quarta-feira, 15 de julho de 2015

O 'rendez-vous' português

O nosso país sofre de degeneração progressiva de hábitos e costumes, o mesmo que doença de Alzheimer no ser humano humano. Há dez anos o Brasil vive de denúncias – um inferno, fruto do despreparo e da má-formação de caráter de muita gente que se acha importante ou acobertada por mandatos populares.


Faz tempo que não se ouve outra conversa que não seja corrupção, inquéritos que não têm fim, CPIs que não apuram nada, e, quando apuram, fica tudo do mesmo jeito, mensalão e, agora, o petrolão. Conseguiram roubar e carregar a Petrobras, guardiã do petróleo que achávamos que era nosso. Assim pensávamos, assim vivemos...

O tempo passa, e nós, o povo, embevecidos pela figura aparentemente simples de um nordestino pau de arara que incorporava o Jeca de Monteiro Lobato, caímos no canto da sereia, tal qual Camões, “na esperança de encontrar porto e salvamento, depois da procelosa tempestade”. Não sabemos mais se despertaremos a tempo, já que navegamos em nau frágil, e o temporal intermitente requer timoneiro competente, e não remeiros embriagados acostumados ou não com escaleres.

E não bastasse essa chuva de escândalos, começam a aparecer as notícias de uma reunião secreta, acontecida em Lisboa, quando da viagem da presidenta a Moscou para a reunião dos Brics, em que estavam presentes, estranhamente, até o presidente do STF, ministro Lewandowski, José Eduardo Cardozo, Ministro da Justiça, e outras autoridades. Tudo muito secreto e escondido. Assunto? Delação do dono da UTC, Ricardo Pessôa, e depois uma ida a uma boate cuja entrada custou 250 percapita.

E de volta ao Brasil, quase com a mesma turma, menos o presidente do Supremo e mais Mercadante e Edinho Silva, ministro da Comunicação Social, dona Dilma soltou a franga com um palavreado, o mais chulo de que já tive conhecimento, saído de uma boca que jamais pensei tão porca. Diz o jornal “Folha de S.Paulo”: “Agitada, andando em círculos e gesticulando muito, a presidente Dilma Rousseff olhou para os auxiliares e bradou indignada: ‘Não sou eu quem vai pagar por isso. Quem fez que pague’”. E batendo com força a palma de uma mão na outra insistiu: “Eu não vou pagar pela merda dos outros”. Ela não disse a quem se referia, e ninguém achou que era conveniente perguntar. Eu também não perguntaria... Com esse linguajar de “bas-fonds”, quem iria arriscar perder as bocas, né?

E depois desse esporro todo, reclamou do ministro Cardozo por não ter impedido que as revelações do empresário delator Ricardo Pessôa viessem a público, e o fez com a maior “delicadeza”: “Você não poderia ter pedido ao Teori Zavascki (ministro do Supremo) para aguardar quatro ou cinco dias para homologar a delação? Isso é uma agenda nacional, Cardozo, e você fodeu a minha viagem”.

Que coisa, meu Deus... Essa é a verdadeira Dilma, em que você votou para ser a presidenta (ou anta) da República. Bem, chega, senão quem vai “sifu” sou eu...

O tempo é implacável

O papel e a tinta

Certo dia, uma folha de papel que estava em cima de uma mesa, junto com outras folhas exatamente iguais a ela, viu-se coberta de sinais. Uma pena, molhada de tinta preta, havia escrito uma porção de palavras em toda a folha.

— Será que você não podia ter me poupado desta humilhação? – disse a folha de papel, furiosa, para a tinta.

— Espere!, respondeu a tinta. Eu não estraguei você. Eu cobri você de palavras. Agora você não é mais uma folha de papel, mas sim uma mensagem. Você é a guardiã do pensamento humano. Você se transformou num documento precioso.

Pouco depois, alguém foi arrumar a mesa e apanhou as folhas de papel para jogá-las na lareira. Subitamente, reparou na folha escrita com tinta. Então, jogou fora todas as outras, e guardou apenas a que continha uma mensagem.
Leonardo Da Vinci

Países quebram

A Grécia está mostrando ao mundo o que acontece com os Estados perdulários que gastam riqueza não produzida e buscam manter seu padrão de vida usando a poupança alheia. Por esse caminho, formam-se dívidas dotadas de uma extraordinária capacidade de multiplicação. Um dos fatores determinantes dessa multiplicação leva o nome antipático de taxa de juros. Outro consiste em tomar dinheiro novo para pagar dívida velha. Outro ainda é a irresponsabilidade fiscal que leva governantes a não enquadrarem a despesa pública na capacidade contributiva da sociedade.

Países quebram. Leva bom tempo para isso acontecer, mas a estrada acaba. Um dia, não há mais pista para rodar. No horizonte só se avista, então, terra inóspita, mata cerrada, montanhas e rios sem pontes. É a situação grega, um país que deve quase dois anos inteiros de seu decrescente PIB e já perdeu 400 mil jovens para outras oportunidades de trabalho e de vida no exterior. Os gregos creram que seu ingresso na Zona do Euro era um cartão de crédito ilimitado para implantar no país um estado de bem-estar social. Com o dinheiro dos outros. E isso, simplesmente, não existe no mundo real.

Países quebram. No mundo irreal, os políticos que seduziram os gregos e deles colheram votos com a ideia de um Estado provedor, benfazejo, inexaurível em sua prodigalidade, trataram de convencer a opinião pública de que o resto do mundo tem o dever de subsidiá-los com novos empréstimos. A Grécia deve 360 bilhões de euros, não conseguiu pagar uma parcelinha de 1,5 bilhão (ou seja, 0,5% do que deve) e segundo os cálculos dos principais credores (ministros da Zona do Euro), pode estar precisando de mais 83 bilhões de euros. Além de ser difícil estabelecer um consenso sobre esse atendimento, muito mais difícil será obter acordo interno na sociedade grega e em seu círculo de poder para as duríssimas e necessárias medidas de contenção de gastos, aumento de tributos, venda de patrimônio, redução de salários e pensões.

Países quebram. Estados da federação quebram. Durante a campanha eleitoral de 2014 no Rio Grande do Sul, alguns analistas denunciavam hecatombe fiscal em que se constituiu o governo Tarso Genro. Ele estava deixando a seu sucessor uma situação de insolvência que, em breve se tornará nacionalmente conhecida. Perante tais acusações, os políticos petistas afirmavam em orgulhosos rompantes: "Nós não nos submetemos a essa lógica neoliberal". O que chamavam lógica neoliberal era, simplesmente, o zelo pelos recursos do contribuinte, contendo-os nos limites da receita, conforme impõe a lei de responsabilidade fiscal.

O governo petista no Brasil, indo pelo mesmo caminho das pedaladas e da gastança desmedida, jogou-nos numa crise pela qual não precisaríamos estar passando. Vínhamos bastante bem. Nossos governantes dos últimos 13 anos, porém, gastaram demais, fizeram loucuras demais, jogaram dinheiro fora e mandaram dinheiro para fora, torraram reservas demais, locupletaram-se demais. Foram longe demais. E agora chamam golpistas quem busca uma saída política e constitucional para que não sejamos mais golpeados por tanto desmando, incompetência e irresponsabilidade.

Percival Puggina

Cultura... pra quê?


Sonhei que estava no ano de 2030, caminhando pelas ruas de Hong Kong. Em todos os quarteirões, alardeadas por propaganda no rádio, televisão e em painéis luminosos, havia lojas de três cadeias mundiais de refeições rápidas: o FrangoFar™, que servia um delicioso frango com farofa, acondicionado em caixinhas de sapato assinadas pela grife Ronaldo Fraga; o Tchê™, rede mais sofisticada com o famoso churrasco gaúcho desprovido de setenta por cento das gorduras; e o Mineiro™, campeoníssimo universal de vendas, um irresistível sanduíche de linguiça com pão de queijo, acompanhado de guaraná.

Pedi este último numa lanchonete, o atendente identificou meu sotaque brasileiro, indagou-me a pronúncia correta de “mineiro”. Com muito esforço, parou de dizer “minelo”.

Sentei-me numa das mesas, decoradas com fotografias de Ouro Preto e, enquanto apreciava um chorinho no som ambiente, o freguês à esquerda confessou que aderira ao fã clube do carro Tongadamironga, o melhor do mundo depois que o equiparam com o motor Pai de Santo, recomendado até pelos grandes terreiros da Bahia, aval universal de qualidade. Após muitas loas à beleza e ao arrojo do veículo, elogiou a genialidade do brasileiro, um povo que soube aliar os prazeres da vida ao trabalho criativo, gerando uma civilização vibrante, digna de ser imitada pelos chineses. E pelo resto do mundo, completou.

No momento seguinte, em Manhattan, lia no New York Times um artigo sobre a pouca originalidade da arte norte-americana quando comparada à efervescência existente no Brasil, o polo mais inventivo do planeta. O autor também exaltava o autêntico interesse dos brasileiros pelos próprios artistas, sinal de que sua cultura ia de vento em popa, enquanto a norte-americana despencava para a periferia a que fazia jus, exaurida depois de sobreviver à custa de muita autopromoção na mídia. Por fim, vaticinou: havia um novo Renascimento em curso, dessa vez com sabor tropical. Da Vinci e Michelangelo que se cuidassem.

No Louvre, participei de uma rodada de capoeira com congado para comemorar a vitória da cachaça como bebida patrimônio da humanidade. A nota destoante veio do mestre de cerimônias parisiense que, após depreciar o uísque escocês, procurou resgatar o orgulho nacional com elogios rasgados aos vinhos franceses, embora ressaltasse que não se tratava de bebida destilada. Para encerrar a festa, o grupo de travestis Bois de Boulogne entoou, para delírio dos europeus, a infalível Aquarela do Brasil. Aplausos de pé para tanta criatividade. Todos caíram no samba, tentando imitar nossa ginga, evidentemente sem sucesso.

Não pude voltar para casa. Os voos estavam lotados por muitos anos, graças aos turistas atraídos pela nossa cultura e pela boa fama do país. Todos queriam aproveitar nosso clima e nossa segurança, mas eu morreria antes de embarcar, sem ouvir o sabiá da palmeira. O sonho virou pesadelo.

Em desespero, acordei com o coração saindo pelos olhos. Ao lado da cama, vi um Big Mac ensebado, coberto por uma camada branca e rígida de gordura, e um copo de Coca-Cola com uma camada de água por cima, oriunda do gelo derretido. Diante do quadro, aturdido pelas fantasias loucas, o desespero aumentou, porém uma luz brilhou nos miolos. Se me haviam convencido de que Big Mac e Coca-Cola eram comida e bebida, por que duvidaria de meu sonho?

Por que não falar a verdade?

Mentira, engodo, desinformação, confusão etc. conformam as estratégias da esquerda há século e meio. Mundo afora, a reação de parte dos não-esquerdistas, logo depois do atordoamento por lidar com o descaramento do adversário, é tentar imitá-lo, colocando a estratégia política acima da verdade indiscutível.

Olhemos para o Brasil. O PT mente há 30 anos. No meio desse caminho, seus adversários desistiram de defender a realidade. Passaram a fazer de conta que não eram a favor de ações corretas (e.g., austeridade e eficiência nas contas públicas e flexibilização de leis trabalhistas) e começaram a levantar as mesmas bandeiras do adversário mais eloqüente. Quantas vezes vimos o PSDB pintando de azul bandeiras petistas? [Sim, assumo aqui que haja a possibilidade de o PSDB não ser mera linha auxiliar a serviço do PT.] Quantos políticos que sabíamos ser contrários ao desarmamento e outros esquerdismos não "esquerdaram" no Plenário ou aos microfones midiáticos?

Resultado: esquerda esmagadora e culturalmente hegemônica no Ocidente e politicamente poderosa em lugares como o Brasil.
Por que, então, ante tantos fiascos e fracassos, não tentamos simplesmente falar a verdade?

Ao surgimento de uma nova direita no Brasil, com o renascer do liberalismo econômico e do verdadeiro conservadorismo moral, há muita coisa boa, excelentes notícias. Mas uma analisada mais atenta é capaz de revelar quem esteja incorrendo novamente no erro do caminho mais fácil (e ineficaz e burro) de querer apropriar-se de bandeiras esquerdistas, em vez de substituí-las. Isso ocorre, sobretudo, entre os liberais.

A idéia é subverter a subversão da esquerda, usando as cartilhas de estratégia revolucionária (Maquiavel, Antonio Gramsci, Saul Alinsky) contra os próprios revolucionários. Ora, por que precisamos disso se contamos com a realidade dos fatos? Por que, em vez de imitar o PT, estimulando o ressentimento racial ao criar o Tucanafro, o PSDB não se esforçou em esclarecer o povo sobre os males das ditas discriminações positivas (ou ações afirmativas)? E o que dizer da seção "gay" do EPL (Estudantes Pela Liberdade), grupo que defende as liberdades individuais mas dá espaço à bandeira de grupos de pressão?

Esse tipo de estratégia, à qual não-esquerdistas aderem por pragmatismo ou mesmo de forma induzida e realmente engajada (e esquizofrênica, neste caso) é torpe e afronta diretamente o liberalismo e o conservadorismo, porque é orientada ideologicamente, por idéias abstratas, não pela busca da verdade, da realidade dos fatos. O máximo que deveríamos fazer com as armas de guerra política da esquerda, em geral, seria estudá-las a fundo para entendê-las e combatê-las. Assimilar as bandeiras e as formas do discurso da esquerda, a fim de subverter a subversão, é começar a guerra já vergonhosamente derrotado.

Ademais, além de possuir a moralidade do esquerdismo (ou seja, nenhuma moralidade), esses gramscismos e alinskyanismos de sinal trocado são absolutamente ineficazes, porque causam
  • desconforto e constrangimento entre quem está do lado dos estrategistas, por causa da artificialidade e da mendacidade do negócio, 
  • confusão no observador neutro ou indeciso 
  • e risos no adversário, que colherá os frutos desses marqueteiros.
Estratégias políticas são, sim, importantíssimas, mas não são fundamentais -- pois o fundamento está na verdade. Basta ver o sucesso que tipos de certa forma toscos como Jair Bolsonaro faz entre o povo. Por quê? Porque simplesmente "dão a real". Escorregam aqui e ali, como qualquer pessoa, mas, em geral, falam aquilo que toca a população, aquilo que o homem comum pensa. (E isso, falar o que o povo pensa, é muito diferente e muito mais honesto do que falar como o povo, como faz Lula, com sua humildade fingida.) E se há algo que a realidade nos mostra é que a sabedoria do homem comum, que vive a vida real, é muito mais valiosa que as masturbações intelectuais de ideólogos de gabinete. Aliás, só quem torce o nariz à simplicidade e à honestidade da verdade de homens comuns e de Bolsonaros são esses intelectualóides e os jornalistas de esquerda, além dos estrategistas cagões de centro e de direita. Estes, a propósito, são os mesmos para os quais dirijo a questão central deste texto: POR QUE NÃO FALAR A VERDADE?

A forma e a retórica são valiosíssimas, sim -- desde que orientadas pela verdade. Se estiverem esvaziadas de conteúdo fático, preenchidas somente com o gás etéreo da estratégia pela estratégia, serão prestadoras de serviço à maldade e ineficazes em seus intentos. Não sou eu, mas a História é quem afirma isso tudo.

'O Doutrinador': revolta contra a corrupção chega aos quadrinhos

O personagem, que mata corruptos, é um perfeito anti-herói do Brasil contemporâneo
Um dia, não se sabe a data ao certo, um velho soldado do Exército brasileiro decidiu deixar sua aposentadoria, após "quase 40 anos vivendo como um esboço, um rascunho", para uma nova missão, "a mãe de todas as batalhas". Seu uniforme, ao invés da farda verde camuflada, passou a ser uma grande máscara de oxigênio e um casaco com capuz para não ser reconhecido. Do Exército sobraram as botas de couro e os fuzis, dessa vez usados para travar uma guerra —sua guerra— dentro do Brasil contra um inimigo interno: a corrupção. A primeira vítima dessa aventura foi um pastor deputado, assassinado em um quarto de hotel; a segunda, um velho senador que descansava em uma praia do norte. Este justiceiro quer limpar o país de seus dirigentes corruptos e não há negociação ou propina que o detenham:

'O Doutrinador'

"— Eu te pago para me soltar!! Quanto é??

— Não quero seu dinheiro, secretário. Quero que o senhor trabalhe! Só isso. Trens como currais humanos... Ônibus assassinos sem nenhuma fiscalização... Metrô superfaturado e superlotado... Barcas com problemas todos os dias...

— Eu vou mudar tudo!! Eu juro! Eu prometo!

— Não secretário... Eu acho que a mudança virá com seu sucessor... Ou irei atrás dele também."

Assim começa a saga em quadrinhos de O Doutrinador, um perfeito anti-herói do Brasil contemporâneo. Revoltado com o sistema e com sede de vingança, não mede esforços para eliminar, um a um, políticos, empresários da construção, dirigentes do futebol e líderes religiosos corruptos. A obra é publicada desde 2013 no Facebook e, nesta terça-feira, sua segunda temporada finalmente chega às livrarias pela editora Red Box.

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Caindo fora de si mesma

Nelson Rodrigues falava da solidão a que algumas pessoas se viam condenadas e as comparava a "um Robinson Crusoé sem radinho de pilha". Mas Robinson tinha Sexta-Feira, o nativo que ele descobriu na ilha. Se Nelson vivesse hoje, talvez encontrasse melhor parâmetro para a solidão na antissaga da presidente Dilma.

Por todos os lados que se olhe, Dilma está ficando sozinha. Foi maciçamente abandonada pelo Congresso, o que inclui muitos deputados e senadores de seu partido, o PT. Na hora de votar a favor das medidas que a interessam, eles vão ao café, trancam-se nos gabinetes ou "esquecem-se" de apertar o botão. Os outros partidos da "base aliada", então, já lhe deram as costas há muito tempo, e sem precisar devolver os ministérios e benesses com que Dilma comprou seu apoio.

Em compensação, vários ministros do partido de Dilma estão só esperando o momento para cair fora –para que ficar num prédio em chamas e ainda ser desfeiteado pela síndica? Dilma foi abandonada também pelos movimentos dos sem-teto, sem-terra e sem-ética, que não aceitam a sua tentativa de ajustar as finanças que ela própria e seus economistas bagunçaram com seu custoso populismo.

O eleitorado, este se despede dela em batalhões. Reduzida a 9% de aprovação popular em seis meses de mandato, teme-se que, em breve, os que restarem a seu favor caibam numa Kombi. Exatamente por isso, já se ensaia o abandono maior: o de Lula, para quem a renúncia de Dilma e a volta do PT à oposição seriam a sua –dele– única chance em 2018.

Outro dia, na Rússia, Dilma disse em entrevista: "Dilma Rousseff vai acabar esta legislatura". Ao referir-se a si mesma na terceira pessoa, é como se também começasse a descolar-se da mulher que, para sua surpresa, não era bem aquela que suas campanhas eleitorais inventaram.

Má-fé como ideologia

Até os peixes do lago Paranoá sabem que o marco legal do pré-sal engessou a Petrobrás, ao defini-la como única operadora a participar, obrigatoriamente, de todos os consórcios, com um mínimo de 30% dos investimentos.

Nossa maior estatal vive em meio a enorme crise e com uma alavancagem para lá de preocupante, deve cinco vezes mais do que a geração de sua caixa operacional. A petroleira não tem hoje condições sequer de cumprir seu plano de investimento, US$ 220 bilhões até 2018, que dirá avançar na exploração de novos campos em águas profundas.


Diante da necessidade de uma oferta maior de petróleo a partir de 2020, o bom senso indica a urgência de livrar a Petrobras da camisa de força. Seria previsível, portanto, que o projeto de lei apresentado pelo senador José Serra (PSDB-SP), que retira os obstáculos impostos pelo sistema de partilha, fosse apoiado por todos, pois ele expressa o real interesse nacional.

Assim pensam governadores dos Estados onde se situam as reservas do pré-sal, parlamentares das mais variadas colorações partidárias e até mesmo diretores da Estatal, da Agência Nacional do Petróleo e, possivelmente, o próprio ministro das Minas e Energia. Esses não ousam mais se pronunciar publicamente, porque foram enquadrados pela presidente Dilma Rousseff.

Por ranço ideológico, ignorância, talvez má-fé, ou por um mix disso tudo, o governo Dilma e petistas abriram suas baterias contra o projeto do tucano, utilizando-se de um discurso nacionalista rastaquera; e falseando a verdade ao alardear que a proposta retira dinheiro da educação.

Até certo ponto, entende-se a resistência da presidente em aceitar a mudança. Afinal, ela foi mãe desse modelo e já se desdisse tanto da eleição para os dias de hoje, que fica difícil fazer mais um meia-volta volver. No meio de tantas crises, Dilma precisa, desesperadamente, de uma bandeira para chamar de sua.

O que não se entende - e é lamentável -, é a postura do ministro da Educação, de quem se espera, no mínimo, honestidade intelectual.

Na semana passada, Renato Janine Ribeiro atropelou a verdade ao pedir ao Senado que não aprove a mudança do modelo de exploração. Chegou a insinuar que a educação perderia dinheiro se a Petrobras deixar de participar, obrigatoriamente e como única operadora, de todo consórcio vencedor.

Esse é o argumento que circula nas redes sociais petistas. Em uma delas o autor faz uma conta de botequim que ele mesmo reconhece como “suposições”, mas que, no seu entendimento, equivale a um “chute em direção ao gol, que pode raspar a trave ou entrar no gol”. Chutou para fora, arremessando a bola para longe do estádio.


Antes que a mentira sucessivamente repetida vire verdade, o próprio senador esclarece os fatos. Segundo ele, o projeto não altera uma só vírgula na repartição dos royalties do petróleo e muito menos no sistema de partilha.

O inverso é que é verdadeiro. Quanto maior a exploração do pré-sal, maior serão os royalties gerados e, portanto, mais recursos vão para educação. Adiar essa exploração significa jogar para as calendas o objetivo de gerar verbas adicionais para a educação.

O viés ideológico também não se sustenta em pé. É mais um fantasma que se cria para iludir os incautos.

Só mesmo um político com a sapiência do deputado Sibá Machado (AC), líder do PT na Câmara, pode inferir que “mais uma vez interesses nacionais são ameaçados por entreguistas sintonizados com estrangeiro”.

Essa elegia ao atraso foi usada à exaustão contra a adoção do sistema de concessões na exploração de petróleo, nos meados da década de 1990. Dizia-se à época que se estava entregando as riquezas nacionais aos estrangeiros e golpeando mortalmente a própria Petrobras.

Deu-se exatamente o contrário. Submetida à concorrência, a Petrobras ganhou competitividade, afirmou-se como maior empresa brasileira, capacitou-se tecnologicamente, gerou muito mais emprego e dividendos para o Estado.

No centro do maior escândalo de corrupção da história do país, a Petrobras precisa de realismo e foco para recuperar sua grandeza. Dispensa os ideários oportunistas, a malversação e a má-fé.

Há luz no fim do túnel?

O país vive um momento de tensão, angústia e dúvida em relação ao futuro. Nove entre dez lideranças reconhecem que a presidente Dilma perdeu as condições de governar. Infelizmente, o presidencialismo impõe a rigidez dos mandatos. A profunda crise econômica, a operação Lava Jato, a falta de coordenação política e de apoio no Congresso, a rejeição absoluta à presidente Dilma, revelada nas últimas pesquisas, e o vácuo de liderança e autoridade envelheceram precocemente o governo. O ajuste fiscal saiu pela culatra. Não só em termos dos impactos financeiros no Tesouro Nacional, mas, principalmente, na emissão de sinais positivos para o mercado e a sociedade, visando à reconstrução da credibilidade da política econômica, essencial para a recuperação da confiança no governo e na economia brasileira.

A ausência de liderança da presidente Dilma permitiu um protagonismo sem coordenação inédito do Congresso Nacional, o que revela os sintomas da crise de governabilidade e resultou em uma série de decisões que aumenta o gasto público em meio a uma brutal crise fiscal.

E é no meio desse mar revolto que a presidente Dilma – que nestes seis meses permaneceu ausente, solitária, isolada – tentou sair das cordas com uma inacreditável, longa e desastrada entrevista a um dos maiores jornais nacionais, cuja manchete foi: “Eu não vou cair”. Reforçou, assim, a sensação de insegurança e instabilidade que impera no país e a percepção de sua inadequação para o cargo. Aguçou a ideia de que seu governo terminou antes de começar.


Além disso, inaugurou mais uma ofensiva marqueteira, reproduzindo o comportamento da campanha, ancorada na manipulação dos fatos e na mentira, tentando passar a ideia de que as oposições, com Aécio Neves à frente, são golpistas e que um golpe está em curso.

Ora, quem promoveu as pedaladas fiscais, afundou-se na Lava Jato e patrocinou ilícitos eleitorais quer agora se vitimizar?

O PSDB tem compromisso histórico com a democracia, as instituições republicanas e a Constituição. Sabe que a mudança é necessária e inevitável. Mas que se dará dentro do marco constitucional.

A grave situação é fruto da inépcia da presidente e seu governo e da atuação soberana e autônoma do Ministério Público, da Polícia Federal, do juiz Sérgio Moro, do TCU, do TSE, enfim, das instituições republicanas – e não da ação das oposições.

A democracia pressupõe igualdade de todos perante a lei. Dilma e o PT não estão acima da Constituição. Para nós, impeachment não é objetivo nem desejo, mas também não é palavra proibida, já que está prevista na Constituição. Golpismo é achar que o maior escândalo da história brasileira passará impune.

O impasse se aproxima. Não há luz no fim do túnel. O futuro é incerto. Mas uma coisa é certa, o Brasil sob Dilma parece uma nau sem rumo. A Constituição e as instituições republicanas serão a bússola. A sociedade e o destino construirão o caminho.