sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O silêncio político e o silêncio bíblico


O silêncio não é uma flor fácil desta sociedade marcada pelo barulho e pelo estrondo, a dos eufemismos e das mentiras. Existem, no entanto, silêncios e silêncios. Há quem prefira o silêncio diante das ruidosas ameaças dos adversários, e quem o exerça para deixar a vingança nas mãos dos deuses. Neste momento complexo, em que o Brasil parece atravessar um perigoso deserto econômico, ético e social, sacudido por fantasmas de recessões e traições políticas, é estranho o silêncio das duas mulheres que há poucos meses travaram um duelo na disputa pela presidência da República.

Hoje, essas duas mulheres (Dilma Rousseff, de quem se disse que “ganhou perdendo”, e Marina Silva, que teria “perdido ganhando”) estão envoltas em um curioso silêncio. Naquele duelo, ganhou a luta a ex-guerilheira Rousseff, convencida por seus assessores e conselheiros de que só se livraria de Marina destruindo-a politicamente. A ambientalista foi assim apedrejada com as mentiras da propaganda eleitoral, que a apresentaram como um lobo feroz, disposta a tirar a comida da mesa dos pobres para dá-la aos ávidos banqueiros. Os pobres, que sabem como é amarga a fome, assustaram-se e abandonaram a heroína ambientalista apresentada como uma fera voraz das florestas. Hoje, passado o estrondo das palavras da disputa eleitoral, ambas essas mulheres de garra e que não desgostam do poder enfronharam-se no silêncio.

A presidenta Dilma passou seu primeiro mês de mandato sem falar. Quando o fez, suas palavras curiosamente surpreenderam pelos silêncios, pelo que não disse. Para falar na abertura do Congresso, preferiu enviar um representante. Não se ouviu ali sua voz. Ninguém sabe ainda o que ela pensa, por exemplo, do que prometeu nas eleições ou do que acusou os seus adversários naquela ocasião – e que hoje parece estar ela mesma levando a cabo.

O país de suas palavras-silêncio parece distante da realidade das pessoas comuns. Silencia sobre os problemas que abarrotam a mídia sobre a crise econômica, energética, hídrica e de ética na política frente ao tsunami de corrupção na Petrobras que, para ela, é difícil enxergar. Ninguém ainda se atreve a apostar, por exemplo, quanto tempo a presidenta levará para se livrar do espinho chamadoJoaquim Levy, que nomeou para sanear a economia.

Seu silêncio – enquanto pede que falem seus ministros, os mesmos que ontem obrigava a se manterem calados – deve ter um motivo político que, por enquanto, prefere não revelar. Fica, entretanto, cada dia mais claro que o Brasil que Dilma Rousseff segue desenhando não corresponde ao real. Nem sequer ao de seu criador e tutor, que hoje mais parece seu opositor. Lula está, dizem, mais assustado com os rumos do país e sua política que a calada presidenta.

Marina Silva, depois de ter perdido a batalha presidencial, também se cobriu com um estranho silêncio. Mas se o silêncio de Dilma parece político, o de Marina tem contornos bíblicos. É o que alguns chamam de “silêncio dos deuses”.

Acusada de sonhadora e pouco pragmática por seu estilo apocalíptico de defender a ecologia, Marina, filha da selva, observa em silêncio o descalabro ao qual o desprezo pelo meio ambiente está conduzindo o Brasil, que caminha para uma crise sem precedentes de falta de água e energia.

Durante a campanha, Marina bradou contra a velha política, a dos métodos fisiológicos de conceber a partilha do poder, que não leva em conta nem a ética das personagens, nem seu preparo técnico para estar à frente da governabilidade do país.

Também foi tachada de sonhadora porque, com suas exigências éticas, nunca conseguiria, se chegasse ao poder, ter uma maioria que lhe permitisse governar.

Hoje, Dilma acaba de ser derrotada no Congresso por uma maioria que está desmoronando, incapaz de continuar unida e fiel porque a velha política criticada por Marina está esgotada e necessita de uma renovação profunda, como demonstram Espanha e Grécia.

A farta lista de políticos corruptos ou corruptores do escândalo da Petrobras investigado no caso Lava Jato (que será divulgada após as alegrias do carnaval) deverá fazer sorrir tristemente a ambientalista, acusada de querer um Governo em mãos de políticos que fossem, se não santos, pelo menos decentes e não ladrões.

Leia mais o artigo de Juan Arias

Só dois para levar o sacolão?


Estamos à deriva


A saída não é jogar o comandante ao mar, nem o comandante ficar aferrado ao leme, sem reconhecer seus erros, indeciso e sem saber para onde levar o imenso barco

A leitura da imprensa e as conversas com as pessoas passam a sensação de que o País está à deriva, sem um rumo conhecido.

Os dados caóticos da economia, provocados por medidas irresponsáveis ao longo dos anos, apesar de todos os alertas esnobados pela euforia das ilusões criadas; a decepção com as mensagens otimistas que não se verificam em relação ao Pre-Sal, a Copa, os programas sociais; a perplexidade e a vergonha com a corrupção generalizada, com os escândalos repetidos, com os bilhões roubados, com a irresponsabilidade como a Petrobras, a Eletrobras e outras estatais foram administradas; o inconformismo com a traição da mudança radical do discurso eleitoral e para as medidas dos ajustes poucos dias depois.

Tudo isso passa a sensação de à deriva.

Mais grave é que não se vê alternativa. O governo está apenas começando depois de doze anos, sem a lua de mel de um novo mandato e com a perspectiva de ainda quatro longos anos.

E o Congresso, para onde a opinião pública deveria estar olhando em busca de um rumo, está demonstrando um total descaso com a crise, despreparado para enfrentar os desafios da história, perdido entre brigas menores, com um presidente que nesse momento crítico abre mão de seu papel de coordenador das forças parlamentares e prefere assumir a chefia de uma facção partidária a seu serviço.

A deriva termina provocando a tormenta no mar do povo indignado com a corrupção, a incompetência e o autoritarismo. Parece que as lideranças continuamos ignorando as mobilizações de 2013, sem percebermos que o povo que foi às ruas está esperando que uma faísca provoque mobilizações ainda maiores e com propósitos mais radicais.

O Brasil precisa encontrar um rumo por meio de um diálogo de suas lideranças que entendam a gravidade do momento, percebam a deriva em que estamos . O primeiro passo deveria ser dado pela presidente da república. Ela precisa fazer uma autocrítica, parar com a euforia, sair do marketing, pedir auxílio inclusive à oposição. E percebendo-se sinceridade e seriedade, todos devemos dialogar.

A deriva não leva a bom destino. Mas a saída não é jogar o comandante ao mar, nem o comandante ficar aferrado ao leme, sem reconhecer seus erros, indeciso e sem saber para onde levar o imenso barco chamado Brasil.

Cristovam Buarque 

A parte que cabe a Dilma e Lula


Dinheiro da corrupção pode ser localizado e, em parte, devolvido. Já as perdas, digamos, técnicas vão ficar por conta do povo
Quem começou o roubo na Petrobras, os políticos ou as empreiteiras? Para quem não tem nada a ver com isso, não faz diferença. Mas para quem está no rolo, pode fazer a diferença entre uma pena maior ou menos severa. Quem sabe até uma absolvição? — a esperança é livre aqui.

A versão dos políticos — no caso, do PT, PMDB e PP, principalmente, e de gente do governo Dilma — joga a culpa principal no cartel das empreiteiras, que existiria desde muita antes de os petistas chegarem ao poder. Fazendo combinações entre si, distribuindo as obras em reuniões secretas, acertando os preços, as empreiteiras dominavam de tal modo o negócio das grandes obras no Brasil que não havia saída senão, digamos, render-se a elas. Era isso ou não tocar os empreendimentos.

Sendo assim os fatos, com as empreiteiras se refestelando com os preços superfaturados, por que não tirar algum troco para a nobre tarefa de financiar atividades políticas? E atividades de partidos que visavam à nobre causa do povo — até muito justo, não é mesmo? Se isso for crime, dizem os autores dessa teoria, pelo menos é menor do que a montagem da quadrilha, quer dizer, do esquema.

A versão das empreiteiras é o inverso. Políticos dos partidos dos governos Lula e Dilma teriam montado uma máquina de fazer dinheiro para financiar eleições, de modo que não pagar propina e não entrar no esquema significava perder todas as obras.

E se as regras do jogo eram essas, se o preço seria mesmo elevado para pagar a caixinha política, por que não superfaturar um pouquinho mais para atender aos nobres interesses dos acionistas? Este seria um crime menor do que a montagem original da quadrilha etc.

No meio desses dois poderosos lados, sempre sobrava algum para executivos das empreiteiras e da estatal. Na verdade, alguns milhões.

Digamos que haja aí boa matéria para os advogados dos dois lados, mas, para a gente — cidadãos, contribuintes, eleitores, acionistas privados da Petrobras — não tem sentido algum. O gestor da coisa pública — para ficar bem solene — tinha que simplesmente chamar a Polícia Federal tão logo soubesse do esquema. Sem contar que, para o pessoal do PT, haveria aí um ótimo tema para atacar os seus antecessores no governo federal, aqueles neoliberais.

A mesma coisa vale para os donos das empreiteiras. Sabendo da quadrilha, que chamassem a polícia. Por que uma empresa eficiente, dona de tecnologia de primeira, precisaria se sujeitar a esse tipo de esquema que favorece a picaretagem?

Leia mais o artigo de Carlos Alberto Sardenberg

Alerta de monja


Corrigindo o erro é que se aprende. Mais do que perder ou ganhar eleições é saber agir na hora certa para beneficiar o maior número de seres. Administração pública precisa administrar também as privadas



Ladrões assaltaram a Petrobras e desestabilizaram o governo


Em política, aliás na vida em geral, não basta ver o fato. É preciso ver no fato: qual o seu conteúdo mais amplo do que o aparente, suas implicações, seus reflexos que às vezes se alonga no tempo. Refiro-me, como está no título, às ações conjuntas de um bando de ladrões que, além de roubarem bilhões (em dólares e reais), contribuíram, com os assaltos praticados, para desestabilizar politicamente o governo.

Não pode ser outra a interpretação dos capítulos em série que vêm manchetando os jornais, cujo desfecho ocorreu na tarde de terça-feira, quando, enfim, a presidente Dilma Rousseff anunciou a demissão de Graça Foster e a substituição de toda a atual diretoria da Petrobrás. Graça Foster não esperou o período pedido pela presidente e renunciou juntamente com cinco diretores, os quais não foram nominados.

A desestabilização do governo ficou caracterizada em dois fatos adicionais à demissão de Graça Foster: Dilma Rousseff, encarregou o ministro Joaquim Levy e Alexandre Tombini, presidente do Banco Central, de procurarem no mercado nomes capazes de substituir Graça Foster. Isso acreditando que ela, Graça Foster, fosse permanecer por mais algum tempo. Isso de um lado. De outro, a troca da diretoria da Petrobrás só deveria ocorrer depois da publicação do balanço da empresa devidamente auditado. Sim, porque o que foi publicado há uma semana foi na verdade um relatório. No qual Graça Foster calculou em aproximadamente 88 bilhões de reais o prejuízo ocorrido em consequência da corrupção desenfreada que fez submergir a estatal abalando seriamente o Planalto.

A meu ver, a demissão não deveria estar condicionada à publicação do balanço, pois se tal não fosse feita, a nova diretoria teria que fazê-lo obrigatoriamente. Neste caso, focalizando de forma mais exata os prejuízos causados pelo maremoto da corrupção e seus efeitos na reavaliação dos ativos da empresa. Foi convocada uma reunião para sexta-feira do Conselho de Administração. O afastamento de Graça Foster teve repercussão colossal, mas não altera a análise a respeito do abalo que o governo sofreu nos seus alicerces. Principalmente porque o país não conhecia em sua história roubos praticados em série, reunindo tantos atores, como os que houve na Petrobrás.

E ninguém sabia de nada? Nenhum ex-diretor tinha conhecimento do que se passava? Para sublinhar pelo menos a omissão, vale recordar uma frase de Einstein: o que existe aparece. As ações desabaram na Bovespa, proporcionando um verdadeiro paraíso para os especuladores que, agora, encontraram a “sorte” de usarem argumentos para forçar a queda dos papéis, comprá-los a preços baixos e, no lance seguinte, revendê-los a preços mais altos. Para identificar a manobra financeira, legal mas não moral, basta verificar suas presenças nos pregões. Como sempre. Porém, este é outro assunto.

O essencial é concluir que, em todo esse redemoinho, Dilma Rousseff perdeu parcelas de seu poder político. Pois, assim não fosse, não delegaria a Joaquim Levy e Alexandre Tombini a tarefa de pesquisar no mercado nomes capazes (e capacitados) de assumir a maior empresa brasileira. Ela mesma o faria. Afinal de contas, a responsabilidade de nomear é sua. Aliás, intransferível.