terça-feira, 3 de março de 2015

O assunto é o autor do autor

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Não aguento mais falar de política, de escândalos e de punições. Nossa política está tão despedaçada quanto a nossa cabeça cultural. São conceitos ralos em nossa rala realidade. A mutação cultural dos últimos anos foi tão forte, a revolução digital foi tão completa no mundo pós-industrial que dissolveu crenças e certezas. Caímos num vácuo de rotas.

Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, artistas e pensadores vivem perplexos – não sabem o que filmar, escrever, formular. Em geral, recorrem às atitudes mais comuns nas turbulências: desqualificar os fatos novos e reinventar um “absoluto” qualquer, sem saber que, como escreveu Baudrillard, “não há mais universais; só o singular e o mundial.” Sinto em mim mesmo como é difícil criar sem esperança ou finalidade. Como era gostoso nosso modernismo, os cinemas novos, os movimentos literários, as cozinhas ideológicas. Os criadores se sentiam demiurgos falando para muitos. Agora, na falta das “grandes narrativas” do passado, estamos a idealizar irrelevâncias, como se ali estivessem pistas para novas “verdades” a desvelar – a aura deslizou da obra para o próprio autor –, o único assunto é ele mesmo.

Hoje, as palavras que eram nosso muro de arrimo foram esvaziadas de sentido, e ficamos à deriva. Por exemplo, “futuro”. Que quer dizer? Antes, era visto como um lugar a que chegaríamos, um lugar no espaço-tempo, solucionado, harmônico, que nos redimiria da angustia da falta de “sentido”. Agora, no lugar de “futuro”, temos um presente incessante, sem ponto de chegada. Pela influência insopitável do avanço tecnológico da informação, turbinado pelo mercado global, foram se afastando do grande público as criações artísticas e literárias, as ideias filosóficas, os valores. Em suma, acabou aquela dimensão espiritual chamada antigamente de “cultura” que, ainda que confinada nas elites, transbordava sobre o conjunto da sociedade e nela influía, dando uma razão de ser para a existência. Mais ou menos isso Vargas Llosa escreveu no “El País”, num ensaio chamado “A civilização do espetáculo”.

Já houve um tempo em que a literatura era importante. As escolas literárias se digladiavam sobre estilos e temas, em busca de um sentido maior que nos definisse como país, dentro de um mundo ainda analógico.

Antes havia debates para ver quem tinha razão. Hoje, todos têm razão, e ai daquele que criticar tendências, em nome de critérios e paradigmas seculares da arte. A inteligência foi substituída pela sacralização da irrelevância massificada; a própria ideia de “estética” é considerada por muitos como um individualismo neoconservador, autoritário, produzindo regras repressivas. A libertação da tutela dos chamados “maîtres à penser”, dos seres que nos guiavam orgulhosamente para algum sentido foi uma coisa boa, mas abriu as portas para um vale-tudo formal que desqualifica tentativas de crítica literária.

Claro que é bem-vinda a esfuziante aparição de milhares de criadores, dos blogueiros, dos tuiteiros, dos hipertextos da época pós- pós; claro que algum dia isso vai dar em novos valores de “qualidade”, de “importância”, destilados dos alambiques da internet. Estamos numa fase da exaltação da “quantidade”, como se a profusão de temas e criações substituíssem a velha categoria da “qualidade”. Essa nova era nos ensinou que não chegaremos a algum destino definitivo, mas alguns parâmetros de valor estético terão de ser recolocados na literatura. Em geral, as diagnoses sobre as mutações a que assistimos hoje em dia se dividem ou em lamentos por um passado de ilusões perdidas, ou em euforia por um admirável mundo novo em que todos sejam autores e leitores. Em teoria, tudo bem, mas “ideias” em poesia e literatura só se expressam na forma. Outro dia, achei um livro de Agripino Grieco, um dos grandes polemistas do início do século XX e demolidor dos burros e farsantes. E ele diz, numa entrevista de 1944: “A obra dos escritores vale pela forma em que está vazada, pela ironia, pela irreverência, pelo que possa representar de negação dos valores oficiais. O que vale é a forma.”

E ele acrescenta: “Ai do romance em que o enredo interessa mais que o estilo.”

Ou seja, os mistérios do mundo revelado pela grande arte literária são florações da forma; e é isso que lhes fornece durabilidade, relevância na observação da vida, sua razão de ser.

Nunca tivemos tantos criadores, tanta produção cultural enchendo nossos olhos e ouvidos com uma euforia medíocre, mas autêntica. Há uma grande vitalidade neste cafajestismo poético, enchendo a web de grafites delirantes. Não sei em que isso vai dar, mas o tal “futuro” chegou; grosso, mas chegou. Talvez esse excesso de “irrelevâncias” esteja produzindo um acervo de conceitos “relevantes”, ainda despercebidos. Podemos nos dedicar ao micro, ao parcial, podemos nos arriscar ao erro com mais alegria; mas isso não pode justificar um desprezo pela excelência. E o pior é que as tentativas de “grande arte” são vistas com desconfiança, como atitudes conservadoras, diante da cachoeira de produções que navegam no ar. Ou seja, os mistérios do mundo revelados pela grande arte literária são florações da forma; e é isso que lhes fornece durabilidade, relevância na observação da vida, sua razão de ser. A importância de uma obra reside no grau de decifração da vida de seu tempo, mesmo no túnel sem luz.

Se olharmos as grandes obras do passado, como as de Van Eyck, por exemplo, vemos que ali estavam as imagens mais profundas sobre a Idade Média.

Isso me lembra o tempo em que achávamos que o “fluxo da consciência”, “the stream of consciousness” ou até o discurso psicótico encerravam uma sabedoria insuspeitada. Será que houve a morte da “importância”? Ou ela seria justamente esta explosão de conteúdos e autores? O “importante” seria agora o quantitativo? Não sei; mas, se tudo é “importante”, nada o é.

Quem paga a conta

Dilma aponta dedo Petrobras fraudadores e cumpa vuivas e aposentados mp 664 665 Beneficios seguro desemprego pensao

Corpo estranho à língua portuguesa

Guiné Equatorial já havia feito algo espantoso: entrou para a Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa, com o apoio do Brasil. Mas lá não se fala português
Não basta ficar boquiaberto com o fato de que a Guiné Equatorial financiou a Beija-Flor. Nem basta discutir (veladamente) a relação entre samba e ética. Discussão, aliás, complicada. Pois os donos do jogo do bicho financiam várias escolas, inclusive a vencedora de 2015, a Beija-Flor.

Essa discussão pode, no entanto, iluminar nosso comportamento sociocultural a partir de duas observações. A primeira: haveria alguma relação entre esse financiamento e os escândalos do mensalão e do petrolão? Haveria alguma consonância entre dar propinas, a existência das milícias, o ato de ultrapassar pelo acostamento e esse financiamento?

Para tornar a coisa mais complexa, adianto uma segunda informação perturbadora. A Guiné Equatorial apenas descobriu que o samba estava à venda. Antes, já havia feito algo espantoso: entrou para Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa (CPLP), com o apoio do Brasil. No país não se fala português. Mas o ditador que está lá há 35 anos pode ter pensando: se não é necessário falar o português para pertencer à CPLP, por que não chegar ao Sambódromo?

“Com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, consumou-se a despudorada violação dos seus princípios e de valores constitutivos”, diz José Carlos Vasconcelos num editoral no “Jornal de Letras” (do grupo Visão, de Portugal).

O ensaísta Eduardo Lourenço (Prêmio Camões, 1996), num artigo intitulado “No que a CPLP se transformou”, publicado há quatro anos, quando a Guiné Equatorial, pela primeira vez, quis ser admitida como membro na CPLP, disse que a organização não poderia sucumbir aos interesses econômicos e estava se transformando “numa versão africana do tonel das Danaides, preciosa água escorrendo em vão para lado nenhum”.

O Brasil faz parte da CPLP e na reunião em que isso foi aprovado o representante brasileiro era João Augusto Medicis.

A imprensa portuguesa tem dado destaque ao assunto. No Brasil não se fala disto.

Leia mais o artigo de Affonso Romano de Sant’Anna

Lula, de esperança a forte ameaça à democracia


O que leva Dilma, aos 67 anos de idade, a ser tão rude com seus subordinados? A pedido de quem me contou, não revelarei a fonte da história que segue.

No ano passado, ao ouvir do presidente de uma entidade financeira estatal algo que a contrariou, Dilma elevou o tom da voz e disse:

- Cale a boca. Cale a boca agora. Você tem 50 milhões de votos? Eu tenho. Quando você tiver poderá ocupar o meu lugar.

Dilma goza da fama de mal educada. Lula, da fama de amoroso. Não é bem assim. Lula é tão grosseiro quanto ela. Tão arrogante quanto.

Eleito presidente pela primeira vez, reunido em um hotel de São Paulo com os futuros ministros José Dirceu, Gilberto Carvalho e Luís Gushiken, entre outros, Lula os advertiu:

- Só quem teve voto aqui fui eu e José Alencar, meu vice. Não se esqueçam disso.

Em meados de junho de 2011, quando Dilma sequer completara seis meses como presidente da República, ouvi de Eduardo Campos, então governador de Pernambuco, um diagnóstico que se revelou certeiro.

“Dilma tem ideias, cultura política. Mas seu temperamento é seu principal problema”, disse ele. “Outro problema: a falta de experiência. E mais um: tem horror à pequena política. Horror”.

Na época, Eduardo era aliado de Dilma. Nem por isso deixava de enxergar seus defeitos.

“Dilma montou um governo onde a maioria dos ministros é fraca”, observou. “Todos morrem de medo dela. No governo de Lula, não. Ministro era ministro. Agora, é serviçal obediente e temeroso. Lula não pode fingir que nada tem a ver com isso. Afinal, foi ele que inventou Dilma”.

Lula não perdoa Dilma por ela não ter cedido a vez a ele como candidato no ano passado. Mas não é por isso que opera para enfraquecê-la sempre que pode.

Procede assim por defeito de caráter. Com Dilma e com qualquer um que possa causar-lhe embaraço.

Leia mais o artigo de icardo Noblat

A coisa certa


A desconstrução de um projeto para a nação

Será que vamos, mais uma vez, frustrar as novas gerações do nosso país?
Os primeiros dias do governo mostram que o tema "Pátria Educadora", colocado pela Presidente da República, está sendo literalmente demolido pelas medidas recentemente noticiadas, e que poderão trazer prejuízos incalculáveis para as novas gerações, que não estarão preparadas para as oportunidades de emprego que inexoravelmente surgirão com os avanços da ciência, com a geração de novas tecnologias e com a própria inserção do país no fluxo de comércio internacional, resultado da crescente globalização.

A educação básica, alardeada pelos governantes nos últimos anos como uma prioridade nacional, está a exigir ações concretas e efetivas no plano federal e nos estados e municípios, já que não ainda foi possível definir um rumo que possibilite uma preparação adequada dos nossos jovens para o enfrentamento dos desafios trazidos por um "mercado de trabalho" cada vez mais competitivo, com empregos que exigem novas habilidades e competências.

Embora algumas ações possam ser listadas, das quais destaco a iniciativa do Rio de Janeiro em reformular o seu ensino médio, ainda estamos muito longe dos níveis admissíveis para a nossa economia, que ainda é uma das 8 maiores do mundo.
Leia mais o artigo de Paulo Alcantara Gomes

'Estou me guardando para quando o Carnaval passar'

Os governantes de todos os Estados brasileiros, exceto aqueles que disputaram a própria reeleição, estão ocupados em justificar a inércia de suas administrações, já na entrada do terceiro mês de seus governos, com as mais diversificadas explicações. Alega a maioria deles que seus antecessores deixaram propostos orçamentos não exequíveis, que encontraram caixas vazios, quadros de pessoal inchados, empenhos cancelados, além de amplo leque de mutretas políticas e administrativas destinadas a dificultar as novas gestões. Disso muito é ou poderia ser verdadeiro. O que não é aceitável são as desculpas, quando já entramos no mês de março.

Todos os governadores hoje no poder sabiam com precisão matemática o que iriam encontrar quando chegassem à cadeira que hoje ocupam. Todos. Nem poderia ser diferente porque as campanhas que os levaram aos palácios foram estruturadas na crítica aos modelos, nas medidas e nas opções dos governos sucedidos. Houve em todos eles uma mensagem de renovação, de mudança e de transformação que o eleitor pedia e apoiou nas urnas, com seu voto.

Diferentemente disso, o que se sente em todo país, e Minas infelizmente não é uma exceção, é um paradeiro incômodo, uma falta absoluta de perspectivas, um achatamento brutal de toda esperança de que se serviram os novos governantes para convocar seus eleitores a assistirem a geração de um novo momento.

Dizerem que não há dinheiro para nada, sobretudo para investir em projetos estruturantes e transformadores, é uma incúria e frustra a expectativa que o eleitor lhes confiou com seu voto. Recursos já não existiam, e todos sabiam disso. Esperava-se que tivessem imaginação, prestígio para buscar tais recursos onde estivessem e melhor pudessem ser alcançados. Não se esperava desculpas.

O Brasil está parado e não é apenas por falta de recursos públicos. É por falta de credibilidade, de propostas sérias, de coragem para enfrentar a indigência de caráter de nossas lideranças políticas que hoje formam os Legislativos – municipais, estaduais e em Brasília. Que fazem as câmaras Municipais, as assembleias legislativas e o Congresso Nacional a não ser discutirem se aproveitam ou não das concessões mais espúrias, de verbas disponibilizadas para custear suas fantasias, das passagens aéreas para suas esposas, ou suas amantes, ou seus assessores de nada? Para que um vereador de qualquer cidade brasileira; um deputado de qualquer assembleia legislativa de todo Brasil, qualquer deputado federal ou senador precisa de tanto assessor, de tantas regalias, de tanta verba?

Estamos carentes de trabalho, de programas, de políticos que saibam tirar o país desse buraco que eles mesmos – uns com sua inércia, muitos com sua corrupção, todos com seu desinteresse – colocaram. Ao trabalho, senhores! O Carnaval já passou.

Luiz Tito

O império da idiotice


Outrora, os melhores pensavam pelos idiotas; hoje, os idiotas pensam pelos melhores. Criou-se uma situação realmente trágica: ou o sujeito se submete ao idiota ou o idiota o extermina.
Nelson Rodrigues

O 'fantasma' do impeachment

Apesar de o eminente democrata socialista, Zé Mensalão, cumprindo prisão domiciliar, declarar em 1999, que “dizer que impeachment é golpe é falta de assunto”, ainda assim a palavra continua um terror para uns e outros. Os próprios petistas, que já idolatraram o excelentíssimo ex-ministro, conferem à palavra o sentido de golpe da Direita; grande parte da população pede o afastamento da presidente, mesmo sem saber que isso está na Constituição. E fica-se no blá-blá-blá discutindo-se o direito constitucional, o que convém muito ao estado de beligerância no país e, em particular, ao governo e seus asseclas. Não se deve esquecer a antológica frase de quem brigou para derrubar Collor e hoje avisa com a profecia dos sem caráter como Rui Falcão: “Fiquemos alertas, companheiros, pois o imperialismo tanto se vale da força bruta como recorre às instituições republicanas para depor governos populares”. É discurso rançoso com mais de 50 anos de usado e usurpado.

O que há de tão terrível no impeachment? O Brasil já não passou por um e saudou como um avanço democrático? Agora seria antidemocrático? Mudaram a Constituição e não disseram nada? Ou querem dar um golpe de João Sem Braço?

O Paraguai, em 2012, decretou o impedimento de Fernando Lupo num rápido processo que durou ao infinito de dois dias. O processo foi iniciado a pedido de um deputado do Partido Colorado, motivado por um confronto entre policiais e camponeses, durante a reintegração de posse de uma fazenda em Curugauty, que deixou 17 mortos e 80 feridos. O Paraguai vai bem, obrigado, sem guerra civil, sem nós contra eles e outros lemas marqueteiros. E o Brasil continua matando 50 mil por ano.

Quem não gostou nada do cumprimento da Constituição paraguaia pelos paraguaios foram os companheiros, entre eles, a Venezuela, de Chávez, e o Brasil, de Dilma, sempre muy amigos e leais defensores da tal legalidade à moda da casa. Foram contra a saída, constitucional, do presidente e puniram o país que cumpriu sua Constituição com o afastamento do Mercosul para dar vez à legal Venezuela, que rola na desgraceira.

O que dá em ser contra ou a favor do impeachment? Está na lei e, dentro da lei, cumpra-se. Tanto falatório só dá vez mesmo ao acobertamento das falcatruas que assolam o país. Se tiver que ser feito, faça-se como manda a Constituição e bola pra frente. O que não se pode é gastar tanto palavrório, que joga uma cortina de fumaça sobre a roubalheira e só favorece a turma da corrupção. Vamos acabar embaralhando os conceitos e enfiando os pés pelas mãos sujas.

O que não se pode, nem pensar, é arrumar artifícios novos ou mais do que vetustos para driblar a Justiça, no Brasil, tão maltratada em favor dos poderosos, dos empreiteiros, dos políticos, dos canalhas de toda a espécie. Neste imbróglio, o povo apenas quer Justiça com todas as letras para acabar com as “brincadeirinhas” que só levam ainda mais o país para o poço.