quinta-feira, 21 de maio de 2015

O Brasil é para poucos

Em 1974, o economista Edmar Bacha cunhou um termo, Belíndia, que buscava sintetizar as contradições do Brasil: segundo ele, tínhamos uma Bélgica incrustrada em uma Índia. A palavra, popular nos anos 1980, a nossa década perdida, caiu em desuso, inclusive porque não faz muito sentido —a Índia, um país de 1,3 bilhão de pessoas, possui um sistema milenar de castas sociais justificado por princípios religiosos, que gera marajás e miseráveis. Mas se o conceito não tem fundamento não é porque mudou o cenário:continuamos a ter uma das maiores concentrações de renda do planeta —10% da população detêm 42% do total das riquezas do país.

De acordo com a Constituição de 1988, o salário mínimo deve suprir as necessidades básicas (alimentação, moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social) do trabalhador e de sua família. Atualmente, esse valor equivale a R$ 788,00 mensais (cerca de 260 dólares). Segundo levantamento do Banco Central, 28% dos trabalhadores recebem um salário mínimo por mês, e 54%, de um a três (até R$ 2.364,00 ou 790 dólares). Menos de 1% da população ganha mais de 20 salários mínimos mensais (R$ 15.760,00 ou 5.300 dólares). As mulheres brancas, em qualquer camada social, ganham, em média, 30% menos que os homens para exercer as mesmas funções. Um homem negro recebe 57% da média paga a um branco —e uma mulher negra, menos da metade.

Continuamos a ter uma das maiores concentrações de renda do planeta: 10% da população detêm 42% do total das riquezas do país

Lideramos o ranking de cirurgias plásticas por razões estéticas: 1,5 milhão de intervenções em 2013, o que equivale a 12% do total mundial. Além disso, alguns de nossos hospitais destacam-se como referência em especialidades como cirurgia cardíaca, transplantes, tratamentos de câncer e de aids, por exemplo. No entanto, o sistema público de saúde é caótico: leva-se meses para agendar uma consulta, outros tantos para a realização de exames laboratoriais, mais alguns para marcar uma operação. Morremos ou de problemas típicos de países ricos —doenças circulatórias e respiratórias, câncer, diabetes— ou de países miseráveis —aids, cólera, hanseníase, hepatite, sarampo, malária. A tuberculose, doença social por excelência, que atinge particularmente pessoas pobres, registra 70.000 novos casos por ano e 5.000 óbitos. E em 2015 foram notificados 750.000 casos de dengue no país, com o registro de 229 mortes, sendo 169 apenas no estado de São Paulo, o mais rico do Brasil.

A USP, listada entre as 100 melhores instituições de ensino superior do mundo, é uma universidade pública e gratuita, quer dizer, mantida por impostos pagos por ricos e pobres. Mas ali até hoje não vigora um sistema de cotas, e sim um programa alternativo, e restritivo, de inclusão social e racial, por meio de bônus. O ingresso naquela universidade dá-se por meio de um dos vestibulares mais concorridos do Brasil e o acesso à maioria de seus cursos restringe-se a alunos que estudaram nas melhores escolas privadas. A USP mantém-se como reduto exclusivo da elite paulistana. Enquanto isso, segundo a Universitas 21, o Brasil ocupa o 38º lugar no ranking que avalia a qualidade do ensino superior em 50 países. O gasto por estudante brasileiro é de 3.000 dólares anuais —contra a média mundial de 9.500 dólares e muito distante dos primeiros lugares, Suíça (US$ 16.000 dólares) e Estados Unidos (15.000 dólares).


Morremos ou de problemas típicos de países ricos —doenças circulatórias e respiratórias, câncer, diabetes— ou de países miseráveis —aids, cólera, hanseníase, hepatite, sarampo, malária

Embora não haja dados precisos, estima-se que apenas 46.000 pessoas sejam donas da metade das propriedades rurais do país. Enquanto isso, segundo dados do Incra, 4,8 milhões de famílias permanecem sem terra para trabalhar. Dos 400 milhões de hectares titulados, somente 60 milhões (15% do total) são utilizados, e, conforme o IBGE, os pequenos proprietários, donos de áreas com menos de 100 hectares, são responsáveis por 80% da produção de alimentos e 80% da contratação de mão de obra. Noventa mil famílias vivem acampadas em precárias condições ao longo das rodovias e o Brasil lidera o ranking de violência rural: segundo a Ong Global Witness, em 2014 foram assassinados 29 militantes da reforma agrária, sendo quatro deles lideranças indígenas.

Estima-se que apenas 46.000 pessoas sejam donas da metade das propriedades rurais do país. Enquanto isso, segundo dados do Incra, 4,8 milhões de famílias permanecem sem terra para trabalhar

Dependendo de onde nos situamos no espectro social podemos usufruir do que o Brasil oferece de melhor ou de pior do mundo, porque aqui, no mesmo espaço, convivem tempos civilizacionais inteiramente diferentes. A complexidade do nosso país é tão grande quanto a extensão de suas terras —atribuem a Tom Jobim a frase que talvez melhor resume a dificuldade de compreendê-lo (ou de nos compreendermos dentro dele): O Brasil não é para principiantes. Não é mesmo, porque, ao contrário do que apregoava lema governamental recente, o Brasil não é de todos, é de poucos.

Luiz Ruffato

Frei Betto e os erros de Lula



Quando o PT faz a opção de assegurar a governabilidade pelo mercado e pelo Congresso – daí as alianças e a “Carta aos Brasileiros”, que na verdade é a “carta aos banqueiros” -, ali o PT abandona sua matéria-prima, que são os movimentos sociais pelos quais deveria ter assegurado a governabilidade,

Fiquei dois anos e, de repente, o governo matou o Fome Zero para substituí-lo pelo Bolsa Família. Tive então a certeza de que essa opção contrariava a tudo aquilo que o PT vinha pregando desde a fundação. O Fome Zero era um programa emancipador, o Bolsa Família é compensatório. O Fome Zero ia mexer na estrutura do país e por isso foi boicotado pelos prefeitos. Era coordenado por comitês gestores municipais, não passava pelos prefeitos, não havia como usar os recursos para fazer jogo eleitoreiro, então os prefeitos se rebelaram, pressionaram a Casa Civil, que pressionou Lula. No fim, Lula cedeu e eu caí fora.

O erro do Lula foi ter facilitado o acesso do povo a bens pessoais, e não a bens sociais – o contrário do que fez a Europa no começo do século 20, que primeiro deu acesso a educação, moradia, transporte e saúde, para então as pessoas chegarem aos bens pessoais. (...) As pessoas estavam consumindo, o dinheiro rolando e a inflação sob controle, mas não se criou sustentabilidade para isso. Agora a farra acabou, está na hora de pagar a conta

A vocação literária de Frei Betto, entrevista à revista Cult 

O 'gato' da balança


O ex Lula, muito assediado no noticiário político-policial, demonstra que no reino petista há dois pesos e duas medidas quando se trata de Justiça brasileira. E para fugir das investigações está apelando para tudo quanto é santo.

Para o PT, não há nada demais em que a vaga ao Supremo Tribunal Federal provoque uma campanha "eleitoreira" pelas redes sociais, inclusive com a criação de até uma página Fachin. Também não vê nenhuma irregularidade moral e ética em que quem faça a página também seja integrante da home petista. O que tem demais um indicado ao STF - com que recurso pagou ao dedicado petista? - demonstrar sua simpatia pelo partidão?

Quando os integrantes da Justiça passam a investigar os golpistas do PT, aí a coisa muda de figura. E até vale para depreciar o juízo e a conduta dos integrantes do judiciário, envolvidos na investigação, vale mesmo apontar a simpatia deles nas eleições.

É esse o argumento de Lula contra o procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes que o investiga por tráfico de influência em favor da Odebrecht, com financiamentos do BNDES. O já desacreditado Lula entrou com representação no Ministério Público contra o procurador anexando postagens nas redes sociais em que Cordeiro Lopes manifestava opiniões favoráveis a Marina Silva e Aécio Neves.

No reino do PT, conosco tudo pode; contra nós, nada presta.

Não vai acabar bem

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Não é verdade que sempre foi assim, essa roubalheira. Nem que a política brasileira sempre foi essa disputa por interesses pessoais, no máximo partidários.

É clássica a questão sobre a ética na política: é possível ser eficiente e manter os princípios morais? Ou, considerando os ideais políticos: é possível governar sem fazer concessões?

“Nunca abandonamos nossos princípios; nunca mudamos nosso programa; nunca aceitamos alianças espúrias... E nunca governamos”. É mais ou menos o que dizia um quadrinho do argentino Quino — cito de memória — mostrando um ancião discursando para meia dúzia de correligionários numa sala empoeirada.
Humor sempre exagera mas é para, digamos, exagerar uma realidade. Muitas vezes a gente tende a acreditar que a alternativa é essa mesmo: ou o político se mantém fiel ao programa e à ética, e será sempre a honesta oposição, ou faz todo tipo de concessão para alcançar e exercer poder.

Quantas vezes já se disse por aqui que não é possível governar o Brasil sem comprar uns votos?

Mas reparem: ninguém diz isso antes de ser apanhado. Pelo contrário: todos são defensores da ética e da república até o momento em que são flagrados passando o dinheiro.

Ou seja, é uma desculpa de corruptos. E se fosse verdadeira, todos os políticos que viessem a alcançar o poder seriam necessariamente uns bandidos ainda não apanhados. Quase se poderia dizer: um político ladrão é um político normal que foi pego. Que boa parte da população pense assim, é um sinal dos tempos atuais.

Não há apenas uma crise política no Brasil, mas o fim de um ciclo, o desmoronar de um modelo que levou ao limite o fisiologismo e a corrupção. Fisiologismo — essa é uma palavra velha. Pode ser substituída por clientelismo, e se opõe a idealismo.

O político fisiológico não tem jeito: é aquele que busca o poder, por qualquer meio e aliança, para nomear os correligionários e gastar o dinheiro público com sua clientela. E pronto.

Já o idealista se guia por princípios e programas, mas pode ter alguma flexibilidade. Ou como se diz por aqui: é preciso ter jogo de cintura.

Para citar um político do passado, um dos grandes, Franco Montoro, governador paulista. Lá pelas tantas, em sua campanha de 1982, houve uma enxurrada de adesões: estava na cara que ele ia ganhar as eleições de lavada. Muita gente desembarcava de regime militar ou de suas proximidades para aderir ao novo poder.

Nisso, veio um grupo de sindicalistas, logo contestados pela velha guarda de Montoro. “Esses caras são uns pelegos”, reclamavam. E Montoro: bom, se a gente dividir o mundo entre pelegos e não pelegos, eles caem no lado dos pelegos; mas nunca é bem assim.

Os caras entraram e ficaram por ali, pelos cantos do governo.

Ou a recomendação que fazia Tancredo Neves quando, por conveniência política, precisava nomear alguém não propriamente conhecido pela honestidade: “Arranjem para ele um lugar bem longe do dinheiro”.
Claro que há um limite. Excesso de flexibilidade acaba amolecendo as ideias básicas. Mas dá para fazer.

O que aconteceu nos governos do PT foi diferente. O partido tinha programa, seus militantes tinham princípios. Foi largando tudo pelo caminho.

Na primeira eleição de Lula, começou pela campanha, quando o partido passou a buscar as generosas doações de empresas e empresários para pagar os marqueteiros, já mais importantes que os ideólogos. Depois foi o programa. Prometia substituir o neoliberalismo por algo tipo socializante (ainda não se falava em bolivarianismo) mas, no governo, aplicou política econômica tão ortodoxa que quase ganhou uma estátua no FMI. E para se manter no poder, topou as alianças com todo tipo de fisiologismo. Ao final, como mostraram os processos do mensalão e da Lava-Jato, se chegou à compra de apoio com dinheiro de propina.

Um partido queria ocupar o aparelho do Estado para fazer uma determinada política. Outros queriam o governo para atender à clientela. O método resultou ser o mesmo: nomear os companheiros e usar o dinheiro público para fins partidários, de grupos e pessoais. E o método, como sempre acontece nessa história, se sobrepôs a tudo, princípios e programas.

Se no começo se almejava ganhar a eleição para ocupar o governo e aplicar programa, agora se trata de usar o governo (e o dinheiro público) para se manter no poder. Antes era o dinheiro para a causa. Agora é a causa do dinheiro e não apenas para o partido, mas para o bolso dos chefões.

Todo o núcleo de poder, incluindo do poder no Congresso, está envolvido na Lava-jato. A corrupção atingiu níveis tão altos que a gente nem estranha quando delatores prometem devolver dezenas de milhões de reais. A disputa política é pela sobrevivência, pelos cargos, pelo dinheiro.

Qual é? Sempre foi assim — ainda nos dizem.

Mas não, não é normal e não vai acabar sem uma ruptura.

Ferrovia Transoceânica pode esbarrar em questões ambientais

Linha férrea, que pretende ligar a costa brasileira à peruana com apoio financeiro da China, pode causar sério impacto ao atravessar parques nacionais e terras indígenas. Viabilidade da obra ainda está em análise.

Brasil e China deram nesta terça-feira (19/05) a partida para a construção da Ferrovia Transoceânica, que pretende ligar a costa brasileira à peruana. Os três países iniciaram estudos de viabilidade técnica para a conexão ferroviária, porém, o ambicioso projeto está diante de grandes obstáculos, principalmente de ordem ambiental.

No suposto traçado entre o Porto do Açu, no estado do Rio de Janeiro, e o Porto de Ilo, na costa peruana, estão zonas ambientais altamente sensíveis, como o Cerrado e a Floresta Amazônica, além de parques nacionais e terras indígenas. Há ainda o receio de que a linha férrea contribua indiretamente para o desmatamento no entorno das regiões por onde passar.

"Um investimento dessa ordem não deixa de ter consequências para o meio ambiente. Dependendo do traçado, a natureza será um pouco mais ou um pouco menos afetada", afirma Roberto Maldonado, especialista em América do Sul da organização ambientalista World Wide Fund For Nature (WWF), na Alemanha. "É possível que áreas protegidas pelo governo, como territórios indígenas, sejam diretamente afetados pelo projeto."

E o megaprojeto nem precisa sair do papel para se tornar polêmico. Mesmo que seja atestada a viabilidade técnica, ele pode enfrentar resistência de alguns setores da sociedade, de ONGs ambientalistas e de parte do Governo Federal.

O maior obstáculo para uma obra desse porte deverá ser a obtenção das licenças ambientais. "O aspecto ambiental poderá até mesmo inviabilizar a obra", afirma Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE).

Mas os trilhos não precisam necessariamente passar por cima da sustentabilidade. O impacto ambiental da construção e operação de uma ferrovia desse porte dependerá do projeto que será utilizado como referência.

"Do ponto de vista ambiental, tecnologias ferroviárias mais avançadas são de pequeno impacto sobre o meio ambiente", opina Marcos Troyjo, diretor do BRICLab da Universidade de Columbia. "País algum do mundo teve seu patrimônio ambiental seriamente ameaçado pela expansão da malha ferroviária."

Ao financiar o projeto, um dos objetivos da China é tornar as mercadorias mais competitivas e com um custo menor também para o gigante asiático. O valor da obra ainda não foi calculado, mas há estimativas de que a conexão, de cerca de 5,3 mil quilômetros, chegue a custar cerca de 10 bilhões de dólares.

O corredor de trilhos entre os oceanos Atlântico e Pacífico pretende abrir uma saída principalmente para produtos brasileiros como grãos, minério de ferro e carnes para o Pacífico e, ainda, facilitar a importação pelo Brasil e países vizinhos dos manufaturados chineses, sem que a carga precise passar pelo Canal do Panamá.

Caso a ferrovia saia do papel, o Brasil conseguirá também interiorizar o transporte de cargas por meio de ferrovias, o que seria estratégico para o país. Atualmente, um navio graneleiro levando uma carga a partir dos portos de Santos (SP), Paranaguá (PR) e Belém (PA) demora de 30 a 40 dias para chegar até a China.

Através da Ferrovia Transoceânica seria possível reduzir em cerca de 30% a 40% o tempo de transporte de produtos do Brasil para a China, afirma Orlando Fontes Lima, professor de logística e transportes da Unicamp. A diferença dos custos marítimo ou ferroviário, porém, ainda não pode ser estimada, segundo o especialista.

Não se faz ministro para o cargo

No Supremo não deve ser o partidarismo do candidato aprovado que faz o cargo. Mas a independência do cargo que faz o ministro
Joaquim Falcão 

Os indignados seletivos

Os indignados seletivos são uma espécie recém-descoberta. Ninguém sabe se eles sempre existiram. Mas, nos últimos meses, eles podem ser vistos em profusão.
O indignado seletivo é aquele capaz de se inflamar durante uma discussão sobre o Bolsa Família. Sua revolta vem do fato de achar que o programa do governo “sustenta vagabundos”. Ele acha uma indignação o Bolsa Família pagar R$ 35 mensais a brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 77 mensais. Acha absurdo quando uma família pobre ou extremamente pobre, que tenha em sua composição gestantes, mães que amamentam, crianças e adolescentes de 0 a 16 anos incompletos, acumula até 5 benefícios, o que daria a quantia de R$ 175. Para o indignado seletivo, porém, não há problema algum em todos os juízes e promotores do país receberem auxílio-moradia no valor mensal de R$ 4.377,73, independentemente de o magistrado morar ou não em imóvel próprio e/ou suas despesas com aluguel ou hotel serem inferiores a esse valor. Afinal, o salário de um juiz nunca é menos que R$ 25 mil, e R$ 4.3777,73 é uma ajudinha justa.

O indignado seletivo foi capaz de sair na rua com nariz de palhaço para protestar contra a vinda de médicos cubanos para trabalhar no país, num acordo similar ao que fazem 58 nações pelo mundo. Os cubanos vieram para atuar em municípios que não atraíram o interesse de nenhum médico brasileiro, a despeito da bolsa de R$ 10 mil oferecida pelo governo. O indignado seletivo, porém, comemora a chegada de empregadas domésticas filipinas ao Brasil. Mesmo que a vinda dessas profissionais não seja regularizada pelo governo, mas sim feita por uma agência particular. Afinal, “o povo filipino gosta de servir”, não se importa de dormir no serviço e “não fica de má vontade” como as empregadas brasileiras. E ainda, vejam só, fazem as crianças treinarem o inglês: “Good morning, Liza, milk, please”.

O indignado seletivo sai às ruas para protestar contra a corrupção do governo e vai pra cima de qualquer pessoa que esteja usando vermelho, a cor que sintetiza todo o Mal… Mas veste a camisa da CBF, porque “uma coisa não tem nada a ver com a outra”.

O indignado seletivo também é seletivo quando o assunto é “a ética, a moral e os bons costumes”. Ele boicota a novela das nove porque acha uma pouca vergonha sua filhinha ver o selinho de duas senhoras lésbicas. Mas a filhinha assiste numa boa uma trama que mostra assassinato, corrupção, traição, tráfico de drogas e cenas quentes entre pessoas de sexo oposto.

Não espere, portanto, que o indignado seletivo se choque com a sanguinolenta repressão a professores do Paraná, com o deputado que bate na colega no Congresso, com o racismo praticado pelo atleta que representa o Brasil mundo afora, com a homofobia que mata um a cada 28 horas no país, com o assassinato de 82 jovens por dia no Brasil, com a prostituição infantil, que vitimiza cerca de 500 mil crianças.

O indignado seletivo gosta de protestar contra coisas bastante específicas em domingos ensolarados, acompanhado da família, dos amigos e de seus celulares… O indignado seletivo adora bater panelas, dentro de suas casas. Ele já até baixou um aplicativo para isso, porque bater panela dói a mão.

Fachin, a ética da ambiguidade e a ética da irresponsabilidade

Durante sua sabatina na CCJ do Senado Federal, o Dr. Luiz Fachin foi confrontado com suas próprias posições, conhecidas do mundo jurídico e acadêmico nacional. O indicado pela presidente Dilma sempre foi um militante de esquerda, ligado ao MST e defensor de teses que se contrapõem à Constituição Federal. Como poderia um magistrado avesso a importantes preceitos constitucionais ser intérprete da Lei Fundamental? Iria ele reproduzir a conduta de seus futuros colegas? Em algumas votações, ao longo dos últimos anos, muitos deles deixaram a Carta de lado e votaram em conformidade com suas opiniões pessoais, afrontando os constituintes de 1988 e os legisladores ordinários que os sucederam.

Posto entre a espada que o interrogava e a parede de sua biografia intelectual, o candidato Fachin pediu socorro a Max Weber. Disse que, como professor, membro da academia, no mundo intelectual, posicionava-se segundo a ética da convicção. Ou seja, ensinava, escrevia e assumia atitudes públicas em harmonia com suas convicções pessoais. Contudo, na condição de ministro do Supremo, estaria sob a ética da responsabilidade, que lhe era imposta pela Constituição, e que jamais se prestaria para transformar o STF em substituto ou em extensão do Congresso Nacional.

Conversa para senador dormir. Oitenta e um dos 81 senadores sabem que o STF tem legislado, mesmo sem o auxílio do Dr. Fachin. Todos os senadores sabem que o Supremo faz isso, dizendo que não faz, enquanto faz. Todo brasileiro bem informado sabe que o STF, com 11 membros, decide por seis a cinco e que em caso de empate, o voto solitário de qualquer de seus ministros vale mais do que o voto de 257 deputados federais e 41 senadores juntos, ou seja, metade mais um de cada uma das duas Casas.

Portanto, ao enviar para o STF mais um “progressista”, ao empobrecer a Corte com mais um membro da vanguarda do atraso, ao conceder cadeira a outro adepto das ideias que infelicitam o Brasil e boa parte da América Latina neste início deste século 21, o Senado se submeteu à ética do PT. Jogou fora Max Weber e aderiu à ética da ambiguidade, da incerteza, da irresponsabilidade. Decidiu na contramão da segurança jurídica. Pisou no acelerador da revolução através do Judiciário. Ajudou a transformar o Supremo numa corte venezuelana, onde pupilos do partido do governo trocam piscadelas de olho como parceiros de jogo de cartas.

Esta noite em que escrevo é uma noite triste para o Brasil. Trocamos Barbosa por Fachin. Mais um ponto para dentro da curva petista. O Paraná, exoticamente, festeja. O Paraná, por indecifráveis motivos, converteu a escolha de um paranaense para o STF, por iniciativa da presidente Dilma, em suprema honraria regional. Se eu fosse paranaense veria essa indicação como um agravo e exigiria reparações. Admito, estou irritado, cansado e triste. Brasília não me dá alegrias.