quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Um enredo para o Brasil?

Na semana passada, falei da possibilidade de ler o Brasil. Pertencer é ser: é uma leitura da “terra” onde nascemos por obra do acaso. Toda autorreflexão coletiva tem seu enredo, seus fracassos, sua cosmologia e muitos investimentos.

Qual seria o enredo do Brasil?

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Se a resposta é a de que nada presta mesmo com a “esquerda” no poder, então há algo de podre no reino do pré-sal. Falta boa-fé e honestidade.

Quantas éticas inscrevemos nas leis que governam o nosso país? Um Estado nacional que, conforme disse um esquecido brasilianista, virtualmente experimentou todos os regimes políticos conhecidos?

Fomos abandonados por quase 100 anos e, em seguida, marcados por um sistema ultracentralizado. Em 1808, passamos a ser o centro do reino lusitano. Um rei aliado a contragosto às forças da reação europeia fugiu do seu reino e transformou uma periferia feita de índios e papagaios numa corte com mais papagaios do que índios. A eles se juntaram os mais ou menos 15 mil aristocratas e criados. A cidade marginal passou a ser o centro do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve.

Tais passagens não se fazem impunemente.

O rei dos contos de Trancoso vira gente. O reino, carnavalizado, é num evento único da história das colonizações. O Rio comanda uma Lisboa ressentida e as figuras sagradas pela aristocrática foram humanizadas.

Foi de dentro desse passado que o Brasil libertou gradualmente os seus escravos, fez a sua República e iniciou o seu enredo de país moderno e igualitário. Mas como realizar tal passagem num sistema tocado a escravidão e baronatos que se transformaram em senadores, juízes, governadores e presidentes sem um povo livre capaz de elegê-los? Viramos República no papel, mas continuamos sendo o país do carnaval e das restrições hierárquicas do “Você sabe com quem está falando?” e de um clientelismo cósmico.

Como realizar a igualdade se existem categorias sociais que só podem ser julgadas por seus pares? Se os crimes prescrevem e, pelos menos, os financeiros compensam? Como adotar uma ética de igualdade num país onde os administradores públicos estão literalmente isentos de julgamento de modo que o mentir se tornou parte do ofício de governar?

Escrevemos um sistema político igualitário sem uma ética de igualdade. Como disse um pouco lido Gilberto Freyre, em Ordem e Progresso: “O que se fez com a Marinha desde os primeiros dias da civilização da República de 89 foi o que se fez com o Exército, com o Rio de Janeiro, com os portos, com as indústrias: cuidou-se da modernização das coisas e das técnicas sem se cuidar ao mesmo tempo da adaptação dos homens ou das pessoas a novas situações criadas pela ampliação ou pela modernização tecnológica da vida brasileira”.

Ou seja, mudamos iludidos pela dimensão político-institucional, mas pouco mudamos os costumes e os ritos pessoais das velhas reciprocidades. Não conseguimos passar para a sociedade a ética republicana que revolucionava tudo, menos os revolucionários que continuaram a conceber a dimensão política como um campo separado da sociedade supondo que os costumes iriam se transformar por decreto.

Daí as regalias extraordinárias com as quais traduzimos no nosso republicanismo os poderes que o dinamizam. Entrar no poder no Brasil é se garantir de ser servido pela sociedade. Mais: é estar protegido por uma rede legal que até hoje esquece os crimes, centrando-se muito mais no processo legal. A legislação é mais usada como um complicado código do que como aberto guia de comportamento.

A crise revela um enredo reprimido. Como conjugar éticas do privilégio de certos papéis e poderes (o Judiciário é o melhor exemplo), mas que atuam num campo onde predomina a tal “ética capitalista”? Esse conflito, hoje ampliado por uma tecnologia de transparência globalizada, traz à tona as contradições, mas impede a sua resolução porque o sistema legal é um emaranhado construído para manter os privilégios de quem está no poder.

Aliás, a igualdade republicana acabou por dar mais força aos elos pessoais simbolizada no inextinguível “Você sabe com quem está falando?”. Em vez de domesticar o lado privilegiado do sistema, nós o atrelamos aos recursos coletivos que são sistematicamente roubados pelos governantes em nome do povo e com legitimidade moderna da ideologia e do rito eleitoral.

Penso que o nosso enredo passa por esse sistema movido por múltiplas éticas, mas que é sempre pensado em termos puramente político, ideológico e partidário.

Não por acaso que, nas ruas, exigem-se confiabilidade, empoderamento dos marginalizados, competência administrativa e de muita honestidade.

Enfim, tudo indica que chegou a hora de virar de fato uma democracia igualitária, ou de deformar-se como uma enorme República onde o Estado engana ideologicamente a sociedade, roubando-lhe o autorrespeito e a dignidade.

Cunha não é protagonista

Eu havia escrito uma crônica sobre uma festinha de aniversário, que se deu numa escola rural lá na serra do Anastácio. Mas, no Brasil atual, onde os relógios funcionam de acordo com as mentiras dos deuses de Brasília, não se pode perder tempo com amenidades. Escrever sobre amenidades em detrimento dos problemas do país, quando o próprio poder viaja à Europa para tratar de assunto já resolvido – a compra dos aviões Gripen NG, da Suécia – a fim de fugir dos problemas insolúveis que se renovam a cada dia na operação Lava Jato, é luxo de que não podemos desfrutar.

Assuntos muito mais complexos, como sejam voos interplanetários, hoje, são resolvidos pelos modernos meios de comunicação existentes. Negócio de aviões, como, por exemplo, falta de dinheiro para honrar compromissos assumidos, aí, sim, exige conversas presenciais...

E não existe melhor hora para transformar o presidente da Câmara Federal, deputado Eduardo Cunha, um mero figurante nessa peça bufa que é a operação Lava Jato (em boa hora descoberta por um juiz que honra as calças que veste), em artista principal ou protagonista único do espetacular assalto à Petrobras, quando na verdade verdadeira o protagonismo é desempenho da seita PT cujos artistas são Lula Luiz e Dilma “Pândora”.

O ministro Joaquim Levy, que entrou nessa réstia sem ser cebola, está cumprindo sua missão como cidadão brasileiro que é, e, por isso, tem que aguentar a ignorância de muitos, inclusive desse tal Rui Falcão, saído das trevas da política sindical do ABC Paulista e que diz para a imprensa que a opinião dele contra os métodos do ministro, na verdade, não é só dele, é também a do PT. O cara se acha...

Mudando de assunto, mas, continuando na mesma trilha, o Supremo Tribunal Federal (STF) andou esquecendo que o Brasil adota, em seu sistema presidencialista de governo, a teoria tripartite de Montesquieu, em que os poderes são independentes e harmônicos entre si, e, assim sendo, não entendi a intromissão indébita do Judiciário no Legislativo, quando muda e dita norma de procedimento para o rito de votação de matéria em pauta na Câmara Federal.

Pode até ser que eu esteja enganado, mas, depois do 7 a 1 da Alemanha, eu perdi a fé nesse time que está jogando. Foram muitas as substituições, se é que o prezado leitor me entende...

Eu não sabia da existência do deputado Eduardo Cunha antes de ele ser eleito presidente da Câmara Federal, contra o candidato do PT e do esquema do governo, um verdadeiro e adaptado “Supreme Soviet” com gente da marca de Marco Aurélio Poc Poc, Franklin Martins, Rui Falcão “et caterva”.

Assim, segue a procissão no ritmo de Tim Maia: “Vale, vale tudo/ vale o que vier/ vale o que quiser/ só não vale/ Dançar homem com homem/ Nem mulher com mulher/ O resto vale...” Dilma não é protagonista de nada, protagonista é e será sempre o ex-Luiz, que já deveria ter saído de cena, em cana caiana...

Olha que cai a jaca

Dia sim e outro também, o ex-presidente Lula, o presidente do PT Rui Falcão, parlamentares e economistas petistas correm para debaixo da jaqueira e balançam a árvore até não poder mais para ver se a fruta cai. A jaca, no caso o Ministro da Fazenda Joaquim Levy, corre sérios riscos de se espatifar no chão, embora a presidente Dilma Rousseff tenha assegurado com todos os erres e esses que ele está firme no pé.


Até quando, só Deus sabe, mas por enquanto vai se segurando, pois para Dilma, ruim com Levy, pior sem ele. Não que a presidente morra de amores pelo ajuste fiscal ou pela ortodoxia de Levy. Sua cabeça continua sendo a da “nova matriz econômica”, do expansionismo fiscal. Nisso, ela não se difere de Lula e da cúpula do PT.

Mas é obrigada a se render e manter Levy no cargo, ao menos por enquanto. Neste momento a troca de comando da área econômica seria um desastre. Arrastaria, mais ainda, o governo para o precipício, aprofundaria a instabilidade econômica e política, sinalizaria para o mercado que a austeridade fiscal é de mentirinha.

Foi o instinto de sobrevivência, e não a convicção, que levou Dilma a prestigiar seu ministro da Fazenda.

Há aqui um conflito de interesses. A preocupação de Dilma é com ela própria, é conseguir terminar o seu mandato. E Lula tem os olhos fixos em 2018. Em um quadro de desemprego, inflação alta, e cortes para todos os lados, inclusive nos programas sociais, sua pretensão de voltar ao Planalto irá por água abaixo. Para mantê-la, urge derrubar Levy, substituí-lo por alguém que se disponha a dar um cavalo de pau na economia.

Tanto quanto a presidente ele tem consciência de que não há na prateleira governista outra política econômica minimamente responsável. Mas quem disse que ele está preocupado com isso.

Se necessário for, reeditará Orestes Quércia, o ex-governador que enterrou o Banespa e as estatais paulistas, e dirá: “quebro o Banco do Brasil, a Caixa Econômica, mas me elejo”.

Neste cabo de guerra entre a criatura e o criador, a presidente sempre cedeu às pressões do seu tutor. O “imexível” Mercadante dançou. Quem garante que o mesmo não acontecerá com Joaquim Levy?
Entre o mar e o rochedo, está o país, que nem a atual presidente nem o ex parecem se preocupar.

É o Brasil que sai perdendo ao ter um Ministro da Fazenda com autoridade dilacerada, questionado e bombardeado por todos os lados, principalmente pelo partido da presidente.

A essas alturas, Levy é pouco mais do que um pato manco, de credibilidade baixíssima por não ter entregado o que prometeu. É atacado pelos petistas mais por suas qualidades do que por seus defeitos, que, diga-se de passagem, são vários.

Por volta do primeiro semestre, quando ainda pintava como o novo Delfim da economia, Levy vendeu terreno na lua ao anunciar o retorno do crescimento econômico já no terceiro trimestre de 2015. Seu pacote teve efeito quase nulo, impotente que foi para fazer frente a uma queda do PIB de 3% já apontada na pesquisa Focus, a uma inflação de 9,75%, no acumulado dos últimos doze meses, e a um déficit nominal que se aproxima da casa de dois dígitos.

E começou a balangar na jaqueira no momento em que cedeu, aquiesceu e passou a tecer loas ao patético orçamento deficitário, a maior trapalhada de uma equipe econômica, após o confisco das cadernetas de poupança da era Collor. A erosão de sua imagem, inclusive no meio empresarial, se acentuou com os ziguezagues do cria não cria a CPMF.

Não é culpa dele, como Lula e companhia querem fazer crer. Mas sob sua égide, o Brasil foi rebaixado pelas agências de risco, está na iminência de perder o investiment grade. E o superávit primário de 2015, inicialmente previsto para ser de 1% do PIB, foi rebaixado para 0,15% e nem isso vai ser cumprido.

Assim fica difícil manter-se no pé. Do jeito que vai, não será preciso nem balançar a árvore. A jaca pode cair de madura. Ou podre.

Reformar a política

Ou seria um melhor título "Como evitar uma insurreição"?

Derrotas não devem ser atribuídas somente a erros individuais, mas podem revelar uma crise institucional.

Os políticos são amorais quando propõem metas falsas para pedir mais sacrifício à sociedade. Cabe às lideranças políticas, na qualidade de representantes do povo, apresentarem as soluções para as crises, com uma estimativa correta das probabilidades de êxito, porém o que se constata é que lutam para aprovar remendos irreais para atender às suas convicções casuísticas ou de seus grupos heterogêneos e voláteis.

É o povo, conjunto da sociedade, que fornece o sangue e as riquezas necessárias para levar adiante as mudanças esperadas.

Os conflitos de grandes proporções requerem mobilização plena. O povo até então silencioso busca se identificar com uma liderança, para segui-la. Esse é um perigoso momento, no qual defensores de vassouras éticas, caçadores de marajás ou guias carismáticos surgem, e o povo os seguirá. Com o passar do tempo, haverá retrocesso, pois esses líderes da mentira serão de alguma forma denunciados, julgados e depostos. O modo como isso se processará é extremamente variável e preocupante, bastando lembrar o que ocorreu no mundo nesses últimos 70 anos.

Nunca se conseguirá fazer a coisa certa por inteiro, sendo aconselhado não errar demais, para poder corrigir o curso em tempo hábil. Trágico supor que os embates do futuro serão parecidas com os do passado. Partir para o confronto, em busca de uma utopia, a todos pode derrotar.


Legisladores, ao sistematicamente apoiarem os governos de plantão, dão prova de fisiologismo e hipocrisia. Com o povo nas ruas declaram de que estão ouvindo as massas e apressam comissões estéreis.

Quantos serão esses congressistas picaretas? Quantos já foram presos? Caciques políticos divergem, porém os jornais em 2015 noticiaram que estão sendo processados por homicídio, corrupção, envolvimento com o narcotráfico e “até” denúncias relativas a irregularidades em campanhas eleitorais, 37% dos deputados federais e senadores. Já foram cassados 274 dos prefeitos eleitos nas últimas eleições, o que representa 5% do total. A expectativa é que essas marcas sejam ultrapassadas até dezembro de 2016. Isso tudo seria mais desastroso se não houvesse a Lei da Ficha Limpa, que impediu a candidatura de candidatos condenados em decisões judiciais de mais de um desembargador.

Temos que promover a substituição de maus políticos por estadistas, mas parte desse desafio é consequente ao comportamento da sociedade, que pouco faz para eleger lideranças inteligentes, criativas e corajosas. Os eleitos são promovidos seguindo padrões de carreira, prevalecendo o estímulo à conformidade. A coragem moral de um estadista é muitas vezes inversamente proporcional à sua popularidade.

Precisamos reformar a política, sem remendos, pois a segurança institucional é a medida mais importante de como evitar uma insurreição.

Atestado de óbito

 Não é verdade que a comissão parlamentar de inquérito instalada para apurar corrupção na Petrobrás tenha chegado ao fim sem apresentar resultados. A CPI resultou numa falta de respeito sem tamanho pelo Poder Legislativo e seus eleitores.

Não que se esperasse grande coisa dessa e de outras comissões, cuja desmoralização os parlamentares em conluio com o Poder Executivo têm se empenhado em aprofundar. Ainda assim, o relatório do deputado Luiz Sérgio (PT-RJ) surpreendeu. Pela desfaçatez, menosprezo aos fatos e subserviência à conveniência de autoridades, políticos e da diretoria da Petrobrás à época em que o esquema funcionou.

O deputado é um serviçal. E de baixa qualificação, conforme ficou demonstrado em sua passagem pela pasta das Relações Institucionais, da qual foi afastado por insuficiência de desempenho. Como relator da CPI, ele elaborou um documento final onde conclui pela inocência de deputados e senadores envolvidos, joga a culpa nas empreiteiras - que teriam agido sozinhas -, responsabiliza os investigadores e criminaliza o instituto da delação premiada.

Luiz Sérgio, pelo visto, sublimou o mandato. Senão o atual, a possibilidade de um próximo, considerando a negligência com que trata o bom senso de seus eleitores. O relatório parece ter sido feito com o objetivo de afirmar que a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio da Silva e ex-presidentes da Petrobrás nada têm a ver com o que se passou na empresa.

Para isso, não hesitou em estapear as evidências. Ignorou a mentira que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, contou quando foi à CPI negar a existência de contas no exterior e distorceu sem cerimônia alguma a realidade.

Afirmou que a CPI não encontrou provas e que os depoentes não forneceram sequer indícios sobre a participação de políticos. A comissão não encontrou porque não quis procurar. Ou se procurou e encontrou, omitiu. Não se sabe o resultado das investigações da empresa Kroll, contratada por RS$ 1 milhão, da mesma forma como se desconhece o produto de uma viagem feita por integrantes da CPI a Londres, alegadamente para “investigar”.

Os depoentes não forneceram material acusatório robusto porque a maioria simplesmente optou por se calar diante da comissão. A esse dado o relator não confere importância. Em outro trecho justifica a exclusão dos políticos argumentando que “CPI não é Conselho de Ética”, tentando restringir o foro adequado para manifestação de parlamentares.

Ora, comissões que produziram resultados - a do PC Farias, do Orçamento e dos Correios - não só ouviram como apontaram a responsabilidade de deputados e/ou senadores em transgressões. Alguns foram cassados, outros acabaram na cadeia. Nada, portanto, justifica o conteúdo do relatório.

Dele se depreende o motivo pelo qual há na mente de algumas pessoas, entre elas o ex-presidente Lula e o deputado Eduardo Cunha, a ideia de que o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, deve ser afastado do cargo por não “controlar” as ações da Polícia Federal, da Justiça e do Ministério Público.

Quando existe quem se disponha a fazer qualquer papel, fica difícil entender que exista gente que respeita e compreenda os limites do poder.

Cachês milionários, menu de travesseiros e lobby nas palestras

Um tiro na Lava Jato

Numa entrevista ao repórter André Guilherme Vieira, o juiz João Batista Gonçalves, da 6ª Vara Federal de São Paulo disse o seguinte: "Que diferença tem a tortura de alguém que ia para o pau de arara para fazer confissões e a tortura de alguém que é preso e só é solto com tornozeleira depois que aceita a delação premiada?".

Como magistrado, ele sabe que há uma primeira diferença: a tortura é ilegal e a colaboração com a Justiça é um mecanismo previsto em lei.

Felizmente o doutor também não sabe o que é um pau de arara. Quando a tortura faz parte do processo de investigação, uma sessão de suplícios não é tudo. O preso volta para a cela sabendo que, a qualquer momento, poderá ser pendurado de novo no pau de arara. Essa é outra diferença, tenebrosa.

Em 2009 a empreiteira Camargo Corrêa foi apanhada pela Operação Castelo de Areia. Era acusada de aspergir propinas em troca de contratos. Deu em nada. Na Lava Jato, o presidente da Camargo foi preso e, diante das provas que havia contra ele, fez um acordo com o Ministério Público. Não chegou a essa decisão pelo constrangimento da prisão preventiva. Ele e todos os outros colaboraram para reduzir as penas a que eventualmente seriam condenados. Tanto é assim que mais de uma dezena de colaboradores fizeram acordos sem que fossem decretadas suas prisões preventivas. Todos trocaram o risco de uma condenação a uma longa permanência em regime fechado pela admissão de culpas e pela revelação de esquemas criminosos. Para um réu do andar de cima, é melhor ficar de tornozeleira na sua casa de Angra dos Reis do que temer o cotidiano de uma penitenciária.

Entre o fiasco judicial da Castelo de Areia e a Lava Jato ocorreu uma novidade: o julgamento dos réus do mensalão. Nele, Kátia Rabelo, ex-presidente do banco BMG, foi condenada a 16 anos de prisão e José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil, foi para a penitenciária. O "efeito Papuda" mostrou que as portas dos cárceres estavam abertas para o andar de cima e abriu o caminho para as confissões da Lava Jato.

Graças a essa operação, a Camargo Corrêa fechou um acordo de leniência com o Ministério Público e poderá se transformar numa empreiteira de obras públicas que não suja sua marca. Coisa jamais vista desde 1549, quando Tomé de Souza desembarcou no Brasil trazendo mestres de obras para fundar uma cidade na Baía de Todos os Santos.

Com quatro séculos de experiência, os interesses e costumes abalados pela Lava Jato defendem seus interesses. Depois de oito meses de inútil teatralidade, a CPI da Petrobras terminou seus trabalhos. Entre as sugestões que colheu, está a de impedir a colaboração de pessoas presas. Resta saber se esse critério valeria para as confissões da turma do andar de baixo. A CPI teve como relator o deputado Luiz Sérgio (PT-RJ).

O juiz Gonçalves tem na sua vara a ação penal que trata lavagem de dinheiro por empresas de equipamentos ferroviários daquilo que se denominou Caso Alstom. Nele investigam-se, há sete anos, contratos assinados durante governos tucanos. Mudou de cara quando a empresa alemã Siemens passou a colaborar com o Ministério Público de seu país. Durante a campanha eleitoral do ano passado, a doutora Dilma referiu-se a esse escândalo: "Todos soltos".

Elio Gaspari

Lá e cá (ainda)


Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal, são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?
Eça de Queiroz, 1867, in "O distrito de Évora"

Só e abandonada

Posicionou-se o PT, por seu presidente, Rui Falcão, contra as medidas de arrocho fiscal, a redução de direitos trabalhistas e outras propostas do ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Foi a palavra oficial dos companheiros, ainda que há meses suas bancadas venham se insurgindo diante das iniciativas recessivas da equipe econômica, inclusive o próprio Lula.

O problema está em que o PT é governo, ou era, depois da declaração da presidente Dilma sobre divergências de opinião entre eles. Sendo assim, prevê-se que nem o partido se esforçará pela aprovação da nova CPMF, imposto do cheque destinado a penalizar todo mundo, ricos e pobres, indiscriminadamente. O projeto pode considerar-se derrotado.


Fará o quê, a presidente Dilma, se nem o seu partido (ou o seu ex-partido?) será capaz de respaldá-la no esforço para debelar a crise econômica.

Vivêssemos no parlamentarismo e seria caso para renúncia, mesmo faltando ainda três anos, dois meses e dez dias para o término do mandato presidencial. Impossível se torna impor o novo imposto por decreto. Antes, o Congresso teria que ser fechado, e a Constituição, rasgada. Mas com que apoio, se vai perdendo o próprio partido que patrocinou sua eleição?

Madame está na situação de, se ficar, o bicho come. Se correr, o bicho pega. Poderia desistir do projeto, mas com que alternativa? Já cortou o diabo no orçamento, inclusive em planos sociais, orgulho do PT, além de investimentos em educação e saúde pública. O desemprego em massa iniciou vasta temporada, somando-se a deflagração de greves variadas, atingindo transportes, escolas e hospitais em todo o país. A violência assume proporções olímpicas, nos setores rural e urbano. O crime organizado amplia seus espaços, paralelo à corrupção desenfreada que envolve a classe política, o alto funcionalismo público, as empresas estatais e a iniciativa privada.

Em suma, só e abandonada, Dilma carece de capacidade de recuperação e até de rotas de fuga. Milagres estão fora de moda. Mágicas, também.

A falsidade como meio de vida

Em 2009, já escolhida pelo então chefe, Luiz Inácio Lula da Silva, para lhe suceder na Presidência da República, Dilma Rousseff teve registrada no currículo oficial, divulgado no site da Casa Civil, que chefiava, sua condição de mestre (master of science) e doutora (Ph.D.) em Ciências Econômicas pela Universidade de Campinas (Unicamp). Pilhada em flagrante delito pela revista Piauí, ela reconheceu que não era nada disso. E mandou corrigir seu Curriculum Lattes (padrão nacional no registro do percurso acadêmico de estudantes e pesquisadores, adotado pela maioria das instituições de fomento, universidades e institutos de pesquisa do País), que informava ter ela cursado Ciências Sociais.

Falsificar Curriculum Lattes equivale, na Academia, a usar um falso diploma de médico. Cobrada, Dilma justificou-se: “Aquela ficha do Lattes era de 2000. Eu era secretária de Minas, Energia e Telecomunicações no Rio Grande do Sul. Eu não tinha mais nenhuma vida acadêmica. Eu era doutoranda porque eu não tinha sido jubilada, era doutoranda. Ao que parece eu fui jubilada em 2004, mas não fui comunicada”.

Do episódio se conclui que, pelo menos desde então, Dilma tem mantido hábitos que se mostraram recorrentes nas duas eleições presidenciais que disputou (em 2010 e 2014) e nos mandatos que nelas obteve. Um deles é conjugar verbos repetitivamente na primeira pessoa do singular. Outro, recusar-se a assumir a responsabilidade pelos próprios erros. Para ela, a culpa era do Lattes, não dela. Já no dilmês tatibitate, ao qual o País se acostumaria nestes tempos, ela se eximiu da falsificação do documento. Quem falsificou seu currículo? Ela mesma nunca se interessou em saber e denunciar. Nem explicou como pagou créditos de doutorado sem ter apresentado dissertação de mestrado, como é praxe. Esta, contudo, é uma mentira desprezível se comparada com outro acréscimo que fez a sua biografia: o da condição de heroína da democracia, falsificando o conceito básico que definiria o objetivo de sua luta.

Ela combateu, sim, a ditadura, ao se engajar num grupo armado de extrema esquerda de inspiração marxista-leninista, o VAR-Palmares. Sua atuação está confirmada em autos de processos na Justiça Militar, em que foi acusada de subversão e prática de atentados terroristas. E foi narrada em detalhes por Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, que a delatou em depoimento mantido no arquivo digital de O Globo (oglobo.globo.com/politica/confira-integra-do-depoimento-de-beto-dado-em-1971-2789754). Dilma mente porque, como atestam ex-guerrilheiros mais honestos, eles não lutavam por uma democracia burguesa, mas, sim, pela “ditadura do proletariado” de Marx, Lenin, Stalin, Pol Pot, Mao e dos Castros.

Na campanha pela reeleição, que ela empreendeu em 2014, Dilma parecia padecer de uma compulsão doentia à mentira. No palanque, ela prometeu o Paraíso de Milton e já nos primeiros dias do segundo governo, este ano, começou a entregar a prestações o Inferno de Dante. No debate na Globo com Aécio Neves, do PSDB, que derrotaria nas urnas, ela sugeriu à cearense Elizabeth Maria, de 55 anos, que disse estar desempregada, apesar de seu diploma (não falsificado) de economista, que procurasse o Pronatec. Em 2015, esse carro-chefe da propaganda engendrada pelo bruxo marqueteiro João Santana, o Patinhas, terá 1 milhão de vagas, um terço das do ano passado. E, em sua Pátria Enganadora (que “Educadora”?), foram cortados R$ 2,9 bilhões das escolas públicas.

Este é apenas um dos exemplos da terrível crise econômica, política e moral, com riscos de virar institucional, causada pela desastrada gestão das contas públicas em seu primeiro mandato, em especial no último ano, o da eleição, Em 2014 viu-se forçada a violar a Lei da Responsabilidade Fiscal, cobrindo rombos nos bancos públicos para pagar programas sociais, como seria reconhecido até por seu padim Lula.

Tudo isso põe no chinelo os lucros do falsário Clifford Irving, causador de imensos prejuízos no mercado das artes plásticas e que terminou virando protagonista de Orson Welles no filme Verdades e Mentiras. Não dá para comparar milhares de dólares perdidos na compra de obras de arte falsas com a perda de emprego por mais de 1 milhão de brasileiros em 12 meses nem a empresários fechando suas empresas.

Os dois só se comparam porque neles falsificar é meio de vida – jeito de obter um emprego e se manter nele. Na Suécia, onde começou a semana, Dilma fez seu habitual sermão da permanência doa a quem doer (e como dói!). Questionada se havia risco de os contratos que assinou serem anulados por um sucessor que capitalize a crise criada por seu desgoverno, afirmou: “O Brasil está em busca de estabilidade política e não acreditamos que haja qualquer processo de ruptura institucional”. A imprecisão semântica serve à falsificação da realidade – não como método, mas como ofício. Se se busca estabilidade, estabilidade não há. Não é necessária ruptura institucional para ela cair.

E ontem ela atingiu o auge do desprezo à inteligência alheia ao repetir a madrasta da Branca de Neve em frente ao espelho, num delírio de falsidade e má-fé: “O meu governo não está envolvido em nenhum escândalo de corrupção”.

Os jardineiros de "Alice no País das Maravilhas", de Lewis Carrol, pintavam de vermelho rosas brancas que plantaram, em vez de vermelhas, que a Rainha de Copas os mandara plantar. Quem apoia a alucinação obsessiva de nossa Rainha de Copas falsária 150 anos após a publicação da obra – “depô-la é golpe” – não tem memória. Pois ignora que o que ela tenta é alterar a cor da História: o primeiro presidente eleito pelo voto direto depois da ditadura, Fernando Collor, hoje investigado por corrupção, foi deposto por impeachment e substituído pelo vice, Itamar Franco, por quem ninguém dava nada, mas que nos libertou da servidão da inflação. O resto é a falsidade de ofício dela.

Disrupção institucional

Os tempos de trevas vividos pela indigente república brasileira assolam a preocupação com uma disrupção, diante da tênue democracia e a falta de lideranças oposicionistas. O princípio seria válido se não tivéssemos experiência no tema e estivéssemos distantes do profundo golpe sofrido pela desabrida corrupção que infestou estatais e fundos de pensão, livre, direta e indeterminadamente.

A lei deve ser aplicada para todos,não há qualquer dúvida. Se temos suspeitas e fatos comprobatórios de irregularidades, ou mazelas com o dinheiro público, tudo deve ser apurado e levado ao banco dos réus. O lobby existe sim em países desenvolvidos,mas vantagens pessoais são inadmissíveis e inaceitáveis.

Barack Obama quando defende as empresas norte americanas no tratado pacífico não gera suspeita ou dúvida que defende irrestritamente ao interesse da pátria e não o seu próprio. O mesmo acontece com a Alemanha de Angela Merkel quando ela coloca em relevo a força da indústria alemã e reconhece a falta grave de alguns procedimentos. Ela não está posicionando interesse particular sobre o coletivo. Lá até o marido da primeira ministra não entra no avião dela e viaja de trem ou condução por ele paga para as férias do casal.

Enfim,o que precisamos mais uma vez é separar o joio do trigo. E os investimentos feitos pelo BNDES, de bilhões no exterior, hoje demonstram a falta que o dinheiro tem feito para irrigar empresas brasileiras. Guardar o sigilo dos dados públicos é verdadeiramente canhestro, pois se cuida de dinheiro público, do contribuinte, daí porque todos os dados devem ser disponibilizados no site da instituição e colocados sob o prisma da analise do Tribunal de Contas da União e a Controladoria, a fim de que semeiem subsídios sobre as verdadeiras intenções a serem oportunizadas.

A anemia de nossa economia é preocupante e duas notas de rebaixamento dos nossos índices mais ainda, assim os bancos acabam por fazer mais exigências, evitando a inadimplência que anda em termos gerais em patamares bem desalentadores.

O que fazer se o governo, ao longo de todo o ano de 2015, somente procurou esconder para debaixo do tapete essa realidade nas eleições de 2014 situando que cresceríamos e tocaríamos em níveis próximos ao primeiro mundo?

Engodo. A nossa economia patina e de sétimo lugar agora está ocupando o décimo quinto. A estabilidade dos países vizinhos é real. Chile, Peru, Colômbia, e até se formos enxergar os dados da Bolívia e Paraguai são mais animadores que os nossos.

Tudo porque aqui sinalizaram que o Estado deveria prover a pobreza e a miséria, desde que a corrupção fosse o alvo de um grupelho que se cercou do poder e fez da nação uma disrupção com a legislação e o estado de direito.

Criticam os plantadores de más noticias que a Lava Jato acabará com a economia e fustigará as grandes empreiteiras, empregos e serviços. No entanto, se não fizermos uma radical mudança nesse setor, dentro em breve, a corrupção endêmica se tornara mais sistêmica ainda com o comprometimento das novas gerações.

A união da sociedade civil é indispensável. Ninguém em sã consciência poderia sequer imaginar ou desenhar o cenário atual, conturbado, com o enlamear da República, os poderes fragmentados e o País desgovernado.

Que a Suprema injustiça não se cometa para que a responsabilidade pura, integral e inadiável de todos, sem exceção, venha à baila, a fim de que o fardo pesado de hoje se torne mais leve com a destruição de organizações criminosas que tomaram o poder para lesar a Nação.
 Carlos Henrique Abrão