terça-feira, 28 de abril de 2015

Impossível não ser o amanhecer doutra era

É impossível que o tempo atual não seja o amanhecer doutra era, onde os homens signifiquem apenas um instinto às ordens da primeira solicitação. Tudo quanto era coerência, dignidade, hombridade, respeito humano, foi-se. Os dois ou três casos pessoais que conheço do século passado, levam-me a concluir que era uma gente naturalmente cheia de limitações, mas digna, direita, capaz de repetir no fim da vida a palavra com que se comprometera no início dela. Além disso heroica nas suas dores, sofrendo-as ao mesmo tempo com a tristeza do animal e a grandeza da pessoa. Agora é esta ferocidade que se vê, esta coragem que não dá para deixar abrir um panarício ou parir um filho sem anestesia, esta tartufice, que a gente chega a perguntar que diferença haverá entre uma humanidade que é daqui, dali, de acolá, conforme a brisa, e uma colôia de bichos que sentem a umidade ou o cheiro do alimento de certo lado, e não têm mais nenhuma hesitação nem mais nenhum entrave. 
Miguel Torga (1907 - 1995), in "Diário (1942)" 

O exterminador do futuro

A democracia sitiada

Petistas merecem ser presos pelo simples fato de serem petistas.” Vou repetir: “petistas merecem ser presos pelo simples fato de serem petistas.” Não é fácil escrever isso, não é fácil acreditar nisso e é, mais difícil ainda, acreditar que uma frase assim possa ser verdadeira. Escrever algo assim significa, afinal de contas, o abandono da presunção da inocência, a negação do direito ao devido processo...enfim: a instituição do próprio Estado Policial e da Ditadura.

Quando pensei nessa frase, não pude deixar de me lembrar de uma das cenas finais de um filme de 1998 que sempre me impressionou muito e que se chama “Nova York Sitiada”. O título correto em inglês é simplesmente “The Siege”. Em Portugal recebeu uma tradução melhor: “Estado de Sítio”. Depois que o exército assume o controle total da cidade com o objetivo de encontrar terroristas, trava-se uma violenta discussão entre o general William Deveraux (Bruce Willis) e o agente do FBI Anthony Hubbard (Denzel Washington) em função das arbitrariedades e das barbaridades cometidas pelo Exército. Argumenta o general que tudo aquilo era necessário para que o “terror não tivesse vencido” e o sujeito do FBI responde: “pois é general, será que eles JÁ não venceram? Será que não era isso (colocar pessoas presas em estádios de futebol) que eles queriam???

Deixo agora o filme de lado para recordar um outro fato marcante do passado recente. Um famoso filósofo brasileiro, numa crítica ao Programa Mais Médicos, afirmou que esses eram os “novos judeus do PT” e alguém escreveu na internet que isso tratava-se de uma “jogada ensaiada”..de uma bola “levantada na área” para que judeus se mostrassem indignados com a comparação e o PT saísse, dessa acusação, mais forte. Observem o seguinte: tanto no caso do filme quanto no caso filósofo a crítica é: não podemos nos “adiantar”….nós não podemos “pressupor”...não podemos, combatendo o terror, fazer aquilo que ele, terror, quer prendendo todas as pessoas nos estádios e não podemos, de maneira alguma, acreditar que o PT traz uma ideologia que seja comparável, do ponto de vista moral, ao nazismo.

Colocado de uma maneira mais resumida e, talvez, mais acadêmica: não estamos autorizados a tirar lições da História, a nos basearmos em eventos anteriores, para tomarmos atitudes que afrontam as liberdades fundamentais, as garantias individuais e a própria base do Estado de Direito. Não podemos, diria eu, tampouco fazer comparações entre um regime que, de fato, construiu um genocídio na Europa, e um partido político latino-americano eleito democraticamente, não é?? Nós não podemos, maquiavelicamente, afirmar que “os fins justificam os meios.” É isso? Muito bem, então vamos adiante:

Tenho testemunhado discussões violentas nas redes sociais cujo tema é sempre o mesmo: “Nós não podemos, no desespero de derrubar o PT do Poder, agir como eles mesmos – os petistas – já que, se assim o fizermos, estamos jogando a água da banheira fora mas com o bebê (Democracia) dentro”. Gosto muito dessa comparação mas agora vou, eu mesmo, fazer o papel do agente do FBI na discussão com o General Deveraux e perguntar a todos vocês: E se o PT já venceu?? E se a Democracia já se foi??? Alguém há que esteja disposto a discutir isso comigo? Só leio pessoas que escrevem: “a liberdade de imprensa ainda está garantida, os poderes ainda são independentes”…

As pessoas me dizem: “com todas as imperfeições, ainda é uma democracia”. Será mesmo? Enquanto as pessoas não forem colocadas em gulags tropicais, enquanto a Rede Globo não for estatizada, enquanto não houver cadernetas de racionamento e a religião não for proibida é uma democracia?? É esse o conceito de democracia?? Qual (pergunto eu em desespero para não me tornar uma pessoa que defende a prisão de petistas sem motivo) deve ser o fato histórico que venha a nos provar a natureza do PT ? O que pode, ainda, o PT fazer para nos provar que não estamos mais numa democracia?

Por que podemos colocar pessoas que raspam a cabeça e andam com a camisetas estampadas com suásticas na cadeia? Porque apologia ao nazismo é crime, respondo eu mesmo. E apologia ao comunismo? Aí não é?? Nós precisaremos viver um holocausto no Brasil para que só depois, legalmente, sejamos autorizados a colocar petistas e comunistas na cadeia? É isso ? O partido escreve que ele, partido, está em “tempos de guerra” e isso não é suficiente?

Este texto foi escrito para mostrar que não existe, entre aqueles que querem derrubar o PT, consenso sobre aquilo que esse partido representa, ele mesmo, em termos de ruptura com a ordem institucional e com as liberdades individuais que tantos temem perder numa intervenção militar. Não é, em hipótese alguma, uma defesa da intervenção. Se fosse, eu o deixaria claro desde o início. Trata-se apenas de um convite à reflexão no sentido de saber se, afinal de contas, vivemos ou não, ainda, numa “democracia”.

O que é “democracia”? Quais são seus fundamentos? Quando ela está ameaçada? Quando ela deixa de existir e – talvez mais importante do que qualquer pergunta – o que estamos (em função da experiência histórica) autorizados a fazer do ponto de vista moral para preservá-la? Todas estas perguntas eu garanto a vocês que o PT já respondeu; quem quer derrubar o PT, não - prova mais do que suficiente para concluirmos: se é verdade que vivemos numa democracia, ela é uma Democracia Sitiada.

Reforma política da CNBB? Não assine


Sou leigo católico. Não faz parte de meus deveres de batizado seguir a orientação da CNBB para uma reforma política no Brasil. Reforma política é tema político e quem entra na pauta vai, necessariamente, para o contraditório. Ao se comprometer tanto com o assunto, a CNBB se envolve em algo que não lhe diz respeito e onde, mesmo entre juristas e cientistas políticos, as opiniões divergem. Como leigo, sou membro do Corpo Místico de Cristo (que é a própria Igreja, cuja unidade defendo e integro), mas quando a Conferência envereda no campo político, é ela que desliza para o espaço das opiniões e para os conflitos inerentes a essa atividade, desligando-se do que deve ser unitário. Nem fica bem invocar a unidade para eximir-se do contraditório, ou para fazer um tipo de crítica que tenta desqualificar a crítica.

Um grupo de 112 entidades uniu-se em torno de um projeto de reforma política para o país. Seguindo a velha cartilha da mobilização, iniciaram coleta de assinaturas, em busca do mínimo constitucionalmente exigido para os projetos de iniciativa popular - 1,5 milhão de adesões. O projeto foi amplamente divulgado em outubro de 2014 pelo movimento Eleições Limpas (www.eleicoeslimpas.com.br) e hoje é acionado por uma certa Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas (procure no Google por esse nome e clique em "Quem somos").

Examine a lista e depois me responda: qual o partido ou tendência ideológica que lhe vem à mente quando lê MST, CUT, Via Campesina, CONTAG, UNE, FENAJ? Em meio a uma batelada de ONGs que vivem às nossas custas, com acesso franqueado a verbas públicas, também integram a tal Coalizão: o MMC (Movimento das Mulheres Camponesas, aquelas que destruíram os laboratórios da Aracruz em 2006 e atacaram recentemente, em Itapetininga, um laboratório da Suzano Papel e Celulose), a UBM (entidade de mulheres pró-aborto), a RFS (Rede Feminista de Saúde, pró-aborto), a REBRIP (rede de ONGs e movimentos sociais com propostas "alternativas"), a Liga Brasileira de Lésbicas, o Movimento Evangélico Progressista, a Articulação Mulheres Brasileiras (pró-aborto e contra os direitos dos nascituros). Que interesses em comum podem ter com a CNBB?

Qualquer pessoa minimamente informada percebe que "tem PT nesse negócio". E tem. A proposta é um espelho das questões centrais do projeto petista de reforma política: voto em lista (acrescentando um segundo turno com voto nominal); financiamento exclusivamente público, ou seja, custeado pelos pagadores de impostos; um reforço aos instrumentos de democracia direta (bebendo água no Decreto Nº 8243, aquele dos sovietes). Agora, uma diferença. Enquanto a proposta petista falava em igual número de candidaturas masculinas e femininas aos cargos legislativos, a proposta da CNBB é mais moderninha e fala em igualdade de "gênero". Pode? Pode. É a CNBB. Enfim, a concepção do projeto é tão petista que o site do PT, em 26 de fevereiro, comemorou o manifesto da CNBB, conforme pode ser lido em (http://www.pt.org.br/cnbb-e-oab-lancam-manifesto-em-apoio-a-reforma-politica/).

Os católicos já foram solicitados pela CNBB, em 2002, a assinar por um calote da dívida externa (chamado de "auditoria") que absolutamente não era necessário; convidados a assinar por um plebiscito e uma nova constituinte que a ninguém interessou; convencidos de que a salvação moral da política viria da lei da ficha limpa (uma lei boa, aliás) que precedeu a maior ladroagem da história. Agora estão escaldados, e as assinaturas pela Reforma Política patinam, distantes do 1,5 milhão de adesões. Por isso, surgiu um formulário suprimindo do cabeçalho os nomes das entidades que revelam a vinculação da iniciativa aos já desacreditados interesses petistas. Desculpem-me, mas isso não se faz. Parece coisa de, digamos assim, petistas.

Percival Puggina

Na política do Brasil, o importante não é 'ser', mas apenas 'aparecer'


No Distrito Federal, o governo petista de Cristovam Buarque foi considerado o pior durante muitos anos, até a chegada do outro petista Agnelo Queiroz ao Palácio Buriti. Na época de Cristovam, a justificativa era que o PSDB estava no poder e não colaborava. O então governador era ótimo nas teorias inaplicáveis; péssimo na prática.

Com Cristovam, o DF ficou “em ponto morto” por quatro anos, com a economia se movimentando apenas pelo impulso de governos anteriores. Vivia com aquela história que “é melhor construir escola do que construir cadeia”. Depois de quatro anos, não construiu nem escola, nem cadeia. Não sei por que os governos do PT têm tanta afinidade com bandidos e tanta ojeriza à segurança pública!

Depois do desgoverno dele, ficou fácil para a população sentir saudades do Joaquim Roriz, velha raposa, e colocá-lo no poder novamente.

Posteriormente, a população do DF, por falta absoluta de candidatos, quis dar uma nova chance ao PT de gerir alguma coisa. Na disputa final, entre Agnelo Queiroz e uma idosa que nunca tinha se candidatado a nada, o petista elegeu-se. Afinal, desta vez o governo do Distrito Federal era do mesmo partido que o governo federal, haveria facilidades. O governador teria que ser muito incompetente para fazer uma má administração. Não tinha como fracassar.

Mas não é que deu errado, e Agnelo Queiroz se tornou o pior governo da história do Distrito Federal? Foram mais quatro anos perdidos. Ficou a impressão que o PT é formado, totalmente, por pessoas fracassadas e que tiveram como única opção se tornar ativistas/sindicalistas e depois políticos, para conseguirem alguma coisa na vida.

Na política brasileira, o importante não é ser. O importante é apenas parecer. Existe um Brasil imaginário coexistindo ao lado do Brasil real. Dá a impressão que esse Brasil imaginário é governado por drogados, que se impõe ao Brasil real como se governassem e tivessem mais lucidez do que as pessoas sóbrias.

Por favor, digam o nome de algum país que multa quem joga ponta de cigarros no chão e que ofereça educação, saúde, segurança e transporte no nível do Brasil. Eu não conheço nenhum.

O Brasil que multa quem joga ponta de cigarro no chão é o mesmo que joga milhares de toneladas de esgoto, lixo e resíduos industriais nos rios – inclusive no Rio de Janeiro, onde não se sabe em que ponto começam as lagoas e finda o esgoto.

Outro exemplo: os moradores de Brasilia se gabam de serem os primeiros do Brasil a implantar a faixa de pedestres, apontando que são mais civilizados do que os moradores outros estados, que ainda não faziam uso desse artifício, etc. e tal.

Mas era só preocupação para os “intelectuais” do Plano Piloto, habitantes do Brasil imaginário, pois na maioria das cidades-satélites (Brasil real), onde também foram implantadas as faixas de pedestres, a preocupação das pessoas não era atravessar as ruas, mas chegar em casa vivo, uma vez que moram em um dos lugares mais perigosos do país.

Para os intelectuais de barriga cheia e apreciadores de uma picanha da chapa, isso não importava, nem importa. O que vale é ter a faixa, multar motoristas e dar provas de civilidade para a Europa, mesmo que as pessoas sejam assaltadas ou mortas após atravessá-la. As autoridades não falam que a quantidade de pessoas que são assassinadas na periferia é infinitamente maior do que as que morrem atropeladas. Mas como moram no Brasil imaginário, a faixa foi considerada mais prioritária do que pôr fim à mortandade.

A mesma coisa acontece com os radares móveis que abundam em Brasília: tecnologia do Século XXI, em meio a rodovias do Século XIX e buracos da Idade Média.

Francisco Vieira

Corrupção e falta de transparência


Assim que tomaram posse, os ministros da Fazenda, Joaquim Levy, e do Planejamento, Nelson Barbosa, anunciaram novos tempos na economia. Além de medidas fundamentais para arrumar a casa e reverter todo o estrago provocado nos quatro primeiros anos do governo de Dilma Rousseff, como a meta de superavit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB), comprometeram-se com um valor fundamental para um país que, dia após dia, vem sem deparando com denúncias de corrupção: dar transparência à administração pública.

Depois de quase cinco meses no cargo, nem Levy nem Barbosa dão demonstrações claras de que vão cumprir o que prometerem no quesito transparência. As pastas que comandam continuam funcionando como verdadeiras caixas-pretas. Conseguir informações relevantes à sociedade é quase impossível, sobretudo se os dados desvendarem mamatas e o descalabro em várias áreas do governo.

Tente, por exemplo, saber da Fazenda e do Planejamento quantos são os assentos que o governo tem em empresas estatais, cargos que são repartidos entre um grupo restrito de servidores públicos e indicados políticos selecionados pelo Palácio do Planalto. Cobre do Departamento de Controle das Estatais (Dest), órgão vinculado a Barbosa, informações sobre as empresas que vêm colocando em risco o ajuste fiscal. No máximo, receberá respostas genéricas, que desrespeitam a inteligência.

É inaceitável que seja assim. O mais assustador, porém, é que não há perspectiva de mudança. A máquina pública foi construída para facilitar malfeitos, viabilizar grupos com o objetivo claro de enriquecer às custas dos contribuintes. Transparência não combina com esses interesses escusos. Pode ser que até Levy e Barbosa venham a surpreender ao romper com esse modelo nefasto. Os dias estão correndo. Enquanto mantiverem os olhos fechados, os malfeitos prevalecerão e milhões de reais continuarão escorrendo diariamente pelos ralos da corrupção.

O custo da falta de transparência para o país é elevado. Em seminário, Cristiano Herckert, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, foi enfático: “Abrir dados é uma forma de gerar desenvolvimento econômico e social para nosso país”. Pena que nem mesmo os colegas de trabalho dele acreditem nisso. Se acreditassem, contribuiriam para a grande revolução que todos anseiam: um governo que não tem medo de se mostrar.

Esquerda tinha ditaduras como modelo

Durante a ditadura, a oposição de esquerda transformou a experiência dos países socialistas em referência de democracia. A ditadura do proletariado foi exaltada como o ápice da liberdade humana e serviu como contraponto ao regime militar. A falácia tinha uma longa história. Desde os anos 1930 brasileiros escreveram libelos em defesa do sistema que libertava o homem da opressão capitalista.


Tudo começou com URSS, Um Novo Mundo, de Caio Prado Júnior, publicado em 1934, resultado de uma viagem de dois meses do autor pela União Soviética. Resolveu escrevê-lo, segundo informa na apresentação, devido ao sucesso das palestras que teria feito em São Paulo descrevendo a viagem. À época já se sabia do massacre de milhões de camponeses (a coletivização forçada do campo, 1929-1933) e a repressão a todas os não bolcheviques.
Prado Júnior justificou a violência, que segundo ele “está nas mãos das classes mais democráticas, a começar pelo proletariado, que delas precisam para destruir a sociedade burguesa e construir a sociedade socialista”. A feroz ditadura foi assim retratada: “O regime soviético representa a mais perfeita comunhão de governados e governantes”. O autor regressou à União Soviética 27 anos depois. Publicou seu relato com o título O Mundo do Socialismo. Logo de início escreveu que estava “convencido dessa transformação (socialista), e que a humanidade toda marcha para ela”.

Em 1960, Caio Prado não poderia ignorar a repressão soviética. A invasão da Hungria e os campos de concentração stalinistas estavam na memória. Mas o historiador exaltava “o que ocorre no terreno da liberdade de expressão do pensamento, oral e escrito”, acrescentando: “Nada há nos países capitalistas que mesmo de longe se compare com o que a respeito ocorre na União Soviética”. E continua escamoteando a ditadura: “Os aparelhos especiais de repressão interna desapareceram por completo. Tem-se neles a mais total liberdade de movimentos, e não há sinais de restrições além das ordinárias e normais que se encontram em qualquer outro lugar.”

Seguindo pelo mesmo caminho está Jorge Amado, Prêmio Stalin da Paz de 1951. Isso mesmo: o tirano que ordenou o massacre de milhões de soviéticos dava seu nome a um prêmio “da paz”. Antes de visitar a União Soviética e publicar um livro relatando as maravilhas do socialismo – o que ocorreu em 1951 -, Amado escreveu uma laudatória biografia de Luís Carlos Prestes. A União Soviética foi retratada da seguinte forma: “Pátria dos trabalhadores do mundo, pátria da ciência, da arte, da cultura, da beleza e da liberdade. Pátria da justiça humana, sonho dos poetas que os operários e os camponeses fizeram realidade magnífica”.

A partir dos anos 1970, o foco foi saindo da União Soviética e se dirigindo a outros países socialistas. Em parte devido aos diversos rachas na esquerda brasileira. Cada agrupamento foi escolhendo a sua “referência”, o país-modelo. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) optou pela Albânia. O país mais atrasado da Europa virou a meca dos antigos maoistas, como pode ser visto no livro O Socialismo na Albânia, de Jaime Sautchuk. O jornalista visitou o país e não viu nenhuma repressão. Apresentou um retrato róseo. Ao visitar um apartamento escolhido pelo governo, notou que não havia gás de cozinha. O fogão funcionava graças à lenha ou ao carvão. Isso foi registrado como algo absolutamente natural.

O culto da personalidade de Enver Hoxha, o tirano albanês, segundo Sautchuk, não era incentivado pelo governo. Era de forma natural que a divinização do líder começava nos jardins de infância onde era chamado de “titio Enver”. As condenações à morte de dirigentes que se opuseram ao ditador foram justificadas por razões de Estado. Assim como a censura à imprensa.

Com o desgaste dos modelos soviético, chinês e albanês, Cuba passou a ocupar o lugar. Teve papel central neste processo o livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que visitou o país em 1977. Quando perguntado sobre os presos políticos, o ditador Fidel Castro respondeu que “deve haver uns 2 mil ou 3 mil”. Tudo isso foi dito naturalmente – e aceito pelo entrevistador.

Um dos piores momentos do livro é quando Morais perguntou para um jornalista se em Cuba existia liberdade de imprensa. A resposta foi uma gargalhada: “Claro que não. Liberdade de imprensa é apenas um eufemismo burguês”. Outro jornalista completou: “Liberdade de imprensa para atacar um governo voltado para o proletariado? Isso nós não temos. E nos orgulhamos muito de não ter”. O silêncio de Morais, para o leitor, é sinal de concordância. O pior é que vivíamos sob o tacão da censura.

O mais estranho é que essa literatura era consumida como um instrumento de combate do regime militar. Causa perplexidade como os valores democráticos resistiram aos golpes do poder (a direita) e de seus opositores (a esquerda).

Que presidente é essa?

Que presidente da República é essa que temos, obrigada a delegar o comando político do governo ao vice-presidente, o comando da economia ao ministro da Fazenda, impedida de circular livremente por medo de ser vaiada, e que agora renuncia ao direito de falar ao país em cadeia nacional de rádio e da televisão no dia 1º de Maio só para driblar o risco de ser recepcionada com um estrepitoso panelaço?
Dilma Rousseff (Foto: Fernando Bezerra / EFE)

Esta presidente é Dilma Rousseff, a primeira mulher a governar o país, legítima invenção de Lula que imaginava sucedê-la depois de quatro anos, reeleita no ano passado com bem menos da metade dos votos válidos, acusada de mentir muito durante a campanha eleitoral, suspeita aos olhos da maioria dos brasileiros de nada ter feito para impedir a corrupção na Petrobras, e por isso mesmo rejeitada por pouco mais de 60% deles.

Mentira pega - e constrangido por dever de ofício a defender tudo o que Dilma disser e fizer, Edinho Silva, o novo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, apressou-se em declarar que o cancelamento do discurso à Nação no dia 1º de Maio nada teve a ver com panelaços, vaias ou coisas parecidas, nada mesmo, devendo-se apenas ao desejo da presidente de, este ano, falar diretamente com seus governados por meio das redes sociais.

Nada mais natural, pois, se fato fosse verdade, mas esse não é o caso, e a novidade só servirá para fazer sobressair o estado de fragilidade emocional em que Dilma vive, acuada dentro do seu próprio país, isolada nos palácios que lhe servem de abrigo, rodeada por pessoas que mais a temem do que a amam, assediada por políticos que só a procuram para arrancar favores, e como se não bastasse, monitorada por um tutor que não vê a hora de herdar-lhe a faixa presidencial.

Que mulher é essa a merecer tamanha desdita? Torturada por algozes interessados em esmagar seus sonhos e convicções, relegada a uma posição subalterna dentro da organização política à qual pertenceu na época da ditadura, e burocrata sem brilho de uma administração que não deixou saudades em Porto Alegre, de repente ela se viu alçada à condição de segunda pessoa mais importante da República e, em seguida, de primeira. Quis Deus? Não. Quis Lula.

E o que lhe resta agora? Torcer para que dê certo a receita de Levy destinada a pôr em ordem as contas públicas. Se der, o mérito será dele – quando nada porque ela discorda da receita. E torcer para que Temer demonstre a capacidade que ela nunca teve de aparar arestas, construir consensos, e garantir a estabilidade de um governo que quase desmoronou mal havia recomeçado. Depois... Bem, depois, é recolher-se à vida pachorrenta de um bairro de Porto Alegre.

Acordos e omissão

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Será uma trágica omissão e uma reiteração da impunidade dos poderosos que marca a nossa História, firmar acordos de leniência que ignorem a responsabilidade dos acionistas controladores das empreiteiras, não apenas na Lava-Jato, mas na evolução das praticas que vêm contaminando a vida politica do país há décadas.

Outra questão suscitada pelos apelos por acordos que preservem as construtoras é avaliar em que medida o país depende delas. A julgar pelas declarações dos defensores destes acordos, sem elas o país é incapaz de concluir investimentos de porte.

Mas quem sabe seja mais lúcido postular o contrário. Que o Brasil não vai parar sem as empresas condenadas na Lava-Jato e que, na verdade, precisa se libertar delas e de seus mentores e parceiros para avançar.

Seja como for, estas são questões que a presidente Dilma, o ministro Cardozo e o presidente da Firjan deveriam considerar quando propõem acordos de leniência para preservar obras, empregos e empreiteiras. 

'Mistério na Petrobras' em 2010

Suely Caldas, então diretora da sucursal do Estadão no Rio, publicava este importantíssimo artigo em 30 de janeiro de 2010. Pouco mais de cinco anos depois, o texto comprova claramente o envolvimento do então presidente Lula e da ministra Dilma Rousseff no esquema de corrupção da Petrobras.

MISTÉRIO NA PETROBRAS 

Suely Caldas
Há um mistério encobrindo fraudes em grandes obras da Petrobrás, e o governo Lula nunca teve consideração nem respeito pelos brasileiros de vir a público esclarecê-lo e responder às acusações do Tribunal de Contas da União (TCU) de práticas de superfaturamento e gestão temerária. O que fez, até agora, foi dar explicações vagas e fajutas, rejeitadas pelo TCU.
Até mesmo o Congresso – abalado por tantas denúncias de corrupção – se envergonhou com o exagero de gastos não explicados e vetou a liberação de recursos em 2010 para parte de quatro bilionárias obras da estatal, até que as irregularidades sejam corrigidas.

Mas a obsessão do governo em esconder os fatos e seguir com as obras suspeitas levou o presidente Lula, na quarta-feira, a suspender o veto, liberar dinheiro para as obras, assumir pessoalmente o ônus político de desautorizar o Poder Legislativo e o TCU e ainda ser visto como cúmplice de aplicações indevidas de dinheiro da Petrobrás.

Espanta a omissão do governo em não apurar as denúncias do TCU. Seu papel deveria ser investigar, identificar e punir responsáveis, corrigir os valores fraudados e vir a público pedir desculpas e se explicar ao País.

NÚMEROS GRANDIOSOS

O assombro aumenta diante da grandiosidade dos números: por que razão, sem nenhuma explicação convincente, o orçamento da Refinaria Abreu Lima, em Pernambuco (PE), triplicou, saltando de US$ 4,05 bilhões para US$ 12 bilhões?

Como responder à perícia dos técnicos do TCU, que identificaram o superfaturamento absurdo de 1.490% no pagamento de verbas indenizatórias nas obras do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro?

Um ano passou desde a conclusão de auditoria do TCU que identificou as fraudes.

Em vez de criar uma comissão de inquérito na empresa para apurar as denúncias, a direção da Petrobrás tratou de construir explicações frágeis, vagas, genéricas e sem fundamentos, que não convenceram ninguém, muito menos os conselheiros e auditores do tribunal. Depois de ouvir argumentos da empresa, o TCU continuou reafirmando as fraudes.

DESDE MARÇO DE 2009

As restrições do TCU foram conhecidas em março de 2009, mas só em 26 de agosto a direção da Petrobrás divulgou ao público sua versão. Preferiu o monólogo da nota oficial em vez de uma entrevista à imprensa em que poderia mostrar planilhas, notas fiscais, números, responder a questionamentos sem medo e não deixar dúvidas.

A nota apontava quatro razões para o orçamento da Refinaria Abreu Lima ter triplicado: 1) a capacidade de refino aumentou de 200 mil para 230 mil barris/dia; 2) a variação da taxa de câmbio; 3) a adoção de um novo sistema de tratamento de gases tóxicos; e 4) o aquecimento da indústria de petróleo.

Mesmo considerando que variáveis como o câmbio são estimadas e previstas no cálculo de qualquer projeto de longo prazo, seria razoável se o novo preço aumentasse em 10%, 20%, mas triplicar, sem explicar detalhes, sem apresentar provas convincentes?

“INTERPRETAÇÕES DIVERGENTES”

Em novembro de 2009, em resposta a questionamentos da imprensa, a direção da estatal resumiu em seu blog: “Não há superfaturamento, sobrepreço ou qualquer outra irregularidade nas obras. O que se verifica nos casos apontados pelo TCU são formulações e interpretações divergentes daquelas adotadas pela Companhia.”

Interpretações diferentes justificam triplicar o preço? Generalidades e ausência de provas deram o tom sistemático das versões da empresa.

Depois de persistente resistência do governo e de partidos aliados, finalmente, em maio de 2009, o Senado criou uma CPI para apurar irregularidades na Petrobrás.

A manipulação e o domínio do governo nos rumos da CPI, com o relator Romero Jucá (PMDB-RR) à frente, representaram a desmoralização política do Senado, humilhado e submisso aos interesses do governo de nada apurar e tudo esconder. A ponto de o ex-presidente Fernando Collor, aliado do governo, apresentar relatório paralelo reclamando por graves e sérias investigações que não foram feitas. O Senado foi um fiasco.

TCU FEZ O SEU PAPEL

Mas, no papel de fiscalizador da aplicação de dinheiro público, o TCU fez o seu trabalho: identificou irregularidades nas Refinarias Abreu Lima (PE) e Presidente Vargas (PR), no Terminal Portuário de Barra do Riacho (ES) e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Ouviu os argumentos da empresa, não foi convencido e recomendou o veto de verbas às obras suspeitas.

Mas Lula derrubou o veto e as obras suspeitas continuarão desviando dinheiro. Este é o mistério da Petrobrás: por que não investigar as fraudes? Para onde vai o dinheiro desviado?