domingo, 26 de julho de 2015

País tateia na escuridão


Um véu de incerteza teima em cobrir o espírito nacional, adensando as expectativas, aumentando as angústias e diminuindo a crença nas instituições políticas e sociais. Em quase todos os aspectos da vida nacional, impera a dúvida.

Não sabemos até onde irá essa Operação Lava Jato. Até quando o juiz Sérgio Moro continuará a dar as cartas? Até quando o STF fechará o imbróglio que envolve políticos? Ignoramos se as cartas do intrincado jogo de poder serão repartidas entre grupos que defendem o governo e se servirão para administrar as intempéries que assolam as roças da política.

Não sabemos o tamanho da enrascada que consome Estados e municípios. Estamos no início do caos, no meio da crise ou muito longe do fim do túnel? Ninguém sabe, mas todos se aventuram a garantir verdades nesse território que ama construir versões.

Ora, Dilma será afastada; ora, Lula movimentará seus exércitos para defendê-la; ora, os tucanos dizem não querer impeachment; ora, dizem ser a favor; ora, as contas do Governo serão desaprovadas pelo TCU e as contas de campanha, idem, pelo TSE. Nada certo.

Nas ruas, nos escritórios, praças e bares, emerge o país lúdico que ri da tragédia e se comove com a comédia. Comédia e tragédia, aqui, se fundem num amálgama que, frequentemente, traduz a falta de racionalidade do nosso povo tropical.

As redes sociais se locupletam com sátiras e piadas, algumas de extremo mau gosto. Mas há também graça. A improvisação, o gosto pela aventura, a alma criativa se expandem nesses tempos de recessão econômica.

A desconstrução de eixos administrativos montados por governos anteriores passa a integrar o exercício dos governantes que iniciaram sua jornada em janeiro deste ano. E assim cresce o Produto Nacional Bruto do Eterno Retorno. 




Os nossos homens públicos mais parecem dândis na escuridão. Não enxergam o profundo caos em que está afundada a imensa maioria da população brasileira.
Não são apenas as gritantes estatísticas de violência das metrópoles que assustam. Os assassinatos e assaltos (até de roubo de bicicletas) tornam-se eventos banais.

O desemprego ronda as famílias ( são mais de 8 milhões de desempregados) e deflagra ondas de medo, corroendo esperanças.

Os serviços públicos continuam a cair de qualidade. Morre-se de doença velha – dengue, por exemplo- em um atestado de volta ao passado.

A tristeza se estampa nas filas de pessoas que procuram emprego. As cenas do interior tórrido do Nordeste voltam com intensidade. Repete-se a cosmética de miséria incrustada em nossas mentes.

Para onde foram os bilhões dos desvios da roubalheira?

Quem consegue enxergar melhorias nas áreas da saúde, educação, saneamento básico, transportes urbanos, segurança pública?

Em alguns Estados, a penúria se instala. Os governos procuram ajustar suas contas. De 27, cerca de 20 estão perto do ajuste. Mas os cofres continuam pobres.

Nas ruas, as massas ruminam desconfianças, afastam-se das instituições e de seus representantes, afogam-se em mágoas, perdem-se em ilusões.

O Governo Federal deixou de ser a Tábua de Salvação para ser a Caixa de Pandora, cheia de surpresas; dos bons tempos de farta Bolsa Família, só lembranças. Da era do crédito fácil da era Lula, só velhos retratos.

A imagem da presidente Dilma afunda-se. Bate em 7% de aprovação.

Quando se espera que o governo defenda o rigor do pacote de ajustes, reduz a meta fiscal. Joaquim Levy, o próprio, que defende rigor nas contas, anuncia a desidratação de seu pacote com a redução da meta fiscal para 0,15% do PIB com abate de R$ 26,4 bilhões na receita.

A propósito, conseguirá Levy fazer passar pelo congresso o projeto de repatriação de recursos de brasileiros no exterior? De 500 bilhões, conseguira trazer 40?

A nova matriz econômica começa de maneira capenga. Onde foram parar as grandes obras do PAC? Caminham lentas. O PT gira tonto pelas ruas do Planalto, sem saber que rumo tomar.

Descalabros emergem todos os dias, ganhando espaços midiáticos, a partir das trombetas de Curitiba. O torto, o errado, o inusitado, o roubo, as negociatas que fariam inveja a Tio Patinhas já não mais comovem. De tão rotineiras, amortecem nosso espírito.

Sem perspectivas e sem crenças, o povo acaba banalizando a criminalidade. Que se expande. Um estado catatônico se instaura. Matar virou um ato de rotina. A morte é um evento que não mais comove.

A grandeza de uma Nação não é apenas a soma de suas riquezas materiais, o produto nacional bruto. É o conjunto de seus valores, o sentimento de pátria, a fé e a crença do povo, o sentido de família, o culto às tradições e aos costumes, o respeito aos velhos, o amor às crianças, o respeito às leis, a visão de liberdade, a chama cívica que faz correr nas veias dos cidadãos o orgulho pela terra onde nasceram.

A anulação de alguns desses elementos espirituais faz das Nações uma terra selvagem. O país tateia na escuridão.
Mapa do Brasil (Foto: Arquivo Google)

Um filme de terror a que ninguém quer assistir

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Uma das primeiras apostas de Hollywood para levar mais gente aos cinemas utilizou um truque psicológico extremamente simples: pavor. Há mais de um século, tal como antes na literatura, as pessoas eram atraídas pelo que deveriam abominar e, graças a esta contradição, surgiram os Frankensteins, os Dráculas, médicos loucos, fantasmas, almas do outro mundo, lobisomens, monstros importados do passado, do fundo do mar, do espaço, do futuro.

No Brasil, talvez por força da infantilização das grandes audiências – para as quais medo não tem charme –, um filme de horror chamou a atenção de um dos mais importantes jornais do mundo sem provocar grande frisson, apesar de nosso protagonismo na película.

“Recessão e suborno: a crescente podridão no Brasil” foi o título do editorial desta quinta-feira no secular Financial Times, o jornal cor-de-salmão que raramente pisa em falso quando dá opinião (sobre música, vinho, política ou macroeconomia) e, por isso, foi vendido no mesmo dia por mais de R$ 4 bilhões de reais aos japoneses da Nikkei. “Incompetência, arrogância e corrupção tiraram do Brasil seu encanto mágico (...) Não é de admirar que o país hoje seja comparado a um infindável filme de horror.”



Que o governo não reagisse ou reagisse no estilo inglês – glacialmente – era o esperado. Designado para responder, Jacques Wagner, ministro da Defesa, contestou com o argumento de veterano cinéfilo: “não é filme de horror, mas de superação”. A surpresa veio da repercussão – quase nenhuma. Por solidariedade e/ou despeito, nossa mídia enfiou a viola no saco e saiu de fininho. Para não ser denunciada como alarmista ou golpista, talvez por sentir-se absolutamente desamparada diante de uma crise tão disseminada e ameaçadora, a verdade é que a retórica e o racionalismo anglo-saxônico se impuseram aos floreios da prosa neolatina.

Ao associar de forma direta, impiedosa, o fenômeno macroeconômico da recessão à esfera criminal onde se encaixa o suborno, o jornal escancara a natureza da nossa desgraça. Para não deixar dúvidas quanto à gravidade do que está sendo investigado, adiciona dois penosos ingredientes raramente utilizados nas avaliações sobre o que aconteceu na Petrobras: incompetência e arrogância.

Para coroar o diagnóstico, o arrasador substantivo – podridão – que nos remete a Shakespeare e ao inconformado Hamlet, ao reconhecer que “há algo de podre no reino da Dinamarca”. Na injusta metáfora, o Bardo não se referia apenas ao casal regicida (mãe e padrasto de Hamlet), mas à sociedade desmoralizada, corrompida, desprovida de senso moral que permitiu a consumação e a ocultação do crime.

Entende-se por que o editorial não foi transcrito e traduzido na íntegra em nossa imprensa: por pudor e autoestima. Verdadeira bomba arrasa-quarteirão, espalha estilhaços, fere a todos que, mesmo de longe, percebem o enredo. O interminável filme de horror do qual somos personagens e espectadores, ao contrário do que apregoam os mestres no gênero, parece condenado ao insucesso. Ninguém faz questão de vê-lo, o desfecho ainda demora. Nossas plateias são impacientes, se resignam às longas e artificiosas telenovelas, mas quando se trata de crises exigem soluções imediatas, no atual mandato.

Brasil, um país pacífico?


Quem nunca ouviu que “o Brasil é um país pacífico”? Os que proferem tal afirmativa o fazem de boca cheia e com o peito estufado de orgulho. Há muitos anos o país não entra declaradamente em guerra, é fato, porém... Que me perdoem os orgulhosos e as crianças – poupadas da dura realidade pela inocência nata –, mas estão afirmando uma grande mentira. O nosso “pacífico” país ocupa o 11.º lugar no ranking de homicídios por países, desenvolvido pelo Instituto Igarapé. O dado foi publicado em maio deste ano e pautou matérias dos maiores veículos da imprensa nacional.

Somos um dos países mais violentos do mundo, e isso é reflexo de inúmeros fatores provenientes, em grande parte, da má administração pública. O resultado da vergonhosa colocação no ranking de homicídios (pior do que alguns países em guerra) pode ser visto no sistema prisional brasileiro. Amargando a marca de 607.700 presos, segundo estudo recente do Ministério da Justiça, o Brasil ocupa o 4.º lugar no ranking das maiores populações carcerárias do mundo.

Para completar o desastre, a ONG Anistia Internacional classificou o sistema prisional brasileiro da seguinte forma: (presídios com) “superlotação extrema, condições degradantes, e onde casos de tortura e violência continuam sendo endêmicos”. Não bastasse isso, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 2, a redução da maioridade penal. De acordo com levantamento realizado pelo site de notícias G1, a medida, se sancionada, pode aumentar em 32 mil o número de presos no país. 

Outra constatação preocupante é o crescimento da população carcerária: 74% em cinco anos. De todo esse universo, vale ressaltar, apenas 12% das penas são oriundas de crimes contra a vida.



Diante das estatísticas e constatações, é simples compreender por que figuramos entre os países mais violentos do mundo. Além de punir, as penas têm por finalidade ressocializar o indivíduo. Quem acompanhou o desenrolar dos acontecimentos no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão, entre 2013 e 2014 não precisa de muitas explicações para entender o quão assertiva é a afirmação da Anistia Internacional e que o nosso sistema prisional é, na verdade, um macabro depósito humano.

Essa situação, além dos irreparáveis danos humanos, traz danos financeiros e estruturais à sociedade brasileira. Um preso custa, em média, R$ 1,5 mil mensais aos cofres públicos. Nas prisões federais o valor é mais que dobrado: R$ 3.447 por preso ao mês. Ou seja, o Brasil gasta mais para manter um detento do que um aluno na educação pública. O que podemos esperar? Aquilo que está posto, um crescente desproporcional na população carcerária, com custos altos e resultados negativos.

Uma administração pública de qualidade deve usar os recursos do Estado de forma coerente, sempre visando bons resultados com o emprego do mínimo de recursos possível. No que tange à questão prisional do país, é óbvio que os recursos estão sendo mal empregados. As cadeias são uma extensão dos QGs do crime organizado, quase todas são controladas por facções como o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC). O Estado acaba por sustentar o organismo criminoso do país.


Isso tudo pode ser evitado, basta planejamento estratégico, foco e ação ordenada. A maior parte das penas no Brasil é paga com restrição da liberdade, com cadeia. Para diminuir a população carcerária, uma excelente medida seria a adoção de penas alternativas para crimes mais brandos, a exemplo do não pagamento das pensões alimentícias. Atualmente, um pai que deixa de pagar pensão é preso junto com homicidas e latrocidas. Ele gera o mesmo custo que outro preso e, pior, passa a conviver com o universo do crime. Dois prejuízos de uma só vez.

Além de rever as penas para crimes de menor gravidade, é importante transformar os presídios em um ambiente efetivamente de ressocialização, com estudo e trabalho obrigatórios a todos os detentos. Dessa forma, eles reduziriam os custos da sua manutenção de acordo com o que produzissem, e poderiam retornar à sociedade com uma profissão.

Quanto à redução da maioridade penal, o calculo é muito simples: o governo assumirá o aumento dos gastos com um sistema prisional qualitativamente falido, em lugar de investir na educação – onde um aluno sai mais barato que um preso. Claramente uma atitude dispendiosa que, no longo prazo, além de inflar ainda mais as cadeias, tem potencial para aumentar o crime organizado, aumentar a insegurança no país e gerar outros gastos em reflexo do aumento da criminalidade.


Sabendo dos prejuízos, por que não executar uma ação frutífera para o país? Um gestor profissional e responsável tem capacidade e conhecimento para mudar esse quadro: reduzindo a população carcerária, os custos, investindo em medidas preventivas à criminalidade como educação – que já mostrou resultados assustadoramente positivos em outros países – e, sobretudo, fazendo das penas algo produtivo para a sociedade, com detentos realizando serviços para o governo em variados ofícios. Por fim, veríamos um país mais próspero, funcional e, efetivamente, menos violento.

Também cansamos de mentiras e safadezas, Lula

Embora seja um mito em decadência, figura em franca queda de popularidade e prestes a ajustar contas com o judiciário, o ator (ou humorista de trago-tragi-comédias) Luiz Inácio Lula da Silva faz de tudo para manter a eterna pose de sindicalista de resultados. Na sexta (24), na posse da direção do Sindicato dos Bancários do ABC, Lula deixou baixar o caboclo $talinácio e comprovou que continua em excelente forma, no esporte de malhação da mídia, desta vez atirando de forma genérica, sem citar os veículos de comunicação inimigos. Lula agora posa de perseguido e sai em defesa da Dilma - cabra marcada para cair e derrubá-lo junto:


"Eu quero dizer para vocês que eu estou cansado de mentiras e safadezas. Eu estou cansado de agressões à primeira mulher que governa esse país. Eu estou cansado de ver o tipo de perseguição e o tipo de criminalização que tentam fazer às esquerdas nesse país. Eu tenho a impressão que muitas vezes a gente vê na televisão, parece os nazistas criminalizando os judeus, os romanos criminalizando os cristãos, os fascistas criminalizando o povo italiano. Parece tantas outras perseguições que a gente já viu".

Lula tentou fazer uma leitura do imaginário popular oposicionista - que tanto o incomoda: "Cada vez mais as coisas pioram para nós, jogamos a culpa no governo. É mais fácil. A gente tem que encontrar alguém para jogar a culpa. Eu quero dizer para todas as pessoas que estão descrentes, que acham que o mundo vai acabar, que está vivendo uma crise, que não há um momento na história desse país que não tivemos uma crise. Neste pais não há razão para ter medo do futuro porque tem uma mulher da maior dignidade governando esse país. Não tem pessoa com o caráter mais forte do que a Dilma. Ela está sendo vítima de uma conjuntura que está prejudicando chineses, alemães, americanos (...)".

$talinácio também deu uma de economista: "A inflação está alta agora, está assustando muita gente, mas está 9% e com perspectiva de cair porque a Dilma tem obsessão de não permitir que a inflação ultrapasse esse limite, que chegou a 9% ao ano e não a 80% ao mês. Lembrando que quando eu peguei esse pais, a inflação estava 12,5% ao ano e o desemprego estava 12%. Quem estiver apostando no fracasso do país, vai quebrar a cara porque esse país é muito grande e tem um grande poder de reação".
Os-Silva-e-Segio-Moro

Lula acertou em pelo menos dois pontos de seus 20 minutos de discurso demagógico para sindicalistas e puxa-sacos. Primeiro, que não é só ele quem está cansado de tantas mentiras e safadezas. Segundo, que o Brasil tem um gigantesco poder de reação, embora nossa Elite Moral pareça viver deitada em berço esplêndido, ao som do mar e à luz do céu profundo. A maioria esclarecida do povo brasileiro rejeita as bobagens proclamadas pelo acuado $talinácio, cada vez mais próximo do juízo final político. As colaborações premiadas nos processos da Lava Jato - que revelam os subterrâneos onde Lula usava e abusava de sua influência para promover lucrativos negócios - se transformaram no "calcanhar de Lula". Aquiles acaba de ser deposto de sua fraqueza historicamente famosa.

A vaca já tossiu e vai para o brejo com a crise política e econômica. O Boi (aquele sindicalista que dedurava inimigos para o delegado Romeu Tuma, nos tempos da dita-dura) está indo atrás. Por isso, o Presidentro nunca esteve tão furioso quanto àquela Lula gigante assassina que ficou famosa no Youtube, desde agosto de 2010, ao atacar um robô submarino da Petrobras. Nunca foi tão justa e perfeita uma metáfora da natureza (um bicho que se julga poderoso contra uma empresa). Ainda mais que agosto está chegando, para desgosto de muito político que deixa a nação brasileira pt da vida...

A profecia de Dilma


Crise é crise e não adianta chorar pitangas depois que ela eclode. Sabe-se que é preciso achar saídas, por mais dolorosas que elas sejam. Sabe-se também em quais ombros recai a fatura, já materializada nas contas de luz, nos preços dos alimentos, do transporte, dos bens e serviços, no emprego que vai embora.

Nada disso parece comover a presidente Dilma Rousseff.

Ela resiste a cortar gastos no custeio do governo e os dela própria. Em sua recente viagem a Nova York desembolsou U$ 22 mil do contribuinte para hospedar-se por duas noites na suíte Tiffany do Hotel St. Regis, aposentos com 158 m². Mais de R$ 40 mil cada pernoite. Um acinte.



Com luxos dessa ordem, Dilma escancara seu completo descaso aos que estão pagando a conta da crise sem precedentes em que ela meteu o país. E amplia sua rejeição. Continua sem aprender que política se faz com gestos – para os quais ela definitivamente não tem qualquer habilidade - e símbolos.

Erra ainda mais como governante. Não reduz em um milímetro a máquina gigantesca. Não corta um cargo sequer. Gasta muito mais do que arrecada. E gasta mal.

Mas há de se fazer justiça. Nessa seara os erros do governo começaram muito antes.

Antecessor e padrinho de Dilma, o ex Lula dirigiu o país em época de fartura. Desperdiçou dinheiro em caprichos milionários, a exemplo da refinaria Abreu e Lima (PE), em parceria com o bolivariano Hugo Chávez, que lhe deu o cano. Ou ainda no lançamento de foguetes com a Ucrânia, acordo que será desfeito 12 anos depois de lançar pelos ares R$ 500 milhões do Tesouro.

Na Copa do Mundo da Fifa, Lula foi imbatível. Sob a sua batuta, o Brasil iniciou a construção ou reforma de 12 estádios. Custaram R$ 8 bilhões, 285% acima dos R$ 2,8 bilhões fixados em 2007. Quase o montante total do esforço fiscal que o governo estabeleceu agora ao reduzir sua meta para 2015.

De acordo com o Tribunal de Contas da União, a Copa custou R$ 25,5 bilhões. Apenas R$ 7 bilhões foram investidos em mobilidade, e das 26 obras previstas em aeroportos, só 14 foram concluídas.

Embora o país tenha pelo menos 25 empreiteiras de grande porte, de acordo com o faturamento publicado na revista O Empreiteiro, as 10 denunciadas pela Lava-Jato aparecem em todas essas obras e, na maior parte das vezes, com generosos financiamentos do BNDES, que também assegurou a elas expansões na América do Sul. Sempre com o aval de Lula.

A partilha entre o cartel de empreiteiras companheiras pode ter garantindo obras da Copa para todas, mas no caso do Centro de Lançamento de Alcântara, de onde sairiam os foguetes ucranianos, o contrato do consórcio Odebrecht-Camargo Correa foi direto, sem licitação.

Não há receita mais perversa para um país do que um governo tarimbado em incompetência, malversação, roubalheira e incúria. Que gasta a rodo sem ter receita. Que, quando não patrocina, estimula ou faz vistas grossas à corrupção.

Dilma jamais imaginaria que as palavras ditas em 2013, na inauguração da Arena Fonte Nova, em Salvador, seriam proféticas: "Somos um país conhecido como sendo insuperável no campo, mas nós estamos mostrando que somos insuperáveis também fora de campo”.

Na Copa, o seleção brasileira terminou eliminada pela Alemanha por vexamosos 7 x 1. Extra-campo, os resultados são ainda piores.

Meditação sobre os poderes

Rubricavam os decretos, as folhas tristes 

sobre a mesa dos seus poderes efémeros.
Queriam ser reis, czares, tantas coisas,
e rodeavam-se de pequenos corvos,
palradores e reverentes, dos que repetem:
és grande, ninguém te iguala, ninguém.
Repartiam entre si os tesouros e as dádivas,
murmurando forjadas confidências,
não amando ninguém, nada respeitando.
Encantavam-se com o eco liquefeito
das suas vozes comandando, decretando.
Banqueteavam-se com a pequenez
de tudo quanto julgavam ser grande,
com os quadros, com o fulgor novo-rico
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte
e mostrava-lhes como tudo é fugaz
quando, humanamente, se está de passagem,
corpo em trânsito para lado nenhum.
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria
dos seus títulos afundados na terra lamacenta. 

José Jorge Letria

Desesperança nas cidades

Pesquisas recentes feitas por administrações municipais, mas não divulgadas por motivos óbvios, mostram que a popularidade dos prefeitos da região metropolitana e de cidade mais povoadas de Minas está muito baixa, no limite do “volume morto”.

A maioria dessas populações, excetuando a capital, considera o prefeito alguém ruim ou péssimo. O resultado apenas corrobora a pesquisa CNT/MDA da última semana, que expõe o descrédito total dos brasileiros com relação a suas instituições e seus políticos.
Porém, no caso dos prefeitos, a situação é bem mais crítica, pois, daqui a um ano, eles já estarão novamente colocando os nomes para as disputas eleitorais.

Se fosse hoje, eles não conseguiriam se reeleger. O mais grave é que os seus opositores diretos também estão pessimamente avaliados. Como se não houvesse mal que não pudesse piorar, o resultado disso é um espaço ainda maior para aventureiros e pessoas com menos capacidade de administração.

O motivo dessa lástima é, assim como no plano nacional, a ausência de lideranças capazes de resgatar a confiança de sua gente e de apresentar alternativas plausíveis ao estado caótico em que as cidades estão mergulhadas.

Claro, a crise gera menos arrecadação e, com ela, menos dinheiro para arcar com necessidades elementares, como saúde, desenvolvimento social e educação, mas o péssimo desempenho desses Poderes Executivos não pode ser atribuído exclusivamente ao momento econômico que vem sendo amargado pelo país.

As desaprovações municipais têm muito mais a ver com a baixa qualidade dos gestores. Ainda agarrados a uma política do empreguismo e da procrastinação, os prefeitos simplesmente não tomam decisões de fato relevantes. Eles fingem que administram, pois muitos deles são incapazes até de faturar importantes receitas, como o IPTU, por exemplo. Segundo equivocadamente imaginam, a medida os explodiria. Não percebem que a inércia com que lidam está arruinando as parcas estruturas sociais que ainda resistem.

Basta saber que algumas dessas cidades possuem mais de 12 mil servidores públicos, sendo quase um terço disso de livre nomeação, que são incapazes de prestar serviços razoáveis para seu povo. São centenas de milhões gastos todos os anos com uma folha de pagamento ineficiente.

O futuro das cidades, com este Brasil incerto e com prefeitos tão parcimoniosos e sem criatividade, preocupados em manter bobos da corte que os elogiem, é de escuridão. Só podemos esperar mais mendicância, a perpetuação de uma cultura da preguiça e o aumento do desinteresse de cidadãos pela metade, destituídos de motivação para acreditar em algo melhor em um futuro que tem a mesma cara de hoje.

Canis et circensis

O mundo híbrido de sentimentos e tecnologias é capaz de promover algumas crueldades jamais imaginadas. Um exemplo recente está na Sony, que ao descontinuar o suporte e manutenção de sua linha de robôs caninos AIBO, condena à morte certa os cerca de 150 000 beagles que vendeu entre 1999 e 2005. Diferente dos animaizinhos que supostamente teriam sofrido maus tratos no Instituto Royal de São Roque, o fim da vida desses cãezinhos digitais será tão indolor quanto a "morte" de qualquer outro dispositivo eletrônico.

O mesmo, no entanto, não poderá ser dito de seus pobres donos. Muitos deles, especialmente os mais velhos, desenvolveram com seus mascotes eletrônicos uma relação mais intensa do que normalmente se dá com traquitanas computadorizadas. Para alguns, suas máquinas ganharam vida própria.

É fácil julgar esses usuários. Um robô é mais cômodo e conveniente do que um animalzinho, da mesma forma que um cão ou gato é mais cômodo e conveniente do que uma criança. A realidade, no entanto, é mais complicada e sutil. Por demandarem um longo período de treinamento e adaptação, os bonecos, como os mascotes vivos, criam em seus donos uma forma de dependência psicológica. Por mais que as necessidades e demandas de um aparelho digital sejam construídas, a relação emocional entre pessoas e objetos é mais comum do que se imagina. Ela se dá nos telefones que são customizados com capinhas, protetores de tela e diversos aplicativos e configurações, dando a seus usuários um trabalho que uma TV, uma máquina de lavar ou um liquidificador jamais ousariam.

É uma relação delicada. Quando dá certo, ela oferece a seus donos um ombro amigo, mesmo que artificial, para que frustrações com relação a um mundo exterior cada vez mais frio e competitivo sejam desabafadas. Em sociedades extremamente agressivas, como as do Japão e de Cingapura, em que mostrar qualquer fragilidade (em casos mais extremos, até procurar ajuda psicológica) é considerado sinônimo de fraqueza, esses tamagotchis - vivos ou não - são válvulas de escape possíveis. O mesmo se dá para os espaços sociais agressivos e isolados em que um número cada vez maior de jovens é obrigado a viver, abandonados pelos pais e oprimidos pelo grupo.

AIBO é mais do que um brinquedo. Como várias "loucuras" que mal deixaram o Japão, o cãozinho é pouco conhecido no Ocidente. Acrônimo para Robô de Inteligência Artificial e homônimo para "amigo" ou "parceiro" em japonês, os últimos Aibos eram capazes de falar mais de mil palavras, compreender mais de cem e se exprimir em mais de 60 estados emocionais. Os mais empáticos podiam ver o mundo de seu ponto de vista através de uma câmara embutida na cabeça do cãozinho.

É fácil dizer que um robô não é um ser vivo, mas o que identifica a "vida" em uma relação afetiva? Cães são vivos, mas não compreendem. Robôs não são vivos, mas estão cada vez mais próximos de uma simulação bastante razoável de compreensão. Como previu o Teste de Turing, a máquina não precisa pensar, desde que aparente fazê-lo.

Já faz um tempo que os gêneros fantásticos da literatura lidam com essa dialética existencial. Em 1982, os androides de Blade Runner se comportavam como humanos, se sentiam vivos e se revoltavam com o fato de serem temporários. Em Toy Story, o astronauta Buzz Lightyear tem de aprender a notícia deprimente de que, em vez do indivíduo livre e autêntico que acredita ser, ele não passa de um boneco, vendido em grandes quantidades em lojas, idêntico a milhares de outros, banal e com discurso previsível.

Nos planos da Sony, o cãozinho deveria se transformar em uma nova plataforma, como o PlayStation. Mas os primeiros modelos eram limitados, e como aconteceu com o Orkut para o Google, o AIBO nunca passou de um projeto paralelo para a empresa, acostumada a vender produtos às dezenas de milhões, não centenas de milhares. Na virada do século, quando a gigante japonesa entrou em crise, o projeto foi encerrado. A assistência técnica durou mais uma década. Mas o aparelho é muito mais complicado do que um jipe ou fusca, por isso as peças começaram a rarear e as oficinas fecharam. Sobrou para mecânicos informais que canibalizam partes funcionais de alguns para consertar outros.

Tem coisas do Japão que parecem Ficção Científica. Para a religião Xintoísta, muito popular no país, tudo está interligado. Suas divindades, os "Kami", podem ser definidos como espíritos ou essências presentes em cada objeto. Partes de um todo indivisível, eles estão integrados à essência humana em uma grande rede complexa. É misticismo, mas está cada vez mais próximo do futuro. Mesmo que seja uma versão de futuro em que não se imagine viver.