sábado, 6 de junho de 2015

Jesus não foi à Marcha para Jesus

Bastaria dar uma olhada em alguns dos feitos e ditos de Jesus da forma como aparecem na Bíblia para imaginar que, se estivesse aqui, teria fugido da apoteótica marcha da quinta-feira realizada em sua homenagem.

Teria fugido para se encontrar, na periferia da cidade, com a caravana de excluídos pelos evangélicos fundamentalistas, todos os diferentes e perseguidos pelos poderes conservadores, aqueles com os quais Jesus se entendia melhor do que com os sacerdotes e doutores do Templo.

A Marcha para Jesus tinha como título “Exaltando o Rei dos Reis”, e nela ouviram-se gritos, entre outros, contra a prostituição, as drogas e a novas famílias formadas por gays e lésbicas.

Brasil merece ser visto dentro e fora de suas fronteiras como um país tolerante e moderno sem essas obsessões contra os que praticam diferentes sexualidades

Na grande marcha para Jesus foram ouvidos os ecos da intolerância e indignação contra a liberadora publicidade da empresa O Boticário, na qual casais de homens e casais de mulheres trocam presentes com naturalidade e afeto e que alguns evangélicos tentaram obstruir legalmente.

A Bíblia está, entretanto, coalhada de histórias de amor entre pessoas do mesmo sexo, como os casos das mulheres Rute e Noemi, ou Davi e Jônatas. E até de Jesus com o discípulo João, que os evangelhos apresentam como um caso especial de amor. João era para Jesus o “amado” e “preferido”. E os apóstolos beijavam-se entre eles.

O pastor Estevam Hernandes, da Igreja Renascer, anunciou que as imagens da Marcha para Jesus serão levadas a 170 países. Seu desejo é que Brasil não seja visto no exterior, entre outras coisas, como “o país das prostitutas”.

Na verdade, como o Brasil merece ser visto dentro e fora de suas fronteiras é como um país tolerante e moderno sem essas obsessões contra os que praticam diferentes sexualidades, que continuam sendo mortos, ou contra as prostitutas, as quais Jesus amava e defendia contra a hipocrisia dos fariseus, chegando a dizer que Deus as preferia a eles.

Não como um país que ainda pune como crime a liberdade da mulher de decidir sobre o fruto de seu ventre se assim exigir sua consciência.

Nem um país hipócrita sobre o consumo de drogas ou que ainda não foi capaz de legalizar a legitimidade de novas formas de famílias, querendo, como querem fazer algumas lideranças evangélicas, impor a toda a sociedade um só tipo de família tradicional com ações ditatoriais que lembram a trágica e assustadora posição política das chamadas repúblicas islâmicas.

Como oportunamente escreveu neste jornal minha colega Carla Jiménez, o que a democracia brasileira conquistada com tantas lutas e mortes não merece é que “a hipocrisia possa dominar o dia a dia cotidiano do país”.

O Brasil sempre foi visto por nós estrangeiros como um país acolhedor e tolerante em matéria de fé e costumes. Hoje é triste e preocupante que venham justamente dos templos os gritos de guerra contra os diferentes, contradizendo Isaías que profetizava a chegada de um Messias, não discriminador e intolerante, mas que abraçaria todas as raças e povos com suas próprias identidades: “Minha casa será chamada de casa de oração para todos os povos” (Is. 56).

Jesus teria fugido da marcha de quinta que pretendia apresenta-lo e consagrá-lo como “Rei dos Reis”, já que durante sua vida havia feito o mesmo quando a multidão, em busca de milagres, quis fazê-lo rei. O evangelista João conta o ocorrido: “As pessoas, ao verem o milagre feito por Jesus (o da multiplicação dos pães) dizia: 'Esse é o profeta que deve vir ao mundo'. E Jesus, percebendo que queriam levá-lo para consagrá-lo rei, retirou-se sozinho ao monte”.

Jesus nunca buscou o poder. Não o temia, mas também não o amava.

Como em vida, se os evangélicos desejassem coroá-lo novamente como rei dos reis, Jesus somente aceitaria sê-lo daqueles que alguns dos pastores de suas igrejas discriminam e humilham.

Se existe algo que é revelado com clareza pelos textos sagrados é que Jesus não suportava a hipocrisia dos homens da Igreja que se acreditavam na época, como muitos pastores e bispos, donos da verdade e até da vida e dos sentimentos das pessoas.

Em uma Marcha em homenagem a Jesus, melhor do que gritar contra as prostitutas, o aborto e contra a homossexualidade, ele seguramente teria preferido ler nos cartazes e palavras de ordem algumas frases de seu famoso discurso contra a hipocrisia, reunido pelo evangelista Mateus (23, 1 – 39), como essas:

- “Ai de vós, mestres da lei e fariseus hipócritas que limpais por fora o copo e o prato, mas por dentro estais cheios de ganância e cobiça!”.

- “Ai de vós que por fora pareceis justos diante dos homens, mas por dentro estais cheios de crimes!”.

- “Ai de vós, mestres da lei e fariseus, que descuidais do mais importante da lei como a justiça e a misericórdia”.

Uma das grandes afirmações de Jesus, na qual se inspiraram todas as igrejas cristãs, era a que dizia: “Quero misericórdia e não sacrifícios”.

Os teólogos da libertação, primeiro condenados pelo Vaticano e em fase de reabilitação pelo papa Francisco, sempre afirmaram que a grande revolução do Crucificado foi ter desviado o eixo da fé dos ritos à defesa da vida e da liberdade, do altar às ruas. E nas ruas, os preferidos daquele rei sem coroa e sem casa sempre foram os que ainda hoje continuam sendo os excluídos da sociedade.

Onde deveria estar Jesus na quinta-feira durante a marcha que quis colocá-lo de novo a coroa do rei dos bem-pensantes, os puros e os satisfeitos?

Blatter abre caminho para Dilma

image

Joseph Blatter deu no pé porque sentiu o FBI nos seus calcanhares. Como os investigadores americanos já sabem que a Fifa é uma central de negociatas, o presidente reeleito da entidade achou melhor botar a viola no saco. No Brasil é diferente. Dilma Rousseff sentiu a Polícia Federal nos seus calcanhares, e os investigadores brasileiros já sabem que o governo do PT é uma central de negociatas. Mas a presidente reeleita não deu no pé, porque aqui não tem FBI. E com o silêncio das panelas, está dando até para ouvir o ronco do gigante.

Uma década após o estouro do mensalão, o Brasil ameaça engolir também o petrolão — o que seria o salvo-conduto definitivo para a ladroagem progressista e humanitária. Nestor Cerveró, o primeiro brasileiro a proibir uma máscara de carnaval, foi condenado por comprar um apartamento em Ipanema com propina do petrolão. O ex-tesoureiro Vaccari está preso, acusado de ajudar Dilma Rousseff a alugar um palácio em Brasília (temporada de quatro anos) com propina do petrolão. Mas, nesse caso, a inquilina não está sendo sequer investigada. Como se vê, há propinas e propinas.


As delações premiadas da Lava-Jato já se cansaram de apontar que seria impossível operar um esquema com a dimensão do petrolão, por mais de dez anos, sem a cobertura do Planalto. O FBI jamais entenderia como uma mandatária pode permanecer imune a investigações num cenário desses. Ainda mais havendo indícios claros de dinheiro do esquema em suas duas campanhas presidenciais. E fartas evidências de formação de caixa pelo seu partido com dinheiro roubado da maior empresa nacional — graças a diretores protegidos pelo grupo governante.

Nota de esclarecimento ao FBI: a presunção de inocência da presidente é absolutamente normal na conjuntura institucional brasileira. A Corte Suprema é bem fornida de militantes premiados por anos de lealdade aos seus padrinhos. E o processo da operação Lava-Jato é presidido segundo esse padrão de isenção. Entenderam, prezados ianques? De que vocês estão rindo?

Em perfeita sintonia com os puxa-sacos petistas que foram ser felizes para sempre no Supremo, o procurador-geral da República arremata a ópera da inocência — diante da qual a opinião pública se curva, reverente, babando na gravata. Resta a Dilma subir em sua bicicleta e pedalar solene diante de uma imensa placa “Lava-Jato” — proporcionando a foto emblemática do Brasil-2015. Segue a legenda oficial: “Obrigada, otários, pela sua compreensão”.

Deve ser uma delícia sentir o vento do Planalto no rosto ao ritmo das pedaladas ciclísticas e fiscais ladeira abaixo (rumo à recessão), sem o menor risco de topar com a gangue da faca. Além de mais quatro anos para reger a orgia petista, o mandato presidencial dá direito a pedalar com um aparato de seguranças — e a escolta de um carro oficial, caso sua excelência se canse e prefira as facilidades do petróleo (sem precisar chamar o Vaccari). Quem sabe até dando uma carona ao companheiro Blatter, que ficou a pé.

Seria o mínimo, considerando a carona valiosa que a Fifa deu ao governo petista. Além da oportunidade de construir os estádios mais caros da história das Copas, com a bolsa BNDES irrigando empreiteiras amigas, o balcão do companheiro Blatter fez o favor de tirar o Morumbi da Copa do Mundo. Assim abriu-se o caminho para o milagre do Itaquerão, mais um sonho bilionário de Lula realizado pela Odebrecht — ou o contrário, dá no mesmo. A CPI do Futebol pode ser mais uma oportunidade para o gigante abrir um dos olhos, ver que os companheiros estão metendo a mão no seu bolso, bocejar uma palavra de ordem e voltar aos seus sonhos de anão.

Blatter pediu o boné porque seus cúmplices deram com a língua nos dentes, expondo seu esquema de eternização no poder. Já o esquema de eternização do PT no poder vai bem, obrigado — e os cúmplices podem dar com a língua nos dentes à vontade. O homem-bomba das empreiteiras, Ricardo Pessoa, disse aos investigadores da Lava-Jato que deu R$ 7,5 milhões à campanha de Dilma no ano passado para não perder negócios com a Petrobras. Aí o barulho foi grande: era o gigante roncando.

Indignados com a indiferença da plateia, Dilma e seus amigos da pesada subiram o tom: depois de Erenice estrelar o escândalo tributário da Operação Zelotes e Rosemary ser denunciada por improbidade administrativa, Fernando Pimentel roubou a cena. O governador de Minas — também conhecido como consultor sobrenatural — teve seu braço-direito, o empresário Bené, preso por suspeita de associação criminosa. Entre as acusações contra o amigo do amigo de Dilma está a origem suspeita de dezenas de milhões de reais em receita de sua gráfica, que atende ao PT. Diante do presépio petista, talvez o FBI achasse que está sendo injusto com a Fifa.

A renúncia de Joseph Blatter após sua reeleição foi um gesto pedagógico. Ou o Brasil se inspira nele, ou assume que quer tomar mais quatro anos de pedaladas. E facadas.

À nossa saúde!

genildo

Em pleno hospício

Na presidência do TSE - e à frente da turma do STF que julgará o pessoal do Petrolão -, está o ex-advogado do PT Dias Toffoli. Que fará com seus ex-clientes?

O Brasil é um país singular, em que as causas não geram consequências. Mensalão, Petrolão, BNDES, Eletrobras, fundos de pensão, cartões corporativos – os escândalos se amontoam, e as evidências idem. Nada, porém, ocorre. As personagens responsáveis, conhecidas de todos, não são responsabilizadas.

Que importa que a popularidade da presidente esteja em um dígito há meses – e que a causa seja uma mistura de corrupção e má gestão, em relação às quais, pelo cargo que ocupa, é a principal responsável? Ela continuará governando como se nada houvesse acontecido. Não adianta um ou dois milhões em protesto nas ruas, pedindo a saída do governo. O governo continuará.

“Não há fato jurídico para o impeachment”, proclamam os juristas – e concorda a oposição.

A Petrobras reconhece, em seu balanço, o desvio (roubo) de singelos R$ 6 bilhões de seus cofres, acrescidos da perda de mais de R$ 60 bilhões em decisões administrativas desastrosas.

A ex-presidente Graça Foster dizia que o roubo era de R$ 88 bilhões, mas fiquemos nos R$ 6 bilhões, já que ninguém conferiu essa pequena discrepância contábil. Com R$ 6 bilhões, reconstrói-se o Nepal, destruído por um megaterremoto. E daí? Ora, troca-se a diretoria (o salário do presidente da Petrobras é de R$ 140 mil!) e pede-se desculpa ao contribuinte. Bola pra frente.

Há um abismo entre a chamada voz das ruas e a do Parlamento. E não se vê nenhum partido empenhado em construir uma ponte entre ambos. Fala-se que as instituições estão fortes e que cuidarão de tudo. Mas o que se vê é o cuidado do governo em indicar para os tribunais superiores companheiros de confiança.

Confiança de quem? Na presidência do Tribunal Superior Eleitoral - e à frente da turma do STF que julgará o pessoal do Petrolão -, está o ex-advogado do PT Dias Toffoli. Que fará com seus ex-clientes? Esse dilema não é dele – é nosso.

Os demais nomes – Lewandovski, Luís Roberto Barroso, Teori Zavaski, Facchin – são citados entre os políticos como gente do governo, barreiras inexpugnáveis às investigações.

Até aqui, apenas empresários foram detidos. Há um ou outro ex-parlamentar, de quinto escalão, mas nenhum figurão da política, embora, pelas proporções do que foi roubado, nada pudesse se consumar sem o comando de figurões – da política.

Prospera a tese de que a Petrobras foi vítima de empresários, desprezando-se o fato de que corrupção é via de mão dupla: não brigam dois quando um não quer. E ambos estavam empenhadíssimos em brigar.

As evidências da responsabilidade da atual e do ex-presidente da República não deixam dúvidas. Nem seriam necessárias as delações premiadas. Bastaria o recurso à lógica. Mas lógica no hospício?

O recém-demissionário presidente da Fifa, Joseph Blatter, tentou usar o expediente que Lula usou (e usa) com êxito no Brasil, alegando que não sabia de nada e não teria como vigiar os seus auxiliares. Não colou. A Suíça é um país em que as causas geram consequências. Blatter renunciou.

No Brasil, não só continuaria no cargo, mas ainda reclamaria das acusações e, quem sabe, levaria aos tribunais os acusadores. O presidente do PT, Rui Falcão, disse que processaria o ex-presidente Fernando Henrique por este ter dito, no programa do PSDB, que “nunca se roubou tanto em nome de uma causa”.

Ficou ofendidíssimo. Não basta não punir: é preciso respeitar o infrator. Seguramente, Falcão não processará ninguém, mas não perde a arrogância e a indignação, na base do “respeito é bom e eu gosto”. Faz parte da síndrome do hospício.

Dentro de uma semana, o PT fará, em Salvador, seu 5º Congresso Nacional. Entre as propostas a serem examinadas, estão a de cancelamento das penas aos mensaleiros, a cassação dos ministros do STF que as imputaram, o “rompimento das dívidas externa e interna”, a cassação dos “ministros capitalistas”, a censura à “imprensa burguesa” e a estatização da Rede Globo.

Está tudo lá, entre outras barbaridades, no Caderno de Teses, exposto no site do partido. Quem quiser confira. Da irresponsabilidade penal, ao delírio revolucionário.

Restaram ao distinto público, que paga a conta – e que já está arcando com o “ajuste”, imposto pelos desajustados -, a vaia e o panelaço. Não dependem das instituições, nem da legislação, nem dos políticos – e é um recurso terapêutico, ainda que paliativo, a quem é obrigado a viver no hospício Brasil. Vaiemos, pois.

Somos todos corruptos


Assim que terminou a Copa do Mundo no Brasil, anunciei que tiraria férias em 2018 para ir à Rússia. O plano seria acompanhar os jogos mais interessantes e aproveitar para conhecer o país. Com sorte veria a seleção brasileira, mas não era o mais importante. O que eu queria era aproveitar o Mundial de futebol da forma como não consegui em 2014 porque não me preparei.

Me diverti como pude. Pra mim e para muita gente a Copa se revelou muito mais que futebol. Ficamos encantados. Com a atmosfera saudável em toda a competição, com a alegria das pessoas, com a confraternização nas ruas e estádios, com os jogos espetaculares. Quanto gol, meu Deus!

Nos embriagamos na festa. Esquecemos repentinamente de tudo que havia sido apontado de irregular. E aí veio a ressaca. Gasto público sem precedentes num Mundial, estádios erguidos em locais sem tradição, obras inacabadas. O Galeão ainda parece uma rodoviária.

O Mané Garrincha, que custou R$ 1,4 bilhão, segundo o Tribunal de Contas da União, só não vive às moscas porque é parcialmente usado para abrigar secretarias do governo do DF. Uma economia de R$ 11 milhões mensais aos cofres estatais. Não é preciso ser matemático para ver que a conta não fecha. Do lado de fora, serve de estacionamento para ônibus.

E, então, bem antes da ressaca passar, veio uma enorme dor de cabeça. Temos sido cúmplices das falcatruas da Fifa e da CBF, expostas agora nesse escândalo monumental. A cada partida a que assistimos ao vivo ou pela TV contribuímos para que o jogo continue assim: sujo.

Fala-se em corrupção, de compra de votos para sediar Copas, de resultados de jogos desde a Copa de 1998, na França. A cada dia surgem mais informações e uma montoeira de especulações. Teorias conspiratórias começam a ganhar espaço novamente. O Brasil vendeu ou não a Copa para a França em 1998?

No fundo todo mundo sabia que tinha maracutaia, mas agora que a maracutaia está sendo exposta quem acredita que não haja muito mais sujeira debaixo do tapete?

Acho incrível que essa lama não tenha respingado na Copa no Brasil. Fala-se de África do Sul, Rússia e Qatar e nada sobre a Copa no país que está em 69º no lugar no ranking de corrupção da Transparency International, índice global de percepção de corrupção que avalia 176 países.

Estamos ao lado da África do Sul, que ocupa a 67º posição, mas melhores que a Rússia, em 136º lugar. Isso só não diz mais sobre o Brasil do que as confissões de J. Hawilla.

E o mais importante nessa história toda. O ex-presidente da CBF está preso. Preso. Preso por patifarias cometidas envolvendo milhões em propina. Quem acredita que apenas e só apenas na Copa do Brasil José Maria Marin e seus asseclas não tenham enchido o bolso com muitos e muitos milhões do absurdo que foi gasto para se fazer a Copa? Eu não.

Me pego pensando na Rússia. Seria legal conhecer o Qatar. Vou compactuar com a bandalheira? No fim das contas, não só o dinheiro corrompe. A gente se vende por um pouco de diversão, bagunça e alegria. No fim das contas, somos todos corruptos. A diferença entre nós e os velhacos da Fifa e da CBF é o preço. Eles se vendem por dinheiro e nós pelo circo.

Acima de 10 cm é crime

Qualquer indivíduo é mais importante do que a Via Láctea.
Nelson Rodrigues
Os políticos e governantes continuam a brincar com a dor alheia. Alguns mesmo a bancar os engraçadinhos como Dilma, pedalando toda serelepe para exibir modelito enxuto e segurança máxima às custas do Erário. Vale tudo para marcar pontos no ibope e manter "agenda positiva". Ainda mais que quem paga é o contribuinte.

Não falta novidade no arsenal da cafajestada política. A nova, surgida nos bastidores da Câmara fluminense, é uma lei contra o uso de armas brancas com lâmina acima de 10 cm. Outra vez fazem tudo para "satisfazer" a opinião pública, o que não impede novos roubos com esfaqueamento, um latrocínio branco.
A política brasileira se converteu, por vício, em legislações que não levam a lugar algum. O tamanho da lâmina como o calibre da bala – mesmo que seja tesoura, martelo, canivete, punhal - não reduzem a calamidade de um país criminoso com mais de 50 mil assassinatos por ano, terceiro maior produtor de armas leves do mundo e uma estatística de roubos recordista, porque a polícia faz tudo para merecer bônus e não se esforça para o cidadão fazer o registro.

Deve-se conter a criminalidade, não a arma usada. Definir crime por medida de lâmina é esculachar com a dor alheia.

Conter a criminalidade apenas com leis também é o mesmo que colocar o dedo no buraco de uma represa para impedir seu rompimento. O Estado brasileiro, nunca deu grande bola para a segurança pública. Nos últimos tempos passou a apelar apenas para ações higiênicas de efeito redutório da sensação de insegurança pública. Mais um crime governamental num Estado bandido.

Nem o Planalto, a quem a segurança dos brasileiros deveria ser de máxima importância, nos tempos petistas, ligou para o problema. Só se mexeu quando precisou mostrar ao mundo que fazer uma Copa no país era seguro.

A insegurança continua à solta há muito tempo. O país não tem plano de segurança nacional, a vigilância de fronteiras é praticamente nula, as polícias mal equipadas e despreparadas para conter o crime, as leis furadas constantemente, a impunidade correndo à vontade como moeda de grande valor. Ah, e a marginalidade nem está aí para autoridade, se é que essa existe.


O Estado brasileiro ainda se dedica mais a ter uma polícia repressiva, bem a gosto das ditaduras de republiquetas. Tem-se todo o aparato de primeiro mundo para conter protestos, sentar paulada e cachorro em cima de professor, liquidar revolta de trabalhador, entrar em guerra contra marginais.

A segurança pública e a Justiça equalitária não merece mais do que discurso, discurso e marketing de presidente pedalando sob proteção num país assaltado pela criminalidade. Se não é republiqueta, leva todo jeito. Os ditadores também adoram parecer bem saúde, fazendo esporte, se cuidando, enquanto a população fica entregue ao Deus dará ou às facadas com lâmina acima de 10 cm.

Edinho, amor e ódio

"Todo brasileiro já nasce sabendo conviver com as diferenças", diz a mensagem publicitária da Caixa, ilustrada por um garoto que veste uma camiseta com as cores de todos os times patrocinados pelo banco estatal. A Caixa não prega a tolerância por decisão própria, mas seguindo uma orientação do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Edinho Silva. O menor dos problemas da campanha publicitária é que evidencia, uma vez mais, a apropriação partidária das estatais. O maior é que difunde um equívoco conceitual: a tolerância não é atributo inato de ninguém.

Guido Mantega, Alexandre Padilha e Fernando Haddad sofreram vaias e ofensas, respectivamente, num hospital, num restaurante e no teatro. A campanha de Edinho foi deflagrada como reação a ocorrências desse tipo, que atingem lideranças do PT. Os malcriados que se aproveitam do clima político nacional para constranger petistas só merecem desprezo: numa sociedade decente, políticos devem ter a liberdade de circular como cidadãos comuns sem serem importunados. Contudo o governo lembrou-se muito tarde da importância do amor –e finge não saber quem moveu o peão das brancas.

Nos tempos do mensalão, um assessor da deputada Erika Kokay (PT-DF) perseguiu Joaquim Barbosa em restaurantes de Brasília para ofendê-lo. Quando a blogueira cubana Yoani Sánchez visitou o Brasil, chusmas de militantes do PT e do PC do B foram orientados pela embaixada de Cuba a melar os lançamentos de seu livro. Um bando de militantes petistas impediu, pelo vandalismo, a realização de um debate com minha participação na Festa Literária Internacional de Cachoeira (BA). Tais episódios, entre tantos outros, tiveram como protagonistas grupos partidários organizados, não indivíduos isolados. O ódio era política oficial, antes da descoberta do amor.

A tolerância é um aprendizado democrático. Ela só prevalece se o outro não é visto como inimigo, mas como um de nós. A metáfora da Caixa é adequada, pois todos os times pertencem à mesma pátria: o futebol. Contudo, no poder, o lulopetismo ensinou o contrário disso. A pedagogia oficial do ódio assevera que o país se divide em "nós" e "eles". Mais: diz que "eles" não são brasileiros com opiniões políticas diferentes, mas estrangeiros ideológicos. Você será qualificado de racista se divergir das políticas raciais; de inimigo do povo, se contestar o populismo econômico; de agente das multinacionais, se apontar a ingerência partidária na Petrobras; de golpista, se criticar o governo. Na pátria que se confunde com o partido, dissentir equivale a trair.

A súbita irrupção do amor oficial não cancelou o ódio oficial. Dilma Rousseff insiste na fórmula binária dos "predadores internos" (leia-se: os corruptos) e dos "inimigos externos" (leia-se: a oposição) sempre que menciona a Petrobras. A palavra "golpismo" tornou-se marca registrada dos pronunciamentos do PT. A proposta de resolução partidária da corrente petista integrada pelo ministro José Eduardo Cardozo e pelo ex-ministro Tarso Genro denuncia um "golpismo econômico" que estaria materializado nas políticas de ajuste fiscal conduzidas por Joaquim Levy. Edinho é do amor, mas sua chefe e seu partido são do ódio.

Edinho é do amor? Com uma mão, a Caixa lançou sua nova campanha. Com a outra, prossegue sua antiga campanha de financiamento dos blogs oficialistas consagrados à difamação sistemática da oposição, dos críticos do governo e de juízes encarregados dos escândalos de corrupção. Jatos de puro ódio cintilam sob a película do amor.

Suspeito que, tipicamente, algum malcriado sugeriu que Mantega, Padilha ou Haddad se transfira para Cuba. É o avesso simétrico do que ensina há tanto tempo o lulopetismo. Os malcriados aprenderam um método, assimilaram uma linguagem. Dizem, agora, que o "estrangeiro" é o PT. De certo modo, o PT venceu.

O Brasil no divã

Como dizia o psicanalista Hélio Pellegrino, um dos fundadores do PT, a inteligência voltada para o mal é pior do que a burrice

Divã (Foto: Arquivo Google)
Se o Brasil fosse uma pessoa, estaria fazendo cinco sessões semanais no consultório de um psicanalista e tomando remédio tarja preta.

Descobriu que o pai não é um herói, mas um sem-vergonha infiel, vaidoso e irresponsável, capaz de fazer qualquer coisa pelo poder, e que a mãe é mentirosa e autoritária, e um desastre na administração da casa, além de ninguém entender o que ela diz. Ainda bem que o Brasil não é uma pessoa.

O país está no divã de um grupo de analistas, econômicos, políticos e sociais. Mas o caso é complexo. Complexo de superioridade bravateado por Lula durante anos, desmentido diariamente pela realidade da corrupção, do desperdício e da incompetência; complexo de inferioridade pelo menor crescimento de toda a América Latina, só maior que Venezuela e Argentina, casos perdidos, de internação imediata.

Síndrome de inveja crônica de americanos e europeus, porque conseguem ser mais ricos, educados e viver melhor do que nós.

Complexo de culpa por um país com tantos recursos naturais e tanta beleza, com tudo para se tornar adulto, mas continua adolescente e acreditando em ilusões e almoços grátis, e ignorando que o governo não produz nada e que tudo que gasta é fruto do trabalho e do esforço de cada cidadão, que não sabe que as horas, dias e meses que você trabalha para sustentar o governo estão perdidos e não voltam mais: são vida. Estão roubando a sua vida.

Mas não há esperanças para o paciente enquanto amigos do poder, agregados e parentes incompetentes continuarem ocupando cargos de responsabilidade e dando imensos prejuízos a todos por ladroagem, burrice e ineficiência.

O paciente está atônito diante da atual confusão de valores, em que as fronteiras entre o mal e o bem estão borradas. Quem diria que algum dia aplaudiríamos gente como Eduardo Cunha e Renan Calheiros, por tirar do governo, de qualquer governo, a possibilidade de aparelhar politicamente as estatais — maldição dos anos Lula/Dilma, que levou o Brasil ao divã.

Nelson Motta