre os “os mundos ameríndios, africanos e afro-brasileiros”, matéria aprofundada no ano seguinte, com o estudo dos “mundos americanos”, para culminar com os “mundos europeus e asiáticos” no terceiro ano. Nunca houve, na história deste país, parafraseando o “grande líder”, um ataque deste jaez ao ensino da História.

O ensino da História do Brasil sempre foi problemático entre nós, brasileiros, sendo ora admitida como disciplina específica, ora inserida na História Geral. Reaparece, na versão lulopetista, de maneira desastrosa. A comissão encarregada de formular o currículo comum não se avexa de escrever que “enfatiza-se a História do Brasil como o alicerce a partir do qual tais conhecimentos serão construídos ao longo da educação básica”.

Nem mesmo a reforma do ministro Francisco Campos, em 1931, ou a de Gustavo Capanema, em 1942, ministros de Getúlio Vargas, ousaram perpetrar tal decreto, entronizando o Brasil como o centro do mundo. E o tempo era revolucionário, golpista, ditatorial — depende da interpretação.

A proposta da comissão do MEC para o ensino da História em 2015 é, portanto, uma aberração. Mutila os processos históricos globais, aposta na sincronia contra a diacronia, é fanática pelo presentismo. Incentiva ódios raciais e valores terceiro-mundistas superados. Estimula a ignorância, ao colocar a História ocidental como periférica, na realidade como vilã. Combate o eurocentrismo com um brasilcentrismo inconsistente. É uma aposta no obscurantisamo, inspirada por um modelo chavista de política internacional. Que Deus salve o Brasil desta praga — só apelando a Deus, et pour cause.
Ronaldo Vainfas

Reconstrução

Um amigo me diz que o país está acabando. Respondo que não, está recomeçando. Não vou morar em Portugal, como ameaçam fazer tantos desiludidos. Vou ficar no Brasil e espero ver o soerguimento deste país.

O pior já passou, o tempo da impostura, dos falsos heróis, quando o senador petista Delcídio Amaral, que já está preso, presidia a CPI do Mensalão. Quando o deputado petista André Vargas, que já cumpre pena de prisão por roubo, cerrava o punho “revolucionário”, afrontando o ministro Joaquim Barbosa, expropriando, em flagrante desrespeito à memória do país, o gesto de resistência dos que lutaram contra a ditadura.

Uma quadrilha que ocupou o Estado está sendo desbaratada, e esse fato, em si mesmo, já é um recomeço. Os tempos duros que estamos vivendo, com a economia destruída, a Petrobras à beira do abismo, as empresas corroídas pela promiscuidade corrupta com o governo, o desemprego e a violência crescendo nas cidades, são o preço que pagamos por ter, uma maioria de brasileiros, acreditado durante anos que o Partido dos Trabalhadores, nascido de nobres ideais, não poderia abrigar uma quadrilha. Caiu a máscara, já não é possível negar essa evidência. O partido que defendia os interesses dos trabalhadores acabou por objetivamente voltar-se contra eles, destruindo a economia e fazendo milhões de desempregados, como resultado da corrupção em que mergulhou e da gestão irresponsável da política econômica. O PT deixa uma legião de órfãos entre pessoas decentes que confiaram nele e foram ludibriadas.

Não podemos continuar sentindo como se a lama que se espalhou pelo país nos corresse nas veias. Para se reconstruir como nação, o Brasil precisa fazer o inventário de seus ativos que sobreviveram à debacle econômica e moral, voltar a acreditar em si mesmo, em sua sociedade, acreditar em suas instituições. Esses ativos existem e são valiosos.

Uma Justiça que funciona e pune lideranças do mundo político e empresarial é um ativo excepcional de que poucos países podem se orgulhar. Um tentacular sistema de corrupção que o PT, desde a era Lula, instalou como método de governo está sendo desmontado e deslegitimado pela Operação Lava-Jato. O Supremo Tribunal Federal tem confirmado, pela sequência de decisões contrárias às manobras de obstrução da Justiça, o respeito e a confiabilidade que já conquistara no julgamento do mensalão. O STF representa uma segurança contra o arbítrio do poder e do dinheiro.

Temos uma imprensa livre, competente e investigativa, que sempre se insurgiu contra as tentativas de implantação de um “controle social da mídia”, nefasto desígnio de calar os jornalistas. A sociedade brasileira sabe muito bem se informar, debate exaustivamente as notícias que recebe e ainda as põe à prova de outras versões que as redes sociais, com a autonomia e diversidade que lhes são próprias, produzem e difundem.

O Brasil tem uma população honesta, esmagadoramente majoritária, que ganha o seu sustento com trabalho e busca um bem merecido horizonte de melhoria de vida. É ela que aponta a corrupção como o maior problema do país, antes da saúde, da educação e da violência, como revela a pesquisa Datafolha. Acerta em cheio, porque é a corrupção que rouba os recursos da saúde e da educação e que alimenta a violência.

Temos uma opinião pública alerta, que está cobrando o fim do escândalo que é um Eduardo Cunha estertorando na presidência da Câmara de Deputados. Que se mobilizou exigindo que o Senado autorizasse a prisão do líder do governo na Casa. Sem a corrente de opinião que se formou nas redes sociais e interpelou o Senado, talvez os senadores não tivessem, quanto mais não seja por autoproteção, ousado autorizar a prisão de um colega, quiçá de um cúmplice. A vitalidade da opinião pública não está deixando o Congresso fazer o que bem entende. A posição da sociedade será decisiva nos desdobramentos do pedido de impeachment da presidente Dilma.

No momento dramático que estamos atravessando, o mais determinante ativo do Brasil, presente em todas as pesquisas de opinião, é imaterial, é a vontade de virar essa página da nossa história. É a indignação, a revolta, um querer coletivo, que cresce a cada dia e que não vai parar. Nesse querer coletivo vai amadurecer e dele emergir uma nova geração de lideranças, cujo denominador comum é a consciência aguda do drama social brasileiro, o amor à liberdade e o respeito inegociável à democracia. Esse é o perfil dos que, apoiando-se em nossos ativos, empreenderão, na política e na sociedade, a reconstrução do país.

Rosiska Darcy de Oliveira