segunda-feira, 5 de outubro de 2015

A meia-sola de Lula


A presidente recordista em desaprovação popular delegou a Lula a tarefa de escolher seus novos ministros com o objetivo de montar o Governo 171. Nada a ver com o artigo do Código Penal que fala do crime de estelionato.

Governo 171 é aquele capaz de garantir na Câmara dos Deputados pelo menos 171 votos, o mínimo necessário, segundo a lei, para enterrar qualquer pedido de impeachment.


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Lula celebra o desfecho da primeira etapa da tarefa. Sim, porque a depender dele, haverá uma segunda – e nessa rolarão as cabeças de Joaquim Levy, Ministro da Fazenda, e José Eduardo Cardoso, Ministro da Justiça.

Levy porque é negativo seu discurso sobre o ajuste fiscal. Falta-lhe habilidade para vender esperança. Cardoso porque Lula está com raiva dele, e acha que tem lá suas razões.

Estreita-se o cerco da Polícia Federal e do Ministério Público a Lula. Em breve, ele irá depor sobre a roubalheira na Petrobras que começou no seu segundo governo.

Por mais que o Supremo Tribunal Federal o proteja concedendo-lhe a condição de “informante”, o que em tese não o obrigaria a dizer a verdade, não será tão simples assim.

Arrisca-se Lula, se flagrado mentindo, a passar à condição de indiciado. E como não tem direito a fórum especial, poderá cair nas mãos ásperas do juiz Sérgio Moro, o mentor da Operação Lava Jato.

Lula debita na conta de Cardoso o suplício que o aguarda. Chefe da Polícia Federal, Cardoso nada fez até aqui para tirá-la do caminho de Lula.

Há outro front nas investigações conduzidas por Moro que preocupa cada vez mais o ex-presidente: o que tenta entender sua parceria com a Odebrecht, mas não só com ela.

Lula tem dito que usou o cargo de presidente para facilitar a entrada de empresas brasileiras em outros países. Teria procedido, apenas, como um verdadeiro patriota, sem ganhar um tostão com isso.

O difícil de acreditar é que agora, podendo legitimamente ganhar milhões de tostões como lobista de empreiteiras, Lula prefira seguir trabalhando de graça para elas.

Teria sido de graça que ele voou a diversos países da América do Sul e da África onde a Odebrecht e outras construtoras disputam negócios. Delas, só ganharia para fazer palestras. E a preços de mercado. Bom menino!

Saiu barata a meia sola aplicada por Lula ao governo Dilma na semana passada. Reforma ministerial é algo mais abrangente e ambicioso.

A meia sola limitou-se a uma troca de cadeiras entre ministros, com a extinção de algumas delas. Foi admitida a entrada de três caras novas: duas de deputados fiéis a Dilma, e uma de deputado que lhe promete doravante ser fiel.

Quanto aos sonhados 171 votos para barrar o impeachment, que é o que importa... Numa conta grosseira, Dilma, hoje, contaria com cerca de 220 para governar até o fim do seu mandato.

Só tem um problema: impeachment não é uma questão matemática. É uma questão política. Os 220 votos estão sujeitos à força e à direção dos ventos soprados pela opinião pública.

De fato, o destino de Dilma depende do destino da economia. O governo carece de maioria no Congresso para aprovar as medidas mais duras do ajuste fiscal – entre elas, a recriação da CPMF.

Dilma não tem autoridade política para pedir sacrifícios à população. O país está longe de ter atingido o fundo do poço.

E a crise só agora começa a bater forte na porta das classes C e D, que ainda não foram para as ruas.

Injusto, enfim

Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim era médico, alquimista, físico, astrólogo e ocultista suíço-alemão. Entrou para a historia como Paracelso. Acreditava que “todas as substâncias são venenos, não existe nada que não seja veneno. Somente a dose correta diferencia o veneno do remédio.”

Mas nem ele poderia imaginar que um dia um povo inteiro se especializaria na transformação de remédios metafóricos em venenos reais através do simples (ou talvez não tao simples) exagero na dose.

A começar pela ideia lei. Com a desculpa de resolver problemas específicos, criou-se um cipoal legal que garante sua falta de eficácia. Complexidade criou a categoria normativa onde se encontram as leis que não pegam. As leis e regras viraram simples inconvenientes a serem superados. E, com isso, envenenam o sistema.

O amplo direito de defesa, levado ao seu limite máximo (ou provavelmente muito além dele), descaracteriza e extrapola a sua função de proteção da cidadania. Virou porto seguro para a impunidade. Ou, de maneira mais concreta, incentivo a chicana. Ficou toxico.

O devido processo legal, que deveria garantir a objetividade, equilíbrio e justiça para os cidadãos, inserindo em sistema judicial engessado, complexo, cheio de recursos, revela apenas um caminho longo e complicado para, sempre que possível, atrasar a apuração dos fatos e a determinação das responsabilidades. Polui o ambiente.

Ninguém mais explica ou justifica atos. Nestes tempos confusos, a negação da autoria é coisa secundaria. Vale mais desqualificar a prova, o processo, as testemunhas. Não existem discordâncias quanto aos fatos. Nem duvida quanto aos responsáveis. Nunca existiram tantos réus (confessos ou não), tanta culpa obvia tanta clareza quanto às causas, efeitos, ou autoria.

Também nunca antes na historia deste país, existiu tanto cinismo. Tanta chicana. Tanta tática protelatória. Nunca se usou em escana tão maciça as falhas de um sistema complexo, reconhecidamente ineficiente, e, por isso mesmo vulnerável. Injusto, enfim.

Crônicas da Infâmia



5 – Dos Partidos/ Das Governações


Quem tente interpretar a humanidade pelos seus olhos, descobrirá muita coisa estranha que lhe causará perplexidade
Samuel Bellow, in “ O velho sistema"
Vive-se um tempo ominoso. Um tempo de sobressaltos inesperados agitado por uma febre que se consome em convulsões.

Este é o tempo em que o espectro de uma guerra generalizada se pensava moribundo. O tempo distante do final catastrófico da última guerra mundial que se vira transformado em funda e delineada expectativa de uma paz duradoura.

O tempo europeu em que , de promessa em promessa, se construiu uma organização de estados que se ligavam por laços culturais e civilizacionais, aquilo que comumente se designava por espírito europeu.

Um tempo que, de união em fractura, se deixou seduzir pela força do poder económico.

Um tempo europeu que adulterou essa identidade humanista para se agregar à volta do estatuto de cifrões, do domínio do capital. Estatuto que divide, rotula e diferencia. Os fortes e os fracos. Os ricos e os pobres. O centro e a periferia. O Norte e o Sul.

Um tempo cego e sujo em que vinga o interesse, o lucro e o capital.

O homem deixou de ser o centro, o alvo, o sujeito inspirador de qualquer pequena ou grande realização. Passou a ser o meio, o objecto que tem valor, não pela sua condição/dimensão humana, mas pelo número que representa , enquanto produtor/detentor de riqueza. E neste território, em desnorte humanista, aporta um movimento de gente em desespero, uma intensa diáspora de povos em fuga de uma morte anunciada nos respectivos países de origem.

A Europa, ainda adormecida, levitava num sono letárgico que a impedia de visionar a tragédia que se mostrava real no seu próprio espaço, permitindo que cada parcela se organizasse per si. Construíram-se muros. Elevaram-se barreiras e encurralam-se pessoas numa ânsia fiscalizante e fiscalizadora.

E uma dor envergonhada apanha-nos. A infâmia está à solta, tal como ilustram as palavras de Christophe Dejours: On fait passer pour un malheur ce qui relève en fait de l’exercice du mal commis par certains contre d’autres.

Instada a acordar, esta Europa começa a reagir. Contudo, as imagens, que jamais se deviam repetir, continuam a nos dilacerar todos os dias. Todos os dias.

E Portugal , país periférico, (situado na costa mais ocidental da Europa, lá, onde a terra se acaba e o mar começa), abre as portas. País de velhos marinheiros , que se fizeram ao mar, quando a terra lhes soçobrou, cede acolhimento. Presta-se a receber quem, como tantos da sua gente, já experimentou o medo da guerra, a falta de chão, a fuga da terra-mãe transformada em campo de batalha. Preparam-se comissões, cria-se uma plataforma de acolhimento.

E neste cenário, Portugal europeu enreda-se numa campanha eleitoral. Aproxima-se o tempo em que os lugares do poder vão a concurso.

Seremos, nós, o júri da selecção. Os candidatos são os Partidos. Os eleitores não correspondem aos eleitos. E quando os eleitos são transformados em Governo , esquecem todo o processo selectivo. Os programas não vinculam quem os assina. A governação não se estabelece numa relação de causa → efeito.

A causa deixou de assentar na res publica. O efeito não é servir as pessoas em defesa/promoção do bem comum. O efeito é, antes, uma espécie de sortilégio de anfetaminas que faz do poder o centro da governação. Perdem-se as causas eleitorais pela causa eleitoralista. Simulez, dissimulez, souriez. Et peu importe si c’est faux, escreveu o laureado do Goncourt (2011), Alexis Jenni.

O que interessa é convencer para ganhar. A cadeira do Poder está vaga. Por isso, há Partidos que prometem e governos que não cumprem.

Nunca me inscrevi num Partido. Creio que não o fiz por me não rever em qualquer um.

Havia sempre um distanciamento entre a palavra e o facto, entre o verbo e o feito, entre o que se faz e o que se prometeu que me afastava definitivamente. Tal como Flaubert, se algum partido tenho é o da indignação.

A credibilidade entre o ser e o fazer, entre a ideologia e a praxis, entre a promessa e o cumprimento não passa de mera ilusão.

E, se Paul Valéry, o autor de Mélange, já nos disse que os homens se diferenciam pelo que mostram e se parecem pelo que escondem, é tempo de separar a verdade da falsidade. É tempo de erguer a autenticidade porque é tempo de confirmar quem pretende manipular o país.

O país não precisa de mais sofrimento. O país não precisa de mais engano.

Chega de tanto logro, de tanto desemprego, de tanta pobreza, de tanta desesperança.

Acabemos com a política corcunda .Que se silencie a ignóbil voz da infâmia para que não haja quem a possa seguir.

Maria José Vieira de Sousa

Quem é o capo?

O fermento dos fariseus

Cesare Beccaria, um clássico do direito penal, ensinava que “o que diminui a criminalidade não é o tamanho da pena, mas a certeza da punição”. Também é dele o pensamento de que “quanto mais o castigo for rápido e próximo do delito cometido, tanto mais será justo e útil”.

Este grande italiano morreu em 1794, na cidade de Milão. Ele foi a primeira voz a levantar-se contra as torturas empregadas pelos agentes públicos e a crueldade de algumas penas. Uma de suas principais teses é a igualdade perante a lei dos criminosos que cometem o mesmo delito.

Fico a pensar se, passados mais de 200 anos desde sua morte, não estaria ele se revirando na tumba, indignado diante do descompasso entre a evolução tecnológica e a moral de uma humanidade cujo sistema punitivo lembra uma famosa frase do carrasco francês Charles-Henri Sanson: “uma vez desencadeada, a loucura dos homens jamais é moderada”.

Esta frase, vinda de uma pessoa que executou uns três mil condenados, incluindo o rei, dá o que pensar. É quando sugiro um breve passar de olhos, a partir de um ponto de vista só um pouquinho mais elevado, sobre a insanidade do nosso sistema criminal.


Começo pelas crises econômicas. Só a de 2008 custou a dezenas de milhões de pessoas suas economias, seus empregos e até mesmo suas casas. Os culpados foram alguns poucos que lucraram bilhões. Nenhum deles está preso, seja lá em que país for.

Chego, em seguida, à corrupção. Em um mundo no qual semelhantes nossos se arrastam pelos corredores de alguns hospitais públicos, suplicando por um atendimento que quase nunca virá a tempo, 15% de todos os recursos que a humanidade destina à saúde são desviados por um grupelho de corruptos. Quase nenhum deles está preso, seja lá em que país for.

Há também as mortes. Só no Iraque, nos últimos anos, 114 mil civis inocentes morreram por conta de uma invasão. No mundo, a cada 5 segundos uma criança morre de fome. Aqui mesmo no Brasil, a cada dia 20 outras morrem vítimas de doenças causadas pela falta de um simples esgoto. Pois vejam só: ninguém está preso, seja lá em que país for.

Enquanto isso, em um triste contraste, lá estão nossas prisões abarrotadas de miseráveis. Seus crimes existiram, e punidos devem eles ser - fique isto bem claro. Mas o de que aqui se trata é de aspecto outro: por que só eles?

Quando um miserável desses é preso, a primeira providência é apresentá-los ao público. Quase sempre algemados e de cabeça baixa, suas fotografias são imediatamente estampadas nos jornais. Se posteriormente julgados inocentes, que se queixem ao Bispo! Ora, será que os miseráveis não tem honra e imagem? Já quanto aos finos cavalheiros cujos crimes importaram por vezes na morte e no sofrimento de milhares, quando não de milhões, de semelhantes nossos, deles muitas vezes sequer o nome sabemos! Afinal, como dizia o Marquês de Maricá, “o roubo de milhões enobrece os ladrões”.

Já presos, não é raro que estes miseráveis sejam torturados. Na Suíça, chutados nus no chão. No Japão, sufocados por cintas de couro. Nos EUA, submetidos a choques elétricos. E por aí vai. Já quanto aos refinados cavalheiros, não tive ainda notícia de que tenham sido vítimas de violências seja lá onde for - ou seja, além de vil a tortura é seletiva, o que a envilece ainda mais.

Os culpados por esta covardia são muitos. Estão dentro e fora do mundo das leis. Daí o sábio conselho bíblico: “acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia”
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Pedro Valls Feu Rosa

Gasto público - O exorbitante e o supérfluo

Enxugar gastos não é tarefa agradável nem simpática. Dela não se colhe sorrisos, embora o bom líder, o líder respeitado, colha solidariedade.

Mas esse não é mais o caso do governo petista. O país já reconhece o partido que pretendeu ser hegemônico como uma organização tomada por criminosos. As pessoas bem informadas têm plena consciência, também, de que a nação, por motivos eleitoreiros, foi irresponsavelmente levada a uma crise pela qual não precisava estar passando. O PT e seu governo estão desqualificados para a tarefa que o país tem pela frente. Não há mais, na alma brasileira, ao alcance desse partido, apoios que não precisem ser comprados com sanduíche de mortadela nas ruas e cargos nos gabinetes. Portanto, as sugestões deste artigo vão para a reflexão dos leitores e não para o governo.


No ambiente familiar, quando se torna imperioso cortar gastos, circunstancial ou permanentemente, a tesoura vai atrás dos considerados exorbitantes ou supérfluos. Dependendo de cada realidade, saem as viagens, as roupas novas, os restaurantes, as pizzas delivery, as novidades tecnológicas, os jogos de futebol. Os espetos vão para a churrasqueira com cortes mais baratos. Enfim, cada família busca a seu modo o próprio superávit primário.

Agora, olhemos o Estado. Sob esse guarda-chuva, se abrigam o Estado propriamente dito, o governo, a administração, o Legislativo e o Judiciário. Todos competem pelas fatias do orçamento, todos se consideram irredutíveis, insuficientemente agraciados e remunerados, e só conhecem a solidariedade interna - aquela que une os iguais em torno deste interesse comum: o "nosso" é sagrado. A despeito do preceito constitucional que impõe harmonia aos poderes, na hora do dinheiro prevalece o outro, o da independência.

A presidente Dilma reduziu de 39 para 31 o número de seus ministros e cortou 10% dos vencimentos do topo da cadeia alimentar do gasto governamental. Um ato simbólico. Uma merreca. Economizaríamos muito mais se ela reduzisse as despesas, inclusive as próprias, com cartões corporativos, com as numerosas comitivas ao exterior e com o luxo dos hotéis que frequenta. Ganharíamos muito mais ainda se parasse de usar nosso dinheiro para fazer publicidade de seu desditoso governo. E estou falando dos cortes supérfluos.

Para atingir o exorbitante teríamos que impor limites à licenciosidade com que o Legislativo e o Judiciário e a grande cascata das carreiras jurídicas definem seus ganhos e, muito especialmente seus privilégios. Sim, são privilégios, leizinhas privadas (que sequer leis são porque fixadas por atos administrativos validados por decisões liminares). São benefícios que ninguém mais tem, que geram direitos retroativamente e periódicos pagamentos de "atrasados". A república, além de conviver com enorme desnível entre os maiores e os menores salários, disponibiliza a uma parcela da elite funcional, na União e nos Estados, contracheques que, ocasionalmente, se elevam a centenas de milhares de reais. Não há pagador de impostos que não se escandalize ao saber que isso é feito com o fruto de seu trabalho.

Na mesma linha do exorbitante temos as aposentadorias precoces, incompatíveis com o mais desatento cálculo atuarial; os incontáveis benefícios fiscais que orientam bilhões para usos que nada têm a ver com as funções essenciais do Estado; a legião dos cargos de confiança, que deveriam ser restringidos a um número mínimo, na ordem das centenas e não das dezenas de milhares; a atribuição ao setor público de atividades que poderiam, perfeitamente, ser desenvolvidas pela iniciativa privada; a sinecura de tantas ONGs que funcionam apenas como custeio público para o empreguismo de apadrinhados políticos; a centralização que derroga o pacto federativo e leva o dinheiro de quem produz para longe de suas vistas e para fins inconcebíveis; a gratuidade do ensino superior público para quem pode pagar, exemplo de injustiça que clama aos céus.

Se quiserem mais sugestões tenho inúmeras outras a fornecer.

Percival Puggina

Flores do pântano

A pergunta teima em mexer com a consciência dos mais indignados: pode-se esperar por um processo de depuração da vida parlamentar? Pode-se, afinal, esperar que a corrupção seja extirpada ( ou pelo menos reduzida) da administração pública e o Brasil comece a ser visto como um território expurgado de impurezas? Ou será que a crise moral e a crise política continuarão a sujar a imagem do país perante o mundo?

Mais ainda: teremos de conviver eternamente com a herança ibérico/portuguesa e os valores jogados sobre o nosso imenso território: o patrimonialismo, com as mazelas do fisiologismo, mandonismo, grupismo, familismo? Não podemos desenvolver nossa modelagem valorativa, nosso ethos e moldar nosso próprio modelo de democracia? Ou será que devemos aceitar como definitivo o lema – o pau que nasce torto não tem jeito, morre torto? Ademais, só meia dúzia de desonestos intelectuais aprecia o exercício de execrar nosso processo civilizatório.

A resposta é complexa, pois implica intrincada engenharia de mudanças. E se a barreira tem o nome de mudança, a questão esbarra na lição de Maquiavel: “Nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas. Na verdade, o reformador tem inimigos em todos os que lucram com a velha ordem e apenas defensores tépidos nos que lucra­riam com a nova ordem.”

Sejamos realistas. Há poucos reformadores na esfera política e há muitos que lucram com a manu­tenção dos velhos sistemas. Entre os que apregoam mudanças, uns apontam para medidas pontuais e momentâneas, cujo escopo não abriga a matriz das mazelas, e outros há que nem sabem por onde se chega ao caminho das mudanças. 

Sob esse feixe de hipóteses, três vertentes se apresentam como as mais prováveis na esfera das ocorrências futuras: a primeira é de que a atual crise será ultrapassada pela próxima, lembrando, porém, que a do momento é das mais graves da quadra contemporânea; a segunda, ancorada ainda na banalização, mostra o brasileiro cada vez mais impermeável à barbárie da política; e a terceira, regada à esperança, põe fé na crença de que uma flor pode nascer no pântano.

Ou seja, que o Brasil semeará jardins de ética no meio do lamaçal. As duas primeiras vertentes são maléficas para o caráter nacional. Comparam-se à maldição de Sísifo, aquele que repetirá todos os dias da eternidade o castigo que foi lhe imposto pelos deuses, o de carregar uma pedra sobre os ombros e depositar no topo da montanha.

O fato é que a repetição do maçante exercício de expectativas frustradas acaba brutalizando os instintos das pessoas. Que se tornam impermeáveis aos eventos que ocorrem ao seu redor, mesmo os mais catastróficos. É como seres catatônicos. Essa seria a carga psicológica que a crise deposita sobre a alma nacional.

O ciclo de banalização de escândalos por que passa o País gera desconfiança, distanciamento entre a esfera política e sociedade, arrastando valores como a racionalidade, o civismo, o amor à Pátria, o sentimento de inclusão, a identificação com os símbolos nacionais, o orgulho de pertencimento a uma sociedade com padrões éticos e morais.

Há, porém, quem distinga as luzes de um contraponto, um sinal de esperança. E esse sinal acontece quando a sociedade, cansada de tantas promessas, embalada na mistificação da propaganda política, decide dar um basta ao estado de calamidade a seu redor.

O que fazer diante das filas imensas nos corredores de hospitais? O que dizer diante da insegurança que grassa por toda a parte? Como agir diante de promessas mirabolantes, reformas que não acontecem? O que pensar se prometem o céu, mas é o inferno que entregam?  Ir às ruas.  Dar um basta.  Essa é a hipótese do contraponto, que leva em conta o eco da tuba de ressonância da mídia.

Todas as camadas – com acesso à TV e ao rádio – veem a lama que escorre da arquitetura política. As marolas de insatisfação começam a deixar o centro do oceano social e a correr até as margens. Do Sudeste, com a força extraordinária de suas trombetas midiáticas e movimentos organizados, espraia-se uma onda avassaladora que faz expandir o PNBInf (Produto Nacional  Bruto da Infelicidade).

As conexões psicológicas formam o adubo para um jardim florescer no lamaçal. O sistema cognitivo capta o som das ruas, o grito de indignação, a vontade de dar uma resposta dura aos meliantes e assim por diante. De maneira lenta e gradual, cristaliza-se a convicção de que os desvios, a roubalheira, a infração a valores morais e princípios éticos nascem e se desenvol­vem na roça dos próprios autores das leis. Que eles, então, assumam suas responsabilidades. É assim que grupos e setores abrem o grito preso na garganta em sinal de protesto e indignação.

Da sensação de que os tonéis da corrupção estão locupletados,  o brasileiro extrai a argamassa para aumentar sua descrença nos governantes e nos representantes. É o que explica os 70% e avaliação negativa da presidente Dilma e a imagem no fundo do poço dos nossos políticos.

As negociatas desenvolvem um mecanismo de repulsa e a expressão crítica toma corpo, deixando seu verbo ácido nas redes sociais. As ondas de indignação se propagam. Forma-se, aqui, a composição química que deverá impor ao país uma nova paisagem, onde possamos contemplar uma flor vicejando em pleno pântano, com sua brancura, a simbolizar a assepsia, pureza, horizontes claros. 

Vislumbrar um futuro jardim nos lamaçais da política é ser exageradamente otimista? Alguns acham que sim. O saudoso advogado e jurista Saulo Ramos, em seu belo O Código da Vida, já inseriu este escriba no território dos “puros, poetas, idealistas”, desejando que tenha “razão”. Para ele, “o Brasil virou um país autófago.” Quem acena com a bandeira da esperança continua a acreditar na flor de lótus brotando na lama da política.  
Gaudêncio Torquato

América Latina: do prodígio ao perigo

A América Latina passou de uma época prodigiosa a um período perigoso. Entre 2004 e 2013, a região viveu um ciclo de extraordinário crescimento econômico e progresso social. Estes anos prodigiosos, lamentavelmente, deram lugar a uma etapa na qual correm o risco de perder muitos dos avanços alcançados nos anos de bonança.


O ano de 2015 é o quinto consecutivo no qual a taxa de crescimento econômico da América Latina é inferior à do ano precedente. E entre 2010 e 2015, as economias da região se expandiram apenas a 40% do ritmo em que cresceram entre 2003 e 2010.

Inevitavelmente, estes reveses econômicos e suas consequências sociais terão impactos importantes na política. Em alguns países, a deterioração econômica criará oportunidades bem-vindas para a troca de chefes de Estado e de grupos políticos que estão há mais de uma década no poder. Em outros, a má situação econômica nutrirá o conflito social, a paralisação governamental e uma perniciosa instabilidade que, ao mesmo tempo, proporá importantes incógnitas políticas. E muitas surpresas.

A situação na qual um período de grande apogeu econômico é seguido por uma súbita e dolorosa queda da economia não é uma experiência nova para a América Latina. Ao contrário, é um evento recorrente: estatisticamente, esta é a região mais volátil do mundo. Mas o atual episódio no qual um boom foi suplantado por um período de baixo ou nulo crescimento, desvalorização da moeda, mais desemprego, cortes nos gastos públicos e queda na receita das pessoas tem características novas.

Uma dessas novidades é que o apogeu foi mais pronunciado e teve um impacto mais amplo e benéfico sobre os mais pobres. Segundo José Juan Ruiz, economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o crescimento econômico relativamente alto ocorrido durante o período prodigioso se traduziu em mais avanços sociais do que no passado ou do que em outros países emergentes. Antes, o maior crescimento econômico ajudava a melhorar as condições dos que têm menos, mas nunca tanto quanto recentemente. Desta vez, os benefícios do crescimento se disseminaram muito mais. O resultado não só foi menor pobreza, mas algo sem precedentes: durante este período pela primeira vez foram registradas reduções significativas nos altos índices de desigualdade econômica da América Latina.

Os Governos utilizaram a bonança econômica gerada por um ambiente financeiro externo favorável e o aumento dos preços das exportações de matérias-primas e produtos agrícolas para aumentar os gastos sociais e torná-los mais eficientes. Segundo cálculos do BID, entre 2005 e 2012 o gasto público em políticas sociais aumentou a um ritmo que duplicava a taxa de crescimento econômico da região. O gasto social passou de 5% do tamanho da economia a 19%, um recorde histórico.

Graças a tudo isso, durante o período prodigioso a população em situação de pobreza caiu de 34% para 21% e se formou a classe média mais numerosa que já existiu na América Latina. Atualmente, um terço dos latino-americanos pertence à classe média (em 1990 eram 17%). Esta maravilhosa realidade também propõe grandes riscos: uma porcentagem desta nova, ampla, mas ainda economicamente precária classe média está em perigo de deixar de sê-lo. A má situação econômica pode empurrar milhões de latino-americanos a viver de novo em condições de pobreza.

Politicamente, isso é tão inédito quanto explosivo. A reação desta nova classe média, mais numerosa, empoderada, ativada, conectada e com maior capacidade de organização já está criando desafios enormes para os Governos, que devem responder a essa nova e mais difícil situação econômica.

As expectativas e aspirações destes novos membros da classe média são altas e revolucionárias.

Segundo as pesquisas do Latinobarômetro, 45% dos latino-americanos afirmam pertencer à classe média, o dobro dos que respondiam assim há 15 anos. Surpreendentemente, apenas 20% opinam que seu progresso econômico se deve à melhoria da economia do país. Cerca de 32% acreditam que se deva a seu esforço pessoal. Mas talvez o dado mais explosivo é que 50% dos latino-americanos acredita que a melhoria em suas condições de vida é permanente.

Tristemente, logo muitos descobrirão que o aumento em sua receita não é tão permanente nem irreversível como acreditavam. E que seu esforço pessoal não basta para manter as melhores condições de vida que alcançaram nos anos prodigiosos.

É por isso que a América Latina tem anos perigosos pela frente.

Governo 'perde' mais de R$ 150 bi com regimes especiais de tributação

Subsídios, "campeões nacionais", regimes especiais de tributação: nos últimos anos, o governo abusou dessas ferramentas de intervenção na economia. Usadas com o objetivo declarado de promover a atividade de certos setores, elas com frequência causam o efeito contrário, criando sérias distorções e desequilíbrios. A Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) precisou recorrer à Lei de Acesso à Informação para obter os dados sobre regimes especiais utilizados na importação desse tipo de produto. O levantamento inédito, ao qual o site de VEJA teve acesso, mostra que, entre 2011 e 2015, o governo abriu mão de pelo menos 150 bilhões de reais para importar os equipamentos agraciados com o benefício - sem que necessariamente fosse preciso trazer máquinas de foram, uma vez que em muitos casos era possível encontrar similares no Brasil.

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As importações feitas utilizando os regimes especiais de tributação somaram 410,1 bilhões de reais entre 2011 e 2013. Com o benefício, a renúncia fiscal foi de 83,1 bilhões de reais nesse período. Os dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação referem-se a esses três anos. Com base nos registros das importações feitas pelo país, a Abimaq estima que a renúncia fiscal foi de 33,9 bilhões em 2014 e chegará a 44,2 bilhões de reais em 2015 - o cálculo considera o câmbio médio para o ano de 3,06 reais. Na sexta-feira, o dólar fechou negociado por 3,94 reais.

No levantamento, foram identificados 49 diferentes regimes especiais de tributação. A maior parte deles é para máquinas e equipamentos utilizados pelo setor de óleo e gás. Somados os benefícios, o governo abriu mão de arrecadar entre 2011 e 2015 mais que o dobro do que faturam todas as empresas filiadas à Abimaq - o faturamento anual somado do setor é de 70 bilhões de reais.

Em tese, o regimes especiais abastecem a indústria brasileira com equipamentos e insumos que não são encontrados no mercado nacional. Assim, o governo abre mão de arrecadar com a importação para, na outra ponta, estimular a atividade industrial. Mas há controvérsias sobre os critérios adotados para decidir quem tem ou não direito à isenção de impostos. Segundo a Abimaq, 70% das importações feitas dentro dos regimes especiais para os setores de óleo e gás - que, por sua vez, respondem por dois terços de tudo o que é importado com o uso do benefício - têm equivalentes nacionais.

"O governo está abrindo mão de uma receita de que não precisaria abrir", diz Carlos Pastoriza, presidente da Abimaq. Essa constatação não deixa de ser irônica. Afinal, em tempos de ajuste fiscal, o governo conta os centavos para cobrir o buraco bilionário do orçamento previsto para 2016. O conjunto de medidas apresentado pelo governo - que inclui a reforma administrativa anunciada nesta sexta-feira e a controversa proposta de ressureição da CPMF, que está no Congresso - prevê um total de 66,2 bilhões de reais, entre cortes de custos e aumento de receita. "Essa receita já existe. Basta que se dê condições iguais de competição entre os fornecedores", afirma o dirigente.

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Perdidos no espaço

Em aventuras que misturam comédia e ficção científica, a tripulação da nave Brasília luta às cegas para encontrar o caminho de volta para casa e o poder eterno. O Professor Lula, sua companheira Dilma e seus pupilos Wagner, Mercadante e Renan são atacados pelo Doutor Eduardo Cunha, agente inimigo, que tem uma obsessão: sabotar a missão de Lula, Dilma, filhos e afilhados no planeta vermelho.


Cunha é tão desastrado e abilolado que embarca na mesma nave que a família. Não estava preparado para a revolta do robô humanoide, que escapa ao controle de todos e destrói o sistema de navegação da nave Brasília. Estão todos agora perdidos no espaço – mas com contas milionárias, em dólar, em alguma parte da Terra.

O seriado se passa no presente, já teve várias temporadas e se arrasta em capítulos inverossímeis, sob o comando do Professor, o grande timoneiro. A viagem começou com objetivos grandiosos e idealistas. A família embarcou com a missão de encontrar uma alternativa para a supercorrupção política no Planalto. Mas foram desmascarados. Só queriam salvar sua pele, mancomunados em objetivos a anos-luz do bem comum.

A primeira temporada, em preto e branco, tinha embasamento ideológico e apresentava o Doutor Cunha como um espião inimigo, que se revelou perigoso e imprevisível. Na segunda temporada, com ênfase na comédia, as aventuras tornam-se mais absurdas, recheadas de alienígenas birutas (não dá para citar todos aqui, o Congresso brasileiro é um dos maiores do mundo). E a série passa a ser em cores e ao vivo. Na temporada atual, os vilões se alternam no destaque. Não há previsão de fim. Todos podem ser destruídos, especialmente quem não embarcou na nave-mãe e está, hoje, na fila do seguro-desemprego, da escola ou do hospital.

Pressionada pelo Professor, Dilma age em favor de tripulantes que só querem saber de continuar a voar na primeira classe. A troca na poltrona premium da Educação é a mais grave. Sai o filósofo e professor universitário Renato Janine Ribeiro – aplaudido ao sentar ali há poucos meses – e entra quem? Aloizio Mercadante, o “quadro” de Dilma, um quadro desbotado, um economista que pouco fez pela Educação quando foi ministro da Pasta.

Em 2009, Mercadante afirmou, em discurso, que deixaria de ser líder do PT no Senado. Protestava contra o PT, por arquivar investigação da Comissão de Ética contra José Sarney. Após uma noite de conversa com o Professor Lula, voltou atrás. Tudo gogó. O “quadro Mercadante” pode ser pendurado em qualquer parede. Curioso é ele substituir Janine, que declarou ser “assustador” o nível da má alfabetização no Brasil. Mercadante é o terceiro ministro da Educação em dez meses. Leia de novo a última frase.

Outro expulso da nave foi o ministro da Saúde, Arthur Chioro, que cedeu seu assento ao PMDB (Partido Master da Dilma Bolada). O escolhido foi Marcelo Castro, do Piauí, cujo mérito na Saúde é ter como padrinho Leonardo Picciani, líder do PMDB na Câmara. O demitido, Chioro, teve, como Janine, seu momento de sincericídio dias antes. Afirmou que o SUS – Sistema Único de Saúde –, por falta de dinheiro, entrará em colapso em setembro de 2016.

Afinal, por que nos preocupamos com Educação e Saúde num país com tantos analfabetos e semianalfabetos, doentes desassistidos, hospitais em calamidade pública? Por quê? Se o grande timoneiro conseguiu colocar no comando da nave civil o baiano Jaques Wagner, para evitar pedaladas que derrubem a nave Brasília, não precisamos nos preocupar. Wagner sai do Ministério da Defesa para defender Dilma.

Ao menos, quem dá valor à Ciência e Tecnologia pode comemorar! Porque a poltrona, estratégica num país em desenvolvimento, será ocupada por um deputado pau-mandado do espião Cunha, Celso Pansera. Você conhece o Pansera. Lembra aquele episódio do seriado em que o doleiro delator Alberto Youssef acusa Pansera de ameaçar a ele e a sua família para obrigá-lo a calar a boca? Esse mesmo. Grande companheira Dilma.

Ela desperdiçou o esforço de cooptação, pois Cunha parece ter sido atingido pelas últimas denúncias. O “bastião da moralidade” da Câmara, que promove cultos evangélicos na nave Brasília, tem, segundo o Ministério Público da Suíça, US$ 5 milhões em contas bancárias no país europeu com a mulher, Cláudia Cruz, e uma das filhas. Em depoimento à CPI da Petrobras, em março, negou a conta.

O nariz das autoridades máximas no Brasil cresce na mesma proporção em que nosso queixo cai. De episódio em episódio, aumenta a sensação de que somos nós os perdidos no espaço e que o filme em exibição é um apanhado verídico de relatos selvagens. Em vez de rir ou chorar, é hora de agir e protestar.