segunda-feira, 27 de julho de 2015

Desastres artificiais

Aflições (Foto: Arquivo Google)

Quando se trata de explicar, a gente sempre tenta. Não devia, mas tenta. A tarefa, por ingrata, quase nunca esclarece. Confunde frequentemente. Frustra sempre. Mas o fato é que existe uma obsessão nacional em fornecer explicação que dê ordem ao caos e forneça razão onde a logica não aprece faz tempo.

Quando acometidos desta compulsão, os patrícios costumam ver na ausência de informação alheia à oportunidade de embelezar a realidade. Imediatamente, atribuem aos outros a causa da desinformação. Autocritica, só a favor.

Vendem o lado de lá do equador como terra alegre, bonita, onde se plantando tudo dá. Realçam as praias, a natureza, e a hospitalidade. Neste mundo dourado, não existe lugar para reconhecer poluição, destruição, pobreza ou desmatamento.

Em rasgos de entusiasmo retórico, nossos embaixadores do gogó promovem a combinação de verde e amarelo a condição de moda de indiscutível bom gosto. E dizem que não é verdade que ali nada funciona. O segredo, dizem eles, é entender que tudo ali funciona diferentemente.

Portanto, é o caso de suspender a aplicação de leis consideradas universais fora das fronteiras do antigo país do futebol. Carece aplicar novo conjunto de regras criadas especialmente para que tema terra das palmeiras, onde gorjeia o sabiá (de maneira única, diga-se).

Nesta bizarra (re) construção da realidade, sobra imaginação, transborda pretensão, e falta contato com o mundo concreto. Tudo, claro, somente é possível, com muita vontade de acreditar e, de preferencia, evitando a qualquer custo o próprio reflexo do espelho.

Entretanto, desatino é por definição coisa efêmera. Desmorona no primeiro choque com a realidade. E, ao desfilar orgulhosamente as virtudes do país tropical abençoado por Deus, inevitavelmente vem à mesa a ausência de desastres naturais. Ali, não existem. Furacões, tufões, terremotos, nevascas, tsunamis, vulcões são coisas para lugares menos favorecidos.

Deus, afinal de contas, é (ou deveria ser) brasileiro. Reservou-nos o privilegio de viver longe de desastres naturais. E nos condenou a sofrer permanentemente com desastres artificiais auto impostos. Nos fez os únicos culpados pelas nossas aflições.

A economia brasileira vai demorar até se reaquecer


A desesperança tomou conta dos trabalhadores e também dos empresários. Creio que algo saiu fora da curva. Provavelmente foi a política de investimentos pesados do Estado via BNDES, a juros subsidiados para os campeões nacionais, que gerou um déficit incontrolável da dívida pública. A crise de 2008 não é a única responsável por nossas agruras atuais. Os assuntos se completam uns ligados aos outros. Um fio condutor os une indelevelmente.

O escritor austríaco Stefan Zweig escreveu o livro “Brasil, o País do futuro”. Um estrangeiro acreditava no Brasil, como nós não iríamos acreditar? O momento vivido pela nação é preocupante em virtude do agravamento da crise econômica, com reflexos no desemprego, na inflação, no aumento da dívida pública e na falta de investimento.

A crise dos anos 80 é similar à de agora. O início das nossas agruras começa em 2008 e o ápice está ocorrendo em 2015. Como tudo está ligado a tudo, a crise dos países ricos detonada em 2008 pegou a nação agora, exatamente no estágio de recuperação dos EUA, onde começou a quebra do setor imobiliário, no distante 2008. Mas, a Europa ainda patina, inclusive a poderosa Alemanha. Nem se fala da Grécia, que se encontra na UTI. A China desacelerou brutalmente pegando o Brasil de surpresa, visto que era a maior compradora das commodities, principalmente os minérios do Brasil, notadamente o minério de ferro. As ações da Vale despencaram. A maior mineradora do Brasil está nas cercanias da crise.

Nem os próprios criadores, ministros Joaquim Levy e Nelson Barbosa, acreditam no ajuste fiscal, que provoca desesperança de empresários e trabalhadores. As famílias puxaram o freio de mão, agravando o quadro de recessão e desemprego crescente.

É chegada a hora do sacrifício. No entanto, todos deveriam participar, ricos e pobres, mas não é isso que está acontecendo. Se houvesse um esforço conjunto da sociedade, poderíamos sair da crise e voltar a experimentar um ciclo de crescimento mas rapidamente.

Do jeito que estamos, a curto prazo se torna quase impossível a economia sair do atoleiro em que se encontra. No mínimo, o esforço concentrado durará pelos próximos cinco anos. Vejam bem, a maior nação do globo enfrentou uma grave crise em 2008 e só agora em 2015 dá sinais de recuperação. Nesse sentido, falar em cinco anos para o Brasil sair da crise significa até uma dose de otimismo.

O bicho da demagogia

Agosto vem aí

O Senado, em Roma, decidiu dar nome aos doze meses em que o ano foi dividido. Para homenagear Julio César e Otávio Augusto, o sétimo e o oitavo mês são até hoje julho e agosto. O problema é que, naqueles idos, os bajuladores pareciam os mesmos de agora. Como o imperador era Tibério, ofereceram-lhe tornar-se patrono de um dos outros meses. Modesto, ele recusou maliciosamente: “O que fareis quando Roma chegar a ter treze imperadores?”

O episódio se conta às vésperas da chegada de agosto, para nós um mês azarado e pleno de surpresas. Getúlio Vargas suicidou-se, Jânio Quadros renunciou, Costa e Silva adoeceu. Dilma pretende recuperar-se, mas pode ser surpreendida por outra tragédia. No Congresso, cresce a tendência da rejeição de suas contas do ano passado, em especial se for essa a decisão do Tribunal de Contas da União. Nossa imperatriz estaria incursa em crime de responsabilidade e sujeita ao impeachment. Michel Temer assumiria, ainda que na dependência do Tribunal Superior Eleitoral, que se considerar ter havido dinheiro podre na campanha presidencial do PT, no ano passado, atingirá também o vice-presidente.


Como estamos na primeira metade do mandato, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, chefiaria provisoriamente o Executivo, dispondo de noventa dias para convocar eleições diretas. Isso caso o TSE e o Supremo Tribunal Federal não se inclinassem pela singular tese de convocar Aécio Neves, como segundo colocado nas eleições de 2014.

Em suma, abre-se a perspectiva de um agosto à altura dos anteriores referidos, em matéria de confusão.

Fernando Henrique não perde oportunidade de aparecer. Entrado nos oitenta anos, em vez de recolher-se para redigir suas memórias, continua dando palpite em tudo. Acaba de repetir não querer conversa com Dilma e Lula. Logo que publicada a versão deles desejarem encontrar-se com o antecessor para exame da crise atual, o sociólogo declarou ter nome e número no catálogo telefônico, não precisando de intermediários para acertar uma reunião. Quer dizer, aceitaria conversar. Como sua disposição pegou mal no ninho tucano, avançou para dizer que nada tem a ver com o governo e prefere saltar de banda. Agora, enfatiza de novo a recusa. Deveria ter presente que em política nenhum risco acompanha o silêncio.

Perdeu, príncipe

Chamou-se “O jogo da imitação” o filme sobre a vida do criptoanalista Alan Turing, que desvendou os códigos nazistas durante a Segunda Guerra. O esforço coletivo será menor para desvendar as anotações no iPhone de Marcelo Odebrecht. Elas revelam algumas indicações contundentes e inequívocas de corrupção. Mas trazem muitos enigmas que nos impelem a devendá-los, pelo menos para saber o que, realmente, aconteceu com o Brasil. E, é claro, extrair as consequências.

Marcelo Odebrecht foi intitulado o Príncipe dos Empreiteiros. Jovem, rico e bem educado, adotou a tática petista de negar, encarou com desdém a investigação. Na cadeia, tropeçou pela primeira vez, enviando um bilhete determinando a destruição de um e-mail sobre venda de sondas. Mas agora, com as mensagens em seu telefone, eu diria: perdeu, playboy, na linguagem plebleia, mas o adequado é: perdeu, Príncipe.
São evidentes, mesmo com as barreiras de códigos, as relações íntimas entre a Odebrecht e o governo. Cúmplice na Lava-Jato, pede um contato ágil com o grupo de crise do governo. Esperar um contato ágil do grupo do governo é sonho de executivo. De todas as maneiras, isso demonstrava como estavam juntos, na tarefa de escapar da polícia.

Recados como este a Edinho Silva, tesoureiro da campanha de Dilma: avisa a ela que pode aparecer a conta da Suíça. Não é preciso grandes decifradores para supor que a campanha do PT foi feita com dinheiro que veio da Suíça. Bem que desconfiei. Uma campanha tão bem educada: a grana vinha da Suíça. Esse tópico é tão interessante que quase todos fingiram não notar, como se não olhar para a bomba impedisse que exploda.

Odebrecht usou métodos de máfia, ao mobilizar dissidentes da Polícia Federal para melar a Lava-Jato. Tudo indica que foram esses dissidentes, numa outra ação, que colocaram uma escuta clandestina na cela de Alberto Youssef, na esperança de anular o processo. Está quase tudo lá no telefone de Marcelo. Amigos poderosos, propinas, orientação para artigos. Numa dessas, ele reclama que o foco da Lava-Jato está sobre os empreiteiros e é preciso deslocá-lo para os políticos. Mas a tática está dando certo. Políticos são mais experientes e escorregadios. O grande material contra eles virá precisamente das delações, de anotações como essas do iPhone.

Marcelo Odebrecht optou pelo silêncio. Mas deixou pistas pelo caminho. Como se dissesse; se querem me pegar, trabalhem um pouco com a cabeça. Ele terá que se explicar ao juiz Sérgio Moro. Mas se usar a tática do bilhete, destruir/desconstruir, vai se dar mal. É hora de contar tudo ou então assumir as consequências. Até plano de fuga, saída Noboa, estava previsto em suas mensagens. Noboa é um dirigente equatoriano que fugiu do país para a República Dominicana.

Chega de esconde-esconde. Isso vale também para Dilma e o PT. Em Portugal, abriram-se investigações sobre o negócio entre telefônicas no Brasil. Uma equipe peruana vem investigar no país o caso Odebrecht, pois suspeita que houve corrupção. Os americanos monitoram a Odebrecht. O Brasil virou uma grande cena do crime. Qualquer dia vão nos cercar com aquelas fitas pretas e amarelas e chamar os turistas para filmarem o PT, aliados e a Odebrecht, dizendo que não roubaram nada. Foi tudo dentro da lei. Só pela cara de pau mereciam uma punição extra.


Hoje, Dilma, Renan e Eduardo Cunha constituem um triângulo das Bermudas. Nele desaparece toda a esperança. Cunha agora é contra Dilma, Renan também. Há quem ache que é preciso poupá-los porque são contra Dilma. Mas hoje quase todo mundo é. Cunha está sendo acusado de levar US$ 5 milhões da Toyo Setal. Um dos indícios era o requerimento que a deputada Solange Gomes apresentou para pressionar os empresários. O requerimento foi produzido no computador de Cunha.

Fui deputado com os dois, Cunha e Solange. Um dia, ela veio com um jabuti para acrescentar numa medida provisória: isentar a indústria nuclear de alguns impostos. Fui perguntar o que era aquilo e ela não sabia responder. Percebi que era apenas uma assinatura de aluguel. Trabalhava em sintonia com Eduardo Cunha. Quando surgiu essa pista do requerimento de Solange, mesmo antes de descobrirem que veio do computador de Cunha, na solidão do quarto hotel, soltei o grito da torcida do Atlético Mineiro:

— Eu acredito!

As próximas semanas devem ser decisivas contra essas forças que ainda dominam o Brasil mas estão em contradição com ele. Ministros, deputados, presidentes e ex-presidente, todos farão o esforço final para escapar da enrascada. Dilma contra Cunha, Renan contra Dilma, Dilma contra Renan, eles podem dançar à vontade o balé dos enforcados. Lembram-me uma canção da infância, nascida nas rodas de capoeira: “A polícia vem, que vem brava, que não tem canoa cai n’água. Pau, pau, peroba, foi o pau que matou a cobra.” Pelo menos cantávamos, naquela época.

Hora de recomeçar.

Fernando Gabeira

Crise não é marola

Eu tenho insistido muito que a gente está num tempo em que é necessário democratizar a democracia exatamente por entender que ela está vivendo já uma espécie de estagnação.
(...) A gente vive uma crise civilizatória, uma crise onde cinco grandes crises, econômica, social, ambiental, politica e de valores, constituem uma única crise, que é uma crise civilizatória.
Marina Silva

América Latina nunca teve tantos jovens, mas não aproveita impulso


A população jovem da América Latina nunca tinha sido tão numerosa: 108 milhões de pessoas têm entre 15 e 24 anos. Era uma estatística previsível havia anos. Mas o futuro chegou à região e a oportunidade de aproveitar esse impulso demográfico como motor de desenvolvimento está lhe escapando das mãos. Enquanto o crescimento econômico da zona não passará de 1% este ano (quando entre 2000 e 2012 foi, em média, de 4% ao ano), os governos procuram, cada um por seu lado, alternativas para evitar a pobreza e a desigualdade entre os jovens. Diminuir a evasão escolar e incentivar o emprego digno são os objetivos prioritários das políticas públicas para essa população.

Na América Latina há trabalho para os jovens, mas boa parte desse emprego é precária. Economias incentivadas pelas atividades informais levaram a trabalhos mal remunerados e pouco protegidos. Embora a taxa de desemprego juvenil não seja alarmante, pois está em 14%, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o panorama da precariedade é patente. As estatísticas revelam que de cada 10 jovens com trabalho, 6 o desempenham sem as garantias de Seguro Social ou estabilidade para o futuro. A proliferação do trabalho informal abre uma brecha entre a população e prejudica o crescimento dos países.


O ingrediente-chave para obter qualidade no emprego é a educação. “Há uma relação direta entre o nível educacional e a probabilidade de conseguir um emprego bem remunerado”, explica Rafael de Hoyos, economista do Banco Mundial. Uma relação que alguns países latino-americanos começaram a ver com clareza. México e Chile, por exemplo, estão procurando alternativas com a reforma de seus sistemas educacionais, mas ainda se encontram em uma etapa incipiente do ajuste do modelo.

A OIT enfatiza que os jovens da região não alcançam um nível de educação médio ou superior. Apenas 35% prosseguem com seus estudos depois do ensino médio – e isso repercute em suas oportunidades para conseguir um emprego, principalmente de qualidade. Países como Argentina, Chile, Costa Rica e Cuba conseguiram ampliar sua cobertura educacional para aumentar as oportunidades de trabalho de sua juventude, mas outras nações, como Guatemala e Nicarágua, sofrem atrasos significativos.

As boas e as más intenções


Numa coisa Karl Marx estava certo: o capitalismo é um regime de exploração. Mas daí partiu para uma conclusão errada: só o trabalhador produz riqueza e o capitalista só explora. Não é verdade, e essa conclusão errada foi responsável pelo fracasso dos governos comunistas, que excluíram a iniciativa privada –ou seja, o empreendedor– e puseram em seu lugar meia dúzia de burocratas do partido, incapazes de gerir até mesmo uma quitanda.

É curioso que ninguém se tenha dado conta disso, a começar pelo próprio Marx, homem culto e de rara inteligência. Talvez a razão de tal equívoco tenha sido o caráter selvagem do capitalismo do século 19, que explorava os trabalhadores sem qualquer escrúpulo.

Marx via os capitalistas, portanto, como cruéis exploradores que não mereciam participar da sociedade igualitária do futuro, a qual, segundo ele, seria governada pela ditadura do proletariado. O que, aliás, nunca aconteceu nem podia acontecer, uma vez que, a começar por ele, quase todos os líderes revolucionários de esquerda eram de classe média.

Chego a pensar que tampouco a classe operária sonhada por Marx era revolucionária. O operário não só não tinha conhecimento dos problemas da sociedade como temia perder o emprego, uma vez que não lhe restaria outro meio de sobrevivência.

Ele era pobre, o irmão era pobre, o pai era pobre. Já o cara de classe média, se perdia o emprego, tinha o pai para socorrê-lo ou algum outro parente. Por isso o operário pensava duas vezes antes de se meter em encrenca.

Tanto isso é verdade que, em nenhum país desenvolvido, a revolução operária aconteceu. Nos Estados Unidos, que possuíam a maior classe operária do planeta, o partido comunista nunca teve qualquer importância.

A verdade é que, se sem o trabalhador não há produção, sem o empresário também não há. Neste momento, aqui mesmo no Brasil, há milhões de pessoas inventando agora pequenas empresas, médias empresas, grandes empresas, que vão promover o crescimento econômico do país, gerar empregos e riqueza.

Mas não é o empresário que, sozinho, vai pôr sua empresa para funcionar; precisa do trabalhador. O problema é que a riqueza produzida assim é mal dividida: o patrão fica com a parte do leão. Daí a desigualdade que caracteriza a sociedade capitalista e que, se já não é a mesma que no século 21, tampouco conseguiu eliminar a pobreza, mesmo em países desenvolvidos.

Está errado, mas também não estaria certo todo mundo ganhar a mesma coisa, uma vez que as pessoas têm capacidades diferentes. Nem todo mundo é Bill Gates ou Pelé ou Picasso. Tampouco tem sentido alguém ganhar milhões de dólares por hora enquanto outros mal ganham para sobreviver.

A conclusão a tirar de tudo isso, conforme penso, é que, se o regime capitalista tem a virtude de produzir riqueza, é uma riqueza desigualmente dividida. A conclusão inevitável é que devemos batalhar por uma divisão menos injusta possível.

Inteiramente justa, jamais o conseguiremos, porque, como se viu, a própria natureza é injusta, cria pessoas com capacidades desiguais. A justiça é, portanto, uma invenção humana e, por isso mesmo, depende das pessoas e das instituições para acontecer de fato.


Mas não é assim que pensam certos políticos que decidiram pôr, no lugar do marxismo extinto, um populismo dito de esquerda, que se vale da referida desigualdade social para ganhar o apoio dos mais pobres para chegar ao poder e pôr em prática programas assistencialistas, que não resolvem os problemas; pelo contrário, os agravam, como ocorre hoje na Venezuela, na Argentina e no Brasil.

Não há exagero, portanto, em apontar o caráter demagógico do populismo que, chegado ao governo, faz o contrário do que prometeu.

É possível até que, em alguns casos, acreditem, na sua visão equivocada, que têm a solução dos problemas, mas, na hora de enfrentá-los, veem que, nesse campo, milagres não acontecem. O resultado é o desastre, de que é exemplo o governo Dilma no Brasil.

Mas esse populismo está sendo desmistificado pela realidade dos fatos, como ocorreu agora mesmo na Grécia, onde o premiê Alexis Tsipras teve que fazer exatamente o contrário do que prometeu para chegar ao poder: submeteu-se às imposições dos credores.

Não estamos à altura

Difícil imaginar que João Goulart sofreria golpe militar, se seus apoiadores tivessem percebido e reconhecido os próprios erros e assegurado apoio e confiança na população. O golpe de 1964 foi consequência de forças diretamente golpistas autoritárias, mas também da omissão e incompetência dos democratas.

Tanto quanto as campanhas ideológicas dos golpistas, o golpe se apoiou no descontentamento popular com a inflação, o desemprego, a instabilidade por greves, as disputas internas na base de apoio; a incapacidade daqueles ao lado do presidente para perceber os erros cometidos; a euforia de que tudo estava bem e não havia o que temer, o mandato estava garantido e os militantes e sindicalistas prontos para uma guerra nas ruas em defesa da Constituição e do governo; e ainda a falta de percepção da força dos opositores, inclusive externa, no tempo da Guerra Fria. A causa de golpes também é a incapacidade dos governantes de reconhecerem a realidade.

Em 1964, o Brasil estava dividido entre esquerda e direita sem diálogo, cada lado com seus interesses econômicos e ideológicos acima do interesse maior do Brasil.

Cinquenta anos depois, atravessamos um momento parecido: com vantagens, fim da Guerra Fria e despolitização das forças armadas, e com desvantagens, raiva popular diante da corrupção e sentimento de traição pós-eleitoral, além de que o Fla-Flu partidário está menos preparado ideologicamente.

A disputa entre governo e oposição outra vez impede um entendimento político em favor do futuro do Brasil. Desta vez, felizmente, os golpistas são raros, mas também são raros os que percebem os prejuízos na interrupção do mandato da presidente e os que percebem os prejuízos que decorrerão da continuidade por mais três anos e meio do governo sem credibilidade, com uma equipe frágil politicamente e uma base dividida, unida por interesses menores por cargos.


Os próximos meses estão entre as consequências arriscadas da interrupção do mandato de um presidente (o segundo dos quatro eleitos diretamente depois da redemocratização) ou as consequências previsíveis da continuidade do atual governo. A única alternativa tranquilizadora para os próximos anos é uma concertação negociada dos democratas comprometidos com: estabilidade política e monetária, com crescimento econômico e com avanço social e respeito ecológico.

Ainda é tempo de evitar a tragédia e o desastre, mas esta ideia parece ingenuidade diante da nossa incapacidade como líderes nacionais. Neste momento, a culpa é de todos nós, por não estarmos à altura do desafio histórico do momento. E se não encontrarmos uma saída negociada, o povo na rua convocará por cima da Constituição uma eleição geral antecipada, com impeachment de todos.

Se não somos golpistas por ação, estamos golpistas por omissão, devido ao oportunismo ou à incompetência, perdidos e em disputas sem o sentimento de interesse nacional e de longo prazo.