quinta-feira, 30 de abril de 2015

Pobres são 70% da população brasileira



Esta afirmação é do sociólogo Jessé Souza, novo presidente do IPEA, feita à repórter Nice de Paula que o entrevistou e publicou a matéria por sina excelente, na edição de O Globo de 27, segunda-feira. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada é vinculado ao Ministério do Planejamento. Jessé de Souza pode não permanecer durante muito tempo no cargo, pois sua tese – O Brasil faz de conta que conhece a si mesmo – colide frontalmente com a mensagem do governo Dilma Rousseff, que aponta, nos últimos doze anos, a partir de Lula, um deslocamento de frações das classes pobres para uma nova classe média. Jessé de Souza coloca-se numa rota de colisão. Acho que está certo.

Para ele, 70% da população do país não são de classe média. São pobres, portanto, deixa claro. Pois como o Brasil pode figurar entre as nações formadas em maioria pelas classes médias, se, de acordo com o próprio IBGE, 50% dos trabalhadores ganham até 3 salários mínimos por mês. E 70% não ultrapassam a barreira de cinco salários mínimos?

Como ser uma nação de classe média um país cujos assalariados recebem por ano, no total, 2 trilhões de reais e cujas dívidas atingem 1 trilhão e 400 bilhões? O endividamento alcança portanto, a escala de 70% de seus vencimentos. As favelas e os cortiços proliferam, quase 40% dos domicílios não contam com sistemas adequados de saneamento. Esgotos correm a céu aberto. Jessé de Souza anunciou à repórter Nice de Paula um projeto ambicioso de conhecimento interpretativo, uma espécie, vamos assim dizer, de radiografia dos números do IBGE. A controvérsia vai partir daí. Sua tarefa e sua caminhada não serão nada fáceis. Afinal, revelar a verdade sempre incomoda os governos. O novo presidente do IPEA quer colocar a verdade em torno do manto da fantasia. Ele definiu seu projeto de pesquisa.

Trata-se de um estudo importante e inédito porque vai unir, disse ele, três perspectivas: interpretação dos dados estatísticos; uma dimensão compreensiva e a visão das pessoas a respeito do país e do universo. Neste plano, será necessária, além da interpretação, uma tradução iluminando e expondo melhor, e mais amplamente, as vontades coletivas, suas esperanças, portanto suas decepções e desilusões, acrescento eu. Não se trata de um supercenso. Mas de uma análise do próprio senso à luz de uma inteligência lógica e objetiva. Enfim, em síntese, tudo aquilo que os governos não desejam.

Não desejam porque o reconhecimento público de vulnerabilidade destrói os mitos, como o da despoluição da Baia da Guanabara, exibido domingo pelo Fantástico, quando promessas se transferiram e acumularam de um governo do Rio de janeiro para outro, numa sequência ridícula de inações. Mas esta é outra questão. O essencial, me parece, sob a lente de Jessé de Souza, é o descortinar de um panorama evidente para poucos, porém, embora sentido diretamente por muitos, ignorado conscientemente por estes, vítimas diretas de uma situação de descalabro, como se verifica no setor da saúde, que atravessa o tempo e até o compromisso humano dos dirigentes para com aqueles que mais necessitam.

Os que mais necessitam, assim, não podem ser considerados de classe média. Este mito, portanto, necessita ser destruído, porque enquanto não houver uma compreensão exata do país, por ele mesmo, esse caminho de evolução jamais será percorrido. Essa é, a meu ver, a proposta básica do novo presidente do IPEA. Que seja efetivo enquanto dure, ou pelo menos mantido por quem o suceder. Os governos não gostam muito da verdade.

O que ensina a pancadaria promovida pela polícia de Beto Richa

Os policiais militares destacados, ontem, para garantir o funcionamento da Assembleia Legislativa do Paraná agiram em legítima defesa de suas vidas, disse o governador José Richa (PSDB).

E quem agiu em defesa da vida de quase 20 mil manifestantes, a maioria deles professores, que protestavam contra um projeto do governo que mudou as regras da previdência social dos servidores públicos?

É tarefa ou não da polícia garantir a liberdade de expressão dos cidadãos e reagir com moderação quando provocada por uma minoria? Sim, porque a se acreditar no próprio Richa, foi uma minoria que provocou a polícia.

Richa falou da ação de black blocs. Culpou-os pela violência que atingiu, pelo menos, 213 pessoas, segundo a prefeitura de Curitiba. Mas na hora do vamos ver, comentou que a polícia prendeu sete black blocs.

Não se referiu a mais do que sete. Se havia mais por que a polícia só prendeu sete? Ela foi capaz de ferir 213 pessoas, oito delas gravemente, mas só prendeu sete vândalos. Ora, que polícia é essa?

Usou cachorros para que mordessem manifestantes; balas de borracha, já descartadas por outros governos estaduais; e bombas de gás lacrimogêneo atiradas, inclusive, de helicóptero.

Por que repressão tão descabida? Tão desproporcional? Para conter a sanha de sete black blocs? De jovens desarmados e de gente idosa? De pessoas que até se locomoviam em cadeiras de roda?

Ao manifestar sua solidariedade aos policiais autores de violência tão estúpida, Richa se revelou um líder político, no mínimo, estúpido. Durante entrevista de 14 minutos, tentou justificar o injustificável.

Só conseguiu ser repetitivo. Confuso. Contraditório. Muito aquém das exigências do cargo que ocupa. Admitiu, por exemplo, que a violência produziu “cenas chocantes, indefensáveis”. Para encaixar de imediato:

- A PM reagiu para preservar sua integridade.

Claramente na defensiva, afirmou tolamente que pôs em risco sua popularidade para defender a ordem pública, “obrigação de qualquer governante”. E daí?

A essa altura, quem, além dele, está interessado no risco que sua popularidade correu? Ou ainda corre?

O que houve em Curitiba reforça a suspeita de que governadores do PSDB parecem ter uma especial dificuldade para lidar com manifestações de rua.

Foi assim também em São Paulo quando da inauguração da jornada de junho de 2013.

Ricardo Noblat

Bendine precisa da ajuda da santa

O presidente da Petrobras usa na lapela um broche com a imagem de Nossa Senhora de Aparecida. Que ela o proteja. O comissário acaba de anunciar que no seu plano de investimentos, "talvez você pegue uma SBM, que é uma importante fornecedora".

Importantíssima, porém proibida de fazer negócios com a empresa que Bendine preside. A SBM é uma das maiores companhias da Holanda. Em 2012 faturou algo como US$ 5,5 bilhões e 60% de seus negócios vieram da Petrobras, a quem aluga navios, sondas e plataformas. Dois anos depois, ela pagou uma multa de US$ 240 milhões por ter distribuído propinas pelo mundo afora. No seu acordo com o governo holandês, a empresa reconheceu que molhou mãos em Angola e na Guiné Equatorial. Em relação à Petrobras, apareceram apenas "bandeiras vermelhas". Tudo bem. Foram pagas comissões "legítimas" de US$ 139 milhões ao seu representante no Brasil, que a esta altura mora em Londres. O petrocomissário Pedro Barusco confessou que a SBM pagava-lhe propinas desde 1997. Graças a elas, fez um pé de meia de US$ 22 milhões.

Ao dizer que a SBM "é uma importante fornecedora", de duas uma: Bendine não lê jornais ou acredita que pode dizer o que bem entende. Como a primeira hipótese é implausível, resta a segunda. Maria das Graças Foster, sua antecessora, acreditou que era uma "Dama de Ferro" e talvez tenha até acreditado que na infância viveu no Morro do Alemão. Referindo-se à sua capacidade de combater roubalheiras na empresa, disse que "não ficará pedra sobre pedra". Parolagem.


Aldemir Bendine antecipou sua própria leniência para com a "importante fornecedora". Atropelou a CGU e o Tribunal de Contas da União, a quem cabe a última palavra, e deixou as duas instituições numa situação constrangedora.

Pode-se entender que bancos, empreiteiras ou fornecedores de equipamentos e propinas queiram proteger suas reputações e, sobretudo, seus investimentos em projetos micados. A pior maneira para se conseguir isso é o estilo trator, com a ajuda de hierarcas da Petrobras atropelando instâncias e empulhando a patuleia. Foi assim que se criou a encrenca desvendada pela Lava Jato. Desde 1997, a SBM, Pedro Barusco e outros petrocomissários faziam as coisas no peito. Deu no que deu.

Ganha sem apostar

Dilma aumenta megasena para ganhar 1 bilhao e aumentar arrecadacao andando B

O Brasil caminha a passos lentos, mas ninguém sabe para onde


O Brasil caminha, mas dou um doce para quem souber para qual direção. A presidente Dilma Rousseff, por sua vez, não faz ideia (ou faz e não está aí para ninguém) do estrago que ela e o Partido dos Trabalhadores, com o especial apoio do ex-presidente Lula, fizeram ao país. Há 13 anos, assumiram o governo e se deslumbraram com o poder, mas, sobretudo, com a possibilidade de nele permanecerem por muitos e muitos anos. Para tanto, precisariam de quê? De dinheiro, pois a venda de camisetas e bótons ou a hospedagem em casa de militantes já não tinham sentido. O sonho de um partido puro e ético já ficara para trás, nas calendas gregas, como detalhe para ser lembrado somente na hora de pedir votos.

Ou será que o balanço da Petrobras não diz nada? As declarações da presidente (sobre ele e o nosso maior orgulho) chegaram a ser patéticas. A apuração dos crimes praticados contra a empresa não chegou ao fim, e o prejuízo oficialmente apontado ainda é pequeno. Outras descobertas virão e o farão crescer muito. Não será fácil resgatar, no Brasil e no mundo, o enorme prestígio que teve um dia.

Policiais, procuradores e o juiz Sérgio Moro têm sido – e esperamos que continuem trabalhando com a mesma dedicação – verdadeiros “guardiões da República”. Têm-se dedicado a um combate sem tréguas contra a corrupção, nossa velha conhecida, mas que de alguns anos para cá, sobretudo a partir da gestão do PT, piorou muitíssimo. Ou piorou em consequência da má qualidade moral ou ética dos nossos representantes (que são escolhidos por nós…), ou porque o valor do nosso Produto Interno Bruto é, hoje, um atrativo a mais, ou porque, enfim, vivemos no paraíso da impunidade, que permite que a análise do risco, pelos criminosos, se subordine ao conhecido conceito do custo/benefício. As penalidades, se ocorrerem, imaginam eles, serão sempre insignificantes diante do enorme ganho material a ser alcançado.

É verdade que somos responsáveis pela escolha dos nossos governantes, mas não há como não se referir a um triste e trágico passado para dizer que o golpe militar (e civil) de 1964 é talvez o maior responsável pela má qualidade dos que hoje estão na vida pública brasileira. O estúpido garrote à universidade brasileira foi uma das principais causas desse terrível e lamentável desastre. O regime imposto ao país, durante 21 anos, sacrificou lideranças nascentes e impediu o surgimento de outras, permitindo o acesso à vida pública de figuras deploráveis, que nos envergonham no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas, nas Câmaras Municipais, nos governos estaduais e nas prefeituras. Somam-se, ainda, a esses pândegos os milhares de ocupantes de cargos substantivos no país. Foram essas figuras que levaram o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso a advertir, em palestra recente para alunos da Universidade de Harvard, que “não podemos deixar que a política seja espaço de gente que não deu para nada”. Uma declaração dura, leitor, mas que revela, com precisão, a realidade do que tem acontecido há anos em nosso país.

Mas é preciso virar a página e reagir ao ambiente de revolta e pessimismo, em relação à política, que perigosamente, mas com sobejas e fundadas razões, vai tomando conta dos brasileiros. Nenhum país conseguirá vencer os momentos difíceis sem contar com a política e com lideranças que a encarem com seriedade e ética. E isso já ocorreu no passado e poderá voltar a acontecer brevemente.

Ou será impossível?

A doença do Brasil

O Brasil é doente, diagnosticou o insuspeito ex-presidentre do Uruguai José Mujica, numa entrevista à BBC que O GLOBO repercutiu na sua edição do dia 24 do corrente. Para Mujica, com 80 anos e muitos quilômetros rodados na vereda política e tendo como norte a irmandade esquerdista latino-americana, a patologia nacional brasileira tem como centro o “tráfico de influência” que seria uma “tradição” do nosso sistema político.

Concordo em gênero, número e grau com Mujica.

Ele não leu o que tenho reiterado em livros e neste espaço, mas é exatamente isso que afirmo quando entendo que toda a cosmologia do Brasil se fundamenta nas relações pessoais e como essas relações são administradas.

A lógica do dar e receber (ou do dar para receber) é o coração do “favor”. Se eu te faço um favor, se eu te devo favores, esses favores nem sempre se encaixam nas divisões ideológicas e jurídicas que regem o Brasil como país.

José Mujica discerne o problema quando acentua que conseguir a maioria parlamentar no Brasil em nível local ou nacional é muito dificil porque “o Brasil é um macramé”. Ora, o macramé, como esclarece o dicionário, é uma colcha de retalhos. Em sociologuês, di-ser-ia — como elaborei num livro publicado em 1979 (“Carnavais, malandro e heróis”) — que é uma conjunto de elos imbricados, constituídos a partir de simpatias e antipatias pessoais, num palco demarcado por papéis institucionais. Se o macramé fala de liames pessoais, o lado legal do sistema demanda que ele se dobre ou venha a romper-se pelos deveres impostos pelos papéis institucionais. Um presidente de estatal não pode nomear somente companheiros de partido. Ele é obrigado pelo papel que ocupa a escolher pelo mérito. Entre esses dois impulsos ou obrigações, situa-se o que chamei de “dilema brasileiro”. Um dilema vigente em todas as democracias inspiradas nos ideias universalistas de 1789.

Num nível tudo parece muito simples: gastamos muito, erramos muito mas, acima de tudo, continuamos a imaginar a centralização como a saída para todos os problemas nacionais, esquecendo a força dos velhos costumes, os quais têm o poder das velhas tecelagens, como revela Mujica.

Tanto no plano econômico quanto no político, as regras são claras e formais. Mas o mundo das “influências” advindas da casa, uma ética da reciprocidade interfere com a do Estado e distorce o chamado “espirito do capitalismo”. Nessa tecelagem, a empresa não visa ao lucro, mas ao emprego para os amigos e recursos para o partido.

O Brasil se diferencia da Europa Ocidental, dos Estados Unidos e da América Latina porque ele não teve republicanismo e, até 1888, foi uma monarquia fundada no trabalho escravo. Na transição entre esses regimes, os conflitos foram reprimidos precisamente pela ética dos elos pessoais entre monarquistas, escravistas, republicanos e protocapitalistas que jamais abandonaram seus hábitos aristocráticos. Todos nós temos todas as coragens, menos a de negar o pedido de um amigo, conforme dizia Oliveira Vianna num ensaio de 1923.

Neste mundo marcado pela transparência eletrônica, esse hóspede não convidado pelo nosso mulatismo cultural e avesso ao confronto, as contradições surgem claramente no laço entre riqueza e poder. Entre as demandas de quem gerencia a economia (cujas regras são digitais: “não posso gastar mais do que tenho!”); e as da política, as quais incluem não apenas os jeitinhos ou “pedaladas”, mas sobretudo as relações pessoais mescladas ou não de ideologia, as quais são infinitas.

Mujica aponta que confundimos governar com mandar. E adverte: não se pode misturar a vontade de ter dinheiro com política. Se fizermos isso, complementa, estamos fritos. “Quem gosta muito de dinheiro tem que ser tirado da política”. A corrupção brasileira tem um sinal:

ela se funda na apropriação de cargos por pessoas que, mesmo quando são eleitas debaixo de uma bandeira populista ou socialista, acabam bilionárias. É impossível resistir aos amigos, mas é muito mais difícil liquidar essas sobras aristocráticas que são, a meu ver, a marca mais forte e permanente do nosso republicanismo: cargos que impedem punição, crimes que prescrevem, responsabilidades que não são cobradas. Num certo sentido, não temos noção da tal “coisa pública” — esse conceito imprescindível para uma vida igualitária e democrática — republicana.

Vergonha cúmplice

Essa mania de ser burro


Humildade é sinônimo de Inteligência. O homem sábio sabe que não sabe. Ao passo que o burro é arrogante
Não há quem não goste de imaginar impérios em guerra ou estórias de fadas. A inteligência é a imaginação, única possibilidade humana realmente livre. Talvez a imaginação seja a própria inteligência, a vocação humana. Seu exercício é saudável, alegre, leva à felicidade, ao jogo e ao sexo. Os artistas sabem disso e afirmam em seu exagero congênito que os homens somente serão felizes quando forem todos artistas. Enquanto isso, as pessoas se preparam a vida inteira para fazer o que não gostam e ensinar os filhos a fazerem o mesmo, em troca do níquel de cada dia. Inteligente ou burro? Talvez a única atitude inteligente seja viver. Para ficar mais inteligente ainda. Na certeza de que assim cairão moedas de ouro dos céus.

Somente existe uma fome: aquela do sentido de viver. O resto é burrice. Se me permitem a palavra.

Há quem prefira terceirizar o ato de imaginar. Esqueçam aquele muro francês no qual Marcuse pichou “Seja razoável: peça o impossível”. Aqui, nessas paradas tropicais, é cada vez mais proibido pensar. Especialmente perto do poder. O político brasileiro que tem uma boa ideia original, gasta imediatamente 75% da verba criando uma comissão ou um novo órgão de sete andares com impossível folha de pagamento. Para que assim o crime da opinião pessoal passe a ser dividido por um coletivo. Claro que o Juca ministro tem que ter opiniões próprias sobre a Lei Rouanet, aquele dinheirão do povo. Afinal, ele é ministro para isso, para pensar. Para fazer planos, ter convicções suas. A inação é espinha dorsal de quase todo serviço público. Se me permitem a palavra. Geraldo Mateus nos tempos idos reuniu todos os empregados do Teatro Municipal para uma conversa sincera sobre os problemas da instituição, no dia em que tomou posse na diretoria. Um senhor encanecido no fundo da multidão todavia lhe fazia sinais constantes que prometiam dizer lá fora a verdade inconfessável. Geraldo sentou-se com ele no Amarelinho e ouviu a sentença da experiência: “Doutor, o Teatro Municipal não tem problema, doutor. Quando não tem espetáculo, não tem problema. Os problemas são os espetáculos”. Ah, essa mania de ser burro! A burocracia, não é à toa que a palavra soa parecido, é uma máquina engenhosa armada há séculos para não fazer nada. Ou o mínimo possível.

Os advogados, os médicos, os engenheiros, os profissionais liberais de modo geral trabalham seguindo procedimentos e normas. Quem chegou perto sabe, não são muito inteligentes, se me permitem a palavra. Em todo agrupamento, de escoteiros até qualquer senado, a maioria é burra. Exceção feita aos leitores deste artigo, todos inteligentes.

Quando eu era menino, achava que todas as pessoas eram inteligentes. Burrice minha. Mas nunca transformei isso em julgamento moral. Os inteligentes não merecem mais que os burros. A propósito, todo homem inteligente tem por obrigação primeira perceber o esplendor do outro. Todo homem é esplêndido, burro ou inteligente, todo ele reflete o Universo.

Observa-se que entre os homens cultos é muitas vezes encontrado um índice de burrice estonteante. Em contrapartida verifica-se que a Ignorância e a Simplicidade sempre constituíram campo fértil para o aparecimento das grandes almas. Alma é sinônimo de Inteligência.

Difícil conceituar a Inteligência, porém fácil reconhecer-lhe atributos. O primeiro deles é, sem dúvida, a humildade. Humildade é sinônimo de Inteligência. O homem sábio sabe que não sabe. Ao passo que o burro é arrogante. Essa é a parte mais triste de toda a história, verdade capaz de fazer rolar até lágrimas de burro: o burro não ama. Sente que lhe falta algo que o inteligente possui. Mozart disse que para ser um gênio não basta talento. É preciso também um grande Amor. O burro não ama! Amor é também sinônimo de Inteligência.

Os Inteligentes, além de terem entre si grande carinho e admiração, plagiam-se constantemente, sem o menor pudor. Não tentam ser originais. Sabem que são um só acidente da Natureza. Ou terá sido seu recurso de emergência? Do qual a Natureza lançou mão para cuidar da sobrevivência da espécie, antes que os burros a destruam?

Quase tudo que é importante na sociedade atual não é apenas importante, mas também burro. Trata-se do Império da Burrice, como outrora foi o Império Romano.

Antes de publicar esse pensamento pesquisei no Google. Guguei burramente e descobri que todo cronista, de Rui Barbosa a Nelson Rodrigues, passando por Sarney e Jabor, um dia escreveram crônicas sobre a Burrice. Arrependi-me do lugar-comum. Mas o assunto continua sendo oportuno. “Respeito a burrice, porque ela é eterna” (N.R.).

A propósito: a decisão editorial do GLOBO de retirar os “tijolinhos” do teatro, não digo que tenha sido burra, já que escrevo aqui, mas foi feia à beça. O teatro já tem tão menos do que merece!
Domingos de Oliveira

Tia Amélia Honesto da Silva


Querida tia
Continuo neste maravilhoso emprego na Terra da Fantasia. Trabalho no máximo quatro vezes por semana. O salário está sempre em dia, e, quando eu e meus colegas queremos aumento, a união é completa, mesmo entre rivais. Decidimos, sem a menor dificuldade, quanto será nossa remuneração.
Tenho várias secretárias, assessores e motorista. Não gasto um tostão com eles, que inclusive ajudam na caixinha do gabinete, doando parte do salário. Não pago nada de aluguel e ainda reformaram novamente todo o apartamento. Não gastei um tostão. Também não pago correio, internet e passagens aéreas. Meu plano de saúde é o melhor do Brasil, e o carro, claro, também é totalmente grátis, incluindo manutenção e combustível.
Tem umas tais de emendas, que negocio com uns empresários – gente fina –, bastando apresentar uns projetos de obras, e lá vem dinheiro vivo. O chato é que em algumas vezes tenho que abrir conta bancária em nome de outra pessoa, numas ilhas de que nunca havia ouvido falar. Dizem que lá tem menos fraude. Dá muito trabalho, por isso há uns profissionais, os operadores, que resolvem tudo e cobram apenas uma percentagem, serviço muito bem organizado que existe há décadas. Um orgulho para todos nós!
Tenho horror em lembrar do tempo em que tinha que bater ponto, pagar aluguel e conta de luz e as férias eram só de 30 dias. Aqui é muito diferente. Tem um recesso sem nada e um tal de recesso branco, o que dá um tempão de folga extra. Acho estranho esse recesso branco, parece discriminação racial. Nem questiono, pois vejo uns bobos que querem mudar tudo. Isso é falta de coleguismo – antiético. Afinal, a vaca deles é que vai pro brejo.
O melhor de tudo é que posso ficar por aqui pelo resto da vida. Eta emprego bom! O único perigo é cometer uma tal de falta de decoro, que sinceramente ainda não sei o que é. Aí o bicho pega!
Deus me livre de ter que trabalhar 35 anos para me aposentar, possivelmente velho e doente, e ainda não receber o salário integral. Aqui não tem essa não. O pessoal fez um regulamento bem legal, e ninguém pode mudar essas coisas. Somos nós que regulamentamos tudo no país.
Por tudo isso estou te escrevendo para pedir ajuda. Têm falado muito mal de mim e de meus colegas. No meu caso, acho que é discriminação pelo meu sobrenome. Tia, a diferença entre nós dois está apenas pelo lado materno: Honesto e Desonesto. Implicam sempre com o lado do paizão Silva.
Sei que a senhora continua pobre, na fila do SUS, mas confie em mim e continue firme, pois sabe que estou aqui, na Terra da Fantasia, lutando para ajudar meus amigos, em especial as famílias dos Honestos e Esquecidos que me deixaram conseguir este empregão.
Mande em mensagem para o meu patrão, Eleitorelson Brazuca, o que a senhora e nossos amigos, os Honestos e os Indiferentes, pensam de mim. Nas redes sociais, divulguem o que faço e quem eu sou!
Um beijo.
Deputilson Desonesto da Silva