segunda-feira, 20 de julho de 2015

As meninas entram em cena


Você poderia chamá-las de petroputas ou prostipetro, mas não seria preciso. As meninas aparecem em quase todo grande escândalo em Brasília. Não são especializadas. Finalmente, deram as caras no escândalo do Petrolão. Documentos da PF indicam que houve gastos com garotas de programa, mencionadas em rubricas como Jô 132 e 3 Monik nas planilhas de Alberto Youssef, um dos grandes nomes do caso.

Lembro-me de que uma das grandes cafetinas de Brasília uma vez me perguntou no aeroporto o que pensava das garotas de programa nesses escândalos. Disse que não as incriminava. Os políticos e empresários gostam de Rolex, compram sapatos Labutin para suas mulheres. Não se podem culpar as marcas, muito menos os vendedores que não costumam perguntar sobre a origem do dinheiro.
Mas a presença das meninas dá um tom global ao escândalo. O ex-dirigente do FMI Dominique Strauss-Kahn foi preso em Nova York por assédio. Mas na França, onde a prostituição é criminalizada, teve de responder a processo. O mesmo se passa com Silvio Berlusconi, com suas famosas bunga-bungas. Também foi processado.

Num contexto de prostituição legalizada, as coisas seriam mais fáceis. Aos documentos da Lava-Jato seriam incorporados recibos de prestação de serviços. Papai e mamãe, blow jobs e o caríssimo beijo na boca seriam especificados.
A Lava-Jato já tem inúmeros componentes cinematográficos. Mas a entrada das meninas nas festas dos poderosos assaltantes da Petrobras era uma espécie de elo que faltava. Gurus, políticos e empresários costumam revelar nesses episódios o desejo de uma satisfação sexual ilimitada. É uma espécie de calcanhar de Aquiles.

Leio que as garotas de programa já apareceram em revistas e talvez por isso cobrem mais caro. São contratadas como os ricos compram quadros, não pelas formas, mas pela fama do pintor.

Outro dia, um grupo de São Paulo me convidou para contribuir com o roteiro de um filme sobre Brasília. Respondi com uma ideia tão maluca que nunca mais voltaram ao assunto.

Era uma nave de outra galáxia que se aproximava de Brasília com a missão de ocupar alguns prédios habitados por duas tribos de cabelos pintados: os Acaju e os Graúna. Na medida em que eles se aproximavam, acompanhavam pela tela da nave o comportamento da sociedade que ainda não conheciam em detalhes.

Agora vejo que caberia nesse argumento cinematográfico uma garota de programa infiltrada que mandaria mensagens constantes para o big data; crescimento dos implantes de pênis, baixa da tesão nos dias em que o Banco Central anuncia a taxa de juros.

Sempre me interessei pela economia libidinal de Brasília. No passado, escrevi sobre as prostitutas que faziam um cordão em torno do setor de hotéis. Cheguei a propor uma cartilha para os prefeitos do interior distinguirem uma travesti de uma garota de programa.

Um equívoco. Creio hoje que para todos é melhor uma dose de ambiguidade. Uma travesti que conheço, talentosa técnica administrativa, me contou que ao descobrirem o que se trata, alguns políticos fingem que não viram.

Talvez no futuro vejamos um livro do tipo “Memórias de uma cafetina em Brasília”. Espero também que não tenha nomes. Apenas elementos que nos ajudem a descortinar o universo libidinal do poder. Se não servir para a história, no sentido mais amplo, servirá para os roteiristas que buscam histórias de gente de carne e osso.

As meninas custaram a aparecer no Petrolão. Parecia um escândalo baseado em fortunas, compra de apartamentos, obras de arte. Elas apelam não só para um sentido universal, o sexo, mas também para o fugaz reencontro com o doce pássaro da juventude.

Com a entrada da Polícia Federal na casa de Fernando Collor, constatei que, além de seu carro oficial, ele tem três carros de luxo na garagem que devem valer juntos R$ 6 milhões. São apenas três de sua coleção de 14.

Qual o sentido disso, exceto garantir a Collor que ele tem carros de luxo na garagem, que é o bambambã?

Com a grana da corrupção, compram um sopro de juventude, transando com as meninas: com a coleção carros compra-se uma infância de brinquedos de luxo.

A nave se aproxima horrorizada.

Questão de sobrevivência

Brasília está desconectada do Brasil. A vida segue na Praça dos Três Poderes como se o país vivesse no melhor dos mundos. A presidente diz que não vai cair com a maior naturalidade. Porém, dificilmente vai comer o peru de Natal no Palácio do Planalto. A gravidade da crise é tão grande que até seu criador está procurando uma forma de se livrar da criatura. O caudilho, que destruiu as instituições de Estado, tem plena consciência do significado negativo da permanência de Dilma para seu projeto pessoal. A tarefa para os brasileiros é se safar — política e democraticamente — tanto do criador, como da criatura. É uma questão de sobrevivência.
Marco Antonio Villa

Caridade, pobreza e desenvolvimento social


Se formos buscar nos Evangelhos algumas réguas para aferir os valores segundo os quais nos devemos conduzir, veremos que a régua da caridade, do zelo pelos mais necessitados, serve como medida do amor a Deus. Nenhum cristão negará essa realidade ao mesmo tempo material e espiritual. No entanto, o pobre dos Evangelhos é, principalmente, o carente de Deus. E é também, entre muitos outros aspectos, o materialmente pobre, o necessitado de afeto, de justiça, de liberdade, de oportunidade. Desconhecer isto é uma primeira e muito comum perversão do sentido evangélico da palavra "pobre" e da situação da pessoa humana a ela correspondente.

Infelizmente, muitos alegam encontrar, nos Evangelhos, inspiração para uma visão sociopolítica do pobre. O pobre das Escrituras, nessa hipótese, não seria uma pessoa concreta, mas uma classe social. Mais um passo, e ele muda de nome, tornando-se o "excluído" da teologia da libertação. É fácil perceber onde se quer chegar com a substituição do vocábulo por um suposto sinônimo. Dizer-se "excluído" implica a ideia simétrica do "incluído", ou seja, de alguém que ocupou determinado espaço e rejeita a presença do outro. É o que sugere Lula, por exemplo, cada vez que coloca um suposto pobre num suposto avião e diz que os demais passageiros, supostamente, não o querem ali. Não há limite para a demagogia do multimilionário Lula. E não há limite para a malícia sociopolítica, supostamente religiosa, da teologia da libertação. Esta é uma segunda perversão envolvendo o mesmo conceito.

Uma terceira corresponde ao culto à pobreza material como um bem em si. Nessa perspectiva, muito comum, tudo se passa como se o empenho individual ou coletivo para sair de uma situação de carência material em direção a uma vida com maior dignidade e bem-estar fosse desvio de finalidade da existência humana e não um bem a ser buscado. Afirmo, aqui, o oposto: o ser humano não foi criado com tantos dons físicos, espirituais e intelectuais para se nutrir num pomar e se vestir com folhas de parreira.

Uma quarta perversão - e talvez a socialmente mais maléfica - é a que procura enfrentar a pobreza mediante políticas e sistemas econômicos que a conservam, reproduzem e aprofundam. Refiro-me ao igualitarismo percebido como ideal de vida social, cujos péssimos resultados se tornam nítidos nas experiências comunistas. Em nome da igualdade, mata-se a riqueza na sua fonte. Solapa-se a iniciativa dos indivíduos e das comunidades. Cerceia-se a liberdade de criação, condena-se o mérito e planeja-se a mediocridade. Se a igualdade é o objetivo, a pobreza de todos não perturba os adeptos dessa estranha ideologia que se diz protetora e defensora dos pobres.

A sociedade contemporânea já demonstrou, com excesso de evidências, que o modo mais eficiente de promover o desenvolvimento social, sem prejuízo da caridade, da solidariedade e do amor cristão ao próximo, exige: zelosa formação de recursos humanos, através da educação; inserção dos indivíduos de modo eficiente na vida social, política e econômica; segurança jurídica e atividades produtivas desempenhadas em economia livre, de empresa. Só são contra isso os que têm mais ódio ao materialmente rico do que amor ao materialmente pobre. Cegos pela ideologia, semeiam o que dizem combater: pobreza material e crescentes desníveis sociais.

Percival Puggina

O ataque dos zumbis

Eles respiram, movem-se – até na escuridão – e falam. Falam muito. Dão entrevistas. Tuítam. Fazem pronunciamentos. Da cadeia (de rádio e TV) ou de veículos oficiais que comandam, eles bravateiam e intimidam. Assim, parecem saudáveis e fortes. Desviam a atenção da iminente ameaça à sua sobrevivência no poder que vem do Ministério Público. Fazem do ataque a sua defesa. Alimentam-se de rivais. São os mortos-vivos da política.

Nesses dias, são mais frequentemente encontrados em Brasília do que em seriados televisivos sobre o fim do mundo tipo The Walking Dead. Deslocam-se em carros oficiais, usam terno, gravata e disfarçam a decadência da cabeleira com penteados elaborados. Manter a aparência similar aos do entorno é vital à sua camuflagem. “Se acontecer comigo, pode acontecer com você” é seu mantra. Quantos mais puderem contaminar com o medo, melhor.

O vírus que os deixou nesse estado é tão comum quanto o da gripe. Transmite-se principalmente – mas não só – durante o período eleitoral. Como vetor, usa doações legais (e nem tanto) para candidatos a todos os cargos. É incerto quantos ele infectou, mas estima-se que, no Congresso, a epidemia chegue às dezenas. Talvez às centenas. Há segurança nos números, pois um protege o outro. Maior o cardume, melhor a chance de escapar.

Por isso, organizam-se em bandos de denominações diversas. Uns referem-se ao coletivo de zumbis como “nosso grupo”, outros preferem chamar de “nosso partido”. Os mais ousados, de “nosso Poder”. A generalização exagerada faz parte da tática de parecer maior, mais poderoso, feroz e onisciente do que realmente é.


Quem olha a repetição, o volume e a riqueza de detalhes das denúncias que delatam o real estado de seu ser deve perguntar-se como é possível aos mortos-vivos políticos continuar dando as cartas para tantos deputados e senadores. Para solucionar o mistério, é preciso entender de onde vem o seu poder.

Do carisma pessoal certamente é que não é. Podem acusar os zumbis de muitas coisas, menos de carismáticos. Virá então da simpatia que despertam em quem está ao seu redor? Piada. Se há algum sentimento que acordam nos pares é o temor, não a empatia. Será então a eloquência, a facilidade para discursar e convencer? A leitura do teleprompter em pronunciamentos oficiais revela um estilo mais rousseffiano do que lacerdista.

Dilma Rousseff tampouco é carismática, nem desperta empatia entre políticos ou é craque na oratória, mas ela tem a caneta que faz nomeações e libera verbas – algo que falta aos zumbis. Pelo menos por enquanto.

O mistério permanece. A esta altura, só o Ministério Público será capaz de desvendar, com a ajuda do Supremo Tribunal Federal, a origem do poder que mantém os mortos vivos. Talvez.

Calendário da crise. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, é o responsável pela investigação dos mortos-vivos da política. Ele poderá ou não apresentar denúncia contra eles ao STF. Mas há um problema de timing. Seu mandato no cargo acaba em setembro. Para ser reconduzido, depende de três coisas: ser o mais votado na eleição por seus colegas procuradores no dia 5 de agosto, ser indicado por Dilma e ser referendado pelo Senado.

Ele é o favorito na eleição, e a presidente tem dado sinais de que pretende chancelar seu nome. O problema de Janot está no Senado. Não há prazo para que os senadores confirmem sua indicação. Não precisam nem rejeitá-la, basta que não a coloquem em votação. Se protelarem até depois de 17 de setembro, Janot sairá do cargo de procurador-geral. E daí?

Quem assume, interinamente, é o primeiro vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público, cujo mandato terá expirado em agosto. O novo terá que ser eleito pelos dez conselheiros. Nos votos deles pode estar o nome do procurador-geral que vai ou não definir o destino dos zumbis da política.

Reflexão na flexão

Escracho, teu nome agora é Brasil

Digam-me: há palavra melhor para definir o que está acontecendo nesse país para tudo quanto é lado que se olha? Temo que não. Escracho, em todos os seus mais variados sentidos. Um escracho. Um escracha o outro. Nós escrachamos todos. O juiz escracha uns. Os políticos se escracham entre si. O ex escracha a atual. Eu escracho certas pessoas, de um lado, junto de vocês, que também escracham outros e outros; quando não os mesmos, que todos estão se esculachando felizes da vida. Virou Babel
Na boa, isso aqui virou uma esculhambação total. Que até teria um lado divertido se nós também não estivéssemos sendo grandes vítimas desse processo todo. Volto a pensar se não é alguma coisa que estão pondo na água, tão desmedida e pouco produtiva está essa já muito vergonhosa esculhambação geral que assola o Brasil, e que ultrapassa em muito o antigo Febeapá - o festival de besteiras.

Desde muito criança tinha na Dercy Gonçalves, a Rainha do Escracho com faixa e tudo, e a quem se associa imediatamente a palavra, uma ídola. Imaginava até na minha cacholinha que ela bem que podia ser minha parente. Adorava vê-la fazendo aquelas caras de esgares, a boca de caçapa, da qual vertiam impropérios e impropérios. Adorava, não. Adoro ainda, porque a cada dia que passa ela está mais atual, embora tenha morrido há exatos 7 anos, completados agora neste 19 de julho. Na época, assistia a ela onde aparecia, na tevê; enchi e bati pé para que me levassem ao teatro para vê-la e, já jornalista, sempre que podia tentava ouvi-la sobre algum acontecimento. 


Imaginam o que ela diria se estivesse acompanhando o atual momento político nacional? Bippi, xxx, bi,bi,biiii, asteriscos - certamente tudo seria impublicável, tantos falsos moralistas estamos criando sobre este chão e que ela apontaria satisfeita. O engraçado é que sei que ela era até meio reacionária depois de tudo o que passou para se firmar na vida artística, mas imagino o que diria agora ouvindo os discursos da presidente, a falação (ah, aqui ela trocaria uma letra, certamente) das CPIs que a cada dia mais parecem espetáculos burlescos de um cabaré viciado, vendo os cabelos asas de graúna tentando se explicar se roubaram mas não sabiam. Depois de tanta luta pelo respeito à mulher artista, queria saber o que ela pensaria da glamorização absurda da prostituição. Dos pitacos religiosos de plantão. Da gargalhada que soltaria acompanhando os passos da oposição. Ou o topete do prefeito modernudo que se acha o coco da cocada (aqui, ela poria um acento, ah, poria sim).

Imagino-a falando a palavra impeachment de todas as formas, menos a normal, e terminando com um sonoro palavrão e gargalhada sempre. Achei um relato, achei sim, de um centro espírita, onde ela teria "baixado" e os médiuns a repreenderam por todos esses palavrões ditos durante toda a sua vida, e até sobre os oito abortos que sempre admitiu ter feito. Não acreditei que esse espírito era ela mesmo, não xingou ninguém nesta sessão! Acho que a gente quando morre leva pro espírito o que temos de melhor.

Pena que Dercy não tenha vivido esses 108 anos completos; só 101. Embora antes de morrer já tenha visto o país começar a virar uma curva esquisita, não imaginaria como tanta coisa se degringolaria e tornaria difícil até diferenciar o ético, o saudável, o progresso quase forçado dos costumes. Veria sendo mantidos os destratos, o racismo, a homofobia, a violência contra a mulher, esse gênero que sempre tem alguém controlando o que faz com a vagina, seus buracos, diria Dercy. "A perereca da vizinha tá presa na gaiola! Xô, perereca! Xô, perereca!"

"Represento exatamente o escracho do Brasil", disse certa vez, completando: "Eu posso ser escrachada, mas não sou bandalha". Não era mesmo, Dercy. Bandalha é essa gente que está comandando cadeiras importantes de vários poderes. 


E escracho é o que estão fazendo primeiro para perguntar depois - polícia escracha; imprensa escracha. A gente escracha, mostra o quão desmoralizados são, não usamos mais nem meias palavras para nos referir até às pessoas às quais deveríamos guardar certo pudor, certo respeito. Mas elas próprias também se escracham, e acabam desmascaradas em seus atos. Provocam nosso escrachamento.

Escracho aqui é tão escracho e tem tanto que perde até um de seus sentidos, o político, aquele de ser o protesto que se faz diante da casa de quem desrespeita os direitos humanos.

Afinal, é ou não é um escracho esse mundo estar dividido em partes? PT e os outros. O PT também estar em polvorosa, o PT puro e o sujo? As debandadas sem ideologia para viver. A oposição apoiar o Eduardo Cunha que é uma síntese do atraso? Cada um correndo para um lado? O país à deriva? O ordenamento jurídico sendo estilhaçado numa primeira instância; juiz endeusado e promovido a herói?

Em cima desse palco tem muita gente, e o assoalho não está firme. Tem ator querendo matar outro para pegar o papel. Nem tudo se pode falar. Nas coxias tem gente sabotando até a comida do camarim. E isso não é uma comédia. Está mais para ópera bufa.

Falta uma Dercy para falar umas poucas e boas - definitivas - ela sim, escracharia de verdade tudo isso, com seu palavrório picante.

Falta novidade na notícia

Vamos combinar que faltam novidades. Não que seja época de pouca noticia. Pelo contrario. Tem mais noticia de sobra. Mas, a noticia não é novidade. Talvez não sejam nem mesmo novas. Tem gosto de pão dormindo. Parece filme repetido. Ou mesmo disco arranhado.


Faz tempo que a gente não acompanha historia com enredo original, trama inteligente, ou pelo mesmo interessante. É tudo a mesma coisa. Os mesmos temas. Os mesmos problemas. E, mais preocupante de tudo, os mesmos personagens.

Duas décadas e meia após conquistarmos o direito de eleger o presidente da republica, a gente nossa historia continua as voltas com os mesmos personagens. O enredo, simples farsa que nem mesmo se traveste de tragédia, não se renova. Os mesmos personagens praticando atos previsíveis em cenas lamentáveis agridem os ouvidos, ferem o olfato, e saltam aos olhos.

Por preguiça ou pura falta de criatividade, até mesmo os argumentos são os mesmos. E na mesma ordem. Começam com a negação dos fatos. Transformam-se em ignorância. Passam pela ausência autoproclamada de responsabilidade. E, atropelados pela realidade gritante, degeneram em acusações e ameaças.

Tudo usando as mesmas palavras. Vem com uma historia de golpismo. Ameaçam com a falta de governabilidade. E, aparentemente a ameaça preferida, levantam o fantasma ou fantoche da crise institucional. É muita falta de inspiração. Ou de criatividade. Ou de tudo junto.

Mas, diante da normalidade e da obviedade dos fatos, a única coisa que salta aos olhos mesmo é a falta de novidades. As instituições, em perfeito funcionamento, jogam luz na triste realidade de que a grande crise é a falta de renovação.

Os personagens deste enredo lamentável estão envelhecidos, fora do seu tempo, obsoletos. Sem que, no entanto, existam novos rostos que inspirem um mínimo de confiança, carisma ou fé em sua competência.

A crise é a completa ausência de cabeças capazes de produzirem ideias viáveis. É deserto de homens e ideias que a gente, cedendo de esperança, não consegue atravessar. Em aridez que mata tudo. Sem oferecer nem mesmo o alivio enganoso da miragem.

Cinco pontes até o Rubicão

Dilma Rousseff atravessará o seu Rubicão? Há fortes razões para apostar no “Não”, até por se saber que ela não contaria com tropas poderosas como dispunha Júlio César em 11 de janeiro de 49 a. C, quando transgrediu a ordem de Roma, lançando uma declaração de guerra contra Pompéia com a célebre tirada: “a sorte está lançada”.

Seu arsenal no Congresso se esvazia e escasseia a munição das ruas. Mas em política contorna-se frequentemente o que parece impossível, por meio de fatores que integram o escopo de viabilidade, a começar pela própria índole da presidente.  Entre as duas estratégias do jogo político – cooperação e confronto – a que mais combina com o ethos presidencial é esta última, conforme se pode constatar na entrevista que ela concedeu à FSP (“eu não vou cair”). Sabendo que Lula também é de briga, como ele mesmo propaga,  a engenharia política  conveniente  ao projeto do PT é a do embate.



Em seu livro “Estratégias Políticas”, o cientista social Carlos Matus, que trabalhou no governo Allende, no Chile, distingue três estilos de governantes: o modo Chimpanzé, centrado nas relações de dominação/submissão, que se ampara em alianças táticas e transitórias e rivalidade permanente; o modo Maquiavel, centrado no projeto de um grupo, um partido, que permite o uso de quaisquer meios para viabilizá-lo.

O chefe (por exemplo, Lula/Dilma) não é o projeto, mas o projeto será inexequível sem ele(s). O terceiro é a maneira Gandhi, inspirada no respeito às posições de todos, na busca de cooperação. O líder é a personificação da honestidade. Nesse tipo, não existem inimigos, mas adversários. Nas três décadas de vida do PT, o estilo Maquiavel predominou. A confrontação está no DNA petista.

Sob o lume maquiavélico, o Partido dos Trabalhadores tentará prolongar o ciclo de poder que detém há 12 anos e meio. O primeiro grande entrave é a salvação do governo Dilma. Não há como dissociar PT, Lula e Dilma, como alas petistas tentam. O desafio que se apresenta ao lulopetismo é fazer com que a presidente atravesse cinco pontes até chegar ao famoso cruzamento do Rubicão. Elas estão interligadas, a indicar que os obstáculos existentes numa influenciarão a passagem na seguinte.  

A primeira é a ponte pessoal, a do jeito de ser. Dilma não é uma pessoa cordata. É de briga, de desafios, como ilustra com seu passado guerrilheiro. Assim, a estratégia de cooperação ficará em segundo plano, o que sugere continuação das querelas entre a base governista e o Executivo e entre alas do próprio PT. O confronto  é a pior alternativa para ela nesse momento. Brigar com Eduardo Cunha, por exemplo, seria um ponto fora de curva.  


A segunda é a ponte econômica, para cuja travessia a presidente usa a competência técnica do timoneiro Joaquim Levy e a articulação do vice Michel Temer. Aprovado o pacote fiscal, mesmo com ajustes, a presidente terá de correr para apressar o fim do ciclo da economia recessiva, sob altos juros, inflação renitente e desemprego crescente. A redução da meta fiscal de 1,1% do PIB este ano para 0,5%, conforme se prevê, abre horizontes sombrios.

A insatisfação grassará em todos os estratos, a partir das margens e da classe C, a emergente, que esvazia o bolso, sob ameaça de regredir à base da pirâmide. As massas voltarão às ruas, os movimentos sociais agitarão bandeiras e a esfera política, sob os índices negativos de avaliação do governo, aproveitará para deitar conveniências. O congestionamento da via econômica provocará danos nas pontes seguintes – social e política – dificultando a travessia presidencial. Se o rigor fiscal der resultados ainda este ano, um raio de luz pode aparecer. Pouco provável.

Para diminuir os acessos, a Operação Lava Jato, com alta estridência, tem potencial para criar abalos nas conchas côncava e convexa do Congresso  e provocar fissuras nas imagens de suas lideranças. Mas a questão vai longe. Ante o foro privilegiado que abriga a representação política e com a tramitação de processos na Alta Corte sob embargos de todos os tipos, os casos deverão durar bons dois anos.

As pontes de passagem da presidente Dilma encontrarão ainda outros obstáculos, como a decisão do TCU, em agosto, sobre a responsabilidade da mandatária no caso das “pedaladas” fiscais e a votação do TSE sobre eventuais irregularidades nas contas de campanhas de Lula e Dilma.

É quando entra em cena a quinta ponte, a da gestão, pela qual a presidente deverá caminhar nos próximos meses. Pode ser atropelada pelos questionamentos que advirão. E, na sequencia, tentar se escudar na base governista. Se a administração ganhar ritmo, vislumbra-se uma réstia de esperança. Esse pacto pela governabilidade firmado por partidos da base resistirá aos tempos de vacas magras?

Diz-se que e política é a arte de fazer possível o impossível. Eis o desafio que se impõe à Sua Excelência antes de chegar ao Rubicão.