sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Resumo das acusações contra Dilma

Sim. Eduardo Cunha é tudo o que todos dizem, corrupto e chantagista, mas isso não inocenta Dilma. Eduardo Cunha não é autor de nenhum pedido de impeachment. Nem será ele quem decidirá sobre o afastamento da atual Presidente da República. O principal pedido de abertura de processo de impeachment, assinado por um dos fundadores do PT, o jurista Hélio Bicudo, foi aprovado pela área técnica da câmara antes de chegar às mãos de Eduardo Cunha. Ele apenas aceitou. Fez o que qualquer outro no cargo dele deveria fazer.

Dilma não está sendo acusada de corrupção. Dilma está sendo acusada de crimes de irresponsabilidade fiscal e administrativa.

A Lei de responsabilidade Fiscal, promulgada durante o governo FHC, foi criada para fiscalizar os gastos do governo e assim evitar déficits no orçamento, ou seja, para se evitar que o governo gaste mais do que arrecada, para se evitar que o Brasil sofra o mesmo colapso econômico das décadas de 1980 e 1990. Por força dessa lei, todos os anos o governo federal deve apresentar relatórios detalhados de seus gastos e de suas receitas ao Tribunal de Contas da União. Dilma está sendo acusada de ter desrespeitado essa lei a partir de irregularidades apontadas pelo mesmo TCU. Não são suposições. São dados. São números.

Essa mesma lei diz que o presidente da república é o responsável direto pelo equilíbrio das contas do governo e por conta disso passivo de perda de mandato em caso de desrespeito.

Por que essa lei deve ser levada a sério? Por que o desequilíbrio entre gastos e arrecadação pode levar um país à falência. Pode fazer com que o governo fique sem dinheiro para pagar funcionários e para manter serviços essenciais. Essa lei não é um fetiche da democracia. Não é uma firula da burocracia.

O agravante do crime de irresponsabilidade fiscal de Dilma é que ele foi cometido para fins eleitoreiros, já que foram registrados aumentos absurdos dos gastos do governo no ano de 2014; e como se fosse pouco, as “pedaladas fiscais” se estenderem pelo ano de 2015.

Dilma também é acusada de ter tido responsabilidade sobre os prejuízos da Petrobrás, já que ela compunha seu conselho administrativo. Outros membros do conselho e diretores da empresa declararam formalmente que ela sabia de todas as negociações mais importantes. Por causa disso Dilma é acusada de ter sido, no mínimo, complacente; e como sabemos, complacência também se qualifica como crime.

O cidadão brasileiro também pode acrescentar argumentos éticos e morais. Dilma mentiu nas últimas eleições. Mentiu muito. Mentiu sobre a situação econômica do país. Mentiras que fizeram dezenas de milhões de eleitores votarem em quem destruiu a economia. Ontem mesmo o governo coagiu o Congresso Nacional a aprovar um déficit de mais de 100 bilhões de reais. 100 bilhões de reais é o tamanho da mentira da Dilma. Uma mentira que teve como resultado milhões de pessoas comuns perdendo seus empregos, dezenas de milhares de empresas fechando as portas.

Os pedidos de afastamento de Dilma não são meras disputas políticas. Eles representam a ânsia da sociedade por uma mudança de direção, por uma mudança de mentalidade administrativa ou pelo menos punição.

Não é o PSDB quem governa o Brasil há 13 anos. Não é o PSDB que controla todas as agências reguladoras e todos os fundos de pensão estatais. Não é o PSDB quem controla o BNDES. Não é Aécio Neves nem Fernando Henrique Cardoso que assinaram as pedaladas fiscais desse governo. Foi o PT. Foi Dilma!

Dias tristes

Não consigo compreender a explosão de alegria no plenário da Câmara ao saber que Eduardo Cunha acolhera o pedido de impeachment contra a presidente da República. Ela, incompetente e arrogante, ele um parlamentar acusado de corrupção, vinham travando uma batalha há meses, cada um preocupado com seu destino, nenhum dos dois preocupado com o Brasil. Não vejo motivos para alegria.


Da minha parte, fiquei triste. É o início do verão do nosso desconsolo. A corda do cabo de guerra – com barganha dos dois lados – esticou de tal modo que esfiapou e anteontem acabou por arrebentar. Agora teremos mais paralisia ainda, pois a economia que já está em seu nível mais perigoso, terá que aguardar toda a longa tramitação do processo de impeachment. Que não é pequeno.

O duelo entre dona Dilma e Cunha foi uma vergonha. Seja lá qual for o desfecho, o fato é que os inúmeros passos dos combatentes são uma mancha da qual não nos livraremos, nem tão cedo.

Dona Dilma, no mais curto discurso que fez à Nação desde que recebeu a faixa pela primeira vez, procurou se fazer de vítima impoluta de um algoz, cujo nome ela não cita, que é puro pecado. Eduardo Cunha se apresenta como um Sir Galahad com a armadura enferrujada. Declarou não ter nenhuma felicidade no ato que praticava: o pedido de impeachment da presidente!

Ela, a presidente, só sabe dizer que é honesta. Como se isso fosse uma qualidade extraordinária. Dona Dilma com certeza pensa que desonesto é só quem bate carteiras ou assalta bancos. Era bom que alguém lhe dissesse que enganar eleitores, como ela fez para vencer na última campanha, é desonesto.

Do lado dele, confesso, é muito estranho, mas cada vez que Eduardo Cunha se aproxima de um microfone quando está dentro do Congresso, eu me lembro do filme ‘O Iluminado’, de Stanley Kubrick, e fico com a mesma sensação de medo. Não sei se é seu olhar fixo, se é seu sorriso frio, se é o ambiente daquela Casa que devia ser do povo, mas que é tudo, menos isso. Sei lá, o que sei é que fico com medo.

Lula, Dilma e o PT se gabam das conquistas sociais nesses últimos doze anos. A maior delas: a possibilidade de cada família brasileira abrir um crediário para poder comprar os eletrônicos e o carro que lhes dá a ilusão de ter ascendido à classe média. Possibilidade que agora se esvai.

O ex-presidente bate no peito para dizer que nunca ninguém criou tantas universidades quanto ele. Só esqueceram de lhe dizer que universidade não é só o prédio: é muito mais do que isso e esse muito mais, não foi lembrado...

Alias, por falar na figura do ex-presidente em exercício, era melhor ele ter continuado calado do que dizer o que disse ontem aqui no Rio: que o pedido do impeachment é uma insanidade. De quem? De quem cutucou o homem-bomba com um longo alfinete ao não acreditar do que ele era capaz, ou dele, do cutucado?

Estamos numa fase negra: inflação desembestando, parcas conquistas sociais se desfazendo, o desemprego a níveis impressionantes, a fome começando a bater nas portas e, além disso, tudo, o maior inimigo à solta, o aedes aegypti.

Essa, que deveria ser a maior preocupação dos brasileiros preocupados com o futuro, com certeza vai ficar congelada à espera do resultado do processo de impeachment.

Ou você, leitor, acha que algum dos grão-duques da Nação vai parar para pensar na devastação feita por esse infeliz mosquito que se vale das precárias condições de saneamento em que muitos brasileiros vivem? Ou que só vão pensar em esmagar ou em incensar o crescimento do processo que começou ontem?

Como comemorar, seja lá o que for, Natal, Réveillon, Carnaval, Impeachment, Olimpíadas, sabendo que até agora já são mais de 1200 os bebês abatidos pelo zika vírus?

Dias tristes, isso sim.

Jogos vorazes

Fernandes,Diário do ABC 
Vamos tentar colocar um pouco de ordem nessa bagunça.

Sim, Eduardo Cunha, o presidente da Câmara, não é um homem digno de confiança. Corre contra ele um processo do Conselho de Ética que visa tirar-lhe o cargo ou até o mandato.

Mentiu dizendo que não tinha conta na Suíça até que apareceram os extratos. A origem do dinheiro mereceu dele explicações rocambolescas.

Os votos dos três deputados do PT que fazem parte do Conselho são decisivos para traçar o destino de Cunha. Eles podem absolvê-lo ou condená-lo.

Por outro lado, Cunha é o presidente da Câmara até o momento em que for apeado do cargo e só ele, constitucionalmente, tem o poder de acolher um pedido de impeachment da presidente da República.

São os sortilégios da política: tanto poder concentrado na mão de um deputado que pode ser cassado a qualquer momento.

Enquanto ele tentava barganhar com o governo uma troca dos 3 votos pelo pedido de impeachment, disse que o governo tentava era barganhar com ele. Conhecendo os atores envolvidos, é bem provável que ambos tenham razão.

Enquanto o governo e Cunha tentavam acertar as suas barganhas, o PT endureceu e seus 3 deputados anunciaram que votarão a favor da aceitação da denúncia. Mas o PT não é governo, e o governo, afinal não é do PT? Mais uma vez, sortilégios da política. Fica parecendo que entre a desmoralização definitiva e a sorte de sua presidente não tão amada, o PT fez uma escolha clara: salvar o que ainda é salvável.

Depois de anunciada por Cunha a aceitação da proposta de impeachment encabeçada pelo ex-petista Hélio Bicudo, a presidente, que alterna seu estado de espírito entre a perplexidade e o estarrecimento, resolveu tornar pública, desta vez, a sua indignação.

Disse: “Não paira sobre mim nenhuma suspeita de desvio de dinheiro público; não possuo contas no exterior: nunca coagi ou tentei coagir instituições ou pessoas na busca de satisfazer meu interesse”. Uma resposta diretamente endereçada a Cunha, elaborada mais com a participação do fígado do que com a razão.

Sim, Cunha é acusado de tudo isso, mas não é sobre nenhuma dessas acusações que se sustenta o pedido de impeachment da presidente. Ficou parecendo a resposta de uma adolescente zangada com as provocações de uma desafeta de turma.

Outro paralogismo muito usado pelos partidários do governo, é aquele que repete que o processo de impeachment é golpe e que Dilma foi legitimamente eleita pelo povo e por isso é preciso deixá-la cumprir seu mandato até o fim.

Pode-se defender qualquer coisa, menos que um processo constitucional seja golpe e, de resto, convém lembrar, a bem da lógica mais primária, que só um mandante legitimamente eleito é que pode sofrer impeachment. Não há hipótese de tirar o mandato de alguém que não tenha sido eleito.

O PT lançou mão das armas que tem e recorreu ao Supremo tentando anular a decisão de Eduardo Cunha, mas retirou a ação quando soube que ela seria relatada por Gilmar Mendes. E o mercado reagiu à notícia da aceitação da denúncia com acenos de simpatia, via Bolsa e ações da Petrobras e do Banco do Brasil subindo e o dólar caindo.

O recado da sociedade é claro: o Brasil quer voltar a andar, e se para isso tiver que se livrar de Dilma e também de Cunha, que assim seja. O que não dá é o País ficar refém dos jogos vorazes de uma classe política inepta que está nos colocando na rota de uma depressão que pode destruir todas as nossas pontes para o futuro
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Pátria limpa da lama da mineração e de outras lamas

No fim deste ano, quando o PIB de 2015 for divulgado, a lama que matou o rio Doce não vai aparecer. As cenas do rio Doce sendo engolido pelo lixo da mineração, famílias soterradas, trabalhadores sem meio de vida e praias destruídas são a face mais visível das depredações provocadas e ignoradas pela economia brasileira. Os desastres sociais e ecológicos não aparecem nas estatísticas.


A economia brasileira não leva em conta a sujeira que provoca a destruição da biodiversidade, nem as “monstrópoles” que criou com sua violência descontrolada, nem o agravamento da desigualdade. Nossos rios estão morrendo pelo mau uso de suas águas ao longo de décadas, explorados como depósitos de lixo industrial e urbano e para geração de energia, sem consideração com a sustentabilidade.

Prometemos deixar um país mais rico para nossos filhos e netos e conseguimos fazer do Brasil a sexta economia do mundo, mas não estamos deixando um país mais limpo: da corrupção que rouba dinheiro público, que envergonha a sociedade, destrói nossas estatais, desvia dinheiro de nossas necessidades, desmoraliza a política, mata nossas esperanças; limpo da burocracia que barra a eficiência na aplicação dos recursos; do corporativismo, que se apropria da máquina pública e a utiliza mais para tirar vantagens do que para servir ao público.

Queremos um país limpo ao assegurar igualdade no acesso de cada criança brasileira a uma escola de qualidade, independentemente da riqueza dos pais e da cidade onde mora; uma pátria limpa da insensatez e da indecência de jogar fora a maior de nossas riquezas: desperdiçando o talento de qualquer brasileiro. Limpo da violência que assassina nossos jovens e rouba nossas ruas, tanto quanto a lama rouba o rio; sem filas para atender direitos básicos, como vaga em creche ou escola; e atendimento médico necessário.

Não basta continuar prometendo fazer um país rico, precisamos de uma nação limpa: da vergonha dos ricos e das necessidades dos pobres; de sermos o oitavo mais rico e o sexto com pior distribuição de renda; do acanhamento de termos 13 milhões de integrantes da população adulta que não conhecem a própria bandeira por não saber ler “ordem e progresso”, e outros 40% que sabem ler apenas pouco mais que isso.

Um país onde a riqueza seja construída com absoluto respeito ao equilíbrio ecológico e à preservação da biodiversidade; usada não apenas para reproduzir a riqueza, mas sobretudo para abolir o quadro de pobreza da nossa população, assegurando bolsa para quem precisar, mas emancipando as pessoas da necessidade de bolsas.

Para isso, o Brasil precisa de uma economia que seja sustentável ecologicamente, distributiva socialmente, moderna científica e tecnologicamente; uma economia limpa, criativa, inovadora, com elevada produtividade e competitividade; sem lama. E todos sabem que o caminho para isso é um presidente, um governo e uma base parlamentar que conduzam o Brasil na marcha para ser uma pátria limpa.

Perguntas com diversas respostas

Com a crise se ampliando, ainda que seu ponto de ebulição vá demorar, mil perguntas ficam sem resposta, ou melhor, apresentam respostas variadas, alimentando a perplexidade geral.

Claro que Eduardo Cunha retaliou. Deu o troco ao governo. Mas teria dado seguimento ao pedido de impeachment da presidente Dilma porque chegou a confiar num acordo com o PT e o palácio do Planalto, sentindo-se traído? A lógica indica que sim, mas seria o presidente da Câmara tão ingênuo assim, a ponto de supor o governo disposto a preservá-lo?

Estariam a presidente Dilma e o PT em rota de colisão, a ponto de Rui Falcão desobedecer a suposta estratégia palaciana de uma mão lavar a outra? Ou foi tudo combinado, ou seja, os três companheiros com assento no Conselho de Ética prometeram apoiar Cunha e depois foram acometidos de uma crise consciência?

Apesar de alguns ministros terem aplaudido Madame, depois de sua fala na televisão, alguém duvidaria dela estar sozinha e abandonada? Acreditou no PT por incapacidade de percepção política?

E Michel Temer, agiu ou omitiu-se na pressão sobre Eduardo Cunha para que fosse iniciado o processo do impeachment? Será o maior beneficiado, na hipótese de a maioria parlamentar inclinar-se pelo afastamento da presidente, mas teria participado da trama ou simplesmente deixado a corrente fluir?

Os grupos favoráveis ao impeachment conseguirão reunir dois terços dos deputados para concretizar a decisão final? Ou o Executivo sairá vitorioso, impedindo que Dilma perca o mandato?

Eduardo Cunha parece enjaulado no Conselho de Ética, mas a decisão final pela sua cassação é do plenário da Câmara. Disporá o deputado fluminense de meios para salvar a pele, a função e o mandato?

O impeachment tornou-se uma possibilidade ou uma probabilidade? Terão as ruas condições de influenciar o resultado? Como reagirá o PT diante de manifestações explosivas dos grupos favoráveis ao afastamento de Dilma? A crise econômica que nos assola influenciará o comportamento dos deputados? A presidente conseguirá eximir-se da responsabilidade de haver causado boa parte da confusão atual?

Finalmente, o que temos nós com isso?

Oligarquia

“Eu sustento que uma pequena rebelião aqui e ali é uma coisa positiva, e tão necessária no mundo político quanto são as tempestades no mundo físico”, escreveu Thomas Jefferson a James Madison no início de 1787, referindo-se à rebelião de agricultores de Massachusetts dirigida por Daniel Shay. Hoje, no Brasil, a Lava Jato veicula uma “rebelião”, e não tão pequena, da sociedade civil contra um sistema de poder que estava no rumo de degradar nossa democracia em oligarquia. A fotografia de André Esteves em uniforme prisional serve como ícone temporário dessa “rebelião” – não porque um banqueiro seja, necessariamente, um culpado, mas por evidenciar que a impunidade absoluta deixou de ser o apanágio dos poderosos.

Oligarquia é o governo de poucos, que se distinguem pela riqueza e/ou por laços corporativos, militares, religiosos ou familiares. Historicamente, as oligarquias organizaram sistemas de poder autocráticos destinados à proteção de sua riqueza. Em tese, o advento do Estado moderno e da democracia de massas dissolveu os sistemas oligárquicos, obrigando os poderosos a se desarmar, submetendo-se às leis gerais aplicáveis a todos os cidadãos. Contudo, sob certas condições, a oligarquia ressurge no interior da democracia, desequilibrando os pratos da balança de poder na direção do dinheiro. O Brasil de Lula e do PT marchava nessa direção, a passo acelerado.

O capitalismo de Estado, uma ponte legal entre a política e a economia, é um ambiente perfeito para a degeneração oligárquica da democracia

“Os ricos nunca ganharam tanto dinheiro como no meu governo”, exclamou Lula anos atrás, cobrando um apoio que, de fato, nunca lhe faltou. O capitalismo de Estado, uma ponte legal entre as esferas da política e da economia, é um ambiente perfeito para o desenvolvimento do fenômeno de degeneração oligárquica da democracia. Desvendada pela Lava Jato, a nossa “república dos negócios” funciona como porta giratória entre o alto empresariado e a fração da elite política encastelada no governo. No meio do caminho, conectando uns e outros, situam-se os “operadores”, que são executivos, administradores públicos, quadros partidários ou doleiros. A nova prisão de José Dirceu, seguida pelas prisões de Marcelo Odebrecht, Delcídio do Amaral e André Esteves, atesta que a “rebelião” já avança além da camada dos intermediários, rumo ao núcleo do sistema oligárquico.

Na sua face crua, rústica, a “república dos negócios” propicia contratos bilionários das estatais, principalmente a Petrobras, com o cartel das empreiteiras, que são fontes inesgotáveis de recursos para máfias políticas e generosas propinas para os “operadores”. Mas, no alicerce disso, como agora se sabe, encontra-se uma sofisticada articulação financeira que abrange o BNDES, um banco estatal irrigado por emissões de dívida do Tesouro, e os fundos de pensão, instituições semiprivadas capazes de mobilizar vastas reservas de capital. A deriva oligárquica do Brasil foi movida por um comando central, governamental e partidário, que aperta os botões dessa complexa engrenagem. A “rebelião” fracassará se, no fim, não dizimar a casa de máquinas.

Dias atrás, na Folha de S.Paulo, o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, assinou um texto de contestação de reportagem sobre os critérios adotados pelo banco estatal na concessão de financiamento subsidiado a uma empresa de José Carlos Bumlai, o “amigo do peito” de Lula. Numa eclosão de cinismo, Coutinho argumentou que a análise de crédito e risco correu por conta do Banco do Brasil e do BTG Pactual, os agentes repassadores. O BB obedece à mesma casa de máquinas do BNDES e também tem seu lastro último na dívida pública. Menos óbvio — e mais esclarecedor — é o papel desempenhado pelo BTG, um banco privado de investimento, na teia do capitalismo de Estado tupiniquim.

“O BNDES é uma qualidade e uma conquista brasileira”, proclamou André Esteves no início de 2013, numa entrevista em que derramou elogios sobre Eike Batista e suas empresas. Na ocasião, o banqueiro enxergou “o governo indo numa direção muito boa”, definiu a vocação de seu banco de servir como “o óleo da engrenagem da economia brasileira” e traçou um paralelo elucidativo. O BTG, explicou, é “um BNDES privado e eficiente”. De fato, tal como o banco estatal, e muitas vezes em parceria com ele, o banco de Esteves financiou negócios de Bumlai, associou-se à Petrobras na aventura da Sete Brasil e adquiriu da mesma Petrobras, a preço de banana, campos de petróleo na África. O banqueiro “privado” atravessou inúmeras vezes a porta giratória do intercâmbio de favores da nossa “república de compadres”. Nesses trajetos, acumulou fortunas e escreveu capítulos ainda ocultos na história da santa aliança de Lula com o alto empresariado.


A “república de quadrilhas” experimenta múltiplas falências. Sob os efeitos de um colapso fiscal e político, o governo tornou-se incapaz de sustentar os fluxos vitais de subsídios destinados às empresas da santa aliança. Sob o fardo de uma dívida colossal, a Petrobras verga diante do abismo e tenta vender patrimônios na bacia das almas. Sob os golpes judiciais da Lava Jato, as empreiteiras do cartel equilibram-se nos umbrais da falência enquanto o BTG sofre uma perigosa hemorragia de capitais. O experimento lulopetista de engenharia política, econômica e social vive seus estertores finais. Tudo indica que, na hora decisiva, e apesar da mesquinhez da oposição parlamentar, a democracia brasileira conseguiu evitar a estabilização do sistema oligárquico.

A lama no Rio Doce é uma metáfora apropriada, mas não é a única. “Nos últimos anos, não vínhamos combatendo o mosquito para vencer e, por isso, estamos perdendo”, admitiu o ministro da Saúde, Marcelo Castro, referindo-se ao surto de microcefalia. De fato, “nos últimos anos”, no reino encantado dos negócios fabulosos, da Copa e dos Jogos Olímpicos, o governo tinha outras prioridades – “e, por isso, estamos perdendo”. A nossa “rebelião” tem alvo certo. Abaixo a oligarquia!

Demétrio Magnoli 

PT balança a pança, vazia


O PT sempre foi do contra... os outros. Na oposição, liderou todos os pedidos de impeachment. Sempre se achou dentro da legalidade. É a primeira vez que vai enfrentar o remédio que tentou enfiar pela goela alheia. Mas desta vez esperneia. O que era legal contra os outros, agora é golpe.

O PT realmente não mudou. Continua a se fantasiar de vestal, de vítima da direita, para evitar a qualquer custo que seja proclamado culpado. E o primeiro passo sempre é desqualificar o "adversário".

A mudança com os anos é que não pode repetir a fanfarronada das massas. O próprio partido mudou com a perda de lideranças de gabarito, com tesoureiros presos, líder de governo na cadeia e ex-presidente preso, por sinal o maior articulador do partido. A sigla se tornou sinônimo de rapina nos cofres públicos, marca registrada da propina oficializada. Simboliza mais uma facção criminosa do que partido.

Não pode mais "balançar a pança e comandar a massa". Perdeu a pança, a massa sumiu e não mais toma as ruas. Restaram os mercenários do bolsa mortadela, os exércitos legionários dos movimentos sociais. O povo sumiu. Mais empobrecido, envergonhado e revoltado do voto da esperança para alimentar roubalheira e barganhas.

Ainda assim o PT confia em contar com o apoio popular, na maior rejeição política, para derrubar o impeachment. Joga todas as fichas numa defesa da "democracia" petista, na qual não entra a lei contra a má governabilidade. Mas pior de tudo ainda se esconde e usa o Brasil como escudo.

O PT não tem vergonha de chantegear um país em que os companheiros pintaram e bordaram nos cofres públicos e agora vem defender que o impeachment contra a má governanilidade será um ato para levar o Brasil ao fum do poço para onde enfiaram.

Lula conspirou para o impeachment de Dilma

Quando a Dilma repreendeu Lula em público reafirmando que Joaquim Levy permaneceria no Ministério da Fazenda, deu adeus ao Planalto. O ex-presidente, que já tinha mudado todo gabinete da presidente, queria administrar de fato o país, mas para isso precisaria abocanhar a Fazenda colocando lá dentro o Henrique Meirelles, como ele já havia anunciado. Contrariado com a posição firme da Dilma em manter o Levy ao seu lado, Lula deixou o barco correr e o resultado foi a proclamação do impeachment da Dilma pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Os primeiros sinais de que Lula iria entregar os anéis para salvar os dedos foram emitidos pelo Rui Falcão, presidente do PT. Em declaração à imprensa, ele disse que a bancada do PT votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha, contrariando a posição do governo que tentava de todas as formas mudar os votos de três petistas na comissão. Ora, Falcão, um obediente militante petista, apenas manifestou o desejo do seu chefe de forçar uma decisão de Cunha pelo impeachment. Todos sabem que o Lula trata seus subordinados a chicote, portanto, não seria Falcão que iria contrariar o chefe.

A Dilma não tem jogo de cintura, é uma burocrata que chegou ao mais alto posto do país pelas mãos de Lula, que precisava de um sucessor que ele manipulasse para permanecer mandando no país. No primeiro mandato, governou sob as rédeas de Lula. Não dava um passo sem consultar o padrinho. No segundo, tentou ter mais autonomia porque se achou legitimada pelos votos que pareciam ser seus. Procurou arrumar a casa com uma equipe própria para preservar a sua autoridade. Levou Aloizio Mercadante e mais alguns auxiliares para o seu lado no Palácio do Planalto. E mandou um recado ao seu antecessor, escolhendo pessoalmente Joaquim Levy.

Lula, inconformado, mergulhou. Esperou resultados positivos da nova equipe da Dilma que não vieram a curto prazo. E acomodado dentro do seu instituto, um local de conspiração permanente, enviou sinais da sua insatisfação com os novos auxiliares da presidente. A Dilma, acuada, começou lentamente a trocar os ministros da sua cota pessoal pelas indicações do ex-presidente, até culminar com o afastamento de Mercadante, acomodado depois no Ministério da Educação.

Lula sentiu-se poderoso, mas faltava algo que o tornaria mais poderoso ainda: mudar o chefe do comando da política econômica. Apressou-se, então, a anunciar que Henrique Meirelles seria o substituto de Joaquim Levy, depois de recebê-lo no seu instituto e dar as primeiras instruções da reforma econômica. Desapontada com as manifestações de apoio a Meirelles, Dilma, numa viagem ao exterior, pela primeira vez foi firme na defesa de um membro de sua equipe. Disse com todas as letras que Levy ficaria na Fazenda, enfurecendo Lula, que não admitia tal insubordinação de quem ele considera ainda uma de suas auxiliares.

A reação da Dilma enfraqueceu Lula publicamente. Aprendiz de Maquiavel, forjado nos porões sindicais, Lula preparou-se para o golpe final contra a sua auxiliar. Com rápidos movimentos políticos destronou a Dilma. Primeiro: mandou que Rui Falcão se solidarizasse com Delcídio do Amaral, entregando-o literalmente às baratas. Afinal de contas, Amaral era líder do governo, portanto, um problema de Dilma. Segundo: pediu também ao presidente do PT que anunciasse a adesão da bancada à cassação de Eduardo Cunha, contrariando o Planalto que tentava um acordo com o presidente da Câmara. E, por fim, manteve-se, por conveniência, silencioso durante todo burburinho que antecipou o anúncio do impeachment. Com essas ações, Lula manda um recado direto à presidente de quem realmente manda no país e procura se afastar, se é que consegue, dos danos que a Dilma e o Delcídio estão causando mais ainda à sua imagem depois que o Datafolha mostrou a sua rejeição cavalar de quase 50%, o que inviabilizaria suas pretensões de voltar ao poder.

E a Dilma, que achava que mandava, agora viu o castelo desmoronar-se pelas mãos do seu próprio criador.

Há um terrorista em mim

É fácil criticar os terroristas do Estado Islâmico, que não respeitam nada nem ninguém. Difícil é derrotar o terrorista que me habita e se manifesta quando encontro quem não pensa como eu. “Como ousa defender outro partido?”, indago, aos gritos, com raiva, deixando vazar o ódio que guardo no peito. Saio falando mal do partido e do amigo que têm a desfaçatez de ainda justificar políticos e políticas que só contribuíram para o atraso deste país.

Se eu pudesse me despir dessa pele de cordeiro que encobre o lobo que sou, calava o meu amigo, cortava-lhe a língua, libertava o seu cérebro dessa lavagem cerebral a que foi submetido. Será que todos não se dão conta de que eu tenho sempre razão? E depois reclamam quando detono as bombas que trago nas entranhas e, inflamado, vocifero contra os estúpidos que insistem em me convencer de suas opiniões insensatas.

O terrorista que me povoa usa armas ferinas: difama e calunia, sem dar ao outro o benefício da dúvida, e muito menos o direito de defesa. É um fanático religioso. Na fase ateia, defende a não existência de Deus, considera todos os crentes imbecis, alienados, dopados pelo ópio do povo, movidos pela ilusão de que há transcendência e vida após a morte. Na fase religiosa, não admite a convivência de todas as religiões. Há um só Deus, o dele! Um só credo, o que ele professa! Todos que não creem como ele crê merecem a perseguição, a morte, o inferno, pois são todos infiéis, heréticos, idólatras!

O terrorista que há em mim fala em democracia para o público externo. No íntimo, advoga uma sociedade autoritária, na qual todos pensem e ajam como ele, numa demonstração inquestionável de que fora do pensamento único não há salvação. Também fala de ética e proclama que é pecado roubar, mas embolsa o dinheiro dos fiéis, constrói mansões para o conforto de seu ego, tem horror de pobres, finge milagres para reforçar a aura divina de seu poder.

O terrorista que ocupa o meu coração é homofóbico, machista, racista, intolerante com aqueles que não se comportam segundo padrões moralistas de decência. É arrogante, prega certezas irrefutáveis. Mal-educado e grosseiro, não se levanta para dar lugar ao idoso e à mulher grávida. Desconfia da faxineira se um objeto sem valor desaparece da casa; irrita-se quando preso no engarrafamento ou se vê obrigado a enfrentar fila; usa a política para alcançar seus propósitos escusos.

O terrorista que comanda minhas emoções não é muçulmano, mas também pertence ao EI — Estado da Intolerância, que se impõe no almoço em família, no papo da roda de amigos, no local de trabalho. Ainda que dê ouvidos a um boçal para fingir educação, o que gostaria mesmo era calá-lo com um soco na cara e quebrar-lhe os dentes.

Esse terrorista que, em sociedade, me usa como disfarce, não grita Allahu Akbar (Deus é grande). Grita: Eu sou o cara! Dobrem-se à minha opinião! E degola virtualmente todos que discordam. Estes são queimados vivos nas brasas aquecidas pelo ódio. Divulga na internet tudo que possa ridicularizar os desafetos, adicionando mais lenha na fogueira da inquisição cibernética.

Esse terrorista fundamentalista jamais dirá ao outro “a tua fé te salvou”, como fez Jesus. Dirá “eu te salvei”. Isso se o outro comungar a fé que ele professa, ao contrário de Jesus, que ousou, em supremo gesto de liberdade religiosa, dizer “a tua fé te salvou” ao centurião romano, que professava o paganismo, e à mulher cananeia, que pertencia a um povo politeísta.

A crise moral em que chafurda a política brasileira

O gelo começou a derreter em Brasília. Após meses de ameaça, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura de um processo de impedimento contra Dilma Rousseff.

Que seja justamente ele o encarregado de impor esse revés à presidente eleita é uma ironia da história. Em vias de enfrentar um processo no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados por suposto envolvimento no esquema de corrupção da Petrobras, Cunha claramente (ab)usou (d)o poder embutido em seu cargo para salvar a própria pele.


Não é nenhuma coincidência que ele tenha deferido o processo de impeachment exatamente no dia em que o PT anunciou que votaria pela admissibilidade das investigações contra ele. Um claro toma lá dá cá.

Cunha diz que não. No Facebook, insinua que foi uma “resposta à voz das ruas” e aos protestos de março, abril e agosto. Considerando que estamos em dezembro, trata-se de um retardamento atípico para um político capaz de manobras tão ágeis quando lhe convêm.

Antes de exaltar as acusações contra Dilma, a situação escancara a perniciosidade desse político que é um perfeito retrato da crise moral em que chafurda a política brasileira. Em primeiro lugar, pois contra ela ainda não há provas de qualquer envolvimento em atividades ilícitas, apesar de toda a intensidade com que tem sido conduzida a operação Lava Jato. Diferentemente de Cunha, contra quem há provas de contas na Suíça e de desvio de dinheiro.

Além disso, a aprovação pelo Congresso do projeto de lei que altera a meta fiscal de 2015, considerada fundamental para evitar que o governo descumpra a Lei de Responsabilidade Fiscal, é um sinal de que Dilma está caminhando – mesmo que vagarosamente – para recompor sua base de apoio. Era justamente com base no crime de responsabilidade fiscal que os autores do projeto de impeachment haviam baseado sua acusação.

Dilma pode – e deve – ser confrontada com a denúncia de haver adotado uma agenda contrária ao eleitorado que nela depositou seu voto. E, isso, certamente ajuda a explicar sua baixíssima popularidade. Mas baixa popularidade não é crime.

Já no caso de Cunha é preciso questionar sua credibilidade se quisermos resgatar a dignidade da política brasileira. Talvez a decisão tenha sido fruto do isolamento por aliados que não mais têm como apoiar um político que se tornou insustentável. Ou talvez o mero revanchismo de um político sem princípios, apesar de pregar na Câmara o moralismo religioso.

Nada disso, porém, justifica a adoção premeditada de medidas que podem levar o país ao caos. Como se um impeachment não ameaçasse agravar ainda mais o já lamentável desempenho econômico brasileiro.

Mas talvez tenha sido essa a catarse necessária para que o país encontrasse a saída do buraco. Resta saber como a oposição – a mesma oposição que elegeu Cunha na presidência da Câmara a fim de limitar a governabilidade da presidente – vai lidar com o caso. E se o PT será capaz de recompor sua base de apoio a fim de garantir os votos necessários para interromper o processo.

E, tudo isso, por sua vez, vai depender da voz das ruas. O Brasil está diante de momentos decisivos.

'Vamos trabalhar para que o Lula não volte em 2018'

Hélio Bicudo tem 93 anos e uma grandiosa mágoa com o Partido dos Trabalhadores. Os anos em que militou ao lado do ex-presidente Lula pela construção do PT parecem estar em um passado remoto da vida do jurista. Sua bandeira já não é mais vermelha e seu plano agora é impedir que Lula volte ao poder. "Eu conheci o Lula quando ele era um operário. A casa dele não tinha nem o tamanho desta sala", disse Bicudo, em seu apartamento no coração dos Jardins, bairro nobre de São Paulo. "Hoje ele é um milionário".

"Vamos trabalhar para que Lula não volte em 2018", disse ele na noite da última sexta-feira, quando cedeu sua casa para a realização de uma pequena coletiva de imprensa dos movimentos pró-impeachment Nasruas, Movimento Liberal Acorda Brasil, Brasil Melhor e Avança Brasil Maçons. Na ocasião, os movimentos anunciaram que iriam pedir a Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para anexar seus pedidos de impeachment ao pedido que Bicudo protocolou no último dia 1.

"Precisamos acabar com esse sentimento de impunidade", afirmou Bicudo. O pedido de impeachment do jurista é baseado nas pedaladas fiscais e na omissão de Dilma Rousseff diante dos casos de corrupção na Petrobras. "Dilma e Lula estão envolvidos em todos os casos de corrupção".

Bicudo não vê nenhum mérito na gestão PT na presidência. Tampouco reconhece a importância dos programas sociais desenvolvidos nos últimos anos. "O Minha casa minha vida é uma enganação. É tudo inventado. E a imprensa engole", disse ao EL PAÍS, no sofá de sua sala. "Essas pessoas [beneficiadas pelo programa] são todas filiadas a algum partido".

O Bolsa Família, programa de transferência de renda que foi alvo de disputa pelo criador durante as eleições do ano passado, tampouco é mérito do PT para Bicudo. "O Bolsa Família não é mérito da Dilma ou do PT", disse. "Chegamos em um momento em que isso teria que ser feito, era uma demanda natural, qualquer um o faria".

O Estelita é mais do que o Estelita

No último sábado (28), o Recife amanheceu diferente. Desde cedo, as redes sociais repercutiram a notícia da decisão da Justiça Federal de anular o leilão fraudulento através do qual o Cais José Estelita foi surrupiado dos recifenses pelo Consórcio Novo Recife em 2008, contando com a cumplicidade das principais forças políticas de Pernambuco, o PSB e o PT. Foram prefeitos desses dois partidos que respaldaram e deram prosseguimento à privatização ilegal do Estelita, sobretudo Geraldo Júlio, do PSB.

Para quem não lembra, o Cais é uma área de mais de 100 mil metros quadrados estrategicamente situado às margens do Capibaribe, ao lado do centro histórico e no caminho para a valorizada zona sul da cidade. Ele foi arrematado por um preço subfaturado pelo Consórcio Novo Recife, formado pelas construtoras Moura Dubeux, Ara Empreendimentos, GL Empreendimentos e Queiroz Galvão. As empreiteiras pretendem construir 12 torres de cerca de 40 andares de uso estritamente privado no local. O projeto Novo Recife é um caso típico da arquitetura do medo que vemos se implantar nas cidades brasileiras.

Movimento Ocupe Estelita

A privatização do Cais e a reação que ela provocou, através do Movimento Ocupe Estelita (MOE), tiveram boa repercussão na imprensa nacional e internacional, entre outras razões, porque ambos são sintomáticos do atual momento político brasileiro. O Estelita conta a história do fechamento do espaço público no Brasil, em dois sentidos diferentes, mas muito imbricados. Quer seja tomado como âmbito da participação política, quer seja entendido como lugar de encontro com anônimos e de vivência coletiva da cidade, o espaço público está ameaçado diante da captura do Estado pelas grandes corporações, no ciclo neoliberal.

Lutas como as do MOE (ou do Ocupe Cocó, em Fortaleza, ou Ocupe Golfe, no Rio, ou ainda o Ocupe Parque Augusta e a recente ocupação das escolas estaduais em São Paulo, entre outras) apontam para o descolamento entre estas formas de mobilização social e os mecanismos tradicionais de representação política, especialmente os partidos e seus eleitos no legislativo e no executivo. A crise da democracia representativa não é nova, como se sabe. Mas, no caso brasileiro, a adoção de políticas neoliberais que incrustaram interesses privados minoritários dentro do aparelho do Estado em um nível sem precedentes veio de par com a redemocratização e o entusiasmo das forças progressistas ávidas por entrarem na cena política. Elas eram ligadas a velhos e novos movimentos sociais, de luta pela terra, por direitos trabalhistas, em defesa do meio ambiente, dos consumidores, de mulheres, gays, lésbicas, negros e negras etc.

A febre participativa dos anos 1980 criou uma contracorrente em relação à onda neoliberal e ajuda a entender a eleição de candidatos do PT, primeiro no legislativo e nas prefeituras de grandes cidades nas últimas décadas do século passado, e, finalmente, na Presidência da República a partir de 2002. É como se a redemocratização tivesse filtrado e retardado a formação do consenso neoliberal e, por conseguinte, a crise da democracia representativa no Brasil, já que uma parte dela se deve à percepção da anulação da política pela privatização do Estado. Foi, sobretudo, a partir da recente estagnação econômica e seus efeitos políticos amplificados pela grande mídia que a descrença nos partidos e seus eleitos se consolidou ao alcançar o PT, sincronizando, por fim, os contextos nacional e internacional nos quais cresciam as mobilizações de tipo “Ocupe”. A aposta equivocada do Partido dos Trabalhadores em uma “ligação direta” com as classes populares através dos ganhos trazidos pela onda de prosperidade, em detrimento da politização, afastou o partido daquelas forças progressistas e alimentou a sua desmobilização. Assim, o esvaziamento do público e da política puderam prosseguir sem ameaçar as vitórias eleitorais do partido. Mas quando as conquistas não vêm acompanhadas de politização, podem ser percebidas como naturais ou como resultantes apenas do esforço individual, o que parece explicar por que uma parte expressiva do voto popular migrou para outros partidos nas eleições de 2014. Some-se a isto a campanha que a grande mídia tem feito contra o PT. O resultado é a sensação de que “todos os partidos são iguais” e de que nenhum deles vale a pena. Do ponto de vista das classes médias, os custos do abandono do público pela redução do Estado à condição de gestor de interesses privados minoritários apareceram como uma crise urbana sem precedentes. Assim, o desgaste da democracia representativa instalou-se de vez e traçou o contexto de surgimento dos movimentos de tipo “Ocupe”, no Brasil.
Leia mais o artigo de Maria Eduarda da Mota Rocha