sábado, 21 de novembro de 2015

Crise imóvel

O nó da crise parece longe de vir a ser desatado. Está claro que o governo investiu pesado numa operação-desmonte, até aqui bem-sucedida, tendo como peça fundamental o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, cuja missão consiste em brecar o rito do impeachment: nem encaminhá-lo, nem negá-lo.

Qualquer das duas opções – encaminhar ou arquivar - deflagra o processo, e a presidente Dilma levou a sério a advertência de Fernando Collor de que, uma vez iniciado, não há como detê-lo. Não convém desprezar a voz da experiência.

Cunha, que integrou todos os governos petistas, refluiu de sua atitude hostil inicial quando assumiu a presidência da Câmara, e perfilou-se à estratégia, comandada por Lula e Jacques Wagner.

Nada como o ronco de um camburão para desfazer arroubos de independência. Cunha luta para sobreviver e, mesmo sabendo que a hipótese de triunfo é remota, aceitou os termos da rendição.

O governo aciona uma espécie de estratégia das tesouras: de um lado, blinda Cunha, prometendo defendê-lo na comissão de ética (sim, existe uma, na Câmara!); de outro, orienta a militância – inclusive de aliados, como PSol e PCdoB - a exibir indignação moral contra Cunha. A tesoura está em movimento.

De um lado, Cunha é imobilizado pela esperança de ser salvo; de outro, faz o papel de boi de piranha, lançado separadamente ao rio, para o banquete das piranhas, enquanto o rebanho passa ao largo, livre do assédio.

A delinquência de Cunha, comparada às denúncias da praticada por gente do PT e por pelo menos dois ministros de Dilma – Aloizio Mercadante e Edinho Silva, além do próprio Lula -, é pinto.

Mas, concentrando nele a fúria moralista, o governo atravessa o rio da impunidade sem problemas. As piranhas concentram-se no boi Cunha. Está funcionando e o fim do ano se aproxima. Vencido 2015, o próximo ano trará seus próprios desafios e novas ações táticas serão concebidas. Nisso, o governo é bom.

Outro aliado é a espantosa inépcia oposicionista. À exceção de uns poucos discursos mais veementes de um ou outro parlamentar – e discurso não machuca ninguém -, a oposição nada de propositivo oferece à superação da crise, nem para derrubar o governo, nem para absorvê-lo. Assiste a tudo como observadora neutra. Marina Silva? Aécio Neves? FHC? Silêncios veementes.

Domingo passado, pela quarta vez este ano, as manifestações de rua movimentaram o país, nas capitais e no interior. Mais uma vez, a avenida paulista recebeu, segundo a Polícia Militar, um milhão de pessoas pedindo a saída da presidente. Nem mesmo a mídia, que parece acompanhar o refluxo do Congresso, deu grande importância.

Há quase um mês, manifestantes estão acampados em frente ao Congresso, pedindo que o pedido de impeachment seja examinado. A única resposta, até aqui, foi expô-los à ação de milícias travestidas de movimentos sociais, cada vez mais hostis e criminosas em sua ação predadora. A oposição nada diz ou faz.

Instalou-se um ambiente de exceção. Os caminhoneiros são punidos, com uma medida provisória inconstitucional, por obstruir as estradas, mas o MST é estimulado a fazê-lo.

Na manifestação de domingo, o acesso a Brasília estava barrado pela militância esquerdista. Os caminhoneiros viram-se numa situação singular, simultaneamente impedidos de parar e de trafegar, reprimidos não pela polícia (o Estado), mas pela militância, a soldo governamental.

A menos que Cunha se convença de que confiar na blindagem do governo é um delírio, e encaminhe o pedido de impeachment, o rito continuará este: nem sim, nem não, antes pelo contrário. Uma crise imóvel e anestesiada.

A hipótese de cassação pelo TSE, solicitada pelo PSDB, em vista do financiamento espúrio da campanha de Dilma, com dinheiro roubado da Petrobras – fato que a operação Lava Jato já evidenciou à exaustão -, é ainda mais remota, o que explica a indiferença dos tucanos à manobra bem-sucedida de manter na relatoria a ministra Maria Teresa, que queria arquivar o processo.

Enquanto isso, a economia continua a derreter, o desemprego exibe índices inéditos e a crise social prossegue em sua marcha inapelável e cada vez mais acelerada. É por aí que alguma coisa pode acontecer. Não há truques contra o desemprego e a alta do custo de vida – contra a realidade.

O governo pode até sobreviver, à base de manobras e trapaças, mas governar é outra coisa – e parece definitivamente fora de seu alcance.

Lula e D'Ávila: Metamorfose na Globo News

A montanha pariu um rato! Ou quase. Eis o sentimento (profissional e pessoalmente falando) deixado pela entrevista exclusiva do ex-presidente Lula, ao jornalista e ex-deputado constituinte Roberto D`Ávila, transmitida no começo da noite de quarta-feira, 18, pelo canal privado de televisão Globo News.

A meia hora de conversa gravada em São Paulo, na sede do Instituto Lula (o entrevistado achou o tempo curto e pediu mais, no ar, aos diretores da emissora, em meio ataques pesados à imprensa em geral e à cobertura diária dos escândalos e da crise do país na era PT em particular), foi o suficiente para o impacto do programa do ponto de vista jornalístico, político e do desnudamento de um mito em seus labirintos atuais, sem achar a saída salvadora.

Sob este ponto de vista, o programa foi quase impecável. Afinal, o apresentador é um notório conhecedor da literatura do País e do continente, hábil entrevistador de alguns de seus maiores nomes. Aprendeu como poucos a lançar iscas para pescar peixes grandes, que não resistem a um elogio ou um afago no ego desmesurado.


De terno e gravatas de grife, é verdade, mas, ainda assim, o Lula desta semana, no canal privado de TV, parecia muito um daqueles egocêntricos e tristes mandachuvas que povoam os romances de Garcia Márquez e de tantos outros autores notáveis do realismo fantástico na literatura da América Latina.

A conversa mostrou, na plenitude, a melancólica metamorfose de um "líder de resultados" (como o entrevistado gosta de ser considerado) a retirar, de público, uma a uma, praticamente todas as máscaras, peles e camuflagens sob as quais, frequentemente, tenta se esconder o antigo dirigente sindical de expressão global, ex-chefe da nação, criador do PT há 12 anos no poder, mentor da atual ocupante do Palácio do Planalto.

O entrevistado, mal (ou bem?) comparando, pareceu também, em certos momentos, um daqueles antigos prestidigitadores de rua – habituais, mas sempre surpreendentes nas praças e becos da Cidade da Bahia, onde Lula falou hoje, entre vaias e aplauss, nas comemorações do Dia da Consciência Negra - que esgotou o estoque de mágicas. Não consegue tirar do bolso da casaca nenhum truque novo. Até os bordões do tipo "nunca se viu antes na historia deste País" são repetitivos, óbvios, batidos. Cansam e irritam, em lugar de provocar a surpresa positiva e o riso de simpatia e apoio do passado.

O ar irritadiço do valente do tempo do "hoje eu não estou bom" gravado nas camisetas das lutas sindicais do ABC, não mais produz efeito favorável. Muito menos o "Lulinha paz e amor", de tantos palanques de campanhas eleitorais, funciona mais. Tais artifícios perderam força e substância, diante das graves e urgentes questões que cobram respostas verdadeiras, sérias, urgentes e sem os titubeios estranhos ou buracos que permearam a conversa na TV do começo ao fim: Mentiras da campanha para reeleger a companheira Dilma; tenebrosas transações expostas nas operações Lava Jato e Zelotes; sangria corrupta da Petrobras, tesoureiros, ex dirigentes, "velhos e bons amigos e aliados do PT", gente do círculo mais próximo do governo, na cadeia, sob investigação da P olícia Federal, ou já denunciados em processos judiciais.

Pouco restou de convincente nas respostas de Lula, salvo a ambição de dar prosseguimento ao mando petista nas eleições de 2018. A começar pelas frágeis negativas sobre manobras de bastidores para desgastar o governo da presidente Dilma (a afilhada que ele levou ao posto de mandatária maior do País), ou as articulações submersas para derrubar o ministro Joaquim Levy, da Fazenda, o estorvo maior do momento ao projeto de poder do entrevistado e do PT.

"É preciso comparar", ensina o garoto sueco Ingemar, sábio personagem do cultuado filme "Minha Vida de Cachorro", que de tempos em tempos recomendo neste espaço. Para isso é fundamental recorrer à ajuda da memória. Este bem precioso que dá significado à existência, mas cujo valor em geral só começamos à perceber, e a dar importância, quando começamos a perdê-la, como assinala o cineasta espanhol Luís Buñuel, no livro biográfico "Meu Último Suspiro", ao narrar sobre a amnésia de sua mãe com o passar dos anos, dolorosamente acentuada pelo mal de Alzheimer: "Chegou ao ponto de já não reconhecer seus filhos, não saber quem éramos nós, quem era ela", conta.

Mesmo no ambiente quase caseiro da conversa, o entrevistado parecia incomodado e tenso, agressivo, "armado" e atirando para todo lado, sem a pontaria de antes. Principalmente contra a imprensa e o amigo -inimigo preferencial de sempre, - o ex-colega de mando Fernando Henrique Cardoso. Sem reconhecer ninguém direito, nem os filhos, a deduzir pela resposta dúbia sobre as acusações da Operação Zelotes, que pesam sobre o caçula Luís Cláudio Lula da Silva. Sagacidade de mágico de rua, ou temor do futuro? Responda quem souber.

Os três poderes estão cada vez mais apodrecidos

Vamos falar sério, como pedia o saudoso Bussunda. Sob comando direto de autoridades como Dilma Rousseff, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e Ricardo Lewandowski, os três Poderes da República atravessam a pior fase de toda a História, exatamente numa momento em que o país submerge num mar de corrupção e incúria. A economia está se derretendo, a dívida pública aumenta descontroladamente, a máquina administrativa cada vez mais obesa e ineficiente, os serviços públicos não funcionam, as agências reguladoras se omitem,o chamado custo Brasil pune os empresários, o ajuste fiscal anunciado pelo governo literalmente não existe, o país inteiro entrou em transe, mas os três mandatários se comportam como se estivessem no melhor dos mundos.

O presidente do Supremo, Lewandowski, tem um excelente curriculum jurídico, mas decididamente não se comporta como um magistrado, na expressão da palavra. Por exemplo, não fica bem que Sua Excelência saia de seus cuidados para participar de um evento aberto e fazer uma palestra classificando de golpe a possibilidade de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Ele jamais poderia ter feito tal afirmação, porque é a Constituição Federal que prevê a hipótese de a presidente ser afastada, caso cometa irregularidades. E quando o presidente do Supremo chega a ponto de rasgar a Constituição em público, é sinal que as coisas realmente andam mal no país.

Este posicionamento público do presidente do Supremo é uma atitude que desonra o Judiciário, mostra que o Poder está tão podre quanto o Executivo e o Legislativo. Com toda certeza, Lewandowski deveria ficar calado e guardar as convicções políticas para si, sem tentar influir e impor constrangimentos. E nem adianta alegar que estava expressando uma opinião pessoal, porque suas declarações serão sempre atribuídas ao presidente do Supremo e não ao cidadão que ocasionalmente veste a digníssima toga.

Neste ponto, o presidente do Senado, Renan Calheiros, é bem mais discreto do que Lewandowski. Todos sabem que o político alagoano tem um histórico de corrupção, com amante mantida pela empreiteira Mendes Júnior, envolvimento com notas frias e tudo o mais. Sabe-se também que recentemente Renan fechou acordo com o Planalto, está apoiando o governo de peito aberto, porém não costuma se exceder, ninguém consegue fazer com que ele classifique de golpe a medida saneadora prevista na Constituição. Portanto, atualmente o senador demonstra mais decoro do que o presidente do Supremo, que vinha fazendo uma carreira ilibada até o julgamento do mensalão, quando era revisor do processo e votou a favor da inexistência de formação de quadrilha, para reduzir as penas condenatórias dos réus, especialmente José Dirceu, e conseguiu sair vitorioso, deixando uma mancha em sua carreira de magistrado.

Dilma Rousseff é ainda pior do que Lewandowski e Renan, que pelo menos sabem conduzir administrativamente Judiciário e Legislativo. Tudo o que ela faz no Executivo dá errado, não sabe se portar como presidente da República. Este mês, por exemplo, diante do mais grave crime ambiental do país, levou seis dias até ir à região, deu uma sobrevoada e nem saltou do helicóptero, com medo de ser vaiada. Depois, pegou o Aerolula e voltou logo para Brasília.

Sua administração é uma tragédia muito pior do que o desastre de Mariana, que destruiu uma cidade inteira e arruinou o outrora Rio Doce, cujo nome passará a ser apenas referência a um passado distante. Com sua arrogância, soberba e incompetência, Dilma Rousseff está arrasando um país altamente viável. E a culpa – todos sabem – é de um homem chamado Luiz Inácio Lula da Silva, que inventou essa farsante destrambelhada e literalmente a colocou no Palácio do Planalto. A nação agora está pagando caro por esta aventura.

Esperamos que a História faça justiça aos dois, porque, se dependermos apenas do Judiciário e do Legislativo, já está tudo dominado, como se diz atualmente.

'Bem público', o altar

Escusado será dizer que, sob qualquer desses sistemas (socialismo ou fascismo), as desigualdades de renda e padrão de vida são maiores do que qualquer coisa possível sob uma economia livre…, e a posição de um homem é determinada não por sua capacidade produtiva e realizações, mas pela força e influência política. Em ambos os sistemas, o sacrifício é invocado como uma solução mágica, onipotente, em qualquer crise – e “o bem público” é o altar no qual suas vítimas são imoladas
Ayn Rand

A benevolência do açougueiro

Nossos cérebros não foram forjados para viver sob economias modernas. Nós não só temos dificuldade para processar elementos básicos do funcionamento do mercado como ainda gostamos de interpretar o mundo como uma incessante luta do bem contra o mal, do fraco contra o forte.

O resultado disso é que até enxergamos virtudes no industrial ou no fazendeiro, que "criam" produtos, mas é só trazer o comerciante ou, pior ainda, o banqueiro para a equação que já nos pomos a chamá-los de atravessadores e sanguessugas.

Não digo que estes não têm incentivos para esfolar o consumidor e o farão se puderem. Mas a força da economia de mercado reside no fato de que ela não depende tanto da boa disposição moral dos agentes para funcionar. Como escreveu Adam Smith, "não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro e do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelos próprios interesses".

Não se trata de uma panaceia. Há muitas situações em que, se os apetites dos indivíduos não forem contidos pela lei, teremos péssimos resultados. A aposta do capitalismo, porém, é que acertaremos mais se deixarmos as pessoas livres para agir segundo seus interesses do que se tentarmos regular tudo "a priori".

Faço essas considerações a propósito da decisão do STJ de que comerciantes não podem oferecer desconto a quem paga com dinheiro vivo. Ora, se o custo da operação com cartão de crédito é maior, não está ao alcance de nenhuma lei mudar essa realidade. E faz mais sentido deixar para o comerciante definir se é mais vantajoso dividir o custo extra entre todos os clientes ou direcioná-lo para quem de fato contrai o crédito. O interesse do empresário, vale lembrar, já é vender o máximo possível.

Enquanto não nos livrarmos da crença de que bastam leis para criar valores e eliminar custos, o mercado não vai funcionar tão bem por aqui.

Parecem zumbis

Do festival de baixarias encenado na Câmara esta semana, em especial quinta-feira, sobressai o comportamento da bancada do PT. Negativamente, é claro. Como entender que depois de um mês guerreando Eduardo Cunha, os companheiros se tenham transformado em linha auxiliar do presidente dos deputados? Com raras exceções, faltaram à sessão iniciada pela manhã, visando não dar número no Conselho de Ética, ajudando a protelar o início do processo contra o parlamentar fluminense. Um desabafo proveniente de diversas gargantas oposicionistas fazia-se ouvir de quando em quando: “Onde anda o PT?”

O gato comeu. Melhor dizendo, cumprindo ordens do palácio do Planalto, o partido integrou-se na missão impossível de salvar Eduardo Cunha. Por quê? Por ser verdadeiro o abominável acordo da presidente Dilma com o singular personagem hoje empenhado em evitar sua condenação por quebra de decoro. O governo tenta garantir o mandato dele, Madame, de seu turno, vê engavetado o pedido de impeachment apresentado por antigo fundador do Partido dos Trabalhadores. Um acordo digno da quadrilha de Al Capone.

Nem Cunha nem Dilma admitem a hipótese de defender-se das acusações, coisa que seria normal no caso de inocência. Como uma quebrou a Lei da Responsabilidade Fiscal e o outro mentiu negando possuir dinheiro no exterior, empenham-se em sepultar os julgamentos antes de iniciados. Querem chegar incólumes ao fim do ano, adquirindo o oxigênio necessário para apagar a memória nacional.

A gente pergunta como foi possível essa transfiguração da legenda que um dia imaginou-se dona da ética e da moral. A resposta surge clara: com raras exceções, venderam-se os companheiros. Trocaram o ideal de mudar o país pelas mesmas concepções e interesses que combatiam. Pior do que esquecer ou não lembrar de seus antigos propósitos é a desfaçatez com que obedecem as novas instruções. Parecem zumbis. Por certo que compensados com as benesses do poder.

De vez em quando é bom lembrar episódios do folclore político. O saudoso mestre Arnaldo Nogueira, pioneiro dos programas de entrevista na televisão, com o inesquecível “Falando Francamente”, nos anos cinquenta, recebia o marechal Cândido Rondon. Velhinho, quase totalmente surdo, o entrevistado mantinha a sagacidade que pautou toda sua vida. Naqueles idos o vídeo-tape não havia sido inventado, todos os programas eram ao vivo.

Como norma, no meio da entrevista, Arnaldo Nogueira fazia um intervalo, informando o convidado de que tomariam “um delicioso guaraná champagne da Antártica”, patrocinadora do programa. Nessa hora entrava no estúdio uma sestrosa mocinha de mini-saia, com taças numa bandeja de prata. Se o entrevistado queria agradar o jornalista, tomava um gole, exclamavam “que delícia” e o programa continuava.

O marechal Rondon custou a entender o intervalo,que só percebeu quando diante de uma taça de guaraná e aí surpreendeu: “Guaraná champagne da Antártica? Eu não bebo essa porcaria”. A tempo em que derramava o líquido no tapete, completou: “Só bebo guaraná ralado na língua do pirarucu!”

Desnecessário dizer que Arnaldo perdeu o patrocinador, mas essa historinha se conta a propósito da recente entrevista que o ex-presidente Lula concedeu ao competente Roberto D’Ávila. Tantas agressões fez o primeiro companheiro aos fatos que o jornalista corre o risco de perder seu patrocinador. No caso, o público admirador de sua capacidade…

República das bananas

Voltar de férias e folhear os jornais acumulados das últimas semanas, hábito revelador de um apego afetivo ao papel, pode também ser uma experiência que deprime. A decadência institucional do Brasil é avassaladora.

Muito além das novidades das investigações criminais, dos sinais persistentes de que a propalada prosperidade da era petista é enganosa, do raquitismo político das oposições e das controvérsias em torno da letalidade policial, a destruição da bacia do rio Doce e o surto de microcefalia no Nordeste, que transforma em pesadelo a alegria de ter filhos, mostram o quanto a administração pública é incompetente e cruel.

Se a economia brasileira permanece entre as maiores do mundo, estamos muito próximos de recantos remotos e atrasados do planeta.

Não são tragédias da natureza. São tragédias da leniência, do descaso, da burocracia, que não se aplacam com apuração de culpa, aplicação de multas ou decretos de emergência. Não têm conserto.

De repente, descobrimos que o mar de lama que escorre pelo interior de Minas Gerais até o Espírito Santo, desastre ambiental de proporções gigantescas e históricas (Dilma demorou uma semana para reagir ao acontecimento), era previsível -fruto da falta de fiscalização e de uma paralisia estatal revoltante.

Descobrimos em novembro que, no mês de agosto, havia índices alarmantes de incidência de malformação craniana em recém-nascidos em Pernambuco. Autoridades e cientistas ainda parecem atônitos e não transmitem segurança. O surto aparece do nada? Se a origem é viral, o problema não irá se alastrar perigosamente? O Ministério da Saúde não poderia ser mais ágil? A resposta do Estado brasileiro não deveria ser mais incisiva do que a recomendação informal de adiamento dos planos de engravidar ou, para mulheres grávidas, evitar os mosquitos? Por que aqui se gasta tanto com propaganda política disfarçada e tão pouco com campanhas informativas?

E, em meio a este singelo leque de notícias constrangedoras, o país sem comando, eis que o Congresso Nacional aprova e a presidente sanciona lei que, a pretexto de regulamentar o Direito de Resposta e preencher o vácuo legislativo decorrente da decisão do STF que revogou a Lei de Imprensa, estabelece normas com o propósito de emparedar o jornalismo e blindar a vida de políticos histriônicos ou picaretas e autoridades investigadas.

A indisfarçável euforia do líder do PT, senador Humberto Costa, sintetiza o pensamento da grande maioria dos parlamentares, todos unidos em torno da sombria proposta, independentemente de diferenças partidárias: "Sem dúvida, um dos projetos mais importantes que o Congresso já teve a oportunidade de votar", necessário para "punir aqueles que utilizam a liberdade de expressão para agredir, caluniar, mentir".

A lei 13.188/15 é uma aberração. Institui desequilíbrios processuais insólitos e cria embaraços concretos para a liberdade de informação e de crítica. Se colar (temos o costume de editar leis que não colam), o Brasil estará mais perto de países vizinhos que tratam o jornalismo com hostilidade. É para sentir saudade da extinta Lei de Imprensa do regime militar, por incrível que possa parecer, mais amena e liberal.

Lula e seu velho bode


“Tudo é tudo, e nada é nada” 
Tim Maia

Sempre se dizendo criticado, perseguido e difamado pela mídia, Lula saiu do governo com o PIB crescendo 7,5% e com a aprovação de mais de 80% dos brasileiros, apesar do escândalo do mensalão. Então, que poder teve essa mídia de formar opinião contra ele? Ninguém ligava para o que eles diziam?

Mas, com inflação alta, recessão cruel e escândalos em série, a mesma mídia é acusada de ampliar a crise e de sabotar o governo, de tentar derrubar a presidente eleita, de estimular o ódio. Os 8% que ainda aprovam Dilma devem ser os que os meios de comunicação não conseguiram enganar com suas lorotas... rsrs.

Sim, é verdade que foi nos governos petistas, ou apesar deles, que a Polícia Federal e o Ministério Público cresceram em eficiência e independência, realizando operações que desvendaram o mensalão e o petrolão — com a ajuda dessa mesma mídia, que deu pistas, publicidade e profundidade às investigações. Como disse o juiz Sérgio Moro, a operação Mãos Limpas na Itália só foi bem-sucedida porque teve na imprensa uma aliada fundamental, mantendo a pressão nas investigações e o público atento e indignado.

A besta-fera, o leviatã, a hidra de mil cabeças, o sonho de consumo dos totalitários de esquerda e de direita, a imprensa livre é uma das mais árduas e valiosas conquistas das últimas gerações de brasileiros. E um dos bodes expiatórios favoritos dos governos petistas que, mesmo com a concorrência acirrada de vários grupos de comunicação e da absoluta liberdade de associação, querem “democratizar” a mídia brasileira.

Culpar e castigar o sucesso de audiência e credibilidade é a vingança de todas as tentativas de rádios, jornais, televisões, revistas e sites “de esquerda” que, mesmo com fartas verbas públicas, nunca fizeram sucesso popular nem conquistaram um mínimo de influência, não porque o público seja “de direita” ou burro, mas por falta de qualidade e verdade, de talento, cultura e humor. O “Pasquim” foi a última exceção.

Hoje, na democracia brasileira, qualquer um é livre para usar a mídia que quiser para dizer o que quiser. O mais difícil é encontrar quem ouça.
Nelson Motta

Crise

Crise é a palavra do momento no Brasil. Temos crise política, econômica, moral, elétrica, hídrica, desemprego crescente, ausência do governo, enfim, o cenário está confuso. Para alguns, a punição de ladrões do caso Mensalão, Petrolão e muitos outros virou atentado à democracia, e os partidos que buscam instituir um governo socialista, pregam a violência e a conturbação social.

Os que querem a saída de Dilma e uma investigação séria sobre Lula, só pedem que a lei seja cumprida, diferente dos outros, que pregam até a luta armada para não sair do poder. Faz sentido, pois eles não sabem o que é construir o progresso na paz. Aprenderam a promover o confronto e dizem que quem não está alinhado com suas ideias precisa ser destruído.

Assim foi o discurso de Lula que, durante um ato em defesa da Petrobras, convocou o “exército de Stédile (MST) para ir para as ruas com armas nas mãos”. Podemos entender que isso é uma confissão de que existem armas ilegais nas mãos desses grupos.

Mais recentemente, Mauro Iasi, professor da UFRJ, militante do PCB, fez um discurso durante o 2º Encontro Nacional da Central Sindical e Popular, onde defendeu o fuzilamento dos opositores do socialismo, citando Bertold Brecht. Para ele, esses conservadores precisam de “um bom paredão, uma boa espingarda, uma boa bala, uma boa pá e uma boa cova”. Quem quiser ver o discurso todo é só procurar na internet. Para qualquer um que saiba interpretar um texto, isto significa promover uma intimidação e pregar uma revolução comunista no país.

No Caderno das Resoluções desse mesmo evento, um parágrafo mostra o pensamento desses grupos, bem ao estilo do Estado Islâmico, quando afirmam com vigor uma posição pelo fim do Estado de Israel, segundo eles, uma “criação artificial das Nações Unidas e do imperialismo norte-americano”.

Intolerância contra todos que discordam de suas ideias é o perfil desses grupos antidemocráticos, sempre em nome dos “trabalhadores”. Esses são os verdadeiros golpistas que pregam o ódio, a luta de classes e vão contra a verdadeira democracia e o Estado de Direito. Como disse o jornal britânico Financial Times, em um recente editorial, a incompetência, arrogância e corrupção abalaram a magia do Brasil.

Os brasileiros livres e de bons costumes têm o dever de lutar contra a ignorância, a mentira, o fanatismo, a corrupção e restaurar essa magia do bem-estar para o nosso país.

Questão de manutenção em Mariana

A despeito da aprovação da Lei 12.334, em 20 de setembro de 2010 — que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos e à disposição final ou temporária de resíduos industriais —, continuamos assistindo de camarote aos fenômenos de ruptura de barragens sem que nenhuma obrigação tenha sido cumprida.

Mortes e perda de patrimônio público e privado continuam ocorrendo e se alastrando pelo país afora. A ruptura da barragem de resíduos de Mariana espalha suas consequências desastrosas, de Minas para o Espírito Santo.



Apesar de a Lei 12.334 criar o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens e alterar a redação do artigo 35 da lei 9.933 de 8 de janeiro de 1997 e do artigo quarto da lei 9.984 de julho de 2000, na prática, “tudo continua como Dantes no mar de Abranches”. É inacreditável!

E, vejam: este é um país de dimensões continentais, com inúmeros rios e córregos, que precisam não somente atravessar o Brasil pelos seus percursos naturais, mas também serem contidos em barragens, com os fins de abastecimento de água e de energia, e para a acumulação de resíduos.

Com frequência cada vez maior, o Brasil tem assistido a desastres causados pelo rompimento de barragens, sejam elas de acumulação e retenção de água ou de resíduos. Nos fins do ano 2009, os telejornais mostraram os estragos causados pelo rompimento de uma construída para regulação do nível de um rio na periferia de São Paulo. Chuvas intensas e excepcionais, mas não totalmente improváveis ou imprevistas, castigaram várias regiões do país naquele ano.

Tais acidentes poderiam ser evitados com correta manutenção. Barragens não são estruturas convencionais como a maioria das obras civis. Exigem atenção permanente do proprietário, em função das mudanças contínuas nas solicitações a que são submetidas durante a vida útil. Este não é assunto para leigos. Só engenheiros especializados são capazes de avaliar as reações e o comportamento delas, de propor medidas preventivas e corretivas, além de acompanhar se tudo está compatível com o projeto.

Barragens são sempre vitimadas pelos excessos de precipitação, que podem causar aumentos bruscos de cargas por elevação não prevista do nível da água ou pelo encharcamento dos resíduos contidos. Muitas têm sistemas de monitoramento que precisam ser lidos continuamente, seguindo um manual. Não podem, portanto, ficar abandonadas à própria sorte, sem que se obedeçam às medidas de segurança destinadas a impedir sua degradação.

A qualidade das obras públicas vem sendo posta em xeque na imprensa. Todos se perguntam como tantos desastres podem acontecer quando a engenharia brasileira é reconhecida internacionalmente pelo alto padrão técnico. Lógico que pode haver erros de concepção, projeto, planejamento ou gestão, mas a principal razão para os recorrentes eventos a que temos presenciado é a falta de manutenção.

Obras de engenharia precisam de manutenção permanente, não apenas para aumentar e garantir a vida útil da construção, mas, principalmente, por motivos de segurança. O gasto com manutenção de uma estrutura de concreto, por exemplo, é 25 vezes menor do que o custo de renovar a estrutura deteriorada, isto sem contar os possíveis riscos de acidentes.

Esta é uma verdade incontestável, mas dificilmente obedecida, principalmente no setor público! Não há no Brasil uma consciência da importância dos gastos com manutenção, que deveriam ser permanentes e não esporádicos.

O Brasil precisa de uma lei de Responsabilidade Administrativa, com regras claras, para nos anteciparmos aos desastres previsíveis.

Francis Bogossian (Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro) 

Quem não pisa na lama

Quando vou a um lugar, eu não posso chegar sem saber o que nós vamos fazer. Eu vou lá para fazer, eu não vou lá só para visitar
Dilma Rousseff

Infraestrutura e incúria administrativa no país

A tragédia em Mariana é exemplo irretocável da negligência de empresas diante da sociedade, da natureza e do futuro do país. O caso da mineração é mais sério porque suas técnicas obsoletas aumentam os riscos para a população e a devastação ambiental, mas elas realizam seus negócios sob a complacência de governantes lenientes, justificando a criação de novos postos de trabalho. Miram, entretanto, apenas alto lucro pela redução de custos na montagem da infraestrutura, mesmo que isso implique prejuízo à comunidade e ao ecossistema. Ou seja, não se detêm na possibilidade de que seu empreendimento possa desencadear danos irreparáveis a pessoas, ao patrimônio e ao ecossistema, esperando que a impunidade prevaleça como em catástrofes semelhantes. Ignoram, então, um plano de contingência para atuação rápida, eficiente e consequente, se houver desastre natural ou falhas de projeto.



Infelizmente, estamos vulneráveis em relação a outros problemas na infraestrutura, decorrentes de obras malplanejadas e executadas com desleixo, mesmo quando são de responsabilidade direta do poder público. A malha rodoviária de Minas Gerais, por exemplo, tem sido cenário constante de sinistros, sendo pesadelo maior para os moradores junto às principais vias, pelos deslocamentos diários em péssimas estradas com trânsito nacional.

Outro perigo permanente é o cabeamento aéreo para eletricidade fornecida pela Cemig. Mantendo técnicas da primeira metade do século XX, ela impõe a Belo Horizonte, bem como a muitas outras cidades, transformadores e múltiplos fios em todas as vias públicas, apesar dos vários problemas que isso implica. A depreciação da rede pela exposição a intempéries é muito mais rápida do que em cabeamento subterrâneo. Seu patrimônio fica mais vulnerável à ação dos ladrões de cobre, o que pode interromper o fornecimento de energia à clientela devidamente cadastrada.

A empresa viabiliza também ótimo campo para que espertos de todas as classes sociais instalem “gatos” nos postes para reduzir sua conta ou mesmo ter esse serviço sem pagar por ele. Há ainda comprometimento da estética das cidades, pois o grande número de fios interfere na beleza das edificações, bem como das praças e dos parques, planejados para propiciar espaço agradável em território urbano. É indispensável enfatizar o mais grave: os riscos à integridade física de todas as pessoas por rompimento de cabos por desgaste ou impacto de qualquer natureza na rede. Isso é potencializado pela geração de faíscas elétricas por atrito de fios pelo movimento de galhos de árvores, quando há tempestade.

A tragédia em Mariana não inspirou, até agora, a adoção de medidas efetivas para recuperar o ecossistema naquela área nem reflexão sobre outros riscos na infraestrutura construída com descaso e inexplicável redução de custos no que realmente conta: a preservação da vida humana e da natureza em benefício de todos.

Como estão as investigações do desastre de Mariana?



Duas semanas após o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério em Mariana (MG) ainda sobram perguntas sobre os responsáveis pelo que já é considerado o maior desastre ambiental do Brasil e a dimensão dos custos para lidar com suas consequências.

A Samarco, empresa que opera o complexo de barragens na região, e suas acionistas, a brasileira Vale e a anglo-australiana BHP Billiton, têm anunciado medidas de emergência para atender as populações locais e tentar reparar os já inúmeros danos ao meio ambiente.

No entanto, faltam esclarecimentos sobre como avançam as investigações que vão determinar as razões do desastre. Entre as 48 notas publicadas pela mineradora Samarco em sua página oficial, apenas 2 mencionam "investigações e estudos" sobre as causas do rompimento da barragem de Fundão.

Em uma coletiva de imprensa na última terça-feira, o diretor de operações e infraestrutura da mineradora, Kleber Terra, disse que a empresa iniciou as investigações "imediatamente" e contratou "especialistas do mundo inteiro, dos mais renomados" para um trabalho que "leva meses".

No entanto, as perguntas enviadas pela BBC Brasil à Samarco sobre quem seriam os profissionais contratados pela empresa e qual o cronograma para divulgar os resultados de suas investigações não foram respondidas em 24 horas, até o fechamento desta reportagem.

A Samarco já é considerada a principal responsável pelo ocorrido, segundo a promotora de Justiça do Ministério Público do Espírito Santo Isabela Cordeiro.

"Costumamos dizer que a empresa é responsável, mesmo se tivesse adotado todas as medidas necessárias de prevenção. Ela é responsável por qualquer evento danoso ambiental ou social decorrente da atividade dela. Não tem desculpa", disse à BBC Brasil.

É por este motivo que a empresa já recebeu multas preliminares do Ibama e assinou termos, também preliminares, com os MPs dos dois Estados afetados pelo desastre ambiental, nos quais se compromete a realizar ações de emergência, de reparação e de prevenção nas regiões onde a lama ainda não havia chegado.

Outra questão é se a empresa será considerada criminosa. Quem determina oficialmente se o rompimento da barragem foi um crime ambiental é o inquérito da Polícia Federal que está em curso.

Questionada pela BBC Brasil, a PF não quis comentar a investigação, mas confirmou que apura a "possível ocorrência do delito ambiental previsto no artigo 54, § 2º, incisos I, II e III, e 62, da Lei nº 9.605/98, tendo em vista suposta incidência de crime ambiental".

Caso a Polícia Federal determine a existência de crime, a Samarco terá que responder a um processo penal e seus dirigentes, assim como a Vale e a BHP Billiton, podem ser condenados.