terça-feira, 19 de maio de 2015

Na 'Pátria Educadora', corte leva professores federais à greve

No ano em que o governo da presidente Dilma Rousseff adotou como slogan “Pátria Educadora”, as universidades públicas penam sem dinheiro para funcionar a contento e os professores ameaçam entrar em greve por melhores salários.

Tudo indica que vem por aí uma greve nacional de professores de instituições federais, a princípio marcada para começar no dia 28 deste mês.

Foi o que ficou decidido após reunião no último sábado de 43 seções sindicais, segundo o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior. Nesta semana, a decisão será submetida a voto de assembleias locais de professores.

A última greve nacional da categoria aconteceu em 2012, quando 58 universidades federais pararam durante quatro meses. Ontem, Carlos Levi, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), suspendeu a recomendação de paralisar a instituição.

Ainda não se sabe se a ordem dele será atendida. Metade dos 104 cursos de graduação da UFRJ havia deixado de funcionar devido à falta de dinheiro para pagar funcionários terceirizados. A universidade tem mais de 50 mil alunos.

Nos primeiros dois meses deste ano, o Ministério da Educação reduziu em um terço o repasse da verba das universidades federais. O ajuste fiscal do governo deverá cortar de 70 bilhões a 80 bilhões do Orçamento da União. Faltará dinheiro para quase tudo – de despesas obrigatórias a investimentos.

Prazo de validade


O problema é que ocupar os palácios de governo não significa, hoje, ocupar o poder, nem tampouco ter a capacidade de mudar a história. Significa, unicamente, que alguém estará em posição de dar ordens por tempo determinado
Antonio Navalón

No mato sem cachorro


Executado inteiro o “ajuste” já não nos levaria longe. Consiste, como sempre, em aumentar tarifas e impostos, reduzir a renda privada e cortar investimentos para sustentar os gastos do Estado no novo patamar a que chegaram. É mais um arranjo para evitar que se manifestem inteiras as consequências da nossa incapacidade de repactuar a distribuição de haveres e deveres entre o Brasil que paga os impostos e o que os arrecada para habilitar-nos a passar a disputar vitórias, em vez de seguir postergando derrotas certas, sempre no limiar da sobrevivência.

O próprio “tripé” que rendeu nosso melhor momento em um século era um arranjo precário; uma espécie de “cortisona” tomada em doses diárias para permitir ao paciente conviver em relativo equilíbrio com a doença crônica que não se dispõe a enfrentar, e não uma cura.

Nós nunca revogamos nada do que nos vem comendo pelos pés. O Estado brasileiro só tem porta de entrada. A norma fundadora do sistema que aqui aportou com dom João VI é que cada ungido pelo toque de Midas dos “de dentro” se torne um deles para todo o sempre. É em torno da compra e venda dessa “salvação eterna” ainda em vida que se estrutura o anel de ferro que o sustenta.

Ao fim de 300 anos dessa ordenha, tudo o que o Brasil dos miseráveis não tem é o que obscenamente sobra no Brasil oficial. Os direitos gerais só passarão a caber na conta quando os “direitos especiais” deixarem de pesar nela. O drama brasileiro – as crianças sem futuro, os doentes no chão dos “hospitais”, os 56 mil assassinados por ano, a corrupção epidêmica –, tudo é mera consequência dessa premissa.

Não há brasileiro vivo que não saiba disso, mas até as verdades mais evidentes precisam ser repetidas todos os dias em voz alta para se impor.

Neste momento, a ancestral mentira brasileira estrebucha pela enésima vez no seu próprio paroxismo. A conta é proporcional ao tamanho da trapaça e nunca antes ela foi tão grande na História deste país. O desastre lulopetista, que está apenas começando, é daqueles capazes de levar espécies inteiras à extinção. Vai-se abrir uma dessas raras janelas de oportunidade que só o sofrimento extremo proporcionam, com o potencial de alterar a própria ecologia do sistema.

O século 20, quae sera tamen, está chegando ao fim também no Brasil. Ninguém que o represente representa, já, a plateia que vaga pelas ruas. E, no entanto, ainda é ele e a linguagem dele que dominam reacionariamente o palco.

Não se reconhecem mais esses dois Brasis e é aí que moram a esperança... e o perigo!

A destruição do aparato nacional de educação é a obra mais bem acabada do partido que pavimentou o caminho do primeiro presidente-operário a chegar ao poder nas Américas, apenas para provar mais uma vez que a humanidade é uma só, de cabo a rabo, só que com a força dos seus piores vícios multiplicada pela ausência dos matizes críticos com que a educação formal, bem ou mal, acaba por diluí-los. A “educação” que sobrou não é o antídoto, é o veneno. O que resultou dessa desconstrução é um discurso político reduzido a um maniqueísmo primário, da antessala da conflagração, incessantemente derramado sobre um país sem repertório para definir um projeto nacional.

Sendo característico dos sistemas de servidão que quem provoca as crises não as sofre, os ventos que neste momento arejam o Brasil não sopram em Brasília. Lá, onde a maré é eternamente montante, ninguém nunca é demitido e os salários nunca param de subir, é à conquista do poder como ele sempre foi que tudo se refere. Os contendores posicionam-se exclusivamente uns em relação aos outros. O Brasil real não conta. “Se ele é contra eu sou a favor”, e vice-versa. A “primeira divisão” disputa poder político e dinheiro. A segunda só dinheiro e o poder que com ele se compra. Mas preservar o úbere onde todos mamam é o valor maior que, nas emergências, se alevanta.

O terceiro elemento, intocável no seu pedestal, divide-se entre a minoria heroica que resiste reduzida a um papel de polícia, tolerada pelos demais por falta de remédio melhor, e a linha de frente corporativa pela qual a maioria dos acomodados omissos se deixa docemente constranger cuja função é sangrar repetidamente o Tesouro mediante a articulação do “auxílio” ou do “reajuste retroativo” de cada temporada.

Fecha o quadro o “quarto poder”, que – embora não dispute o mesmo queijo dos demais – vive hipnotizado pela mixórdia que eles protagonizam. Não olha para fora, não apresenta as alternativas do presente, não pesquisa as que redimiram outros povos no passado. Limita-se a reproduzir a cena doméstica segundo a linguagem e a pauta dos outros três – quem “ganhou”?, quem “foi derrotado” no último crime de lesa-pátria? –, o que mantém o limite do possível no imaginário nacional exatamente onde o Brasil oficial quer que ele permaneça.

“O país não avança porque não sabe aonde é necessário chegar. Para sabê-lo com certeza era preciso ir ao fundo das coisas, e ao fundo das coisas só se chega com a crítica” é a citação do mexicano Daniel Cosio Villegas que Carlos Guilherme Mota e Adriana Lopez usam como mote do último capítulo da sua História do Brasil, que um qualificado leitor define como “um extraordinário estudo sobre a resiliência do continuísmo”, a marca renitente da nossa trajetória histórica ao longo da qual “todas as raras oportunidades de rompimento com o passado que aparecem acabam por ser reprimidas”.

A repressão da próxima, cujos protagonistas já se apresentaram com seus “generais” e “exércitos”, passa pela anulação, ainda que “em vida”, dos dois Poderes cuja credibilidade o terceiro vem trabalhando abertamente para corromper.

Falta quem, pelo outro lado, levante uma bandeira digna de ser seguida para limpar o sistema “por dentro”, porque se há uma coisa que o Brasil aprendeu de 1964 a 1985 e nossos vizinhos comprovam todos os dias é que, se vamos mal com eles, pior iremos sem eles.

Fernão Lara Mesquita

O Brasil emagrece

O Ministério da Saúde divulgou que mais da metade da população brasileira (52,5%) está acima do peso, e destes, 17,9% são obesos. Assim, é um bom exemplo a presidente da República ter perdido 15 quilos após as eleições. Como em Brasília quase tudo acaba em pizza ou em piada, a mais nova é que mentir emagrece.

Ironia à parte, Dilma deu a receita: “É fechar a boca e fazer uma ginasticazinha, uma caminhadinha”. O regime deve incluir exercícios em duas bicicletas ergométricas e no aparelho, tipo elíptico, adquiridos pela Presidência da República por cerca de R$ 21 mil. Para quem não pode caminhar nas ruas, malhar em casa é uma boa opção. Pedalar, não sendo nas contas públicas, faz bem e emagrece.

Mas quem também tem emagrecido — e sem saúde — é a economia brasileira. As previsões de contração do PIB (Produto Interno Bruto) para 2015 são de 1,2%. Em 2016, os prognósticos indicam crescimento de 0,9%. Assim, entraremos em 2017 mais magros do que estávamos em 2014.

O PIB industrial terá desempenho ainda pior. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) estima quedas de 4,4% na indústria de transformação, 5,5% na construção civil e 2,8% nos serviços industriais de utilidade pública. A variação da Formação Bruta de Capital Fixo — indicador que mede a capacidade de produção do país — será negativa em 6,2%, prevê a CNI.

Como sempre acontece nos ajustes fiscais, os investimentos despencaram. No ano passado, nos primeiros quatro meses, as obras e as aquisições de equipamentos da administração direta somaram R$ 18,3 bilhões, contra apenas R$ 11,5 bilhões de janeiro a abril de 2015, o que significa redução de 37,3%. Até os investimentos sociais estão sendo sacrificados. Na Educação, por exemplo, apesar do lema recém-criado, a “Pátria Educadora” ficou com R$ 895 milhões a menos. Na Saúde e no Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, os investimentos foram enxugados em R$ 496 milhões e R$ 189 milhões, respectivamente. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) ficou menor R$ 6,6 bilhões.

A penúria no quadrimestre é geral. Em 2014, a execução orçamentária do programa Minha Casa Minha Vida foi de R$ 6,1 bilhões. Em 2015, somou apenas R$ 5 bilhões. Trata-se do subsídio que sai do orçamento da União para a redução das prestações dos adquirentes de imóveis. A tesoura também passou pelo Fies. O dinheiro acabou e os repasses diminuíram 33%. Na nova regra, os reembolsos às instituições serão em oito parcelas ao ano, em vez das 12 praticadas em 2014. Os municípios também pagam o pato. Neste ano ainda não viram qualquer centavo da ação “Serviço de apoio à gestão descentralizada do programa Bolsa Família”, destinada à melhoria do atendimento e à atualização do cadastro, entre outras finalidades.

Nas empresas estatais, as últimas informações disponíveis são do primeiro bimestre. Em 2014, o setor investiu R$ 14,7 bilhões, enquanto em 2015 aplicou 17,8% a menos. A retração foi puxada pela Petrobras, abraçada com a Lava-Jato e endividada até o pré-sal.

O arrocho é explicado pelo atraso na aprovação do Orçamento de 2015 e pelo rigor dos limites fixados para os dispêndios. Mas o que já está ruim pode piorar. Nesta semana será divulgado corte nas despesas discricionárias na faixa de R$ 70 bilhões a R$ 80 bilhões, conforme as alterações do Congresso nas medidas propostas pelo governo. Várias autoridades do primeiro escalão irão reclamar em “off”, pois ministro sem verba é como neném sem chupeta.

Os petistas criticam, mas são “Levy” desde criancinhas. No horizonte vermelho, a elevação dos juros vai desaquecer a economia e conterá a inflação. Com o alívio nos preços, as famílias voltarão a consumir e os empresários irão desengavetar projetos. Os cortes nas despesas públicas e o fim das pedaladas irão recuperar a credibilidade do governo junto ao mercado financeiro e às agências de risco. Em dois anos, a economia voltará a crescer e Lula voltará em 2018.

O problema é que, diante da lambança que Dilma produziu na economia, além da sua anorexia política, a recuperação econômica pode tardar e o panelaço aumentar. Para agravar, tudo terá que ser combinado com os russos, Renan Calheiros, Eduardo Cunha e parlamentares do próprio PT e aliados. Haja vista a votação do fim do fator previdenciário…

Enfim, o Brasil parou, atolado nas crises de natureza econômica, política, social e moral. O futuro, a curto e médio prazos, não é promissor. Dilma pode até perder mais alguns quilos, o que não lhe fará mal. Mas a economia e a indústria brasileira não podem continuar a emagrecer.

A raiz do rombo


A raiz da crise atual foi plantada bem antes da eleição da atual presidente. Os enganos e desvios começaram já no governo Lula. O que a realidade está mostrando é que nunca antes nesse país se errou tanto, nem se roubou tanto em nome de uma causa, mas dessa vez o desarranjo foi longe demais
Fernando Henrique Cardoso

Dilma faz haraquiri fiscal

A canetadas, Dilma pode estar cavando a cova do próprio partido. E o pior: para sepultar, inclusive, o legado pelo qual o PT reivindica ser responsável. Desde que chegou lá, em 2003, Lula deixou claro qual parcela da população deveria ser o alvo prioritário das políticas de Estado: os mais pobres.

Por meio do estímulo de políticas desenvolvimentistas, o desemprego caiu, a miséria quase se extinguiu, ampliou-se o consumo por uma classe média inflada, e o acesso à educação demonstrou-se a caminho da universalidade. Foi esse estado de premente transformação que garantiu três reeleições do PT, apesar dos vários escândalos no caminho e do empenho diuturno de nossa fatia aristocrata (de fato ou pseudo) e exclusivista em tentar, em vão, obscurecer a face real da mudança social em curso.

Pois o ciclo petista no Planalto atinge um estágio especial imediatamente após a reeleição de Dilma. O desemprego cresce, bate em nossas portas, e os índices de inflação resistem, vão superar o teto da meta apesar das elevações da taxa Selic mês a mês – o que confirma a tese de que há formas mais eficazes de se praticar política monetária contracionista em cenários de estagnação ou recessão.

Fato é que a baliza mestra do lulismo, a inclusão pelo consumo, trincou-se. O povo anda com dinheiro curto, com crédito mais caro na praça, e quem tem emprego percebe que é o momento de lutar para mantê-lo. O governo petista está perdendo, portanto, o público cativo que provou e aprovou seu “modus”. Perdendo essa massa, que armas restarão para Lula, Dilma e o PT contra uma crise de sete cabeças?

Qual o próximo capítulo? A retração nas políticas sociais. Dilma e os ministros garantem que não, que o ajuste fiscal é implementado justamente para garantir o orçamento das ações de transferência de renda. Mas alguém ainda acredita no que ela diz?

A presidente cantou o valor de R$ 78 bilhões para contingenciamento nos ministérios, sendo esse outro nome para arrocho. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, é exemplo de iniciativa que não sairá ilesa do facão. Trata-se de um programa com força para fazer girar um segmento poderoso e multiplicador da economia, que gera uma cadeia de empregos formais, especialmente para trabalhadores menos capacitados. A próxima sequela recairá sobre o Bolsa Família? Quem garante que não?

Dilma, Levy, Barbosa, Mercadante e cia. perpetuam a velha sina dos países em desenvolvimento, ou subdesenvolvidos: quando seu povo mais precisa do Estado é quando o Estado mais se nega a atendê-lo. Duro é saber que, ainda hoje, há muito mérito próprio retratado nos desmandos que acorrentam nosso país a seu fado histórico.

Dependente desde sempre de vender suas bananas ao mundo, o Brasil entra em recessão quando sobram bananas, ou porque a safra foi inesperadamente boa, ou porque se enjoou delas no hemisfério Norte. O resultado é que as políticas sociais, financiadas pela venda de nossas bananas, não se expandem ou retraem em contrafluxo ao andamento desse comércio internacional, como deveriam. 

O sofrimento dos enfermos

Ninguém duvida que educação pública de qualidade é prioridade indiscutível quando se trata de investimento oficial, certo? Eu também não, mas muitas vezes, para não dizer quase sempre, fico pensando se a preocupação com saúde pública não deveria também estar no mesmo nível. Ou acima. Hoje e sempre, a todo momento.

Sei: agora mesmo, milhares de alunos egressos de escolas públicas depauperadas, ensino desconectado da realidade e professores desmotivados pelos ganhos insuficientes enfrentam um impasse absurdo nos recursos do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). E isso depois de terem sido estimulados a lutar por uma vaga na universidade, quando a hipótese de cortes na educação era, como sempre deveria ser, algo impensável.

Se dói ter sido excluído do auxílio oficial aos estudos, imaginem então o sofrimento de pacientes sem assistência médica. O Sistema Único de Saúde (SUS), que universalizou o atendimento, faz até o impossível com seus servidores abnegados. Tem muito plano privado de saúde que só vende ilusão. E a farsa só acaba desmascarada quando a situação já é de emergência.

Quem está mais habituado a frequentar o ambiente inspirado em hotéis luxuosos de clínicas e hospitais particulares, a começar por muitos políticos e gestores públicos, perde a noção. Pessoas doentes varam o Estado em micro-ônibus lotados pela madrugada, passam a noite ao relento na fila, têm dificuldade para conseguir uma ambulância em situações de urgência… E, mesmo nesses momentos de aflição, esbarram na falta de leito. Como os familiares podem se conformar se há hospitais com alas inteiras abandonadas? Outros têm servidores dedicados, mas em número insuficiente e até mesmo com salários em atraso. Pode isso?

Ninguém deveria dormir em paz sabendo que há pessoas sofrendo por falta de atendimento ou sem os cuidados necessários. Nenhum paciente, por maior que seja a sua dor ou por mais debilitado que esteja, deveria se conformar com a ideia de que é assim porque não tem outro jeito. Sempre tem.

Cada um de nós, individualmente ou em conjunto, pode fazer sua parte. Ainda bem que muitos fazem, e ensino de qualidade, citado lá no início, contribui para maior conscientização. Mas só os governantes _ e cada um sabe das suas atribuições _ têm potencial para agir em escala. Cobremos deles, pois. Menos desculpas e mais ação. Fim ao sofrimento dos pacientes desassistidos. Já.

Clóvis Malta