terça-feira, 14 de julho de 2015

E aí, cara?

O telefone toca, e é a voz do velho amigo que não vê há tempo.

– E aí, cara, sabe porque estou te ligando?

– Fiquei te devendo alguma coisa?

– Uma visita e uns dez abraços.

– Como assim?!

– É que você, na última vez que nos vimos, falou que ia me fazer uma visita e…

– Pois é, cara, mas sabe como é a vida…

– É por isso que estou te ligando. Pra gente se ver, em vez de ficar trocando abraço por email. Vamos abraçar ao vivo, em vez de só em velório de amigos.

– É verdade, vamos nos encontrar sem falta esta semana. Você ainda vai ao Bar do Tomio?

– Não, pra você não me encontrar no meu velório. O médico falou que, se eu continuasse com fritura e cerveja, podia encomendar jazigo.

– E eu só estou bebendo vinho tinto, uma taça no almoço, outra na janta.

– Eu deixo de tomar a do almoço pra tomar duas no jantar.

– Puxa, como não pensei nisso? A do almoço me dá um soninho bobo de tarde…

– E tomando duas na janta, cara, dá pra engolir melhor o noticiário. Só falta roubarem asilo, né?

– Por falar nisso, e tuas ações da Petrobrás?

– Não fala nisso, o médico falou que pode me dar úlcera. Mas lembro toda vez que abasteço o carro. Se arrependimento matasse…

– Nem mata nem faz bem. Toda vez que penso em quem votei me faz mal, e de que adianta?

– E o pior, cara, é que não adiantaria ter votado em outro. Desconfio que esse sistema que está aí é como carro tão sucateado que não aceita mais reforma.

– Vamos fazer o que? Vender o Brasil pro ferro-velho?

– Ou refundir, né. Assembleia nacional reconstituinte!

– Mas já tivemos quantas?

– Só que agora, formada apenas por gente que nunca tenha participado desses partidos que estão aí. Senão vai ser de novo confiar nas raposas pra reformar o galinheiro.

– Ih, o nenê acordou, é um netinho que está dormindo aqui. Então…

– A gente se vê!

– É, até!

A mulher chega quando ele está trocando fralda do nenê.

– Oi, meu bem, você estava falando com quem?

– Com um amigo sonhador.

– E ele sonha com que?

– Com refundir o Brasil. Já é tão difícil limpar um nenê, imagina limpar o Brasil!

– Mas, meu bem, já pensou se a gente não limpasse o nenê?

Países quebram

A Grécia está mostrando ao mundo o que acontece com os Estados perdulários que gastam riqueza não produzida e buscam manter seu padrão de vida usando a poupança alheia. Por esse caminho, formam-se dívidas dotadas de uma extraordinária capacidade de multiplicação. Um dos fatores determinantes dessa multiplicação leva o nome antipático de taxa de juros. Outro consiste em tomar dinheiro novo para pagar dívida velha. Outro ainda é a irresponsabilidade fiscal que leva governantes a não enquadrarem a despesa pública na capacidade contributiva da sociedade.

Países quebram. Leva bom tempo para isso acontecer, mas a estrada acaba. Um dia, não há mais pista para rodar. No horizonte só se avista, então, terra inóspita, mata cerrada, montanhas e rios sem pontes. É a situação grega, um país que deve quase dois anos inteiros de seu decrescente PIB e já perdeu 400 mil jovens para outras oportunidades de trabalho e de vida no exterior. Os gregos creram que seu ingresso na Zona do Euro era um cartão de crédito ilimitado para implantar no país um estado de bem-estar social. Com o dinheiro dos outros. E isso, simplesmente, não existe no mundo real.

Países quebram. No mundo irreal, os políticos que seduziram os gregos e deles colheram votos com a ideia de um Estado provedor, benfazejo, inexaurível em sua prodigalidade, trataram de convencer a opinião pública de que o resto do mundo tem o dever de subsidiá-los com novos empréstimos. A Grécia deve 360 bilhões de euros, não conseguiu pagar uma parcelinha de 1,5 bilhão (ou seja, 0,5% do que deve) e segundo os cálculos dos principais credores (ministros da Zona do Euro), pode estar precisando de mais 83 bilhões de euros. Além de ser difícil estabelecer um consenso sobre esse atendimento, muito mais difícil será obter acordo interno na sociedade grega e em seu círculo de poder para as duríssimas e necessárias medidas de contenção de gastos, aumento de tributos, venda de patrimônio, redução de salários e pensões.

Países quebram. Estados da federação quebram. Durante a campanha eleitoral de 2014 no Rio Grande do Sul, alguns analistas denunciavam hecatombe fiscal em que se constituiu o governo Tarso Genro. Ele estava deixando a seu sucessor uma situação de insolvência que, em breve se tornará nacionalmente conhecida. Perante tais acusações, os políticos petistas afirmavam em orgulhosos rompantes: "Nós não nos submetemos a essa lógica neoliberal". O que chamavam lógica neoliberal era, simplesmente, o zelo pelos recursos do contribuinte, contendo-os nos limites da receita, conforme impõe a lei de responsabilidade fiscal.

O governo petista no Brasil, indo pelo mesmo caminho das pedaladas e da gastança desmedida, jogou-nos numa crise pela qual não precisaríamos estar passando. Vínhamos bastante bem. Nossos governantes dos últimos 13 anos, porém, gastaram demais, fizeram loucuras demais, jogaram dinheiro fora e mandaram dinheiro para fora, torraram reservas demais, locupletaram-se demais. Foram longe demais. E agora chamam golpistas quem busca uma saída política e constitucional para que não sejamos mais golpeados por tanto desmando, incompetência e irresponsabilidade.

Percival Puggina 

O volume morto


No Brasil, qual a diferença entre o comunismo de antigamente e o comunismo de hoje? Só uma: hoje eles estão no poder. Essa é a diferença principal. Na oposição são ardorosos sabotadores, no poder são um desastre administrativo. E se dedicam a sabotar o capitalismo mesmo dentro do poder capitalista. Como eles costumavam dizer, esta é a “contradição principal” deles: como ser contra o regime e governá-lo ao mesmo tempo?

A outra diferença entre ontem e hoje é de sentimentos: antes havia, sim, uma esquerda romântica, como vi e vivi nos tempos de estudante na UNE. A esquerda não era corrupta. Hoje, a esquerda é só um pretexto para o petismo, o lulismo e o banditismo.

Naquela época, não. Nosso romantismo era meio babaca, mas era a única porta para entender o mundo.

Nós éramos mais “puros”, mais poéticos, mais heroicos que os meus colegas de PUC, todos já de gravatinhas adultas. Como era bom se sentir acima dos outros, não por competência ou cultura, mas por superioridade ética. Os operários eram nossa meta existencial. Para nós, eles eram o futuro da humanidade. Nas oficinas do jornal estudantil que eu fazia, crivavam-nos de perguntas e agrados, sendo que os ditos operários ficavam desconfiados e pensavam que nos éramos veados, e não fervorosos “revolucionários”.

Naquele tempo não era possível pensar de outro jeito. De Sartre a Brizola, não havia outra ideologia disponível. A Guerra Fria dividia o mundo em duas facções, e a tomada do poder de Fidel Castro inebriou nossos desejos. Mesmo delirando em utopias, queríamos verdadeiramente, romanticamente salvar o país, contra o “imperialismo norte-americano, o latifúndio e a direita espoliadora”. Não havia espaço para outras ideias, e quem ousasse pensar diferente era canalha, lacaio dos norte-americanos. Por exemplo, Raymond Aron era de “direita” porque discordou do Sartre, pois este incitava seus leitores para agir; Aron ensinava-os a pensar. Como acreditávamos nessa dualidade, ela virou uma verdade incontestável. E essas “verdades” criaram uma nova linguagem que praticávamos com fé e determinação. Em vez dos fatos, a linguagem bastava e nos movia. A linguagem ignorava o mundo real, chato e complexo demais para a mutação histórica que faríamos, pois, afinal, éramos os “sujeitos da história”. Só as palavras simplistas explicavam nossa visão de mundo: alienação, massa atrasada, massa avançada, conscientização, sectarismo, aventureirismo, reacionarismo, entreguismo, proletariado, democracia burguesa e a palavra sagrada que tudo justificava: o “povo”.

E é impressionante a manutenção das mesmas ideias de 50 anos atrás. Éramos implacáveis com as tentativas de conciliação; um dia, o próprio Costa e Silva aceitou receber uma delegação de estudantes. Nada aconteceu porque nós, na porta do Planalto, nos recusamos a vestir paletós. Nossas certezas eram tão sólidas que me lembro de dizer, no dia 31 de março de 1964: “Oba! Já derrotamos o imperialismo norte-americano; agora só falta a burguesia nacional!” No dia seguinte, a UNE pegava fogo, e surgia o anão verde-oliva Castelo Branco, o novo ditador.

Como era fácil ignorar a realidade quando se é da oposição, como era (e é) moleza tramar um programa político sem ter de administrar nada. Os românticos esquerdistas achavam que administrar era coisa de capitalistas (e ainda acham) pois, no desespero da zona geral, tiveram agora de contratar um “neoliberal” para tentar salvar um país quase em “perda total”.

Na época, tudo fazia sentido para nós, sentido calcado em palavras-chave que descreviam a vida, o país, as tragédias mundiais, a subestimação da resistência daquele mal chamado “capitalismo” que tudo descrevia. O capitalismo era tratado como uma pessoa: “capitalismo” hoje acordou de mau humor, o capitalismo tentou nos enganar outro dia, o capitalismo está mentindo etc. Nunca entenderam (como hoje) que o capitalismo não é um regime político, mas um modo de produção – mal ou bem, o único que ainda funciona nesse mercado devastado por crises.

O socialismo utópico ou não era a única ideologia que movia o mundo e que agora justifica a destruição do Estado e do país que os petistas estão perpetrando. De certa forma, esta cagada que aprontaram (perdoem a vulgaridade) foi uma vitória.

A palavra de ordem não era derrotar o capitalismo? Pois agora estão conseguindo cumprir sua utopia: derrotá-lo (e o Brasil junto) sem terem nada para botar no lugar. É espantosa a capacidade de errar dessa gente. Mas para eles, na pior tradição hegeliana, o “erro” é apenas um acidente de percurso. O erro é apenas uma contradição negativa e passageira. Nesse tempo, as reuniões eram incessantes e insuportavelmente longas. E era o mesmo papo de agora no PT: precisamos falar com o povo, com movimentos sociais, sindicatos e (uma palavra que me deprimia) “associações de bairro”. Eu pensava: “Que será isso? Será que querem conscientizar minhas tias?” Nas infinitas reuniões, todos falavam inflados de certezas e ao final se perguntavam: o que fazer? Ninguém sabia. Mas continuávamos firmes militantes do nada, sem saber para onde ir, porque ter dúvidas era “revisionismo”. É como hoje, ver o Rui Falcão falando até me emociona, pois é uma viagem no tempo. Não havia espaço para os males internos e seculares do Brasil; tudo era culpa dos inimigos externos (como hoje – não é, Dilma?).
Hoje já estão no “volume morto”, como definiu o Lula num raro acesso de autocrítica, mas continuarão persistindo na marcha da insensatez. Eles não mudam nunca.

Nunca me esqueço de um debate do grande intelectual “aroniano” José Guilherme Merquior com dois marxistas na TV. Os dois falavam sempre dos erros da esquerda, mas considerados apenas como “percalços” de uma marcha triunfal para o futuro. Eles diziam, batendo no peito: “Erramos no stalinismo, na Hungria, em Praga, aqui erramos em 1935, 1964, em 1968, mas continuaremos lutando”. Merquior respondeu na lata: “Por que vocês não desistem?”

A banalidade do bem

Conhecemos a banalidade do mal descrita pela filósofa Hannah Arendt em seu tratamento do "case" Eichmann em Jerusalém. Pará além da questão do Holocausto em si, seu conceito de banalidade do mal fez fama: Eichmann era um sujeito medíocre, um filho da burocracia, sem "tato moral", como diria o sociólogo Zygmunt Bauman em seu "Modernidade e Holocausto".

Os efeitos da burocracia são a idiotice moral, a estupidez intelectual, o amor ao protocolo e o "não" a qualquer forma de originalidade.

Já a banalidade do mal marca o mal não como "uma profundidade", como na tradição bíblica, mas como uma espécie de fungo que se espalha pelo mundo sem grandes profundidades ou sofrimento moral, aniquilando qualquer reação moral que importe. A banalidade do mal convive bem com horrores contanto que a janta seja servida na hora.

O mal é banal num mundo em que pessoas que são boas mães demitem centenas de funcionários para equilibrar custos na empresa. Como dizia o poeta russo Joseph Brodsky: "O mal adora orçamentos equilibrados" ("Discurso Inaugural", ensaio que integra seu livro "Menos que Um").

Mas, não quero falar da banalidade do mal hoje. Quero falar da banalidade do bem, a irmã caçula da banalidade do mal.

Menos conhecida, ela desfila por nossas praças chiques em que caras limpas e bem vestidas caminham domingos e feriados, em busca de uma vida equilibrada. Seus filhos pequenos e seus cães brincam juntos, provando que "está surgindo uma nova geração com mais consciência".

Voltando ao poeta russo Brodsky e ao texto dele citado anteriormente, uma das ideias mais elegantes que o autor nos apresenta nesse ensaio é que não devemos falar do "bem" diante de muitas pessoas porque os maus sentimentos são os mais comum nas pessoas, e, por isso mesmo, quando você tem muitas pessoas reunidas, o provável é que maus sentimentos estejam por toda parte, e que você esteja falando com muitas pessoas más.

Sobre o "bem", diz Brodsky, deve-se falar apenas em círculos muito íntimos. Logo, não existe a possibilidade de falarmos do "bem" nas redes sociais, se formos levar a sério (como eu levo) o que nos diz o poeta russo. Portanto, o "bem nas redes" é sempre banalidade do bem. E o que é a banalidade do bem, afinal?

Banalidade do bem é uma forma de fungo também, mas que causa um efeito um tanto eufórico em quem a prática, porque faz você se sentir bem "consigo mesmo". Tipo ajudar crianças na África e postar fotos de você sorrindo ao lado da foto de uma delas. Ou assistir a rituais indígenas em algum centro cultural em São Paulo e postar fotos de você ao lado de um neoxamã. Ou postar foto de você com transexuais mostrando que você ama a diversidade. Ou postar frases do tipo "Odeie seu ódio!". Ou imagens de sua filha reciclando lixo.

Veja que a banalidade do bem tem uma dependência direta de você "postar" que você é do bem. Se o habitat natural da banalidade do mal são a burocracia e a "gestão", o habitat natural da banalidade do bem são as redes sociais.

Aliás, um sintoma típico da banalidade do bem é dizer frases do tipo "fazer o bem faz você se sentir bem consigo mesmo". Evite pessoas que falam frases como essas. Se forem suas amigas, provavelmente pegarão seus maridos ou namorados, se tiverem uma chance. Se forem seus amigos, provavelmente, também pegarão seus maridos e namorados.

A banalidade do bem convive bem com sua irmã mais velha, a banalidade do mal. Aliás, arriscaria dizer que as duas fazem uma dupla e tanto. A caçula, como toda caçula, tende a ser mais gostosinha e em forma. A banalidade do bem tem vida equilibrada, só come comida sem glúten, sem gordura trans, faz yoga e fala para os filhos sobre desigualdade social.

Ambas estão preocupadas com a janta, mas a banalidade do mal, mais "pobrinha", se contenta com novela da Globo enquanto come a janta. Já a banalidade do bem, mais "chiquinha", é do tipo vinho branco com comida peruana.

Mas, atenção! Se você tem certeza de que é uma pessoa "do bem" e ficar eufórica, tome remédio contra fungos. E seja discreta e não conte para ninguém.

Balada dos Cãotribuintes



Somos nós os desventurados
Os pobres contribuintes
Obrigados a sofrer até ao fim dos tempos
A sorte a que imper
A que impertubáveis
Nos condenam os nossos governos
Todos os nossos governos

Se meteres cem francos de gasolina
Oitenta vão para o Estado
Olha cheio de concupiscência
Os Cadillac... Olha pra outro lado
No teu dois cavalos de brincar
Saltita ao longo dos caminhos
É uma sorte poderes circular
Amanhã vão-te proibir
Taxa sobre o álcool e a cerveja
Sobre os definitivos e os provisórios
Sobre o triste celibatário
Castigado por ser só um
Controlam-te todos os passos
Ah compraste um belo naco
Tudo corre às mil maravilhas
Paga guloso paga prò saco

Refrão

Numa bandeja o Estado dá-te
Um prato... apanhas um desgosto
Está vazio. E tu admiras-te
Mas é o prato do imposto
Tu passeias pela vida
De peito feito cheio impante
Cuidado com o imposto sobre a energia
É para ontem... ou mesmo antes
Um belo dia sobre o oxigénio
Ligar-te-ão o contador
Tarifa simples o ar do Sena
Tarifa dupla o ar da serra
Eis porém que tu te fartas
Preferes andar aos caídos
Ou tornar-te engolidor de facas...
Taxa de engolidor acrescentada

Refrão 

Um remédio o casamento
Dizes de súbito e corres
A procura de uma rapariga séria
Que saiba de amor e de comes
Apressas-te e calculas
Que ao fim de doze filhos o abono
Do teu rendimento minúsculo
Compensará a escassez
Mas um inspetor das Finanças
Põe-se a badalar a ideia
E pare... sem dor por minha fé
Um texto cheio de veia
Então a Câmara classifica-te
Como garanhão de cobrimento
Medem-te e tens a mais
Pagas taxa sobre o comprimento

Refrão

Se pagasses para alguma coisa
Sempre tinhas uma justificação
Mas infeliz daquele que ousa
Perguntar pr'onde vai o cifrão
Temos estradas miseráveis
Não há escolas mas padres
Acabou o bom vinho há carrascão
Mas fornecem-nos o puré
O governo da França
Republicano — ou que assim diz que é —
Só um prato oferece com abastança
O frango... pilim para o arroz
E para evitar a falência
Dos pobres vendedores de canhões
Faz-se uma guerra do pé para a mão
A guerra não se diz que não...

Mas nós os pobres cães os pobres contribuintes
Virá um dia em que de pau em punho
Nos consolaremos a limpar o redil
Onde os nossos seiscentos porcos estão maduros para o enchido

Boris Vian (1920 – 1959)  

Pátria educadora


De todos os estelionatos eleitorais que o governo Dilma produziu nesses últimos meses, o mais deplorável é aquele que levou os profissionais de marketing de sua campanha a decidir que o slogan de seu governo seria "Pátria educadora". Ao se ouvir algo dessa natureza, o cidadão acredita que está diante de um governo que fará da educação sua prioridade maior.

Isso significa, por exemplo, que ele livrará os gastos com educação da sanha dos cortes inventados por economistas funcionários de bancos privados travestidos de ministros. Economistas contratados para requentar a velha receita do "ajuste fiscal" que pune os pobres e a classe média, isso enquanto deixa intocado os rendimentos da elite rentista e do sistema financeiro.

No entanto, eis que no início do mês de julho somos contemplados com a notícia de que a Capes, órgão do Ministério da Educação responsável pela pós-graduação, será obrigada a cortar 75% da verba de custeio de todos os programas de mestrado e doutorado no país.

Isso significa uma restrição brutal das atividades de pós-graduação, com consequências para a pesquisa desenvolvida entre nós e para o processo de internacionalização de nossas universidades.

Em um momento de crise, os investimentos em educação e pesquisa tornam-se ainda mais decisivos. Países que entraram em crise econômica profunda, como a Islândia, criaram um sistema de bolsas para que desempregados se inscrevessem na pós-graduação, isso a fim de qualificá-los melhor.

Mas imaginar que os economistas que controlam o atual governo compreendam algo dessa natureza é como pedir que andem de cabeça para baixo.

Ao impor ao Ministério da Educação a obrigação de produzir um corte dessa natureza, o governo federal demonstra, mais uma vez, sua falta de compromisso com suas próprias promessas. Se ele realmente quisesse tratar a educação nacional como prioridade poderia lutar por criar um imposto, vinculado exclusivamente à educação, sobre os lucros bancários estratosféricos, sobre as grandes fortunas ou sobre transações bancárias.

Quem sabe, tocado pela situação, o Congresso Nacional, com sua casta recém-contemplada com aumentos de verbas, poderia voltar atrás no aumento do Fundo Partidário e o senhor Eduardo "dia do orgulho heterossexual" Cunha anunciaria que os líderes partidários resolveram que melhor seria abrir mão de tal aumento em prol da defesa do orçamento da educação.

Em uma hora de miséria nacional, não custa delirar um pouco.

Diálogo

- A revolução não processa os sonhos
- Tampouco nos salva dos pesadelos
Italo Calvino, em Se um viajante numa noite de inverno

Para onde vamos?

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O Brasil está numa encruzilhada histórica. Para onde ir? Na República Velha, com todos os defeitos — que eram muitos —, a institucionalidade existente foi um anteparo durante mais de quatro décadas ao caudilhismo. Os principais líderes do período ficaram impossibilitados de exercer o poder à semelhança dos países platinos, assolados por este fenômeno desde o processo independentista. Um fazedor de presidentes, como o senador Pinheiro Machado, teve, se tanto, uma década de efetivo poder e, mesmo assim, não conseguiu chegar ao Palácio do Catete.

Os quinze anos do primeiro governo Getúlio Vargas se constituíram no primeiro momento que uma liderança caudilhista teve efetiva presença na cena política nacional. A ausência de liberdades durante mais de dez anos — excetuando o breve período 1934-1937 — acabou facilitando a consolidação da figura de Vargas, sem ter de travar um enfrentamento político com opositores devido à enorme concentração de poderes nas suas mãos.

O breve período democrático (1945-1964) acabou abrindo a possibilidade para a primeira liderança política efetiva, resultado do livre jogo eleitoral. Juscelino Kubitschek transformou seu quinquênio presidencial numa referência positiva de autoridade, dialogando com a oposição, injetando o país de otimismo e obtendo importantes vitórias no campo econômico.

O ciclo militar impossibilitou o surgimento de lideranças castrenses em parte devido às modificações adotadas, em 1965, que limitaram a permanência de oficiais em postos de comando e no mesmo grau hierárquico. A grande figura civil que emergiu do período foi Ulysses Guimarães, que, devido a diversas circunstâncias políticas, teve de ceder o posto para Tancredo Neves, como candidato oposicionista, em janeiro de 1985. A morte do presidente eleito e as particularidades da Nova República não permitiram ao Dr. Ulysses reassumir o papel exercido nos últimos anos do regime militar.

O processo eleitoral de 1989 deu ao país a possibilidade de restabelecer a democracia plena. Contudo, por decorrência de uma eleição solteira e do desgaste da presidência Sarney, acabou abrindo, pela primeira vez, as portas do Palácio do Planalto para dois candidatos antagônicos mas — paradoxalmente — similares. Incorporaram o figurino caudilhista, o salvacionismo popular, que, na República, ainda não tinha tido uma tradução tão perfeita como em Fernando Collor e Lula.

O impeachment acabou sinalizando a possibilidade de uma efetiva institucionalização da estrutura fundada pela Constituição de 1988. A ascensão de Itamar Franco ao governo, presidente sem carisma e nenhuma veleidade de caudilho, permitiu que sua sucessão ocorresse sem traumas e dentro da ordem constitucional. Fernando Henrique governou por oito anos e, na essência, de forma muito parecida com a do seu antecessor.


O ponto de ruptura ocorreu em 2002. A falta de compreensão da importância da eleição — deu até a impressão que o presidente desejava o triunfo do opositor — levou à vitória de Lula e do espírito caudilhista. Desde então a sua presença ofuscou, inclusive, lideranças do seu partido. O país passou a girar em torno dele, um caudilho de velho tipo, mesmo em plena vigência — suprema contradição! — da mais democrática e aperfeiçoada das constituições brasileiras.

Enquanto a economia dava sinais de vitalidade foi possível conciliar — na aparência — o caudilhismo com a democracia. Na essência, como seria de se esperar, foram solapados os fundamentos do Estado Democrático de Direito. A estruturação do que foi definido, com propriedade, na Ação Penal 470 como um projeto criminoso de poder, associou pela primeira vez na nossa história caudilhismo com um sólido partido político, dando sentido único a uma anomalia, que foi ocupando as estruturas de Estado.

A passagem do poder do criador para a criatura — sem carisma e história — trouxe mais um componente de crise. Que se agravou com as sérias dificuldades econômicas manifestadas a partir de 2013. O sistema político-institucional foi se esfarelando, não conseguindo dar respostas aos anseios da sociedade civil.


Vivemos o momento mais difícil desde a redemocratização de 1985. Não sabemos para onde ir. E o futuro próximo se avizinha cinzento. A pressão popular é desconsiderada pelos donos do poder. A desmoralização das instituições é evidente. Dois chefes de poderes — Dilma Rousseff e Ricardo Lewandowski — se encontraram em território estrangeiro para discutir não se sabe o quê. Ministro é acusado de chantagista cordial — ah, bons tempos do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda — e nada acontece. O PT teve um tesoureiro condenado pelo Superior Tribunal Federal por corrupção ativa e formação de quadrilha e seu sucessor, desde abril, também está preso. Em que país do mundo democrático há um partido no governo que tenha seus dois últimos tesoureiros presos?

Brasília está desconectada do Brasil. A vida segue na Praça dos Três Poderes como se o país vivesse no melhor dos mundos. A presidente diz que não vai cair com a maior naturalidade. Porém, dificilmente vai comer o peru de Natal no Palácio do Planalto. A gravidade da crise é tão grande que até seu criador está procurando uma forma de se livrar da criatura. O caudilho, que destruiu as instituições de Estado, tem plena consciência do significado negativo da permanência de Dilma para seu projeto pessoal. A tarefa para os brasileiros é se safar — política e democraticamente — tanto do criador, como da criatura. É uma questão de sobrevivência.

Nada de novo sob o sol

A moda é concentrar na presidente Dilma o fogo de todos os canhões voltados contra a crise que nos assola. Tudo bem, Madame é a principal figura ostensiva responsável pelas agruras que atingem o país, mais por ter aceitado uma coroa maior do que sua cabeça, menos por faltar-lhe condições para gerir um simples botequim. Mesmo assim, não parece justo deitar sobre seus ombros o ônus da tragédia agora encenada. Há que verificar seus condicionantes e suas preliminares. Ela só chegou à presidência da República por uma decisão imperial do Lula, respaldada pela concordância do PT. Aqui começa a trapalhada. Que o ex-presidente pudesse agir como todo-poderoso czar de todos os Brasís, seria inevitável, mas que o Partido dos Trabalhadores se curvasse a esse ucasse, parece uma aberração.

Acontece que um grande partido não poderia ter sido destruído de fora, antes de ser erodido por dentro. Seu declínio, por haver cedido à imposição de seus donos, teve causa na decadência de seus ideais, após o fim de uma pequena era de esperança. Com a ascensão ao poder, seu mundo ficou velho. Erodiu-se sua ideologia. Os vícios contra os quais lutou passaram a atacá-lo. A classe trabalhadora na qual se afirmava cedeu às tentações e ao exemplo dos poderosos, tendo a destruição começado de dentro para fora. As facilidades da vida fácil fizeram esquecer sua essência. Não foram, os companheiros, conquistados, mas aderindo pelas facilidades ao seu dispor. Misturaram a indignação dos tempos iniciais com as benesses conquistadas depois. Trocaram as agruras de um vida ascética pelo comodismo de exceções futuras. O caráter viril de sua simplicidade cedeu lugar à inclusão na minoria de privilegiados. Desapareceram, aí, suas qualidades. A velha fé na justiça social e na igualdade cedeu lugar ao estoicismo das mudanças em prol de uma sociedade condenada à desigualdade, cientes de que acima de tudo está a conquista do controle dos semelhantes.
Não soube, o PT, proteger a maioria em nome da qual se forjou, por isso tornando-se numa casa vazia cercada pela indiferença e até a indignação. O despotismo interno destrói a disputa pela competição sadia, substituída pelas vantagens e privilégios auferidos pelo exercício do poder. O fracasso do ideal despedaçado preparou o terreno para o desânimo e a ruína. Uma organização de homens livres transformou-se num conjunto de homens vencidos.

Todas essas considerações aplicam-se ao país onde dona Dilma equilibra-se para permanecer onde está, mas basta substituir onde se lê Partido dos Trabalhadores por Império Romano, no caso, com aplauso a Gibbon, para se concluir que nada de novo existe sob o sol…

Nossa parte no bololô

Na ronda que sistematicamente faz nas delegacias de polícia, a rádio Itatiaia entrevistou na semana passada um suposto vagabundo, preso com a mão no que não lhe pertencia. Com as perguntas do script, o repórter abriu para o detido a oportunidade de explicar o sucedido. “Sou trabalhador, nunca quis mexer com nada disso – mas sabe, tô sem emprego, precisava pagar umas coisas, tive que furtar. A Dilma tirou meu emprego”. Ao desemprego que alegou, a ú
nica alternativa que enxergou foi furtar. Oito ou 80.

As redes sociais na última sexta-feira mostravam um vídeo feito por dois indivíduos dentro de um veículo, comentando com pseudo-autoridade uma blitz armada, segundo a narrativa, numa avenida que diziam ser Rio Branco, de algum lugar do país. Expunham uma dessas ações raras, organizadas por diversas polícias e o Exército, dessas que a sociedade reclama que deveriam acontecer todos os dias em todos os lugares de um país inseguro como o nosso. Pois bem. Os idiotas passavam em revista à tropa comentando, gravando, filmando para depois postar nas redes sociais a avaliação que vomitavam: “Olha gente, cuidado. É uma blitz federal. Exército, PM, Polícia Civil, tudo aqui para fazer blitz, para prender seu carro. O governo quer seu dinheiro pra pagar o rombo. Nunca vi isso. Canalhas.” E foi por aí adiante: “Olha gente, quanto periquito de pé preto”, numa debochada referência ao pessoal do Exército que integrava a operação.

O mundo está caindo. O sonho da China, agora fustigado, ameaça dissolver-se, o que será o colapso da economia mundial. A Europa luta para ajustar suas contas, reduzindo privilégios, dosando políticas sociais e mudando aposentadorias. A Grécia sendo amparada para não arrebentar ainda mais a economia dos países do Euro.

No Brasil, a identificação das crises está na casa das centenas. Crise política, crise econômica, crise moral, a democracia ameaçada pela incapacidade administrativa, política e de gestão. Não apenas da Dilma, mas dos agentes públicos na sua mais ampla abrangência. Não temos lideranças confiáveis, capazes de fazer a nação associar-se a um projeto de dimensões maiores, de interesse coletivo. Temos, na grande maioria da nossa classe política, varejistas, políticos ocupados com o fato do dia. Eleitos com o amparo da Constituição pelo povo, por cada (ou porcada) um de nós. O vereador, o prefeito, os deputados estaduais e federais, os senadores, governadores e presidentes da República o são por nossa escolha.

Há décadas que o Brasil é refém dessa desorganização política, fruto de equívocos em série, a começar pela irresponsabilidade de votar, de escolher, de cobrar sistematicamente. Falta de educação, de responsabilidade de nós todos, eleitores e dos eleitos que a tal promovemos.

A Dilma pode ser incapaz, despreparada, desonesta, estelionatária eleitoral. Mas temos câmaras municipais, assembleias legislativas, um Congresso, estruturas amparadas em seu funcionamento pela Constituição Federal, formados pelos vereadores, deputados, senadores que escolhemos. Prefeitos, governadores, presidente da República, tudo no figurino. E que figurino!

Quando tudo isso falha, quando nos sentimos traídos, o que não podia ser diferente, queimamos pneus para interromper as vias públicas, incendiamos ônibus, quebramos vitrines, prédios públicos, concessionárias de veículos e agências bancárias. A história tem a digital de seu povo. O Brasil não é diferente.

Operação Abafa

 
O ex-presidente Lula estaria articulando o combate a uma suposta campanha de criminalização das atividades político-partidárias. Teria sugerido para tanto, em conversa com lideranças do PMDB, uma atuação conjunta das presidências dos Três Poderes. Ora, é um generoso eufemismo descrever como “campanha de criminalização” a divulgação das investigações do Poder Judiciário sobre as degeneradas práticas político-partidárias atuais.

Não há dúvida de que uma atuação coordenada entre Dilma, Renan e Cunha em favor de uma reforma da legislação eleitoral teria sido um ótimo conselho do ex-presidente. Afinal, a classe política continua nos devendo uma forma decente de conduzir suas atividades.

Mas não era bem isso o que Lula tinha em mente na conversa com o PMDB. Pois teria aceitado rapidamente um conselho mais objetivo do ex-presidente Sarney. “O problema é a Lava-Jato, que ameaça o topo da República, de Lula a Dilma, passando pelos presidentes da Câmara e do Senado.
E só Lula, como maior líder político do país, poderia deter a enxurrada. Como? Pressionando os ministros dos tribunais superiores a anular a investigação do petrolão. Lula ficou de procurar Ricardo Lewandowski, presidente do Supremo Tribunal Federal, um amigo de longa data que demonstrou solidariedade no processo do mensalão e pode ser agora decisivo na anulação da Lava-Jato”, registra a revista “Veja” desta semana.

É uma trágica sucessão de erros. Sendo inadequadas as práticas políticas, há que reformá-las. Pelos excessos praticados e pela omissão do Executivo e do Legislativo quanto às reformas, coube finalmente ao Poder Judiciário coibi-los.

São décadas de escândalos envolvendo cifras cada vez mais astronômicas. As digitais estão em toda parte, sendo só agora examinadas pela Polícia Federal, pelo Tribunal de Contas da União, pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Veremos nos próximos meses de que é feita a nossa República. É natural que as criaturas do pântano de todos os partidos aconselhem a asfixia das investigações para a sobrevivência de suas práticas. Apostam em uma “operação abafa” no Poder Judiciário, promovida por quem julgam dever