quinta-feira, 28 de maio de 2015

Ter mais e ter menos

Vários leitores me escreveram para acusar os "tempos modernos", em que "ter" é mais importante do que "ser".

Hoje, o que temos nos define, à condição, claro, de ostentá-lo o suficiente para que os outros saibam: constatando nossos "bens", eles reconheceriam nosso valor social.

Essa seria a razão da cobiça de todos e, em última instância, da facilidade com a qual todos nos tornamos criminosos.

A partir dessa constatação, alguns de meus correspondentes tentam explicar uma diferença entre ricos e pobres em matéria de crime.

O argumento básico funciona mais ou menos assim: 1) para ser alguém, na nossa sociedade, é preciso ter e ostentar bens, 2) quem vale menos na consideração social (o desfavorecido, o excluído, o miserável) teria um anseio maior de conquistar aqueles bens que aumentariam seu valor aos olhos dos outros.
Em suma, precisamos ter para ser – e, se formos pouco relevantes ou invisíveis socialmente, só poderemos querer ter mais e com mais urgência.

À primeira vista, faz sentido. Mas, antes de desenvolver o raciocínio, uma palavra em defesa da modernidade.

Tudo bem, uma sociedade em que as diferenças são decididas pelo "ter" (vale mais quem tem mais) pode parecer um pouco sórdida. Acharíamos mais digna uma sociedade na qual valeria mais quem "é" melhor, não quem acumulou mais riquezas.

O problema é que, em nosso passado recente, as sociedades organizadas pelo "ser" já existiram, e não foram exatamente sociedades para onde a gente voltaria alegremente –eu, ao menos, não gostaria de voltar para lá.

Geralmente, uma sociedade organizada pelo "ser" é uma sociedade imóvel. Por exemplo, no antigo regime, você podia nascer nobre, perder todos os bens de sua família, inclusive a honra, e continuaria nobre, porque você já era nobre.

Inversamente, você podia nascer numa sarjeta urbana e enriquecer pelo seu trabalho ou pela sua sabedoria, e nem por isso você se tornaria nobre, porque você não o era.

Ou seja, em matéria de mobilidade social, as sociedades nas quais o que importa é o "ser" são sociedades lentas, se não paradas, e as sociedades nas quais o que importa é o "ter" são sociedades nas quais a mudança é possível, se não encorajada.

É bom lembrar disso quando criticamos nossa "idolatria" consumista ou nossa vaidade. Podemos sonhar com uma sociedade organizada pelas qualidades supostamente intrínsecas a cada um (haveria os sábios, os generosos, os fortes etc.), mas a alternativa real a uma sociedade do "ter" são sociedades em que castas e dinastias exercem uma autoridade contra a qual o indivíduo não pode quase nada.

Voltemos agora à observação de que, numa sociedade do "ter" como a nossa, os que tem menos seriam, por assim dizer, famintos –e, portanto, propensos a querer a qualquer custo. Eles recorreriam ao crime porque sua dignidade social depende desse "ter" –para eles, ter (como navegar) é preciso.

Agora, o combustível de uma sociedade do "ter" é uma mistura de cobiça com vaidade. Por cobiça, preferimos os bens materiais a nossas eventuais virtudes, mas essa cobiça está a serviço da vaidade.

A riqueza que acumulamos não vale "em si", ela vale para ser vista e reconhecida pelos outros: é a inveja deles que afirma nossa desejada "superioridade".

Em outras palavras, os bens que desejamos são indiferentes; o que importa é o reconhecimento que esperamos receber graças a eles. Por consequência, nenhum bem pode nos satisfazer, e a insatisfação é parte integrante de nosso modelo cultural.

Não é que estejamos insatisfeitos porque nos falta alguma coisa (aí seria fácil, bastaria encontrá-la). Somos (e não estamos) insatisfeitos porque o reconhecimento dos outros é imaterial, difícil de ser medido e nunca suficiente.

A procura por bens é infinita ou, no mínimo, indefinida, como é indefinida a procura pelo reconhecimento dos outros.

Os bens que conquistamos (roubando ou não, tanto faz) não estabelecem nenhum "ser", apenas alimentam, por um instante, um olhar que gratificaria nossa vaidade.

Não existe uma acumulação a partir da qual nós nos sentiríamos ao menos parcialmente acalmados em nossa busca por esse reconhecimento.

Ao contrário, é provável que a cobiça e a vaidade cresçam com o "ter". Ou seja, é bem possível que a tentação do crime seja maior para quem tem mais do que para quem tem menos.

Os falsos profetas

Não sou muito chegado em assuntos de religião, mas tenho certeza de que os maiores problemas da humanidade provêm de ações religiosas. Todas as religiões se intrometem em assuntos de Estado, e aí começam as confusões.

Quem de nós não é praticante de sua fé? Até eu, que sei das fraquezas humanas, tenho fé para viver uma amizade antiga com Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, herança da mamãe. Gostava imensamente do papa João Paulo II e cheguei a ir a Roma para acompanhar seu sepultamento. Até hoje me emociono com a voz dele. Também admiro João XXIII. Quanto ao papa Francisco, tenho algum receio de sua popularidade, pelo momento que a humanidade atravessa. Popularidade é vizinha de vulgaridade. A figura de pessoas importantes como um papa não pode prescindir de uma certa distância do mundo leigo. Tem de preservar certos mistérios para ser importante, sem dizer ou demonstrar que é. O papa Francisco não pode ser chamado de Chico, a não ser pelos íntimos. Mas o papa não pode ter amigos íntimos... E por que não? Talvez para não ter decepção, que é sempre fraqueza ou má-fé de amigos.

Disse, no início, que toda religião é intrometida. Aqui no Brasil existe a CNBB, que “se acha”, tanto que dá palpite em tudo, e ai do governo que mantiver distância ou que demonstrar certa indiferença por suas decisões. Foi de lá que saíram os padres comunistas hoje em atividade, que se dizem revolucionários, confundindo Marta Rocha com morto roxo.

E esses cultos que vendem a salvação por módicas prestações mensais, hoje pagas até com cartão de crédito? E canais de televisão – que são concessões do Estado – concedidos e alugados para seitas que prometem o céu e ameaçam com o fogo do inferno? As cenas de cura que forjam para depois se vangloriarem do milagre deveriam ser casos de polícia. É crime, capitulado no Código Penal, essa mercantilização promovida por alguns cultos religiosos. Enquanto Edir Macedo constrói o Templo de Salomão e reside em ilhas paradisíacas no Caribe, o arcebispo de Belo Horizonte faz campanha para a construção da Catedral da Fé, idealizada para comportar mais de 100 mil católicos. E o povo precisando de hospitais e escolas... O melhor templo para nossa contrição é a solidão de nós mesmos.

E por que será que, acostumado a falar de política e temas conexos, de repente estou me metendo em assunto tão polêmico? Sei lá... Talvez porque não sou mais político e não penso em votos. Pensava em falar mal daqueles que, na verdade, são os responsáveis pela situação a que chegamos. Dizer que tudo começou com a praga da reeleição articulada pelo vaidoso FHC, invenção que provocou essa corrupção que grassa e desgraça nosso país, pois só existe ex-Luiz e essa mentirosa Dona Dilma porque existe reeleição.

E querem aumentar o número de vereadores, construir shopping no Congresso, aumentar prazo de mandatos e outras desgraceiras congêneres. As Escrituras falam em sinais do fim do mundo, e o aparecimento de falsos profetas é um deles.

Auto-engano ameaça futuro do PT


Nas últimas semanas, aumentou a contestação ao governo Dilma Rousseff por parte de lideranças do PT, o que deve acirrar os debates no quinto congresso da legenda, a ser realizado entre 11 e 13 de junho, em Salvador (BA).

Considerado nome preferencial do partido na disputa presidencial de 2018, Lula criou um “Conselhão”, integrado por Alexandre Padilha, Antonio Palocci e Fernando Haddad, entre outros, para debater temas da agenda política.

Integrante da Mensagem do Partido, corrente de oposição a Construindo um Novo Brasil (CNB), o ex-governador do Rio Grande do Sul Tarso Genro mudou-se para o Rio. Ele critica o ajuste fiscal e defende a formação de uma “nova frente de esquerda” visando às próximas eleições.

O plano de Tarso é afastar o PT dos peemedebistas do Rio de Janeiro, estado em que o aliado tem criado mais problemas ao governo no Congresso. Mesmo que não tenha força para inviabilizar a dobradinha dos dois partidos em 2016, o ex-governador conseguiu dar amplitude nacional à bandeira de contestação ao partido do governador Pezão e do prefeito Eduardo Paes.

No congresso do PT, temas como a aliança com o PMDB e o ajuste fiscal prometem acirrar o debate interno. Um exemplo disso tem sido observado nas votações das MPs do ajuste, durante as quais importantes lideranças petistas têm criticado o pacote, chegando inclusive a divulgar um manifesto cobrando mudanças na política econômica.

Na pauta da reunião em Salvador, a discussão de novas formas de eleição de sua direção dará a Tarso a oportunidade de angariar apoios à tentativa de contestar o domínio exercido pela CNB. Não deve dar certo. Mas o partido deverá sair dividido.

O movimento de Tarso Genro e a rebeldia de senadores do partido, como Paulo Paim e Lindberg Farias, colocam a possibilidade de um racha no partido no horizonte. Marta Suplicy já saiu. Outros podem seguir o mesmo rumo.

O sucesso do PT existiu quando ele conseguiu liderar uma ampla coalizão de centro-esquerda e centro-direita em favor da governabilidade. Foi a fórmula do sucesso que é rejeitada agora em favor de uma tática de confronto. A tolerância de agregar postos e a habilidade de construir consensos foi o grande trunfo do passado.

Agora, em meio as dilemas da governabilidade, setores do partido atacam moinhos de vento e apontam conspirações imaginárias. Não fazem a devida crítica dos erros cometidos. Ao comprar briga com a “direita”, o partido fica mais isolado e afastado da parcela do eleitorado que votou com o PT nas últimas eleições, mas não é identificada como “petista de carteirinha”.

O certo em meio ao mar de dilemas é o fato de que o partido vive um longo inferno astral que não tem fim. Outra certeza é a de que as respostas aos desafios do momento dividem mais do que agregam e quase nunca convencem além dos arraiais partidários. O partido vive um grave processo de auto-engano.

Mais do que nunca o PT precisa da união de seus membros em torno do governo. Não é o que parece que vai acontecer. Precisaria também ter elevadas doses de autocrítica. Tampouco parece que irá acontecer. Dois graves equívocos que podem ameaçar o futuro do partido.

Lula deve explicações

Um dia o Lula falou que não bastava aumentar salários. Era preciso mudar o regime. O tempo passou, mas à exceção dos metalúrgicos do ABC, durante alguns anos, os salários não aumentaram e o regime continua o mesmo. A Nova República continuou velha e o partido dos trabalhadores nem é dos trabalhadores e muito menos é partido. A reforma política nada reformou. A Câmara rejeitou todas as propostas de mudança e o Senado confirmou a supressão de direitos trabalhistas.

Fazer o quê? Aguardar as próximas eleições é sonho de noite de verão. Faz décadas que nos enganamos com a expectativa, porque tudo fica na mesma. Imaginar a rebelião das massas equivale a desconhecê-las e a ignorar que jamais terão consciência de sua capacidade.

Quem assistiu as longas sessões da Câmara, terça-feira e ontem, rejeitando alterações eleitorais, bem como a adesão do Senado ao massacre do trabalhador, concluirá pela desimportância do Congresso e a falência dos partidos políticos.


Madame, no México, exultou e confundiu todo mundo ao dizer “que desde 2008 o Brasil adotou medidas anticíclicas para evitar contaminação da economia pelos efeitos da crise global e que agora é hora de desfazer as medidas anticíclicas e fazer o dever de casa”. Entenderam? Nem eu.

A verdade é que apesar de o PT continuar votando contra os direitos trabalhistas, nenhuma proposta saiu de suas bancadas no sentido de dividir com as elites a carga de sacrifícios para enfrentar a crise econômica. Joaquim Levy já se declarou contra o imposto sobre grandes fortunas e sua opinião parece haver frutificado no partido. O vampiro continua se banqueteando no banco de sangue.

Numa palavra, o regime continua o mesmo enquanto, ou por conta disso, os salários não aumentam. O Lula deve explicações. Pretende voltar ao palácio do Planalto, em 2018, com que intenção? Corrigir os malfeitos de Dilma parece muito pouco. Ampliar o assistencialismo será inócuo. Mudar o regime?

O primeiro companheiro precisa dizer o que pretende. O seu ideal não pode restringir-se à possibilidade dos operários freqüentarem churrascarias uma vez a cada seis meses. Muito menos a voltar aos tempos em que a crise econômica não nos atingia. O provável candidato é intuitivo. Pouco ou nada lê. Toca de ouvido. Mas deve definir o seu regime.

Se os olhos reaprendessem a chorar, seria um segundo dilúvio

Está tudo muito estranho. Até o céu azul deste mês de maio, que outrora se iniciava no princípio de abril, só agora, a partir do último fim de semana, voltou a mostrar sua estonteante e incomparável beleza. Com esse céu, leitor, tão limpidamente azul, que inspirou tantos poetas, qualquer esperança sobrevive, por mais infundada que seja. Só pode ter sido ele, então, que deu força à presidente Dilma para concluir que o pior em seu governo já passou. Para ela, esse imenso barco, no qual lutamos para sobreviver, retomará seu rumo, mas agora em águas mansas e, quem sabe, sem os inconvenientes da operação Lava Jato…

É assim: quem está no poder não sente os baques…
Confesso que, de fato, impressiona-me a disposição da presidente e/ou a tranquilidade (ou o alheamento?) ao afirmar ao jornal mexicano “La Jornada” que o impeachment não a assusta: “O problema do impeachment”, disse ela, “é sem base real. Vire e mexe tem essa. A mim não atemorizam com isso. Eu tenho clareza dos meus atos”.

Está mesmo tudo muito estranho: a presidente prega a necessidade do pacote, mas não se acha obrigada a colaborar com ele. Você já ouviu a presidente ou alguém por ela afirmar que o governo não vai cortar somente na nossa, mas também na própria carne? Pelo contrário, com um Estado gigantesco, com quase 40 ministros, o gasto público, em todos os Poderes, vai de céu de brigadeiro. Ou seja: quem vai pagar o pato é o povo, por meio de cortes, sobretudo, na saúde e na educação. Pois não é ele o responsável final pelo que acontece no país?

O deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, ainda não contente, após meses de trabalhos, pesquisas e debates, pôs fim à Comissão de Reforma Política, mas sem nenhum relatório conclusivo. Segundo Cunha, a extinção da comissão e a destituição do seu relator surgiram de decisão dos líderes. Agora, é seu presidente, deputado Rodrigo Maia, quem relatará a reforma no plenário.

Depois de parecer encomendado ao jurista Miguel Reale Júnior, que levou a direção do PSDB a desistir de bancar, neste momento, o pedido de impeachment da presidente, grupos contrários a ela reagiram contra, também, a oposição, na pessoa do senador Aécio Neves. Acusam-no de alta traição. O Movimento Brasil Livre (MBL) marcou encontro para ontem, e no cartaz que distribuíram há dias lia-se esta frase: “Aécio traiu o Brasil”. “O PSDB”, afirmou o MBL, “disse que não irá aderir à pauta do impeachment, traindo os mais de 50 milhões de votos na última eleição de brasileiros que apostaram nessa falsa oposição que continua nos decepcionando”. Está ou não tudo estranho?

Para esses grupos, não vale a iniciativa da oposição de ingressar, por sugestão do jurista, na Procuradoria Geral da República, com pedido de abertura de investigação contra a presidente, fundada nas pedaladas de autoria do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega.

Querem mais, querem ver é o sangue rolar quente!

Hoje não tenho escolha, leitor, a não ser me juntar ao jornalista Luiz Fernando Vianna, da “Folha de S.Paulo”, na homenagem que prestou ao nosso poeta Carlos Drummond de Andrade: “Os homens não melhoraram/ e matam-se como percevejos./ Os percevejos heroicos renascem./ Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado./ E se os olhos reaprendessem a chorar, seria um segundo dilúvio”. E mais: “Deus vela o sono e o sonho dos brasileiros./ Mas eles acordam e brigam de novo”.

Até a próxima semana, se Deus quiser!

Chucky Brasil

O enigma do tesoureiro

Decifra-me ou te devoro. João Vaccari Neto não é boquirroto, não ergue punho cerrado, fala baixo e sempre arrecadou quieto para o PT. Bancário e sindicalista, Vaccari é considerado um soldado do Partido dos Trabalhadores. Aos 56 anos, com olhar triste ou resignado e aquela barba branca de ursinho fofinho, o agora ex-tesoureiro do PT, afastado após meses de corda bamba, parece ter a consciência tranquila de quem apenas cumpriu ordens. E com eficiência.

Essa é a sina dos tesoureiros. Eles têm as chaves do caixa e do cofre e apenas obedecem. Vaccari não é diferente de Delúbio Soares, o operador do mensalão. Não é diferente de PC Farias, o tesoureiro de campanha de Fernando Collor nas eleições de 1989. PC Farias foi acusado de ser testa de ferro de Collor em vários esquemas de corrupção. A diferença, a favor (?) de Vaccari, é o valor. PC Farias teria arrecadado de empresários privados o equivalente a US$ 8 milhões em dois anos e meio do governo Collor (1990-1992). O “esquema PC” movimentou mais de US$ 1 bilhão dos cofres públicos. Tudo fichinha diante dos atuais desvios denunciados pela Lava Jato – apenas a Petrobras admite um prejuízo de R$ 6 bilhões.

Vaccari não poderia ser abandonado por Lula e Dilma até cair. Por mais que setores do PT alertassem para afastar o tesoureiro antes da tragédia anunciada, como abandoná-lo sem que ele se sentisse traído? Alguns dirigentes do partido têm medo que Vaccari possa, encarcerado, virar um “homem-granada”, depois de ter adquirido, com razão, a fama de “arrecadador eficiente”. O caixa do PT era um antes dele. E outro depois. Em 2007, o PT arrecadou R$ 8,9 milhões; em 2009, R$ 11,2 milhões. Em 2010, Vaccari passou a comandar a tesouraria. Sucesso absoluto. Em 2011, o PT arrecadou R$ 50,7 milhões; em 2013, R$ 79,8 milhões.

Presidente do Sindicato dos Bancários desde 1994, Vaccari entrou no Banespa aos 19 anos como escriturário. Sindicalista de alma e ação, participou da fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). De lealdade canina ao PT, Vaccari age como os que servem ao chefe e à chefa sem perguntar o que é moral, amoral ou imoral. O tesoureiro não move um músculo do rosto quando acuado, só as rugas de expressão na testa denunciam o desamparo. Disse candidamente à CPI da Petrobras que não sabe por que motivo foi ao encontro do doleiro Alberto Youssef. Em fevereiro, recusou-se a abrir o portão de sua casa para a Polícia Federal. Os policiais pularam o muro para cumprir mandado de busca e apreensão. Vaccari já flertava com o malfeito havia tempos. É um dos réus no Caso Bancoop. Acusado de crime de formação de quadrilha, estelionato, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro, por desvios milionários e prejuízo a cooperados que não receberam suas casas.

Vaccari foi finalmente preso no dia 15 de abril. Essa prisão, que envolve acusações à família do tesoureiro – mulher, filha e cunhada –, é mais que simbólica. A história contemporânea dos tesoureiros é prova disso. Eles podem levar a culpa por tudo. Podem fugir para a Europa, para a Tailândia. E até ser assassinados, como PC. O ex-patrão de PC, Collor, tornou-se amigo dos reis. Dá para entender a amizade. É a “nomenklatura”. Eles se reconhecem, se afagam, se solidarizam.

Não sei se Dilma Rousseff hoje se vangloria de ter vencido as eleições. O preço é alto demais. A cada manhã, ela depara com uma nova denúncia. A cada fim de tarde, sofre uma nova derrota. A cada divulgação de números – do PIB à Educação, passando por todos os setores essenciais –, Dilma se confronta com o fracasso de seu primeiro mandato e com o desperdício de anos de irresponsabilidade fiscal e gastos desmesurados da máquina, comprometendo os bancos públicos. Dilma poderia hoje estar apenas pedalando sua bicicleta caso tivesse perdido as eleições. O Brasil deve esquecer essa história de impeachment. A presidente tem de expiar publicamente seus pecados, submeter a economia e a política a ajustes de valores numéricos e morais e recolocar o país num rumo que reverta a herança maldita.

Agora, o tesoureiro está preso. Em entrevista à CNN espanhola, Dilma foi categórica. “Estou segura de que minha campanha não tem dinheiro de suborno.” Dilma tem “certeza” disso porque suas contas da campanha foram todas “auditadas” e “aprovadas”. “Gostaria de dizer o seguinte: se alguma pessoa ganha dinheiro de suborno, essa pessoa será responsável. É assim que deve ser.” Quem será essa pessoa que transformou propina em doação legal? Quem será?

O procurador Deltan Dallagnol disse que “Vaccari tinha consciência de que os pagamentos eram feitos a título de propina”. A denúncia foi aceita pela Justiça Federal do Paraná. Vaccari pertence à mesma corrente do PT de Lula, José Dirceu e Antonio Palocci, chamada “Construindo um Novo Brasil”. Ele é hoje a esfinge a ser decifrada.

O melhor emprego do mundo

Em 2009, a indústria do turismo australiana criou uma campanha publicitária na qual oferecia a jovens de todo o planeta o que chamava de "melhor emprego do mundo". O vencedor do processo seletivo receberia um belo salário para passar seis meses trabalhando como zelador de uma ilha paradisíaca na Grande Barreira de Corais. Entre os benefícios estava morar numa faustosa villa.

É um belo emprego, mas acho que não se compara a um posto de magistrado no Judiciário brasileiro. Os contemplados com um cargo ali recebem um belo salário para trabalhar, não pelo prazo exíguo de seis meses, mas pela vida toda –e com direito a uma excelente aposentadoria. Entre os muitos benefícios oferecidos estão auxílio-moradia e férias de 60 dias.

Se as propostas que constam do projeto que o Judiciário prepara para atualizar a Lei Orgânica da Magistratura vingarem, as coisas vão melhorar. Os juízes ganharão o direito de fixar seus próprios vencimentos, receberão salários extras em cada uma das duas férias e terão aumento sempre que se casarem e gerarem filhos. Os contribuintes também os ajudarão a pagar pós-graduações que decidam cursar e até seus funerais. Também se cogita de oferecer tratamento privilegiado aos magistrados em aeroportos (passaporte diplomático) e delegacias (direito de não ser interrogado senão por outro magistrado).

Não tenho nada contra juízes ganharem bem. Admito que teria certo receio de ser julgado por alguém que percebesse salário de fome. Mas por que não fixar os vencimentos dos magistrados com total transparência monetária e eliminar todas as mordomias, penduricalhos e privilégios extrassalariais que não deveriam ter lugar num país republicano?

O raciocínio é extensivo a parlamentares e servidores em geral. O dinheiro foi inventado justamente porque ele permite atribuir valores comensuráveis a coisas diferentes. Isto é, ele revela em vez de esconder.