quarta-feira, 22 de julho de 2015

A casa de Noca

O título da coluna de hoje é também o título de uma música que fala da confusão que se instalou na casa de Noca: “todo mundo brincando no forró animado/ quando um cabra armado entrou com Zé minhoca/ na casa de Noca baixando o cajado/ e o pau comeu...”. A música é conhecida e tocada nos forrós do interior, em recintos de chão de terra batida e música de sanfona pé de bode, de oito baixos, nos quais, ao raiar do sol, o pau começa a comer...

Um desses dias, no frio da madrugada, desrebuçado acordei para puxar a coberta e escutei com fundo musical, já que durmo com o rádio ligado, uma notícia que dizia da abertura de investigação pela Procuradoria da República do Distrito Federal sobre o envolvimento do ex-Luiz com suposto tráfego de influência internacional no Brasil, coisa que todo mundo está cansado de saber. Despertado, pensei: Ô lelê! Acharam a ponta do novelo, agora é só desenrolar o carretel e botar a mão no lobista chefe das empreiteiras junto ao BNDES. Aqui está o x da questão.

Não sei dos outros, mas eu sempre tive dificuldades de entender as coisas fáceis demais, como imaginar um país sobrevivendo com um partido como o PT, ditando normas de conduta; com uma presidenta – ou o que seja –, inteiramente avoada, falando palavrões e elogiando mandiocas e, por último, falando de processos tecnológicos como seja a conquista do fogo... Um presidente do Congresso Nacional processado por corrupção, um presidente da Câmara Federal esperneando para provar que não é corrupto (e eu, torcendo para o cara não ser, mesmo sabendo que “andorinha que dorme com morcego voa de cabeça para baixo”); um ex-presidente analfabeto, mas esperto que nem pulga de pensão, que arrota garganta e diz que ninguém o derrubará, como se ele estivesse em algum lugar nas alturas; 39 ministérios e seus ministros, mais de 700 congressistas, dos quais um terço está sendo processado ou sob suspeita; embaixadas espalhadas pelo mundo, em lugares que até Deus duvida que existam, como Barein, Butão, Djibuti, Tuvalu, Vanatu etc.

O ex-Luiz andou por esse mundo todo, à nossa custa, atrás de votos para ser membro efetivo da ONU, e procurando um tal de Prêmio Nobel da Paz... Às vezes, isso me lembra Nerino, um coitado doido que vivia em União do Vigia, hoje o próspero município de Rubim, onde passei minha primeira infância, no caleidoscópico Vale do Jequitinhonha. O Nerino sungava a calça com a mão no bolso e dizia sempre que encontrava alguém: “não vai lá não lá adiante tem ladeira...”


As ladeiras existem e existirão sempre. Resta-nos a nós, cidadãos que pagamos impostos, a certeza de que viver em sociedade é ter compromissos de fraternidade e solidariedade com nossos coirmãos, para que, ao final, essa vida tenha outro sentido que não seja somente a ganância do ter e essa desonestidade com que estamos convivendo no Brasil, que não é nem poderá existir como a tolerância da casa de Noca.

Velhos hábitos demoram para morrer

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Para a ponta de cima da pirâmide a nossa desordem regulatória, o pandemônio tributário e a ratoeira trabalhista foram, aos poucos, se transformando em sólidas barreiras de “proteção do know-how nacional” contra concorrentes incômodos. Os nossos “grandes tycoons” dos setores mais competitivos da economia globalizada com costas quentes no BNDES – que são o pouco que sobrevive da indústria nacional – passaram a adorar esse nosso labirinto. Esses “excepcionalismos” corporativo-burocráticos que matam as empresas, os negócios e os empregos da massa ignara dos “sem-bancada no Congresso” aqui da planície, condenados a competir de peito aberto com as chinas da vida, transformam os mega-empresários do nosso “capitalismo de compadrio” nos “intérpretes” que qualquer estrangeiro treinado apenas na competência, na lógica do mercado e no bom senso precisa obrigatoriamente ter para poder operar direta ou indiretamente no ou com este Brasil onde não valem as leis universais.

Em entrevista gostando da Dilma para a Folha de S. Paulo de 6 de julho passado, Rubens Ometto, da Cosan, dizia isso com todas as letras:“Somos brasileiros, fazemos a diferença porque sabemos como proceder, lutamos pelos nossos direitos politica e economicamente (…) para defender minhas empresas no Executivo e no Legislativo (sic). Claro que não se pode fazer certas coisas que acontecem por ai (especialmente nesses tempos de Lava-Jato) mas eles (os estrangeiros) precisam de alguém que more no Brasil“…

Logo abaixo dessa pontinha da pirâmide comem soltos os cínicos da especulação, para quem para cima ou para baixo pouco importa, o que interessa é o tamanho das oscilações, e se empanturram os banqueiros que recolhem os mortos e feridos e, a peso de ouro, costuram novos frankensteins para o mundo dos mortos-vivos do empreendedorismo brasileiro enquanto nos sugam pela interposta pessoa do estado estroina a quem não interessa o tamanho do juro a ser pago, tudo que é necessário é que o dinheiro não pare de fluir.

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Já para a grande massa descrente dos da base da pirâmide, aceitar a velha e surrada isca corporativista de sempre quando a conta chega e a miséria aperta parece, ao fim de cinco séculos sem mudanças, a única maneira realista de salvar-se quem puder salvar-se da parte que for possível do sacrifício a ser imposto aos demais, ainda que a custa de ficar devendo à máfia.

Entre o suborno do “direito especial” a não pagar inteira a sua parte da conta oferecido pelo político de plantão e a sangria sistemática dos empregadores cabalada pelos advogados “trabalhóstas” que dividem o produto do roubo para assaltar quem foi louco bastante para oferecer empregos no país que Getúlio Vargas condenou à danação eterna com seu apelo sibilino – “Seja canalha que a Justiça do Trabalho garante” – muito pouca coisa da moral e do orgulho nacionais restam em pé.

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É de cima desses escombros que Lula apela pelo pior em cada um de nós, com o seu deletério: “Eu sou; mas quem não é”?

São estes – fora a multidão dos dispensados da corrida do merecimento que o PT multiplicou em metástese em cada célula do estado, habitantes daquele mundo encantado do Planalto Central onde as marés são eternamente montantes, os salários sobem 78% em plena crise e os empregos nunca desaparecem – os interessados em que nada mude nesse brasilzão de sempre.

Aviso

A cabeça dos oligarcas

No dia 11 de setembro de 2001, o vigarista Bernard Madoff achou que suas fraudes não seriam descobertas

Marcelo Odebrecht está preso e foi indiciado pela Polícia Federal. Em sua cela no Paraná mantém um diário do cárcere. Os barões da Camargo Corrêa foram condenados e na oligarquia política fabrica-se uma crise institucional. Houvesse ou não uma Lava-Jato, a desarticulação do Planalto envenenaria as relações com o Congresso. Ademais, essa crise tem um aspecto inédito. De um lado, estão servidores a respeito dos quais não há um fiapo de restrição moral ou mesmo política. São os magistrados e os procuradores. Do outro lado está o outro lado, para dizer pouco. Nunca aconteceu isso na vida pública brasileira.

O presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, estaria retaliando o governo ao permitir a criação de uma CPI para investigar os empréstimos dos BNDES. Há uma armadilha nessa afirmação. Ela pressupõe uma briga de quadrilhas, com Cunha de um lado e o Planalto do outro. Ou há esqueletos no BNDES ou não os há. Se os há, a CPI, bem-vinda, já deveria ter sido criada há muito tempo. Se não os há, nada haverá.


A verdadeira crise institucional está nas pressões que vêm sendo feitas sobre o Judiciário. Quem conhece esse mundo garante que nunca se viu coisa igual. Se as pressões forem bem sucedidas, avacalha-se o jogo. Cada movimento que emissários do governo fazem para azeitar habeas-corpus de empresários encarcerados fortalece a ideia de que há um conluio entre suspeitos presos e autoridades soltas. Ele já prevaleceu, quando triturou-se a Operação Castelo de Areia.

Em 2009 a Camargo Corrêa foi apanhada numa versão menor da Lava-Jato. Dois anos depois ela foi sedada pelo Superior Tribunal de Justiça e, há meses, sepultada pelo Supremo Tribunal Federal. Agora o ex-presidente da empresa e seu vice foram condenados (com tornozeleira) a 15 anos de prisão. O ex-presidente do conselho de administração levou nove. Desta vez a Viúva foi socorrida por dois fatores. O efeito Papuda, resultante da ida de maganos e hierarcas para a cadeia, deu vida ao mecanismo da colaboração de delinquentes em busca de penas menores. Antes, existiam acusações, agora há confissões. Já são 17. A Castelo de Areia não foi uma maravilha técnica, mas a sua destruição será um assunto a respeito do qual juízes não gostarão de falar.

Quem joga com as pretas tentando fechar o registro da Lava-Jato sabe que a Polícia Federal e o Ministério Público estão vários lances à frente das pressões. Da mesma forma, quem se meteu nas petrorroubalheiras sabe que suas pegadas deixaram rastro. Curitiba dribla como Neymar. Quando baixa uma carta, já sabe o próximo passo.


Afora os amigos que fazem advocacia auricular junto a magistrados, resta a ideia da fabricação da crise institucional. Ela seria tão grande que a Lava-Jato passaria a um segundo plano. É velha e ruim. Veja-se por exemplo o que aconteceu ao vigarista americano Bernard Madoff: na manhã de 11 de setembro de 2001 ele sabia que seu esquema de investimentos fraudulentos estava podre. (Era um negócio de US$ 65 bilhões.) Quando dois aviões explodiram nas torres gêmeas de Nova York e elas desabaram, matando três mil pessoas, ele pensou: “Ali poderia estar a saída. Eu queria que o mundo acabasse".

Madoff contou isso na penitenciária onde, aos 77 anos, cumpre uma pena de 150 anos.

Elio Gaspari 

Século XXI


Falam de tudo como se a razão
lhes ensinasse desesperadamente
a mentir, a lançar
sem remorso nem asco um novo isco
à espera que alguém morda
e acredite nessa liturgia
cujos deuses são fáceis de adorar
e obedecem às leis do mercado.

Falam desse ludíbrio a que chamam
o futuro
como se ele existisse
e as suas palavras ecoam
em flatulentas frases
sempre a favor do vento que as agita
ao ritmo dos sorrisos ou das entrevistas
em que tudo se vende
por um preço acessível: emoções
& sexo & fama & outros prometidos
paraísos terrestres em horário nobre
- matéria reciclável
alimentando o altar do esquecimento.

O poder não existe, como sabes
demasiado bem - apenas uma
inútil recidiva biológica
de hormonas apressadas que procuram
ser fiéis aos comércio
dos sonhos sempre iguais, reproduzindo
sedutoras metástases do nada
nos códigos de barras ou nos cromossomas
de quem já pouco espera dos seus genes.
Fernando Pinto do Amaral

Pobreza prejudica desenvolvimento do cérebro na infância


A pobreza atrapalha o desempenho escolar. Essa laje que prejudica as crianças que crescem em famílias com problemas financeiros é bem conhecida. Enquanto se trata de responder aos múltiplos fatores que provocam o problema, está começando a se consolidar uma nova variável que ajuda a explicá-lo: o desenvolvimento cerebral das crianças em situação de pobreza. Um novo estudo nessa direção afirma que a massa cinzenta se desenvolve de maneira insuficiente durante uma infância cheia de carências.

O trabalho mostra que as estruturas cerebrais destinadas a processos críticos da aprendizagem são vulneráveis às circunstâncias ambientais da pobreza, tais como o estresse, a baixa estimulação e a alimentação. “O desenvolvimento dessas regiões do cérebro parece sensível ao ambiente e à criação dos pequenos”, concluem os autores do estudo publicado na revista JAMA Pedriatics. Tanto que os autores do estudo apontam que esses problemas de desenvolvimento cerebral explicariam até 20% do baixo desempenho escolar das crianças com poucos recursos.

Os pesquisadores, das universidades de Michigan, Duke e Wisconsin (EUA), analisaram o desenvolvimento cerebral das crianças a partir de ressonâncias magnéticas realizadas durante a infância e descobriram que a massa cinzenta do cérebro era sensivelmente menos desenvolvida em meninos e meninas pobres. Mais especificamente, a massa cinzenta do lobo frontal, do lobo temporal e do hipocampo era até 10% menor em crianças criadas abaixo da linha da pobreza dos EUA.

Luta titânica

Talvez o Brasil esteja virando a página da impunidade, sem que tenhamos plena consciência da enorme dimensão disso.

A grande lição da operação Lava-Jato é essa: a lei vale para todos. E cadeia não foi feita apenas para quem comete crime, é pobre e negro.


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Para ela está indo também o pessoal da Casa Grande que sempre se julgou intocável e, por isso mesmo, viciou-se em assaltar o erário público. A primeira condenação de membros do alto escalão das empreiteiras, os três diretores da Camargo Corrêa, condenados por pagar propina, formação de cartel, fraudar licitações e contratos com a Petrobrás, sinaliza o advento de um tempo novo.

A quebra de paradigma aconteceu com o julgamento do Mensalão. De lá para cá o processo avançou, não de forma indolor.

Há uma luta titânica entre instituições republicanas e os interesses das oligarquias (velhas ou novas), encrustadas na máquina do Estado. Contra o juiz Sérgio Moro, contra a Polícia Federal e contra o Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, movem-se forças poderosíssimas.

A Lava-Jato já foi acusada de tudo. De ser uma trama golpista, de ser produto da mente insana de um juiz, de atentar contra os Poderes Executivo e Legislativo e os direitos individuais, de ser instrumentalizada para a recondução do Procurador Janot. E, pasmem, de fragilizar quem aderiu à delação premiada pela via da inexistente tortura psicológica.

Admirável como cada instituição não se intimidou, comportando como manda a Constituição. Nada de prisões aparatosas, de erros processuais que poderiam levar o STF a anular a operação, como aconteceu no passado.

Ao contrário. Os inquéritos e processos foram muito bem instruídos, sem brechas do ponto de vista legal, fartamente documentados, com rígida observação do foro privilegiado.

Balela essa conversa de que eles se baseiam apenas na delação premiada. Ou alguém acha que três ministros do Supremo, de diferentes tendências, assinariam expedição de busca e apreensão em residências de senador, de ex-presidente, de deputados, sem fortes evidências de delitos cometidos?

Tem sido um aprendizado para um país acostumado à pirotecnia, à lerdeza da Justiça e à inoperância das instituições; essas irmãs gêmeas da impunidade. Digno de nota a postura do ministro-relator Teori Zavaski. Discreto, só se pronuncia nos autos, como deveriam fazer todos os membros da Suprema Corte.

País em manutenção (Foto: Arquivo Google)

Não subestimemos, claro, as forças de resistência, até porque elas são produtos de uma simbiose perversa entre o eterno capitalismo parasitário e uma nova nomenclatura que ascendeu ao paraíso com a chegada de Lula e do petismo ao poder.

E não dá para ignorar o espírito de corpo, o instinto de sobrevivência no Parlamento.
Mas quem se acostumou com a fantasia, quem sempre apostou na perpetuação da impunidade, quem meteu a mão na lama acreditando que não daria em nada, rema agora na nau dos desesperados, correndo o risco de passar longos anos atrás das grades.

Essa possibilidade explica o grande número de delações premiadas na Lava-Jato. Elas tendem a aumentar com as primeiras condenações de quem se julgava intocável.

É cedo, muito cedo, para maiores comemorações.

Ver que as condenações do Mensalão não foram um “ponto fora da curva”, é um alento. Por aí, a descrença nas instituições pode ser superada e a esperança pode voltar a pulsar no coração dos brasileiros.

Presidente é passageira do trem desgovernado da crise

Imaginem uma peça em que o enredo ocorre simultaneamente em vários palcos. Pois bem, temos uma situação assim em Brasília. A crise tem aspectos institucionais, partidários, ideológicos, éticos e pessoais.

Estamos em uma espécie de briga de faca em quarto escuro no qual todo mundo briga com todo mundo. Salva-se a oposição, até mesmo por não estar se posicionando agressivamente. E ela ainda não tem lanterna para iluminar o quarto escuro e apontar rumos.

A briga é autofágica. O lulismo foi gradativamente destruído pela presidente Dilma Rousseff e acabou em uma grande confusão. A política é “meio” PMDB, e a economia é “meio” PSDB. Tudo temperado por uma rara e peculiar combinação da tradicional incompetência política do governo com a crise econômica e fiscal e, ainda, com os efeitos devastadores e tóxicos da operação Lava Jato. O pior de tudo é a incapacidade do governo de fazer as leituras corretas a tempo e a hora.

Temos uma crise de relacionamento entre o governo e o Congresso; entre o Congresso e o Judiciário; entre o Judiciário e o Executivo; entre os aliados da base política; entre os membros da equipe econômica; entre os ministros e o Palácio do Planalto; entre a Casa Civil e a coordenação política; e, ainda, entre Dilma e o ex-presidente Lula. Ambos se dedicam ao esporte de falar mal um do outro pública e diariamente.

Fica claro que, pelo tamanho e pela diversidade da crise, o governo não tem a menor condição de resolvê-la sem descer do salto alto e buscar o entendimento com todas as forças políticas relevantes e com as principais instituições. O governo deve se reinventar para conseguir – o que é incerto – chegar a seu termo. Não há, ainda, essa percepção. Desde 2013, Dilma começou a perder o controle da agenda e nunca mais conseguiu retomá-la. Ela é passageira em um trem desgovernado.


A política é a única forma de resolver a crise instalada. Por meio dela se consegue aprofundar o ajuste fiscal, assimilar os efeitos da Lava Jato e assegurar a devida independência dos Poderes. Mas é justamente na arte de fazer política que o Palácio do Planalto apresenta sua mais grave deficiência, compensada pela presença do vice-presidente Michel Temer. Sem ele, o governo já teria naufragado.

O Planalto deve reconhecer que não tem mais o controle dos fatos e que a sua antiga hegemonia foi destruída por sua profunda incompetência e arrogância política, demonstradas até o posicionamento de Temer como coordenador político. Aliados foram abandonados. Compromissos não são cumpridos. A disposição para conversar continua insuficiente.

O diálogo com a sociedade foi relegado a uns poucos. A presidente vive num castelo, isolada do mundo e com pouco acesso às notícias e análises. Afinal, ela só lê o clipping do clipping do clipping, filtrado de tudo que possa aborrecê-la e tirá-la do seu equilíbrio emocional. Erroneamente, avalia que as turbulências da crise são golpes de vento ou tempestades em copo d’água, e não decorrentes de uma soma inacreditável de erros praticados desde 2011.

Caso o governo conseguisse minimamente estabilizar as expectativas, poderia retomar o controle parcial da agenda e caminhar para tempos menos turbulentos. É hora de Dilma decidir se vai tratar de governar com o que ainda tem de apoio ou se destruir administrando heranças malditas dela e dos outros. O impeachment, antes improvável, se viabiliza a cada dia que passa.

A saída que se apresenta no momento não é a saída da crise. É apenas uma alternativa para que o governo comece a funcionar melhor. A reinvenção implica fazer uma ampla reforma ministerial dos quadros mais essenciais que não correspondem ao momento político. Não é difícil identificar que nomes devem sair. O duro é saber quem quer entrar na fogueira.

Em nome dos ladrões de galinha

Merecem o Prêmio Nobel da Justiça, se um dia vier a ser inventado, os integrantes do Judiciário, do Ministério Público, da Polícia Federal e demais entidades empenhadas na Operação Lava-Jato. Os mesmos que antes acionaram os processos do mensalão. Cumpriram e cumprem seu dever apesar de obstáculos e pressões, levando montes de corruptos e corruptores para a cadeia.

Feito o preâmbulo, vale passar às peculiaridades, nem sempre tão elogiáveis. Tem empresários condenados no mensalão passando apertado, mas a maioria, nem tanto. Dos oriundos da classe política, todos estão em casa, mesmo submetidos a penas variadas, cumpridas fora da cadeia. O mesmo vai acontecendo com réus do chamado petrolão. Vigaristas que meteram a mão nos dinheiros públicos encontram formulas para não cumprir as pesadas penas a que foram ou serão condenados. Beneficiados pela delação premiada e outros artifícios da lei, gozam do privilégio de ficar presos em suas luxuosas residências, no convívio de suas famílias e de seus amigos, comendo (e bebendo) do bom e do melhor, com ou sem tornozeleiras. Por tempo curto dormiram nas penitenciárias.

Não há como deixar de reconhecer a existência de condenados de primeira classe, ao tempo em que os de segunda, os ladrões de galinha permanecem no abominável sistema penal que nos assola. Os privilegiados sofreram e ainda sofrem, é claro, o desconforto e o constrangimento moral das condenações e, possivelmente, da perda de parte de seus bens, mas não de milionários padrões de vida. Não dá para comparar sua sorte com a dos milhares de presos comuns. Dirão os ingênuos que a causa está na lei, ao conceder tantos recursos e vantagens a quem possuir bons advogados. A culpa não é dos juízes que aplicaram as sentenças. Mais ou menos.

Chama a atenção, por exemplo, Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, pivô de toda a roubalheira na estatal, condenado a mais de 20 anos de prisão, mas destinado a cumprir no máximo dois anos no regime semiaberto domiciliar. Ou Alberto Yussef, doleiro e distribuidor da tramóia, permanecer só três anos em regime fechado, apesar de condenado a oito anos e três meses. Assim como eles, uma legião de privilegiados que tendo recebido ou estando por receber pesadas condenações, tornarão letra morta a voz da Justiça. .

Os crimes de fraude em licitações, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, formação de cartel, superfaturamento, desvio de recursos públicos, tráfico de influência e outros serão menos graves do que pular a cerca do vizinho, entrar no galinheiro e levar algumas penosas para alimentar a família?