domingo, 11 de outubro de 2015

Tempos tristes

A vida cotidiana no Brasil de hoje anda tão áspera, o debate intelectual tão fora da curva, o debate político e econômico tão agressivo, que me sinto frequentemente levado a tentar entender o que está-se passando sob uma perspectiva histórica: explicar o presente como resultado de um passado mal vivido. Será que estamos condenados à violência que se apodera de nossas ruas, à desfaçatez dos argumentos, ao imediatismo de nossas opções políticas, econômicas e institucionais? Esse foi em boa medida o nosso passado. Será também o nosso futuro?

Ao ler muitos anos atrás o clássico "Tristes Trópicos" de Claude Lévy-Strauss, antropólogo francês que veio ao Brasil em missão nos anos 30, sublinhei uma passagem que sempre me intrigou. Traduzido livremente do francês, Lévy-Strauss diz haver escutado de um observador malicioso que a América passou da barbárie à decadência sem conhecer a civilização. E continua, talvez impressionado pelo crescimento caótico da cidade de São Paulo, afirmando que a fórmula, com mais justiça, poderia ser aplicada às cidades do Novo Mundo, pois vão do frescor à decrepitude sem passar pela antiguidade.

Será esse mesmo o nosso destino? perguntei-me ao longo da vida a cada momento difícil por que passamos no Brasil. E pergunto-me agora que atravessamos uma crise profunda. Estaremos em vias de passar à estagnação e à decrepitude, sem jamais conhecer um apogeu? Onde está o Brasil imaginado, o que tinha um futuro de grandeza e prosperidade, em que a convivência seria cada vez mais cordial?

Todas as sociedades, mesmo as mais antigas e avançadas, têm seus contrastes e seus antagonismos. Na cultura ocidental, nascida na Grécia antiga, renascida ao final da chamada Idade Média e consolidada com as Revoluções Americana e Francesa, a democracia tornou-se um valor absoluto. Fórmulas foram tentadas ao longo da história e ainda hoje para amenizar os contrastes e controlar os antagonismos mediante regimes de força, autoritários e ditaduras do proletariado ou das classes dominantes. Nada deu certo ao longo do tempo. A democracia é, e deverá continuar a ser, o padrão pelo qual se mede a qualidade da vida institucional dos países.


O Brasil, como de resto a maioria dos países conhecidos eufemisticamente como “em desenvolvimento”, não conheceu a democracia liberal a não ser episodicamente. Tivemos 308 anos de regime colonial, 22 anos de presença da Corte Real no Rio de Janeiro e 67 anos de Monarquia. Ao todo 397 anos se passaram antes da Proclamação da República. Praticamente 4 séculos. Hoje, 193 anos depois, apesar de muitos progressos e do estabelecimento da democracia formal, ainda estamos longe de emular o nível das democracias estabelecidas nos países desenvolvidos.

Progredimos, eliminamos barreiras, ampliamos a inclusão social. Mas falta muito ainda. As populações marginais nas favelas urbanas, nas caatingas nordestinas, a falta de educação e de saúde, demonstram a insuficiência de nossos esforços.

Sem falar na corrupção, que nos acompanha desde sempre. Martim Afonso de Souza, o grande personagem das navegações e da exploração colonial do Brasil (1530-1533) dizia: “Quem diz que sou cobiçoso, diz a maior verdade do mundo, que eu cobiço dinheiro porque não o tenho e porque não posso servir-vos, nem ser honrado sem ele...” Quinhentos e tantos anos depois ainda somos obrigados a conviver com um tipo de ambição corrupta por parte de muitos de nossos homens públicos. A sociedade não pode aceitar isso como se fosse inevitável. Não é! O conformismo agrava nossos problemas, que já não são poucos.

Hoje achamo-nos completamente desorientados. Discutem-se cargos quando deveriamos estar discutindo programas de Governo. As lideranças calam sobre visões de futuro. Colocam-se esparadrapos sobre as feridas profundas que dilaceram o corpo da nação. Concentramo-nos no curto prazo, deixando-se o médio e longo prazo continuamente postergados. O crime toma conta das ruas e dos gabinetes. Nas ruas, roubam-se valores e assassinam-se pessoas. Nos gabinetes, valores ainda mais expressivos são roubados e valores morais são assassinados. Os ladrões nas ruas são algumas vezes apanhados e, mal tratados, persistem no crime. Os ladrões nos gabinetes, quando apanhados, são bem tratados e suas famílias continuam a usufruir do que foi roubado.

Reina no Brasil de hoje um profundo cinismo. Para que servem os valores? Para que serve a justiça? Como promover o bem comum? Ainda prevalece a injustiça, a impunidade, a truculência. Como assegurar a convivência democrática numa sociedade descrente de si mesma?

Tomado por essas inquietações, reabri um livro importante, que marcou muito meu pensamento quando o li no final dos anos 70. Trata-se de obra da historiadora americana Barbara Tuchman. Chama-se The March of Folly (A Marcha da Insensatez). A senhora Tuchman analisa diversos episódios internacionais, a começar pelo mítico cavalo de Tróia e, passando pela secessão do protestantismo, a perda da América pelos britânicos, termina com a guerra do Vietnã. Mostra como, através da história, Governos tomaram conscientemente decisões contrárias a seus próprios interesses e persistiram nelas contra todas as evidências. E tenta entender por que líderes políticos frequentemente agem em sentido contrário aos ditames da razão e do próprio auto-interesse.

Erros são inerentes à natureza humana. Todos os cometemos. O que é estranho é persistir no erro mesmo sabendo que estamos errados. Quem se acha convencido da excelência de suas políticas frequentemente não se deixa abalar, por mais evidentes que sejam os sinais do fracasso. Persiste no erro. O poder, além de corromper, conduz à insensatez. E a responsabilidade do poder se dilui à medida que seu exercício se prolonga. Os exemplos e as experiências do passado estão aí. Replicam-se no Brasil de hoje com crescente licenciosidade.

Não terá chegado o momento de verdadeiramente transformar esse destino trágico que nos acompanha desde o Descobrimento? Nada mais eloquente do que o último parágrafo da Carta de Caminha ao Rei de Portugal. Depois de descrever as maravilhas do país, Caminha pede ao monarca a transferência e um emprego para seu genro Jorge da Cruz, então em São Tomé. Em se plantando tudo dá, e em se pedindo, tudo vem!

Norberto Bobbio, no seu livro sobre o envelhecimento, De Senectute, conta que, ao ouvir um palestrante fazer determinado contraste entre o pessimismo da inteligência e o otimismo da vontade, levantou-se e declarou para quem quisesse ouvir que o pessimismo de sua inteligência sempre foi acompanhado por certo pessimismo da vontade. O Brasil é essencialmente plural, unido por valores reais e imaginários. Fomos capazes de construir a duras penas um processo institucional democrático. Não sucumbimos ao pessimismo da vontade. Mas ainda não conseguimos - apesar de todos os progressos - estabelecer a coesão social desejada e conter a corrupção. Espero que não estejamos condenados ao fracasso, a tomar indefinidamente as decisões erradas, sabendo que são erradas!

São tempos tristes. Mas nossa democracia e nossa visão de um futuro melhor para o país não podem ser abaladas pela corrupção e pelo conchavo político. É tempo de tomar as decisões certas e não persistir no erro!

Luiz Felipe de Seixas Corrêa

Relíquia da assombração

Lula perdeu o bem mais precioso de um político – a capacidade de gerar esperança. Faria bem o PT se o preservasse como uma espécie de relíquia do bem e do mal 
Ricardo Noblat 

O silêncio de Lula

No final de setembro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou em Brasília para acertar de vez o governo cambaleante de sua pupila. Assumiu publicamente o papel de salvador da pátria, que tanto adora. Meteu-se em sucessivas reuniões com a afilhada e o PT, com diferentes alas do PMDB, o vice Michel Temer e até o desafeto Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Costurou ponto a ponto a reforma que Dilma Rousseff, ainda que a contragosto, anunciou dias depois.

De nada adiantou.

Na última semana, Dilma amargou derrota atrás de derrota. E Lula, o inspirador, estrategista e tático da nova política governista, sumiu de vista. Calou-se, evaporou.


Dilma seguiu à risca o que o mestre mandou. Negociou direto com o baixo clero do PMDB, passando por cima dos líderes históricos do partido. Na barganha, entregou quase um quarto do governo - sete dos 31 ministérios. Afastou o amigo Aluizio Mercadante do núcleo de decisões do governo e ainda engoliu Jaques Wagner como articulador político. Sem tirar nem por, cumpriu todas as ordens do chefe.

No Congresso, Wagner, o escolhido de Lula, falhou no primeiro teste. Falhou de novo e de novo.

Dilma perdeu também no TSE, com a decisão da Corte de reabrir a investigação sobre a origem dos recursos de sua companha. Como se não bastasse, sabe-se lá por ideia de quem, o governo decidiu cometer suicídio coletivo ao tentar anular o relator e o relato das contas de 2014, primeiro no próprio Tribunal de Contas da União, depois no Supremo.

Como nada deu certo, Lula desapareceu. Nenhuma palavra, nenhum gesto. Nada.

Correr do pau não é novidade quando se fala de Lula. Hábil, sempre que se enrola, ou não sabe e não viu o ocorrido, ou simplesmente foge. Dizem algumas línguas que esse comportamento se repete desde os idos do ABC. Portanto, o silêncio dele não causa surpresa.

São os tropeços e equívocos do grande chefe que chamam atenção. Ele nunca errou tanto. Avaliou mal, foi mau conselheiro. Colocou gasolina em vez de água na fogueira de Dilma, que não precisava de mais combustível para arder.

Dirão alguns – talvez ele próprio – que tudo foi planejado. Que na sua permanente metamorfose, ora ele quer prolongar ora encurtar o calvário de Dilma. Só que desta vez Lula colocou em campo o que resta do time titular petista, agravando a derrota. Para o PT, para Dilma e para ele.

Em tempo de crise e bolsos vazios, de médios e pobres ainda mais pobres, Lula vem demonstrando dificuldade para mobilizar massas. Só discursa, quando discursa, em ambiente fechado. Já não goza de unanimidade nem mesmo junto aos companheiros da CUT, MST, UNE e outros movimentos aquinhoados com recursos e cargos no governo.

Provou com o desastre desta semana, que sua magia também já não encanta os políticos, nem mesmo os de escalões inferiores.

Com popularidade construída na fartura, Lula manipula um condão que só funciona na bonança. Na tormenta, imerge. E hoje, além do naufrágio iminente da sucessora que ele inventou, Lula tem de lidar com outro revés: a Lava-Jato. Essa, sim, com potencial para afundá-lo. A ele e ao PT.

Tem preferido ficar calado. Não dar um pio.

Game over

Anotem, na última quarta-feira, entre o fim da tarde e o início da noite, o Tribunal de Contas da União, fundado em 1890 e também conhecido como TCU, pela segunda vez na história recomendou ao Congresso Nacional que fossem rejeitadas as contas de um Presidente da República. A partir daquele instante, Getulio Vargas, cujo balanço recebeu a mesma avaliação em 1937, já não estava sozinho, passava a ter a companhia de Dilma Rousseff.

Luís Inácio Adams, advogado-geral da União, alegou que as pedaladas não foram irregulares e até usou o Bolsa Família para justificá-las, mas driblar tantos zeros não era tarefa fácil e foi impossível evitar o capote. Bufão, ainda conseguiu causar espécie quando falou sobre impeachment em tom pretensamente ameaçador, como se o Tribunal não devesse satisfação à democracia, ao fazer valer a Lei de Responsabilidade Fiscal, mas sim ao petismo.

Lamentei somente o horário, muitos de nós ainda estavam trabalhando, espremidos em vagões de trem, no metrô, ou quem sabe, aproveitando o trânsito caótico para imaginar uma maneira de sair do buraco. Assim, não puderam testemunhar um momento crucial em suas próprias vidas, que certamente será revisitado nas escolas pelas próximas gerações de brasileiros.

Impeachment  (Foto: Arquivo Google)

Se seria exagero rotular a sova aplicada pelo TCU a este governo corrupto como histórica? Não, muito pelo contrário, e de tão espetacular, conseguiu pacificar três questões de uma só vez.

Primeiro, fez o favor de calar o terrorismo boboca que pintava um Brasil em vias de se tornar a próxima Venezuela. Tal retórica, confesso, não me incomodava apenas pelo erro de avaliação em si, mas principalmente pela pachorra de alguns em ofender a inteligência alheia na hora de arregimentar adeptos.

Depois, por meio do seu veredicto, tirou de Lula a possibilidade de utilizar um processo de impedimento mal ajambrado a seu favor. Aliás, agora, com a carta do golpismo indisponível, arrisco-me a dizer que o fim de sua carreira política, pelo menos no papel de candidato, ficou realmente próximo. Ou mancharia a própria biografia com uma provável derrota acachapante nas urnas?

Mas o principal dividendo, claro, foi garantir que nenhuma mesa de bar livre de fanáticos, em todo o País, seja capaz de tolerar a manipulação de centenas de bilhões para patrocinar a mentira e a perpetuação no poder.

E não apenas decretou o fim de uma conversa deseducadora, que levava o cidadão a achar natural pedir a saída de alguém eleito baseado apenas na própria insatisfação, mas diga-se, fez exatamente o oposto, ao escancarar fatos capazes de convencer a opinião pública e, sabe-se lá, possivelmente até de constranger o esquerdista moderado.

Verdade seja dita, Dilma nunca foi genuinamente popular. A atual presidente do Brasil, isto sim, assassina contumaz da Língua Portuguesa, incapaz de ler um texto corrido que seja, de semblante pesado, e cuja suposta competência gerencial não passou de mais uma guirlanda eleitoreira, até hoje só mostrou aptidão para desempenhar o papel de títere. Com arroubos de manda-chuva, mas sempre um títere.

Legitimidade, entretanto não é coisa à toa, e defender determinados posicionamentos, principalmente na linha do “por um bem maior”, às vezes apenas nos aproximam de quem justamente queremos afastar.

Celebremos, pois àqueles que agora reclamam de intolerância e pedem respeito à democracia, mesmo tendo insistido no afastamento de todos os presidentes democraticamente eleitos até hoje, nem mesmo restará a contradição.

Enfim, pedir o impeachment de Dilma Rousseff já não é mais um direito, passou a ser um dever.

Digitalização dissemina imagens que o mundo não viu

Para o jornalista Elio Gaspari, o mundo só começou a encarar o Holocausto a partir dos anos 1960, com o julgamento público de Adolf Eichmann em Israel. De fato, a captura do oficial nazista em Buenos Aires por um comando israelense, seu transporte clandestino para Tel Aviv e as audiências na Suprema Corte em Jerusalém renderam milhares de reportagens, centenas de livros e ensaios, questionamentos políticos, filmes e documentários.

Entretanto, essa revelação histórica – a do mais brutal massacre institucional de cidadãos promovido por um governo em solo europeu – poderia ter sido antecipada e exibida ao mundo 15 anos antes, ainda em 1945, caso as autoridades britânicas e americanas não tivessem arquivado em uma repartição pública militar os cinco cilindros de filme que registraram em tempo real o horror dos campos de concentração alemães.

Uma decisão jamais discutida, em qualquer tempo, pelos meios de comunicação, pesquisadores, intelectuais e organizações sociais a quem caberia, ao menos, uma palavra de indignação diante do ocorrido.
Campo de Bergen-Belsen, imagem do
documentário Memory of the Camps 
A filmagem feita por cinegrafistas do exército aliado acompanha a libertação de onze campos de concentração nazistas – de um total de 1.094 já documentados – a partir de abril de 1945. Entre eles os campos de Bergen-Belsen, com 70 mil mortos (onde Anne Frank morreu), Majdanek (80 mil), Dachau (30 mil) Buchenwald (56 mil), Ebensee (20 mil), Matthausen (150 mil) e Auschwitz-Birkenau (1,1 milhão).

As imagens aéreas mostram vastas planícies ocupadas por fileiras de barracões cercadas por arame farpado e guaritas. No solo, cadáveres sem roupa se misturam aos doentes e moribundos que agonizam sob a indiferença daqueles que ainda reúnem forças para disputar algum resto de comida. Um cenário macabro onde proliferam a imundície, as epidemias e a fome.

O filme também mostra as equipes nazistas – homens e mulheres – que atuavam nos campos da morte. Sob a ordem do exército aliado, esses soldados alemães cavam imensos buracos onde são jogados os milhares de cadáveres que jazem insepultos. Todos esquálidos e desnudos. O material, catalogado sob a inscrição F3080, permaneceu abandonado nas prateleiras de um departamento do antigo ministério da Guerra (hoje, ministério da Defesa) e em 1952 foi transferido para o “Imperial War Museum” – IWM que o registrou sob o título de “Memory of the Camps” (Memória dos Campos). Ali ficou enterrado e esquecido por décadas.

Planejado para ser um documento histórico e didático que funcionaria como uma prova real da existência dos campos e das práticas abomináveis exercidas pelo regime nazista, o projeto do comando aliado ficou sob a responsabilidade de Sidney Bernstein (1899-1993), chefe da seção de cinema da divisão de Informação britânica, que chamou Richard Crossman para ajudá-lo no roteiro. Crossman foi um dos primeiros oficiais britânicos a pisarem no campo de Dachau e posteriormente entrou para a política, tornando-se líder do Partido Trabalhista e ministro do Trabalho. Com apoio dos colegas do serviço americano de informação, Bernstein recrutou ainda o diretor de cinema Alfred Hitchcock (1899-1980), que trabalhava em Hollywood, para supervisionar o documentário.

Mas, em 9 de julho de 1945, menos de três meses após o início efetivo do projeto, os americanos retiram a sua participação no filme. Em setembro de 1945, com o documentário inacabado, as autoridades britânicas resolvem interromper o trabalho. O comando militar, àquela altura, estava empenhado em melhorar as relações anglo-germânicas, conter uma possível expansão soviética e não dar publicidade à vitimização dos judeus que lutavam por uma pátria na terra de Israel sob mandato britânico. A exibição do filme iria incutir uma culpa coletiva sobre a população alemã, o que segundo as autoridades aliadas aumentaria ainda mais o caos e a desmoralização de uma nação derrotada.

Nas imagens engavetadas, moradores das cidades e vilas próximas aos campos, convocados pelo exército aliado, visitam esses locais em plena efervescência de uma indescritível e absurda tragédia humana. As câmeras registram o constrangimento e a aparente vergonha dos alemães diante daquela multidão de seres desfigurados, reduzidos ao nível mais baixo de miséria e humilhação. Um pesadelo inimaginável que se sucedia a poucos quilômetros de suas casas, sem que ninguém soltasse um suspiro de misericórdia. Vizinhos das indústrias da morte, os moradores são forçados a encarar, naquela primavera de 1945, a máquina genocida que amparada na indiferença e pouco caso de seus cidadãos exterminou milhões de crianças, idosos e cidadãos civis inocentes.

O historiador Geoffrey Megargee, do Museu do Holocausto de Washington, afirma que de 1933 a 1945 o regime nazista implantou uma rede de trabalho escravo que funcionou em 42.500 locais na Alemanha e nos países ocupados. Foram 1.094 campos de concentração e 1.150 guetos, além de milhares de fábricas e outros centros de trabalho forçado, de tortura e de morte.

O controle do controlador

Na origem mais remota do termo controle, encontramos sua raiz na expressão francesa contre-rôle. Em épocas medievas, de absolutismo monárquico, os fiscais do reino, cobradores de impostos – ainda sem a juba que os viria a identificar no futuro –, se dirigiam às propriedades rurais e o aldeão era obrigado a apresentar uma relação (rôle) dos produtos negociados sobre os quais recolhiam os impostos devidos à Coroa. Porque no meio do caminho alguma coisa podia se “perder”, o rei determinava que fosse feita outra relação (contre- rôle), que, ficando com o devedor, em caso de necessidade pudesse provar que o valor entregue pelo fiscal à Coroa correspondia exatamente ao imposto pago pelo aldeão. Assim nasceu o controle, na sua forma mais rudimentar.

Vê-se, daí, que o primeiro controle era o do agente do rei sobre o produtor, e o segundo, o do rei sobre o seu fiscal.

Pedaladas furadas

O fim do absolutismo trouxe a necessidade do controle também dos atos dos governantes e do seu entorno de agentes públicos. Porque, em determinado momento da história, os cidadãos que promoveram as inúmeras revoluções libertárias que a história registra deram-se conta de que era dos impostos cobrados sobre o seu trabalho que aqueles se sustentavam.

Conscientes da necessidade de atender aos justos reclamos de seus governados, e até para que estes os vissem com a simpatia capaz de mantê-los no poder, os governantes criaram órgãos de controle de seus próprios atos. Não apenas os internos, como também os externos, estes resultado da implantação, desde a teoria de Montesquieu, do exercício separado dos poderes de Estado.

Vem daí a rebeldia que os agentes públicos desenvolveram por qualquer forma de controle.

De degrau em degrau, o controle da atividade financeira do Estado – que se resume em obter receita, promover-lhe a gestão em benefício do bem comum e efetuar a despesa para o respectivo custeio – atingiu o ápice, no caso brasileiro, mediante a Lei de Responsabilidade Fiscal, imposta pelo contribuinte através de seus representantes no parlamento. Nada mais perfeito em termos de democracia representativa. O TCU não fiscaliza para o rei, como no absolutismo, mas para o povo, de quem emana todo o poder e, enquanto contribuinte de impostos, toda a riqueza. Governo não produz riqueza, mas recolhe significativa parte dela e, pois – tecnicalidades diversionistas à parte –, não pode controlar o controlador da aplicação da riqueza alheia.

Quem mais sente a crise

Nota-se que os países mais prósperos, estáveis, as potências econômicas, se sustentam na produção, no trabalho e na tecnologia. Embora não sejam exemplos de santidade, sabem que o ambiente precisa estar permeado de credibilidade e confiança nas instituições, fundamentais para garantir a legalidade e a proteção das atividades.

Os marcos regulatórios são condições “sine qua non”. Ninguém investe, empreende ou se dá ao risco maluco de ficar à mercê do acaso. As relações fluem na legalidade, e com isso se multiplicam as oportunidades.

A fraqueza do Brasil se encontra exatamente na falta de garantias, no excesso de burocracia e numa desregrada sede de impostos, e ainda pior, pessimamente aplicados.

Por parte das elites brasileiras falta valorizar as regras do jogo. A corrupção, a infidelidade e as trapaças têm suas raízes no modelo colonial. Subverte-se a ordem natural, e trava-se o fluir das relações, complica-se quem pretende apenas trabalhar, inibe-se o surgimento de empregos, dificulta-se a vida de todos, enfraquece-se, assim, o conjunto nacional, da ex-colônia que continua a agir como tal.

A cultura da Coroa portuguesa – colonizadora no pior dos sentidos – instalou no Brasil a exploração sistêmica de tudo e de todos, a ela é devida uma cota sem qualquer compromisso de retorno. O Brasil era sangrado pela Coroa e o é mais ainda pelo Estado republicano. Está na história como o último país do planeta que aboliu a escravatura. Mesmo assim manteve o viés escravagista nas relações sociais e o ampliou na gana de cobrar. Não se desintoxicou. Tirava-se da natureza e vendia-se matéria-prima (não elaborada) nos séculos passados, e continua sendo essa a prática mais comum. Raros e insuficientes são os grupos econômicos nacionais que desenvolveram tecnologia e competitividade. Também as multinacionais preferem outras fronteiras para industrializar e inundar o mundo.

A produção da indústria na década de 60 representava 17% do PIB, secou em 2014 para 8%, demonstrado que não existe uma tendência nem uma política definida pelo interesse a transformar, acrescentar valores e aproveitar a farta mão de obra local.

Vendem-se montanhas de recursos minerais em valor médio de US$ 50 por tonelada e importam-se smartphones por US$ 5 milhões a tonelada. Em termos de peso, a relação é de 1 para 100 mil. Existe preocupação com essa situação? Nenhuma. Despende-se uma fortuna para manter inativa a nossa mão de obra com esmolas que não geram oportunidades, cultura, emancipação.

Enche-se um navio com 100 mil toneladas para pagar algumas caixas cheias de matéria-prima brasileira elaborada no exterior.

A elite política e pensante se lixa disso.

Transcorridos 515 anos do Descobrimento, os Brasis mantêm a tradição do colonizador. Não existe uma aspiração definida de desenvolvimento ou de proteção às atividades produtivas. Apenas ganhar com o menor esforço. Os valores estratégicos de soberania de uma nação nem sequer são lembrados. O Estado brasileiro é um assassino da competitividade econômica, sabe cobrar tributos, gera complicações, defende a prática de cobrar em excesso. Trata quem trabalha como um idiota, perde seus melhores quadros para o exterior e castra seu futuro. Sem preocupação com a sustentabilidade. O sonho mais comum é criar gargalos para cobrar pedágios. Dessa forma, nada anda.

Quando aqui cheguei, há 40 anos, me incomodava a frase frequente, não generalizada, de “quem trabalha não tem tempo para ganhar dinheiro”. Como? Achava mesquinho citar isso. Na escola me ensinaram desde a infância que “o trabalho dignifica o homem”, que é “melhor pouco com Deus que muito com o diabo”.

Ouvia dos mais velhos em casa que o estudo, a dedicação e a persistência eram fundamentais para qualquer sólida realização, condenavam-se as transgressões, que eram taxadas de vergonhosas. Diziam-me que não existia um sucesso estável fora da legalidade.

Assustou-me, assim, a insolente forma de contar vantagens de cânticos à esperteza.

Enfrenta-se agora a queda de 3% do PIB nacional, mas o Estado de Santa Catarina, uma ilha de Mittel Europe (Europa do Meio) ainda consegue crescer, em 2015, ao ritmo de 1,5%. Provavelmente, o Estado mais respeitoso com valores dignos.

Vale lembrar que o exército romano não ganhava batalhas pelo porte físico de seus soldados, mas pela inteligência de seus generais (conhecimento e disciplina) e pela qualidade dos armamentos (tecnologia).

Mais sente a crise, neste momento, a cigarra que a formiga.

Como ficará o país sem Dilma e sem Cunha?

Palavra cruzada pode cair dilma ou cunha com 5 letras

Metade da Câmara quer o impeachment da presidente Dilma. A outra metade deseja a cassação de Eduardo Cunha. Engalfinham-se os deputados, sem perceber que o povão tem outras preocupações: o desemprego em massa, o aumento do custo de vida, o congelamento e até a redução dos salários, a alta dos impostos e taxas de serviços essenciais, a péssima qualidade da saúde e da educação públicas e a violência urbana e rural.

A falta de sintonia entre eleitos e eleitores acentua-se cada vez mais, como se vivessem em dois mundos distintos. Não vai dar certo, ainda que tanto Dilma quanto Cunha possam ser objeto da frustração e da indignação geral. Falta um roteiro, um plano e um esforço para enfrentar as carências generalizadas, mas nem o governo nem o Congresso parecem preocupar-se. Madame e o deputado querem preservar os respectivos mandatos, como se suas obrigações se esgotassem nesse objetivo.

Vale indagar como ficaria o país sem Dilma e sem Cunha. Mudaria o quê, caso ambos fossem postos para fora? Nada. A população talvez vivesse dez minutos de euforia, comemorando as duas ausências, mas logo voltaria a sofrer as mesmas agruras. O grave na conjuntura atual é a inexistência de alternativas. Executivo e Legislativo comportam-se como se não lhes coubesse enfrentar a desagregação nacional. Desconhecem a falência do Estado, hoje posto em frangalhos.

Já se escreveu muito sobre a rebelião das massas, sonho de alguns poetas. Elas poderão ganhar as ruas por pouco tempo, mas logo terão que ir para casa.

Em suma, só um programa capaz de enfrentar um por um os obstáculos que nos assolam substituiria com extrema vantagem a presença de Dilma e Cunha. O diabo é que inexistem partidos, corporações, associações e centrais sindicais cuidando disso. Sendo assim, não vai adiantar nada trocar seis por meia dúzia, ainda que mudanças assim sirvam ao menos para melhorar o humor...

Sabe nada, inocente!

“Não existe nada contra mim. Não posso pagar pelo que não fiz”. A ser verdade o que alega a criatura de Lula, engana-se quem imagina que só agora, quando foi forçada por seu criador a abrir mão do comando político do governo, a presidente deixou de governar. Ela acaba de confessar: não governa desde sempre. Pois as decisões de governo foram sempre tomadas, à sua revelia, por subalternos atrevidos, e por isso ela não pode ser acusada de nada. A não ser de ter enganado o País por tanto tempo vendendo a imagem de “gerentona” atenta, eficaz e centralizadora e de continuar pensando de acordo com a cabeça torta de seu mestre, para quem todo brasileiro é idiota 
Editorial - Estadão, "Os efeitos da decisão do TCU" 

A floresta encantada

Quem vê tudo dominado não entende a real natureza de uma liderança. O que fazemos aqui dia sim e dia também é procurar, com nossas lanternas de pouco alcance, pessoas dispostas como nós a saírem do pântano em que nos encontramos e recolocar o país nos trilhos, depois do acidente consumado. Não comungo com a ideia de que o brasileiro é simplesmente um idiota que sempre vai fazer escolhas erradas na vida. Comecemos pelo fato de que ele não elegeu essa corja que aí está.

Fomos todos ludibriados pela maior quadrilha que já se instalou no poder. O mote dessa tunga era justamente “acabar com os pequenos roubos e compadrios” com um partido que tinha como bandeira a tal “ética na política”. Deu no que deu. Não acho que o consumidor é o culpado final pelo produto estragado que comprou. A cidadania, as leis, o senso comum estabelecem que ele tem o direito de reclamar, de exigir a correção dos problemas encontrados e até obter seu dinheiro de volta, caso o produto não satisfaça seus desejos e necessidades.

É simples assim. Estamos diante de estelionatários. Gente disposta a não largar o osso e fingir que o tablet que compramos e que veio com um tijolo dentro e só uma foto do referido equipamento não é um escárnio com quem acreditou na loja e sua promessas, com sua propaganda milionária e enganosa. Estamos diante de um caso de polícia comum. Ou alguém aqui acha que é mesmo o caso de juntar um bando, depredar o estabelecimento, roubar a mercadoria e surrar seus proprietários? Por mais que a vontade seja esta, o país tem leis. E é com estas leis que precisaremos mostrar ao mundo que o crime não compensa.

Se compensou até hoje, pelo tamanho e extensão da roubalheira cometida, é melhor começar a não compensar, pois a turba está se unindo para o quebra-quebra. A visão simplista de que o povinho é burro, pobre, alijado e alheio ao que acontece ao seu redor interessa a todo vigarista político que acha que pode manipular a massa como bem entende. É uma mentira deslavada. Boa parte de minha família é muito pobre e nem por isso fazem as escolhas erradas e se mancomunam com bandidos.

Pelo contrário: é a parte mais rica até, ou aquela um pouco mais esclarecida, que se encanta com a “subida pelo atalho”percorrida por todos estes aspirantes a bandidos hoje no poder. Afirmo que a sociedade aprende pelo exemplo. E o exemplo se dá pelo contraponto. A democracia se sustenta nisso; as ditaduras acabam por isso; a ausência do contraditório. Derrubamos uma ditadura militar e derrubaremos também essa protoditadura comunista e vigarista que por aqui se instalou.

Aprendi muito com vinte anos seguidos de esquerda no poder por aqui. Aprendi que não quero vê-los nunca mais cacarejando na minha frente. É ou não é uma avenida a pavimentar? Acredito no Brasil. Acredito na boa índole e na capacidade do brasileiro de fazer as escolhas certas. Não acredito é nessa política que aí está e nos seus representantes picaretas. Esses já morreram e não sabem. Já eram, como eles mesmos sabiamente constataram. Serão substituídos em breve, por uma tablet novinha. O consumidor sempre tem razão, meus caros. Mexe com quem tá quieto.

Na contramão da liberdade

O Congresso Nacional não se cansa de trazer consternação aos brasileiros. Como se não bastasse a brutal perda de credibilidade que vem sofrendo por conta de delitos contra o patrimônio público atribuídos aos seus membros mais graduados, como se não bastasse o grotesco espetáculo de cambalacho em que se transformou a pretensa reforma ministerial e que fez a população enrubescer de vergonha e humilhação, ainda se permite, aproveitando a incerteza em que o país está mergulhado, dar guarida a uma onda obscurantista cuja última façanha veio da lavra de um obscuro deputado evangélico. Este se arrogou a prerrogativa, com mais um punhado de deputados, de definir o que é a família brasileira.

Famílias, sabemos todos, são realidades tão complexas e multifacetadas quanto é complexo o mundo dos afetos, ganham formas diversas segundo as circunstâncias e momentos de uma história de vida. Ora, para os senhores deputados, é tudo muito simples: um homem, uma mulher, um casamento e os filhos desse matrimônio.


O presidente da Câmara apressou-se em fazer avançar a votação dessa aberração a que se deu o nome pomposo de Estatuto da Família, aprovado, a toque de caixa, por uma comissão especial do Congresso. O Estatuto da Família é aberrante, sim, contraria a Constituição e decisões do Supremo Tribunal Federal. Não tem qualquer futuro no campo jurídico, mas deve ser levado a sério como sintoma de uma investida insidiosa e perigosa do que há de mais atrasado na sociedade brasileira. Como tal, é alarmante e não deve passar despercebido. Traz de volta o cacoete autoritário de, em obediência a preceitos religiosos, querer invadir e controlar a intimidade e a liberdade dos indivíduos.

Impor um padrão único de família não é uma questão de opinião. O deputado que não reconhece as famílias homoafetivas como tal quer privar quem as vive dos direitos que teriam face ao ordenamento jurídico, e que a Justiça, em boa hora, já garantiu. Quem escolhe esse tipo de família não está privando ninguém de nada. Quem a exclui do campo dos direitos está, sim, negando a liberdade do outro, submetendo os direitos universais assegurados pelo Estado democrático à condenação do que alguns consideram um pecado.

É o autoritarismo fundamentalista que impede de reconhecer que as famílias não são mais e nunca mais serão como eram até meados do século passado. Hoje, na esfera afetiva, quem comanda é a liberdade de cada um.

Sempre que igrejas ou o Estado decidem se imiscuir na intimidade e na liberdade dos indivíduos para regulá-la, logo descobrem que a pretensão é temerária porque inócua. É ilusório acreditar que políticos retrógrados possam moldar a sociedade a golpes de canetadas. A sociedade seguirá soberana, moldando-se a si mesma. O que já deveriam ter aprendido quando a união civil homoafetiva entrou no campo dos direitos assegurados por uma sociedade democrática como uma evidência.
Temos vivido nos últimos anos, no Brasil, no reino da mentira e do faz de conta. Heróis que se revelaram bandidos, homens probos que se revelaram ladrões, empresas poderosas que desabam roídas pelo cupim da corrupção. Um país supostamente rico e próspero, que acorda pobre e endividado, o colapso escondido em contabilidades fajutas. Essa convivência com a mentira só tem nos trazido desesperança e medo do futuro. A aposta da onda obscurantista é acenar com o passado supostamente seguro quando o futuro está embaçado, é imprevisível e, por isso mesmo, ameaçador. Mas estão subestimando a sociedade brasileira.

Enquanto políticos profissionais se alimentam e tentam nos alimentar com mentiras, impõem uma politica carcomida, uma sociedade dinâmica, em sintonia com o mundo contemporâneo continua a produzir-se a si mesma e abre caminho às liberdades pelo seu simples viver, afirmando a sua verdade.

O mais surpreendente fenômeno brasileiro é essa ruptura entre o mundo político que apodrece e uma sociedade viva que floresce.

Vai ser cada vez mais difícil o diálogo entre essa sociedade que quer a liberdade de escolha em todos os atos fundamentais da vida privada, a maternidade escolhida, o amor e a sexualidade também, o direito de viver e morrer com dignidade e os mentirosos que acenam com um Brasil que não existe.

O Brasil não é feito só de corrupção e atraso. É feito por gente que se reinventa a cada dia, afirmando a sua liberdade e lutando pela sua felicidade. Vivendo o presente com coragem vão construindo o futuro. Os outros agonizam, resistem a morrer mas seu prazo de validade está se esgotando.
Rosiska Darcy de Oliveira