sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Nessa canoa furada

“Como vai você/ assim como eu/ uma pessoa comum/ um filho de Deus/ nessa canoa furada/ remando contra a maré.” Esses versos cantados por Marina Lima me vêm à cabeça neste momento da crise brasileira. Uma canoa furada remando contra a maré. Dois personagens centrais brigam pela imprensa. Dilma e Cunha estão numa gangorra. Se um deles parar de repente, o outro voa pelos ares.

Dilma pensa na queda de Cunha, ele pensa na queda dela. Nenhum dos dois parece capaz de realizar esse feito. Para derrubar Dilma é preciso um processo conduzido por alguém que não esteja envolvido no escândalo. Para derrubar Cunha é preciso um tipo de pressão que seus oponentes não fazem.

Na queda de Renan Calheiros, lembro-me bem de que ele não conseguia presidir sessões do Congresso porque os opositores não deixavam. Não sei se isso é possível na atual e sinistra correlação de forças na Câmara. No fundo, seria mais uma paralisia num quadro de desalento e grandes dificuldades econômicas. Esse impasse político faz da retomada do crescimento, ainda que em novas bases, uma outra canoa furada. Com todos os personagens centrais, Renan incluído, tentando se equilibrar, falta energia para pensar no País.

O projeto de Joaquim Levy passa pela CPMF. Mais uma furada. O imposto não será aprovado no Congresso, mesmo se usarem parte dele comprando deputados. Ninguém vende o próprio pescoço num momento em que os eleitores estão atentos. Levy sempre poderá buscar outros meios, como a Cide, de combustíveis, por exemplo. Mas, derrotado com a CPMF, teria força para esse novo movimento? Além disso, há as repercussões inflacionárias.

O ajuste possível e necessário para avançar não tem chance de ser feito. O clima político é de salve-se quem puder. Se fossem personagens de House of Cards, a série de TV americana, até que seria divertido ver o desenrolar de seu destino.

Não canso de lembrar: eles estão aqui, entre nós. Já vamos encolher este ano e em 2016. O número de desempregados cresce e isso é um tema ofuscado pela briga lá em cima da pirâmide.

Outro tema que passa batido são os impactos econômicos do El Niño. As chuvas provocam grandes estragos no Sul e a seca em muitas partes do Brasil é intensa. Pode faltar água nas metrópoles do Sudeste. Com a seca vêm as queimadas. Os incêndios em áreas de conservação em Minas cresceram 77%. São 421 focos. O governo do Estado lançou um plano de emergência de R$ 8 milhões, mas os prejuízos são muito maiores e talvez o dinheiro seja curto. Se computamos os estragos das cheias, da seca e das queimadas, vamos nos dar conta de que estamos num ano de forte El Niño.

No Brasil é um El Niño abandonado. Não houve planejamento. Em Minas o procurador de meio ambiente, Mauro Fonseca Ellovitch, culpa a imprevisão do governo. Mas é um problema nacional. Quem vai cuidar do El Niño com tantas batalhas políticas pela frente?

O fogo comendo aqui embaixo e os malabaristas divertindo a plateia com seus saltos. O PT é o mais sofisticado deles. Resolveu se opor a Joaquim Levy.

Dilma arruinou o País e precisou de Levy para sanear as contas. De modo geral, isso ocorre em eleições, quando o perdedor deixa para trás uma terra arrasada. Mas o PT ganhou as eleições. Se tivesse perdido, ficaria mais confortável na oposição ao ajuste. Na ausência de um governo adversário, o PT coloca um adversário no governo. Sabendo que Levy propõe medidas duras e tende a fracassar, o PT estará com seu discurso em dia.

O movimento é mais sutil porque tenta atribuir todas as dificuldades do momento à política de Levy, mascarando o imenso rombo deixado pelo próprio governo. Duvido que Dilma e o PT não tenham combinado o clássico movimento morde e assopra. Tanto ela como o PT precisam de Levy: ela para acalmar os mercados e o partido para bater nele.

Outra figura polivalente para o PT é o próprio Eduardo Cunha. Derrubá-lo ou não derrubá-lo? É preciso um bom número de deputados do partido para assinar o pedido no Conselho de Ética. E um bom número para ficar calado, uma tática de não agressão. É preciso ser contra Cunha e trabalhar nos bastidores para mantê-lo. Enquanto encarnar a oposição no Parlamento, Cunha será apenas um roto falando do esfarrapado.

Em Estocolmo, Dilma alvejou Cunha, referindo-se ao escândalo: pena que seja com um brasileiro. É um pequeno malabarismo para reduzir o maior escândalo da História a um samba de um homem só. Ainda assim, os aliados acharam que foi um movimento de guerra. Talvez tenha sido inábil no quadro de um acordo de paz, em que ninguém derruba o outro.

Dilma foi à Suécia ganhar o Prêmio Nobel de inabilidade. Foi inspecionar os objetos mais caros que o Brasil comprará: os caças de US$ 4,5 bilhões. Nada contra a Aeronáutica nem contra os caças suecos. Vivemos na penúria perdendo empregos, lojas fechando, cortes de gastos. Recém-condenada pelo TCU por esconder um rombo no Orçamento, ela escolheu como gesto político reafirmar a compra dos caças. E nos deixou como consolo o corte de 10% no salário dos ministros.

Os tempos mudaram tão rapidamente que já não consigo entender a lógica das agendas presidenciais. Alguém deve ter dito: vamos dar uma resposta ao TCU posando diante dos caças suecos, isso levanta o ânimo da galera. Depois de pedalar, Dilma entra num caça. Recentemente, testou um carro sem piloto. Ela parece gostar de veículos, movimento. Amante da poesia mineira, corre o risco de parafrasear Drummond: no meio do caminho, havia um trator.

Para muitos, o processo ainda parece dar-se num universo distante e autônomo, como se fosse mesmo um programa de TV ao qual se pode assistir, mas não alterar o seu curso. Aos que não acreditam nisso, resta a esperança da ação, a certeza de que presidentes caem e sistemas políticos perversos como o brasileiro podem ser reformados.

Ainda que palhaços e malabaristas nos divirtam, será preciso botar fogo no circo.

Como o 'Golpe da CPMF' visa perpetuar o PT no poder

É impressionante a audácia da presidente Dilma Rousseff, que insiste em manter um programa de governo que está levando o país à ruína. Teimosa, vingativa e arrogante, ela tenta desconhecer os erros cometidos. Sem medo de passar ridículo, costuma culpar a conjuntura internacional pela crise brasileira, e não teve vergonha da falar essa bobagem perante a Assembléia-Geral das Nações Unidas, no final de setembro.

Dilma foi reeleita há exatamente um ano, já teve tempo suficiente para adotar um ajuste fiscal viável, para equilibrar o orçamento. Mas até agora nada fez, porque não quer cortar despesas e continua sonhando em sair da crise por meio de um imaginário aumento de arrecadação, a ser alcançado pelo ardil de recriar a CPMF.
Para atingir este objetivo, que não é dela, mas do Instituto Lula e do PT, a presidente da República não se importa em mentir repetidamente. Não diminuiu um centavo em custeio, disse que iria cortar 3 mil cargos comissionados, mas não eliminou um só deles, e a redução de ministérios foi uma farsa, o que houve foi apenas uma redistribuição de pessoal.

Como todos sabem, quando Dilma era ministra, teve a desfaçatez de alardear ser “doutorada” em Economia pela Universidade de Campinas. Mas logo se descobriu que era mentira, porque ela nem mesmo tinha feito mestrado, e hoje já se duvida até de que realmente tenha cursado alguma faculdade, porque demonstra ser intelectualmente trôpega, com flagrantes dificuldades de desenvolver raciocínios.

Bem, depois de apanhada em flagrante ao fraudar o Curriculum Lattes na internet, ela disse ter cursado Ciências Sociais. Mas será que se formou mesmo em Sociologia ou foi em Assistência Social? Ou não se formou em nada?

Mesmo sendo totalmente despreparada, a pretensiosa Dilma Rousseff insiste em conduzir pessoalmente a equipe econômica, e o faz à sua maneira, sempre desastrada e caótica, levando o neopetista Delfim Netto a proclamar recentemente que Guido Mantega e Joaquim Levy jamais foram ministros no governo Dilma, porque é ela própria quem comanda a política econômica. “A ministra é a Dilma”, sentenciou Delfim, e agora todos sabem que é por isso que “la nave va” tão alucinadamente.

Na cabeça pouco privilegiada da “doutorada” Dilma Rousseff, só existe um plano para sair da crise – a criação da CPMF. Motivo: se isso acontecer, Dilma, Lula e o PT conseguirão manter o inchaço e o aparelhamento da máquina estatal, o governo poderá até ampliar os programas sociais que visam preferencialmente os votos, como Bolsa Família, Fies, Pronatec e Minha Casa, Minha Vida. E ainda sobrará dinheiro para investir aqui e ali.

O plano é maquiavélico e visa à perpetuação do PT no poder. Mas acaba de ser desmascarado, porque a nova CPMF não vai render somente R$ 44 bilhões por ano, como foi anunciado pelo ministro Levy. Na verdade, aumentará a arrecadação federal cinco ou seis vezes mais.

Para pressionar os parlamentares, o governo pretende conseguir a aceitação do Congresso encaminhando a votação sob o seguinte dilema: ou aprovam a CPMF ou o país mergulhará no caos profundo, porque não há Plano B.

Nessa tentativa de enganar os parlamentares federais, o governo começou fraudando as estimativas de arrecadação do CPMF. Mas o empresário Vittorio Medioli, dono do Grupo Sata e do jornal O Tempo, de Belo Horizonte, acostumado aos números da grande economia, teve paciência e disposição para refazer os cálculos oficiais e conseguiu desmontar o golpe da equipe econômica, que é cúmplice de Dilma Rousseff na farsa do ajuste fiscal.

“Na previsão do ministro Joaquim Levy, com alíquota de 0,38%, a nova CPMF arrecadaria apenas R$ 68 bilhões/ano. Depois, ele rebaixou o valor para R$ 44 bilhões/ano. Resta explicar como uma economia formal de R$ 5,5 trilhões em PIB, e mais de R$ 1 bilhão em PIB informal, considerando ainda as múltiplas operações oneradas pela CPMF, arrecadaria apenas o equivalente à taxação de um terço daquilo se produz e comercializa no país”, denunciou Medioli, em importantíssimo artigo transcrito domingo aqui na Tribuna da Internet.

“O PIB de 2014 foi R$ 5,5 trilhões. Portanto, a alíquota de 0,38% na verdade significaria no mínimo R$ 209 bilhões em arrecadação, sem contar com a economia informal e as transações múltiplas, muitas das quais nascem e se esgotam no mesmo banco, abrindo brecha para bilhões de desconfianças”, concluiu o empresário.

Um recorde de participação popular no combate à corrupção

O desvio na Petrobras chega a RS$ 21 bilhões, ou equivalente a 33 mensalões.

Há uma forma eficaz de evitar mais do mesmo. E ela se dá pela via da participação. Vejamos.

O Estado de São Paulo atingiu a marca de 114 mil assinaturas coletadas para a campanha “10 medidas contra a corrupção”. E assim ultrapassou a meta de 0,3% dos eleitores do estado, exigida pela Constituição para apresentação de projetos de iniciativa popular à Câmara dos Deputados.
As 10 medidas buscam tornar mais eficaz a punição de agentes corruptos por meio da reforma do sistema de prescrição penal e aumento das penas, entre outras propostas.

Diz a Constituição Federal, em seu art. 14, inciso III, e art. 61, § 2º, que a iniciativa popular pode ser exercida por meio da apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados. Para isso, o PL deve conter a assinatura de, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído por, pelo menos, cinco Estados e com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles. O eleitorado paulista soma 31,9 milhões de pessoas, sendo necessário o apoio de 95,8 mil.

Em todo o país, a campanha “10 medidas contra a corrupção” já arrecadou 426 mil assinaturas, quase 1/3 da meta nacional de 1,5 milhão. Por isso, a coleta de assinaturas continua em todos os Estados. Na capital paulista, as fichas de apoio estão disponíveis na sede do MPF, localizada na Rua Frei Caneca, 1360 – Consolação.

O melhor mapeamento da corrupção do país está no link www.10medidas.mpf.mp.br

Antes de reclamar dos bilhões desviados da Petrobras, seja pró-ativo: junte-se à campanha do MPF

Em Libras e Reais


Não sei se vocês ficaram tão irritados quanto eu ao ler o excelente artigo de José Casado para O Globo, publicado aqui no Blog do Noblat em 18/10/2015.

O título do artigo fala por si: “Dilma custa aos brasileiros o dobro da rainha Elizabeth II para os britânicos”.

Estamos com uma imensa taxa de inadimplência, alto desemprego, inflação ameaçadora, a maioria apertando o cinto e atormentada com a falta de dinheiro e com a dureza de um cotidiano sofrido.

E aí leio sobre o nababesco cotidiano de dona Dilma que nos custa R$ 390,3 milhões anuais: dos detalhes dos uniformes dos serviçais ao cardápio do AeroLula, tudo é bastante ridículo, típico de nouveaux riches.

Ultrapassam os gastos da Monarquia britânica que chegaram a R$ 196,3 milhões, segundo relatório anual da Casa Real (cotação da libra em agosto de 2015). A Monarquia inclui Elizabeth II e sua família, marido, filhos, noras, genros, netos e os primos e sobrinhos descendentes de seus tios, irmãos de seu pai, o rei George VI.
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Os mal informados acham que Elizabeth passa seus dias sentada no Trono Real, experimentando chapéus, comendo bombons de chocolate e tomando chá.
Bem informados, saberiam que nada é mais distante da realidade.

No site oficial da Monarquia Britânica veriam que Elizabeth II vale quanto pesa.

A Rainha tem dois papeis essenciais: Chefe de Estado e Chefe da Nação.

Cabe à Rainha cumprir os deveres oficiais e cerimoniais de Chefe de Estado, inclusive representar a Grã-Bretanha diante do resto do mundo. Apesar de se manter estritamente neutra no que diz respeito a assuntos políticos, sem poder votar ou se candidatar, Elizabeth II tem um papel importante no Governo do Reino Unido. Além de abrir os trabalhos no Parlamento no início do ano legislativo, de conceder o “de acordo real” às novas legislações, é ela quem aprova Ordens e Proclamações através do Conselho Privado.

Os partidos políticos mudam constantemente, mas a Soberana permanece como Chefe do Estado o que provê um quadro estável para que o Governo possa introduzir reformas de largo espectro.

Com mais de seis décadas dedicadas à leitura de documentos oficiais, de encontros com Chefes de Estado e embaixadores, e mantendo uma audiência semanal com seu Primeiro-Ministro, Elizabeth II é uma fonte inestimável de conhecimento na qual seus sucessivos primeiros- ministros se valem para melhor governar.

Em seu longo reinado, Elizabeth II já tratou com doze primeiros-ministros, de Winston Churchill a David Cameron. Nessas audiências não há testemunhas, são só os dois e nunca se ouviu falar de um vazamento!

Antes da apresentação do Orçamento Anual, o Ministro da Fazenda também é recebido pela Rainha, com a qual discute o Orçamento.

Como Chefe da Nação, seu papel é menos formal, mas não menos importante. Ela simboliza o coração da identidade nacional, de sua unidade e orgulho; fornece a sensação de estabilidade e continuidade que a Nação necessita.

São tantos os seus afazeres que sem a colaboração de sua família ela não poderia atender a todos: eles comparecem a mais de dois mil compromissos anuais oficiais no Reino Unido ou em outras partes do mundo. Ainda mais sem avião exclusivo, único país do G20 nessa situação.

Evidentemente, sem o auxílio de sua família, isso seria impossível para a Rainha.

Além disso, Elizabeth II é a Chefe da Igreja Anglicana, a ‘Defensora da Fé’ e é ela quem preside o Sínodo da sua Igreja.

Vocês ainda acham que eles custam caro ao Reino Unido? Então vejam o que diz o Departamento do Turismo Britânico: a Família Real gera uma receita de perto de U$767 milhões de dólares para o Tesouro, fruto dos milhões de turistas que visitam as Ilhas Britânicas. O turismo é a terceira maior indústria britânica, oferecendo 2.6 milhões de postos de trabalho.

E eles não se furtam em dizer que apesar das inúmeras atrações do Reino Unido, a linda paisagem, castelos, museus, monumentos e igrejas, o rico comércio, estão seguros que, sem a Família Real, o turismo seria bem menos intenso.

A Família Real Britânica, com toda a sua pompa, é o mais próximo que se pode chegar de um conto de fadas e o mundo ainda não se cansou de histórias de príncipes, princesas e bruxas malvadas.

Quer dizer, depende da bruxa...

Lula, o pai dos pobres e a mãe dos ricos

Qual foi o marco zero do descalabro que aí está? Em que momento o petrolão e outros aumentativos degradantes começaram a ser gestados?

O ponto inicial, acho eu, se deu quando Lula conseguiu atrair para o seu circo setores importantes da burguesia nacional ou internacionalizada, que o viram, de um lado, com olhos benevolentes, e de outro, quem sabe?, com paixão cúpida.
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Por benevolente, a elite econômica resolveu reconhecer as iniquidades sociais do Brasil, e a parolagem distributivista de Lula lhe pareceu moralmente legítima. Por cúpida, percebeu que um governo com deficit de confiança e excesso de entusiasmo popular poderia trilhar um de dois caminhos: ou o populismo virulento ou o mercadismo com coração. Deu mercadismo com coração.

E Lula se tornou, então, na feliz definição de um empresário com quem conversei nesta semana, "o pai dos pobres e a mãe dos ricos". E não pensem que ignorasse o feito. Ele mesmo já afirmou que os bancos nunca lucraram tanto como no seu governo. E não só eles, como pode atestar o BNDES.

Quantos, a tempo, se dispuseram a ouvir que o modelo –ou fosse lá como se chamasse aquilo– era insustentável? Ao contrário até. A crítica era percebida como coisa de gente de maus bofes, que se negava a reconhecer a sapiência natural de um operário.

Ouvi muitas vezes empresários a dizer que Lula tinha muito mais paciência para falar com eles do que FHC, que alguns tomavam como excessivamente frio. E o petista, não duvidem, sabe como fazer um assunto de Estado se parecer com uma conversa pessoal, recheada de imagens fesceninas.

Não há, e é para este aspecto que chamo a atenção dos leitores, uma só característica da crise que seja surpreendente. Absolutamente nada! O que se tem aí é o resultado de uma equação.

Alguém vai me dizer que o empresariado ignorava que o crescimento percentual de gastos sempre acima da receita termina em deficit? Que o crescimento da massa salarial sempre acima da produtividade termina em inflação? Que o crescente engessamento do Orçamento, com desembolsos obrigatórios, impede a competente gestão do Estado?

Talvez seja o caso de dar a mão à palmatória. Lula e o PT fingiram que haviam se convertido à economia de mercado, dispuseram-se a ser os gerentes do capitalismo nativo, assenhorearam-se dos bens do Estado, e isso, à larga maioria, pareceu razoável porque, sejamos claros, os petistas sempre foram muito bons para fazer, digamos, "negócios".

Mesmo a extorsão que se passou a praticar à larga parou de doer. Os empreiteiros enrolados na Lava Jato são testemunhas de que eles próprios já não sabem quando estavam corrompendo ou sendo corrompidos, quando estavam pagando propina ou sendo extorquidos.

"Ah, está dizendo que a corrupção começou com o PT?..." Não! Começou com a serpente. Eu estou sustentando, sim, que foi com o petismo que ela se transformou num modelo de gestão do Estado. E só foi tão longe porque amplas fatias do capital viram nos companheiros uma oportunidade de negócios.

Talvez um dia a burguesia brasileira consiga acreditar nos valores morais e espirituais –vejam que palavra emprego!– que a levam a empreender e a produzir. E, quem sabe?, surjam então empresários liberais no Brasil, que combatam o petismo, em vez de se unir a ele em nome do patriotismo, que é sempre um péssimo refúgio para o erro ou para a cupidez.

Tenho certeza. Eu acho

Digo aos meus alunos que começam uma frase com “eu acho” que refaçam a questão quando puderem dizer “eu penso”. Porque, na filosofia, é da verdade que se trata. Não de opiniões. Opiniões desgarram, ancoram-se nas manias do sujeito. A verdade pede muita amorosidade e muito trabalho. Porque está escondida debaixo de uma montanha de opiniões “achadas”. Fica ali perdida. Até que o trabalho seja feito, com calma, demora e alegria, e ela possa aparecer. Às vezes nem é grande coisa: saber onde está a razão numa briga de vizinhos. Às vezes é uma coisa enorme: o bóson de Higgs, o vírus da AIDS. Não sabemos de antemão. É preciso paciência. Foucault deu ao seu último curso o lindo título de “A coragem da verdade”. Pois é isso mesmo.

E é uma procura alegre. Não há verdade raivosa. Há uso raivoso da verdade. Uma tristeza. Coisa tão delicada não merece o ódio. Nem a indiferença. “Eu acho” é um nome para a indiferença. Quando vem colado num “tenho certeza” é uma calamidade arrogante. Não é possível ter certeza sobre nada cuja verdade não tenha sido amorosamente buscada. Limpada do entulho que as nossas opiniões e covardias morais colaram nela. Só então pode ser mostrada. Não sendo assim, não se diga “tenho certeza”. Noel Rosa, que sabia das coisas, tem uma canção que começa assim: “Quem acha vive se perdendo”. Chama-se “Feitio de oração”. É isso mesmo: a procura da verdade tem feitio de oração. E gosto de transcendência. É maior do que nós. E na maré de citações, vá mais esta, que está lá na Bíblia: “A verdade vos libertará”. Não a opinião. O mercado de opiniões é numeroso e barulhento. A verdade é silenciosa e humilde. E é a coisa mais radical que há.

A coragem da verdade é necessária para derrubar aparências, preconceitos, pré-julgamentos. E leviandades e ódios, com que, por má-fé ou preguiça, a vamos sobrecarregando. A menor distância entre dois pontos é uma reta, é o que os geômetras nos ensinam. E a menor distância é a mais fácil. Uma opinião é fácil, um preconceito leva em linha reta a outro. E de reta em reta nos afastamos da verdade pelos caminhos mais curtos. Como a covardia da opinião arrogante acaba sendo desconfortável, saímo-nos com esta: “Tenho certeza. Eu acho.” E pronto. Podemos fazer acordos em torno dessas certezas meia-sola e ir adiante. Mas a verdade não admite acordos. Quem só acha não descobre nada. Vive se perdendo.

Atualmente, neste país crivado de ódios assustadores, a tentação do caminho curto se tornou como que a essência da nossa alma política. Em relação a quase tudo, temos certeza daquilo que apenas achamos. Se achamos, se para nós está na cara, só pode ser verdadeiro. Vai-se ver, em alguns casos é mesmo. Só não podemos saber antes de procurar. “A honesta procura da verdade”, dizia-se muito antigamente, quando honestidade era requisito trivial. Hoje são malvistos os que procuram e esmiúçam, não veem de saída o que está na cara, logo, é verdade. Pode ser. Claro. Mas, honestamente, não sabemos. Pá e lupa são requeridas. Mas teimamos em ter certezas a olho nu.

Exigimos ética na política. Devia ser obrigação. Virou bandeira. Nós, os virtuosos, apontamos o dedo contra as podridões do poder. As corrupções. Os autobeneficiamentos. A ladroagem. Tudo que desmoraliza a política, que a torna suja, que afasta dela as “pessoas de bem”. Esses são atos, e são imorais. Os políticos que os praticam, além de imorais são antiéticos por se desconectarem do compromisso com a verdade. E nós também somos antiéticos, quando, na fúria dos nossos julgamentos, nos pomos na arrogância do “eu tenho certeza — eu acho”, sem termos antes ido verificar. Entramos demais, às vezes com boa fé, no pântano das opiniões incertas. Mas ficamos orgulhosos, porque sabemos. Quer dizer, achamos. Quer dizer, temos certeza.

O país está partido. Cada grupo de opinião tem hoje 100% de certeza. No fim da conta, há uns 700% de convicções para uma verdade só, à qual bastam 100%. O resto vira fumaça, quando a verdade aparece. Estaríamos certamente mais felizes se tivéssemos menos certezas automáticas, disparadas pelo botão do ressentimento. E mais um pouco da serena, difícil, coragem da verdade. Seríamos com certeza mais fraternos. E desentupiríamos os canais do ódio.

Isso vale, é claro, para todos. Todos, sem exceção de ideologias ou posições relativas de governo e oposição. E igualmente vale para nós, que assistimos ao espetáculo deplorável da política hoje, aqui, e tornamo-nos deploráveis também, porque, afetados de descompromisso com a verdade, nos precipitamos pelo fígado para a opinião condenatória mais próxima. Cegamente. E aí, como haveremos de procurar? Aliás, para quê? Já temos certeza — achamos.

Marcio Tavares D’amaral 

Silêncio premiado

O relator da CPI da Petrobras, Luiz Sérgio (PT-RJ), sempre gostou de atuar como bombeiro, defendendo os fracos e oprimidos políticos suspeitos de corrupção ou de desvio de verba pública.

Em 2005, o deputado foi da tropa de choque que trabalhou contra a cassação de José Dirceu no mensalão. Era um dos que tratavam o ex-ministro da Casa Civil como "guerreiro do povo brasileiro".


Em 2008, o petista isentou em outra CPI os ministros de Lula acusados de irregularidades no uso dos cartões corporativos. Argumentou que os cartões foram utilizados para pagamento de despesas pessoais, entre as quais compras em free shop, "por engano".

Em 2010, diante acusação de que um ministro pagou uma festa em um motel com verba pública, Luiz Sérgio declarou, sem nenhum tipo de constrangimento, que "dormir em motel não significa fazer amor".

Agora, apesar de tudo o que já foi revelado pela Operação Lava Jato, conseguiu a proeza de, ao final do seu longo relatório de 754 páginas, não pedir o indiciamento de nenhum político no escândalo da Petrobras.

Isentou até mesmo Eduardo Cunha (PMDB), a despeito de o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ter enviado documento à Câmara mostrando que Cunha mentiu à CPI ao afirmar que não tinha contas no exterior.

O maior incêndio que ele pretende apagar, no entanto, é o da delação premiada. Em seu relatório, Luiz Sérgio propôs a criação de uma comissão na Câmara para rever a legislação que estabeleceu o mecanismo, sem o qual a Operação Lava Jato já teria sido enterrada há muito tempo.

Fez tantas objeções à lei da delação premiada que, na prática, se fossem levadas em conta, seria melhor substituí-la por uma formulação mais simples, segundo a qual o benefício da redução da pena passaria a valer apenas para o criminoso que, em hipótese alguma, aceite abrir o bico.

Um ano como o diabo gosta

O novo ano já bate à porta. Se ninguém reparou, restam praticamente dois meses para 2015 acabar e ainda não houve um dia de governo no Brasil, que não seja no papel dos diplomas dos eleitos. De resto, o país está ao Deus dará como o diabo gosta.

E se os tempos são de crise econômica, nem é preciso gastar dinheiro com bola de cristal para saber que 2016 não será tão diferente.

O governo precisa do Congresso para nos dias que faltam tomar decisões sobre a economia que anda aos trancos e barrancos. É muito pouco tempo para contornar a briga política antes que chegue o recesso de fim do ano. E como ficará o governo (que assim ainda apelidamos) nesses dias em branco? 

A grande promessa de Dilma era uma travessia e a retomada se daria no fim do ano. Estamos nele mas o que se vê é o abismo. Se mentiu para se reeleger, continua mentindo com a costumeira cara de pau.

Não há estabilidade de economia, de política ou policial, à vista nem a prazo. O próximo ano já se prenuncia tão negro, ou mais do que este. Que o diga o Banco Central. Se nada acontecer de mais graves, só no final de 2016 vai se conseguir começar a estabilização.

Muito, na verdade demais, se tem que resolver para estabelecer um programa de governo, que não há, nem houve em quatro anos. Também sequer tem-se orçamento deste ano e o que dirá do próximo.

O Brasil certamente vai continuar enlameado em suas questões mesquinhas de politicalha com o contribuinte pagando caro o ingresso na tragicomédia da falta de governança. É o preço cobrado pela incompetência governamental e o comodismo de uma sociedade que se enxergava no melhor dos mundos, enquanto pisava na lama da arapuca dos quadrilheiros.

À espera de um inesperado qualquer

Alguma coisa vai acontecer. Não dá para imaginar o país insosso, amorfo e inodoro diante de tanta roubalheira que vai sendo divulgada através das delações premiadas da Operação Lava Jato. Pior seria a crise social de que falou o comandante do Exército. O fato dele ter falado já acende a luz amarela no semáforo postado na Praça dos Três Poderes. Não se fala de golpe militar, é claro, mas de que as forças armadas, como mil outras entidades, associações, corporações, federações e sindicatos estão chegando ao ponto de ebulição. Como o Brasil aceitará sem reagir a esse festival explícito de assalto aos dinheiros públicos, encenado por governantes, parlamentares, políticos, altos funcionários públicos e empresários, integrantes da mais formidável quadrilha jamais formada entre nós? São minoria em suas categorias, é verdade, mas minoria tão poderosa, descarada e criminosa a ponto de ofuscar as respectivas maiorias.

A roubalheira, por si só, já seria motivo de monumental indignação, mas some-se a esse horror os efeitos da crise econômica que nos assola. Fruto, é evidente, da incompetência e das fantasias do grupo que chegou ao poder nos últimos doze anos. Diga-se, legitimamente, pelo voto. Uma evidência a mais de que nossa democracia ainda precisa de muito tempo para aprimorar-se.

O problema é que à reação nacional ao insuportável assalto aos cofres públicos, promovido por agentes do Estado, vieram somar-se flagelos sacrificando a população. Impossível aceitar sem reagir o desemprego em massa, a redução de salários e de direitos trabalhistas, o aumento de impostos, taxas e tarifas, a perda do poder aquisitivo dos salários, a deterioração dos serviços públicos, em especial educação e saúde, a escalada da violência urbana e rural, as greves atingindo categorias fundamentais do meio social, como polícias, hospitais, escolas, transportes e a infraestrutura.

Ao longo de muitas décadas de vivência e observação dos fenômenos sociais, recordo-me do primeiro. Nos idos de 1945, ainda de calças curtas, assisti da janela de um apartamento na rua do Catete, no Rio, a invasão, a depredação e o saque da Padaria Vitória, onde na véspera morrera um estudante, depois de comer um doce estragado. De forma espontânea, em protesto, a multidão destruiu não apenas aquele estabelecimento comercial, mas centenas de outros, num movimento que se espraiou do bairro do Flamengo a toda a Zona Sul e, depois, à capital federal inteira. Foram três dias de rebelião que nem a polícia nem o Exército conseguiram conter.

De lá para cá tenho registrado incontáveis explosões populares, algumas até pacíficas, outras nem tanto. Sempre motivadas pelo inconformismo da massa, ainda que detonados por um episódio inesperado qualquer.

É o que infelizmente se deve esperar agora. Uma faísca em condições de atingir o imenso barril de pólvora em que transformaram o Brasil. Depois, será modificar e recompor as instituições. Mas a que preço?

Imoralidade de peça hilária


O requerente pede socorro! A higidez do sistema pede socorro! O Estado Democrático de Direito pede socorro! Os Direitos Humanos pedem socorro!

Habeas corpus da defesa de Marcelo Odebrecht, negado por Teori Zavascki:

O déficit de atenção dos governos e o dos estudantes

A pedagogia brasileira considera doença o déficit de atenção dos alunos, sem perceber o déficit de atenção dos governantes com a escola e seus alunos.

É impossível uma criança não sofrer déficit de atenção em aula para turmas diferentes na mesma sala, dividida por meia parede, às vezes por um simples móvel entre duas ou mais turmas; ou numa sala de aula deficiente, com bancos desconfortáveis, onde os alunos se sentam. Os baixos salários dos professores e suas constantes greves são déficit de atenção dos governos com a educação e provocam obviamente déficits de atenção das crianças nos seus estudos. Difícil não haver déficit de atenção do aluno quando o professor usa quadro-negro no lugar de lousas inteligentes e outros equipamentos de tecnologia da informação para crianças da era da informática e dos celulares, nascidas no século XXI.

Injustificável jogar sobre as crianças a razão do déficit de atenção que elas têm. Apesar disso, tratamos o problema como biológico, de hormônios; psiquiátrico, de desajustes; ou mesmo neurológico, de disfunções. O déficit de atenção é do Brasil para com elas, ao não lhes oferecer as condições ideais em boas salas de aulas, climatizadas, bem-equipadas, com professores muito bem-remunerados, preparados e motivados.

A escola é um exemplo, mas não é apenas em relação a ela que o Brasil padece de déficit de atenção. O país tem déficit de atenção para com suas florestas, seus rios, suas cidades, seus pobres. As doenças endêmicas que molestam milhões de brasileiros por ano, o descuido com os sistemas preventivos e o abandono dos hospitais são o resultado do déficit de atenção com a saúde pública. As mortes no trânsito ou por violência também seriam evitadas se o Brasil não tivesse déficit de atenção; a cada ano, acidentes com deslizamentos de encostas seriam evitados com um pouco de atenção. Há déficit de atenção quando fazemos projetos de infraestrutura sem reservar os recursos necessários e sem cuidar da qualidade da obra e, especialmente, quando não impedimos corrupção de sobrepreços e propinas.

O próprio déficit fiscal, além de crime de responsabilidade, é um déficit de atenção dos governos com o valor da moeda.

Nossa preferência pelo consumo no presente, sem preocupação com poupança para o futuro; a opção pelo ensino superior, deixando de lado a educação de base; e o desprezo à ciência, à tecnologia e à inovação são decisões tomadas com déficit de atenção ao país. As políticas dos governos brasileiros e o comportamento de nossa população se caracterizam por déficits de atenção.

O país padece de déficit de atenção, e a culpa não é das crianças. Como cada criança não aprende por déficit de atenção no estudo e compromete seu futuro pessoal, o Brasil compromete nosso futuro nacional por déficit de atenção com seus problemas.

Há tempo para pacto?

Uma pessoa ou instituição pode cumprir papéis diferentes em momentos diferentes. Anteriormente paladino da luta contra a corrupção e pelos direitos dos trabalhadores, o PT e seu governo são hoje acusados de corrupção e passaram a adotar políticas que contrariam seu programa histórico.

A crise do governo Dilma fez a esquerda perder o centro, que se deslocou para a direita. Um indicador é a intenção de voto em Bolsonaro — 5% — enquanto o governo amarga uma aprovação de apenas 10%. Outro indicador foi a ascensão política do presidente da Câmara, que ainda lidera a agenda da direita no Congresso, com o apoio da oposição, apesar das denúncias comprovadas de corrupção.

A proposta de impeachment da presidente Dilma sempre esteve no campo da possibilidade, mas não da probabilidade, por falta de base jurídica — não há crime — e apoio político. A oposição tumultua para manter o governo na defensiva, com uma espada de Dâmocles pendente. Já declararam ser contra o impeachment o Bradesco, o Itaú, confederações patronais, diversos empresários, até mesmo o “New York Times", o que sugere um acordo. Talvez tenham concluído que o tumultuado processo traria prejuízos econômicos para todos.

Pela esquerda, aqueles que criticam o governo são contra o impeachment: pensam que a alternativa seria pior. E os que apoiam o governo limitam-se a denunciar que há um golpe em marcha. Mas, do ponto de vista político, econômico e moral, a situação é grave. O governo se enfraqueceu a ponto de deixar a economia nas mãos de um ministro indicado pelo Bradesco, e de aceitar subordinação política ao PMDB.

Ao realizar um ajuste fiscal sacrificando sobretudo os pobres, Dilma fez o contrário do que havia prometido e perdeu credibilidade. Recuperá-la, exigiria um Ministério respeitado pela sociedade, o que não foi preocupação dela, como se vê pelos ministros da sua cota pessoal. O governo não negociou sua agenda com os setores sociais afetados e, no ajuste fiscal, não penalizou o setor financeiro, que reina, soberano, na política econômica.

O tempo é também uma categoria política. Uma ação ganha ou perde validade com o seu transcorrer. Nesse sentido, a reforma ministerial chegou tarde demais e agravou, em vez de melhorar, a imagem política do governo.

Alguns analistas afirmaram que o único caminho seria a presidente propor um pacto envolvendo os ex-presidentes FH e Lula e o vice Michel Temer. Um pacto pluripartidário definiria um programa político e econômico para o Brasil sair da crise.

Mas também aqui o tempo é decisivo. Se demorar, nem um pacto impediria o risco de abertura do processo de impeachment, que pode se viabilizar pelo agravamento da crise econômica, sobredeterminado pela decisão do TCU sobre as pedaladas fiscais e pelo processo no TSE sobre alegadas ilegalidades na campanha eleitoral.

Em vez de pacto, o caminho escolhido foi aumentar a presença do PMDB no governo para, a curto prazo, impedir o impeachment da presidente. A médio prazo, porém, pode ser um desastre. E talvez, então, seja tarde demais para um pacto.
Liszt Vieira

'Minha Casa, Minha Vida' reproduz injustiça social

'Bairro-modelo' do Minha Casa Minha Vida, no Rio, para 11 mil pessoas, o Bairro Carioca, sofre com enchentes, problemas estruturais e ação de traficantes
Em meio à reta final para a Olimpíada no Rio de Janeiro, encurtam-se os prazos e aumentam as pressões sobre comunidades que resistem a dar lugar às obras associadas aos jogos. Ao todo, 22 mil famílias já foram reassentadas na cidade de 2009 a 2015, por força de novos empreendimentos ou por estarem em situação de risco. E 74% dessas pessoas receberam casas do programa Minha Casa, Minha Vida, grife da gestão Dilma Rousseff.

"Esse (casa própria) é um sonho que acompanha a humanidade desde o início dos tempos, um local onde você se protege e constrói seu futuro e sua vida", disse Dilma no mês passado ao entregar casas do programa, numa referência recorrente em discursos da presidente.

Uma pesquisa recente, contudo, investigou como essas novas moradias impactam os meios de subsistência dos beneficiários, e descobriu que nem sempre o programa é sinônimo de progresso e estabilidade econômica, como prega a narrativa oficial.

Ao entrevistar moradores de cinco comunidades do Rio, todas na mira de remoções ou já reassentadas em condomínios do MCMV, a socióloga Melissa Fernández Arrigoitia, da London School of Economics, encontrou pessoas em novas dificuldades financeiras – seja pelas contas adicionais a pagar, pela distância do antigo trabalho ou pelas novas despesas com transporte.

Para a pesquisadora do Departamento de Geografia da LSE, que ainda trabalha para quantificar as dezenas de entrevistas, um "reassentamento nem sempre 'assenta' a brutalidade e a exploração que caracterizam muitas remoções". "Essas injustiças podem continuar, mascaradas por novos moldes e formas", acrescenta ela.

Fernández Arrigoitia diz que ainda há pouca informação sobre como os beneficiários se sustentam após a mudança – e a investigação mostrou que as pessoas estão perdendo ou mudando de trabalho.

"A maioria passou a trabalhar em casa, com pequenas vendas, produtos de limpeza, beleza, reparos de computadores. E a renda dessas pessoas encolheu, pois cresceram as despesas com contas, taxas e itens de consumo", afirma.

Trajetos de uma hora que se tornaram jornadas de até seis horas por dia explicam as reviravoltas profissionais, diz a socióloga. "Algumas pessoas citaram a exaustão causada pela distância. Uma mulher tinha carro, mas um dia quase morreu ao bater o veículo. Ela largou o emprego e montou um negócio em casa.