terça-feira, 17 de novembro de 2015

Paris e Mariana

Paris tem 2,2 milhões de habitantes. Mariana 58 mil. Ambas são lindas e estão enlutadas. O gosto amargo da dor vem da violência que sofreram. São de naturezas distintas, mas nenhuma das atrocidades é natural.

Em Paris morreram, até aqui, 130 pessoas, alvejadas no espaço de meia hora. Não há causa, ideologia, visão de mundo que justifique a chacina covarde de tantos inocentes. As guerras do século passado tinham alvos militares e palcos de combate. Agora, o terror ataca onde quer e a quem quer, para impactar. Jovens que namoravam, dançavam, bebiam, cantavam, faziam planos ou apenas riam tiveram suas vidas ceifadas abruptamente.

As potências ocidentais, em suas políticas para outras áreas do mundo, costumam nutrir seus adversários, chocar o ovo da serpente. Por interesses geopolíticos e econômicos, os EUA já apoiaram Bin Laden e Sadam. Por interesses econômicos e geopolíticos, países ocidentais, como a França, armaram grupos que queriam derrubar Assad, na Síria. Parte deles agora constitui o Estado Islâmico, empenhado na construção do seu ‘califado’ de barbáries.

Em Mariana foram destruídas casas, rios e vidas – humanas e animais. As sequelas durarão um século! A mineradora Samarco/Vale, como quase todas do ramo, quer lucros, ao custo de intervenções que agridem a paisagem. Os pobres que encontrem lugar para morar, mesmo que seja a dois quilômetros das barragens. Sem acompanhamento técnico, elas podem romper. E romperam! A onda de lama tóxica matou gente e se alonga de Minas Gerais ao Espírito Santo. Minas de desgraças gerais, Espírito Santo onde a destruição produz um novo estado de espírito: apreensão. Poucas vozes, porém, têm coragem de dizer: “essa sanha de lucros não vale, Vale!”

O papa Francisco repete que estamos vivendo a 3ª Guerra Mundial em etapas. Guerra entre culturas, países, interesses. Guerra de destruição do planeta, em que estão em campos opostos o sistema de produção e consumo predatório, insustentável, e os que acreditam em um outro mundo possível, onde o realmente necessário será o suficiente.

Nada de fazer ranking macabro do que mais mata: cada assassinato de um ser humano ou de um ecossistema é tragédia. A Humanidade está perdendo a batalha para o ódio, a ânsia de vingança, o afã do ganho a qualquer preço. Em Paris, jovens encapuzados e fanatizados deixaram um rastro de sangue, eliminando mais de uma centena, quase todos jovens. Em Mariana, a tenebrosa máscara de lama destruiu vidas, povoados e mananciais. O rastro marrom segue seu curso devastador.

É urgente dizer NÃO!

Chico Alencar

O mundo mudou. E agora?

Quem estuda a história militar conhece bem as batalhas que mudaram a geopolítica, expandindo fronteiras, derrubando governantes e matando milhares.

Waterloo e a batalha da Rússia, na era de Napoleão Bonaparte, são dois exemplos. A segunda foi tão importante para os russos, que a venceram, que Tchaikovsky compôs a belíssima "Ouverture 1812".

A batalha de Verdun, um dos momentos mais heróicos da história da França, transformou-se num marco inesquecível da primeira guerra mundial e trouxe o reconhecimento internacional ao Marechal Petáin, que caiu em desgraça quando decidiu assinar o armistício que consolidou a ocupação da França pela Alemanha nazista.

Na segunda grande guerra, as batalhas históricas foram numerosas, como as de Iwo Jima, Guadalcanal e o Dia D, quando se iniciou a derrocada dos alemães.

A sociedade do conhecimento trouxe inúmeros benefícios à humanidade, como a utilização da ciência no tratamento de doenças até recentemente incuráveis, a realização de grandes obras de engenharia e o aumento da produção de alimentos.

A globalização acelerou-se acentuadamente nas últimas décadas do século XX, provocando mudanças sensíveis no conceito de nação e na ordem econômica, concretizada nos tratados de livre comércio.

As instâncias de decisão foram deslocadas dos estados-nação para organizações internacionais, como o Conselho de Segurança da ONU e a Organização Internacional do Comércio.

A moeda única retirou os símbolos nacionais mais fortes na identidade dos países.

A internet e a televisão tornaram mais curtas as distâncias.

Alguns conceitos, muitos deles seculares, mudaram fortemente. As guerras passaram a ser pontuais, regionais e apoiadas nas ações terroristas. Podem ocorrer em terra firme, no mar ou no ar.

No mar, elas são vistas diariamente naqueles milhares de refugiados que cruzam o Mediterrâneo, preferindo morrer à enfrentar a tortura. No ar, quando um avião com turistas russos é detonado em vôo. Acontecem nos subterrâneos, repletas de ações clandestinas e perversas.

Hoje, atos terroristas. como os que ocorreram na última semana em Paris, ou em Beirute, têm grande repercussão por todo o planeta. A globalização nos aproxima perigosamente das zonas de conflito, levando à todos os países um estado de tensão incomum. A reação não é apenas daquele país atingido e sim de toda a comunidade internacional.

Dessa forma, a guerra é realimentada numa espiral cada vez mais mortal, onde, quando menos se espera, centenas de inocentes são assassinados. Na verdade, esta espiral começou há muitos anos e é um resultado de políticas imprudentes das grandes potências.

Mas o mundo globalizado não aceita mais as guerras, sejam elas as “antigas”, convencionais, ou as “novas guerras”. Esta últimas não acontecerão mais nos campos de batalha, não identificarão seus heróis e não serão celebradas pelos grandes compositores.

É urgente que as organizações internacionais, que foram criadas para dar fim aos conflitos, deixem de se comportar como observadoras, e parem de se limitar aos inócuos discursos de advertencia ou de tomar posições equivocadas, movidas até por interesses de um ou outro país. É preciso que assumam o protagonismo, sem titubear, e com a firmeza que a situação exige.

Também é inaceitável que continuemos a dar guarita ao terrorismo internacional ou a reconhecer nações que fizeram da xenofobia e da perseguição política ou religiosa suas formas de se manter.

Chegou o tempo de uma nova organização global das nações, capaz de responder com rapidez e eficácia aos desafios trazidos pela realidade do século XXI. Ou será que devemos renunciar de vez à nossa liberdade?

Paris, 13. Mariana, 4. Novembro, 2015

Brasilien Staudammbruch bei Mariana - Einwohnerin von Paracatu

O rio? É doce
A Vale? Amarga
 (Drummond/Lira Itabirana/1984)



Mariana, distrito de Bento Rodrigues, Minas Gerais, Brasil. Barragens de Fundão e Santarém estouram, rompem paredes de contenção. Tsunami de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos, carregados de metais pesados, rolaram terra adentro.

Incontida, a lama devasta, soterra e mata – gente, bicho, plantas, água, história. Seca, pavimenta 500 km de solo brasileiro. São 11 mortos/gente contados até agora. Quantos mais estarão sob o barro seco?

Ai, antes fosse
mais leve a carga

O governo lamenta. O dono da lama – a Vale do poema de Drummond - tem no nome o rio que faz agonizar: Rio Doce. Ainda não providenciou contenção da lama. Promete fazê-lo. E também socorrer, indenizar, pagar multa. Um bilhão paga o estrago?

Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais?

31 de outubro, no Sinai, avião explodido. 220 mortos. 12 novembro, Beirute, 41 mortos, 230 feridos. 14 novembro, Paris, 129 mortos, 352 feridos. Todos civis. A maioria jovens.

O assassino batizou-se de EL. Diz-se califado. Em nome de fé bruta, degola e queima prisioneiros, estupra e escraviza mulheres, faz de seus fieis bombas humanas, ameaça, aterroriza o mundo inteiro.

Barbariza na guerra da Síria que, desde 2011, já fez 250 mil mortos - 72 mil civis, 12 mil crianças -, quatro milhões de refugiados.

Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Neste 2015, de 162 países do mundo, só 11 não estão envolvidos em conflitos armados, contabiliza a ONG IEP (Institute for Economics and Peace’s). O Brasil é um desses. Aqui, matamos muitos – tantos quantos nas guerras -, mas aos poucos.

Em São Paulo, até este novembro, 15 chacinas fizeram 62 mortos. No ano passado houve outras 15, de 64 mortes. Ano a ano, elas acontecem às pencas, sempre nas periferias pobres. Não só em São Paulo.

Como nos assassinatos do EL, os mortos são civis, inocentes e majoritariamente jovens.

A violência urbana brasileira dribla estatísticas com eufemismos. “Mortes de autoria desconhecida” ou “em confronto com a polícia”, significam a mesma coisa: execuções praticadas pela polícia. Essas que vemos na TV, gravadas em vídeos de perplexos anônimos.

Neste 2015, a autoria desconhecida já abateu 120, só em SP, onde os matados em confrontos com policiais, até novembro, já somam 57. Em 2014, foram 853.

Por todo o Brasil, também matamos muitas dezenas de policiais. Temos milícias e justiceiros, compostas de assassinos com e sem fardas. A matança nacional bate guerras celebres, como as do Vietnam e a do Iraque.

Mas não estamos em guerra, como a França declarou-se hoje. Nem padecemos de terrorismo e terroristas oficiais. Apenas praticamos, com empenho, descaso e impunidade. (Inclusive com espancadores de mulheres. Deles, na maior cara de pau, diz-se: “são apenas homens imperfeitos”).

Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

Hoje, nossas lágrimas não caem apenas pelos assassinados de Paris. Temos dores e lágrimas pelo descaso com os mortos e com a tragédia de Mariana.

Ainda que disfarçadas, choramos lágrimas de medo – de muito medo das desumanidades, que chegam cada vez mais perto. De todos. No mundo inteiro.

Tânia Fusco

A cassadora


O povo não conseguiu cassar Dilma, mas Dilma cassou o povo
O Antagonista sobre manifestação a favor do impeachment em Brasília