quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Fé cega, faca amolada


A derrocada de Dilma, o PT e a volta de Lula


Acho que precisamos ler o que está contido nas entrelinhas desses aparentes choques entre petistas. Dilma Rousseff tem pela frente um mandato inteiro e jamais o PT pegou o Brasil para governar numa situação econômica e social tão difícil, que a própria presidente deixou para si mesma, portanto, do PT para o PT. A nomeação de seus ministros foi um fracasso total, muitos deles com problemas na Justiça. Soma-se a essas dificuldades a corrupção institucionalizada. Acrescente-se a esse quadro dantesco o escândalo da Petrobrás, que ainda terá muitos desdobramentos e ramificações, de acordo com a pressão que se está exercendo pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pela Justiça.
O fato é que a insatisfação com o governo Dilma aumenta entre a população mais esclarecida. Integrantes do seu próprio partido a estão criticando publicamente. E pessoas ligadas a Lula, como Marta Suplicy, declaram que ele já desistiu de Dilma, culpando-a pelo atual estágio da economia brasileira.

Outro fato é que o mundo vive uma nova crise – de identidade, recrudescimento da violência, xenofobia, preconceito religioso – que certamente influenciará a economia global. O preço do petróleo desaba e a Rússia está tendo sua moeda em queda, a ponto de a China se oferecer para ajudá-la. Os países que fazem parte do Mercosul (ainda existe?) estão com sérios e graves problemas, dificultando nossas exportações, e a Argentina se apressa em fazer acordo com a China.


Em meio a essa situação, no Brasil o Congresso aumenta as exigências para negociar com o Executivo, com os partidos querendo mais regalias, mais ministérios, mais secretarias, mais poder. Enfraquecida, Dilma pode nem concluir seu governo, se o escândalo da corrupção aumentar e a presidente for atingida por um pacote de acusações que determine a votação do impeachment de seu mandato.

Diante dessas circunstâncias, penso que o PT está fazendo um belo teatro, uma pantomima para nos fazer crer que Dilma traiu o partido, quando, na verdade, a presidente está sendo abandonada por desertores, por covardes petistas que visam a candidatura de Lula em 2018 para resgatar o partido e oferecer ao povo o crescimento econômico que não houve nas duas administrações de Dilma!

O PT é sórdido, mal intencionado, sua paixão é pelo poder e pelos cargos. Se Dilma continuar nesta sua gestão com os mesmos fracassos que a anterior, e tudo indica que é irreversível esta situação, o PT perde prestígio e eleitores com a estagnação econômica, agravando os problemas crônicos do país. E o PT então pode ser alijado do poder, mesmo com Lula se candidatando.

A chance do ex-presidente voltar é se dizer desvinculado de Dilma, alegar que ela não fez o que o partido lhe determinara, que não seguiu os conselhos que ele, Lula, lhe sugerira.

O séquito de Lula, de Marta (relaxa e goza!) e de outras figurinhas carimbadas já começou a puxar o tapete de Dilma justamente no início de seu segundo mandato. Ora, por que deixá-la prejudicar o País por mais quatro anos? Por que Lula não se candidatou? Por um simples motivo: não tem quem possa evitar a crise que se aproxima.

Que então se espalhe que a presidente desobedeceu as ordens do partido, tendo como consequência o fracasso de sua administração. Que a oferenda à fogueira das vaidades seja apenas Dilma, que desceu de paraquedas no PT, e não o próprio Lula, que ainda engana incultos e incautos e tem chances de manter o controle do partido até 2018.

Lula é o Judas. Os beijos e abraços em Dilma na campanha à reeleição diziam claramente: Eis a mulher que deverá ser sacrificada em nome do PT. 

Francisco Bendl 

Casa da mãe Joana

A expressão foi cunhada na Itália. Joana, rainha de Nápoles e condessa de Proença, liberou os bordéis em Avignon, onde estava refugiada, e mandou escrever nos estatutos: “Que tenha uma porta por onde todos poderão entrar”. No Brasil ficou então como “casa de mãe Joana”. Antigamente, a expressão era como se chamava tudo que era confusão, aliás, como o mundo está agora, tendo o Brasil como destaque. 
Até há pouco tempo, pensou-se que jamais haveria qualquer coisa mais imoral do que o mensalão, remuneração mensal criada para parlamentares e membros proeminentes do governo que, em troca dessa benesse, aprovavam no Congresso qualquer porcaria que o governo quisesse. Poucos foram os punidos e muitos os beneficiados e até consagrados, outros, os mafiosos mesmo, arranjaram doenças que não matam nem aleijam, mas libertam. Com nomes de gringos, juízes importantes entenderam que tudo não passou de sacanagem das oposições fascistas... Quem sabe um dia poderão ser canonizados santos?

E nem chegaram a um terço das penas a que foram “condenados”, foram jubilados e estão soltos e fagueiros. Ainda com a estupefação pública pelo mensalão, eis que começa o petrolão... Este pode quebrar o Brasil. Como estará aquele empréstimo que a Petrobras fez ao pré-sal comprando à vista para receber a prazo não sei quantos milhões ou bilhões de barris de petróleo? E, por falar em pré-sal, não tem ninguém preso, não? E como será que está esse caso? Garanto que certinho como “boca de bode” não está...

E de todos os lados pipocam escândalos e absurdos: Na Argentina, “suicidaram” um promotor federal – Augustino Alberto Nisman, de 51 anos, que foi encontrado morto em seu apartamento. Ele era o responsável pela investigação do atentado contra a sede da Associação Mutual Israelita Argentina – Amia –, quando da explosão que deixou 85 mortos. Falam em coincidência... Torcedor do Galo, eu acredito. Em São Paulo, o novo secretário de Justiça, Aloisio de Toledo César, usou uma rede social para criticar os cartunistas do jornal “Charlie Hebdo”, avaliando que eles fizeram mau uso da liberdade de expressão e que está solidário com os muçulmanos porque eles condenam a violência. E concluiu: posso dizer que eu também sou Maomé. 

Eu tenho a mesma opinião do papa Chico. Neste mundo, tudo tem um limite, e, nesse caso, “não se pode insultar a fé das outras pessoas, não se pode tirar sarro de fé”. Disse mais: “Se ofender a minha mãe, pode esperar um murro, é normal”. Legal o Chico... Não concordei foi com Mateus 5:39 – “Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal, mas, se qualquer te bater na face direita, ofereça-lhe também a outra. Portanto, se o teu olho direito te escandalizar, arranca-o e atira-o para longe de ti, pois te é melhor que se perca um dos teus membros do que todo o teu corpo”. Não sei por quê, lembrei-me do Cerveró...

A coisa tá feia!


Desagregação energética


Se o ano de 2014 foi de estiagem, escassez d’água e de energia, podemos esperar que em 2015 as dificuldades serão ainda piores. Racionamento e desorientação dos setores produtivos, gerando-se falências em cadeia e desemprego. Ruas e praças cheias de revoltosos inconformados e famélicos.
As medidas ensaiadas por Joaquim Levy são encomendas de banqueiros, passam longe do cerne da sustentabilidade e do desenvolvimento. A ortodoxia vesga das medidas propostas penaliza a sustentabilidade dos setores primários e estruturantes, aqueles que pagam impostos.

Aumento de tributos, de tarifas reguladas, arrocho de financiamentos. Cortar na pele da administração pública está proibido, os altos escalões se decretaram aumento salarial de 50%, e os gastos fixos nesse patamar secarão ainda mais a capacidade de investimento.

Vida boa está garantida apenas para parlamentares com salário de R$ 34 mil, em cascata todo o serviço público virá atrás. Levy, que vem do Bradesco, vai fazer contrariar todos os interesses, menos os dos banqueiros, um setor sanguessuga, longe de ser o puxador do desenvolvimento.

Em algumas regiões de Minas a chuva de janeiro é zero, não se lembram os mais idosos de um caso tão desesperador. As lavouras estão se perdendo, e a vegetação do campo já está seca como no inverno. Safra zero para alguns produtos em regiões tradicionais. Escassez e aumento do preço da comida.

O índice de saturação dos reservatórios está em apenas 22%, no ano passado nessa época era de 44%, rios secando, reservatórios vazios. Mesmo que fevereiro e março registrassem boas precipitações, das quais não se tem notícia, a realidade continuará arrasadora para o abastecimento e para a geração de energia. Racionamento, que é necessário e já passou da hora, está descartado para não contrariar a soberba presidencial. Cair atirando é a previsão de Dilma.

A situação é crítica desde 2012 e vem gradativamente se esgarçando. Dilma parece o faraó do livro do Êxodo, aquele que mereceu sete castigos divinos pela sua teimosia até se emendar e tomar a medida prometida.

O alicerce do setor elétrico foi rachado, na contramão da história, da lógica e da regra universal, em plena campanha das eleições municipais de 2012, anunciando uma diminuição de 26% das tarifas. Um tiro no pé, uma bomba no setor que originou outras medidas em cadeia para tapar da vista do eleitor o desastre e a conta dele.

Em 2015 deverá se recuperar o que se perdeu escondendo a verdade e adiando medidas.

Agora a conta se abaterá sobre o consumidor com 36% imediatos de reajuste e outros muitos que pipocarão em breve, pois o custo para as geradoras aumentou muito mais, e, de R$ 135 por MWh em 2012, as indústrias encontram-se a contratar por R$ 450, mas com baixíssima oferta.

Para se ter preços baixos, só tem a hipótese de a energia ficar abundante. Dilma fez o contrário: inibiu por decreto a possibilidade de investimento das geradoras, quebrou seus contratados, as quebrou, e ainda o desconto de 26% durou apenas três meses em 2013, seguindo-se aumentos que nunca se viram antes na história deste país.

Ainda se embaralhou, tirou referências no setor, afugentando os investimentos e condenando o país a ser carente de energias por muitos anos ainda. Quer dizer, tarifas altas.

Sempre na contramão, a CCEE rebaixou o PLD máximo (valor de liquidação da excedência de energia) de R$ 822 por MWh para R$ 388. Quer dizer, inviabilizou a produção independente e eventual, que custa cerca de R$ 680 por MWh, como é o caso da termoelétrica a petróleo de Igarapé-MG operada pela Cemig.

Em Pernambuco a termoelétrica de Suape (20% da Petrobras), com capacidade de 389 MWh, uma das maiores do país, sofreu uma quebra na última semana, paralisando 16 dos seus 17 termogeradores. Estouram por ter puxado a corda, sem descanso e manutenção adequada, chegando à fatiga inusual dos materiais.

Isso vem acontecendo de forma generalizada, e já 40% da capacidade nominal de geração está parada por sucateamento, e sem valores definidos que compensem o conserto com a remuneração de R$ 388 por MWh.

O despreparo de quem conduz as medidas de enfrentamento da crise a agrava. Parece que querem arrasar o setor? Seria uma teoria da conspiração para estatizar os falidos?

O caos está aí e parece que veio para ficar

Vittorio Medioli

Sobre o riso e a gargalhada


Como negociar com o terror, cuja força vem exatamente da recusa ao diálogo?
No livro “A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais", Mikhail Bakhtin observa que, a partir do Renascimento e do Iluminismo, a gargalhada espontânea e rude das formas festivas populares — próximas da carne, dos processos fisiológicos e da terra — começa e ser transformada e reprimida. O riso contido diz adeus ao seu estilo escandaloso e “grotesco”, ligado à imagem de um corpo imperfeito, aberto, mutável e sujeito à decomposição. Surge um Equador cósmico entre o que fica acima (mãos, cabeça e juízo) e o que está vergonhosamente abaixo da cintura: o traseiro, os órgãos genitais e excretores, e os seus orifícios e funções. O grotesco tem nessa divisão sua origem, pois o interior do corpo e as suas passagens remetem ao obscuro das grutas. A mesa se divorcia da cama...

Na estética do Renascimento, que modelou a arte iluminista e “moderna”, o corpo perde os orifícios, abandona seus produtos mais humildes: suas protuberâncias e sua capacidade de confundir-se concretamente (como no parto e no amor carnal) com outro corpo. Ele se individualiza. Para Bakhtin, as grosserias e obscenidades seriam “sobrevivências petrificadas e puramente negativas dessa concepção aberta do corpo". A podridão, os órgãos sexuais e a nudez desabrida caracterizavam as festividades populares, as quais baniam o pecado e o tabu, assim como a separação entre o humano e outros mundos.

A partir do século 18, surge um universo fundado na racionalidade que separa a gargalhada (que vem da garganta) do riso superficial educado. O gargalhar é lapidado e “toma a forma de humor, ironia ou sarcasmo. Deixa de ser jocoso e alegre. O aspecto regenerador e positivo do riso reduz-se ao mínimo".

Agora temos o risinho mascarado superior, inaugurado por Voltaire e citado pelos estudiosos entendidos em França que comentaram o recente atentado de Paris. Essa seria a tradição do “Charlie Hebdo" quando, de fato, o terrorismo tem a volúpia dos mártires e — é óbvio — de alguns artistas imbuídos de profetismo, reproduzindo um grotesco rabelaisiano cuja onipotência encara a morte como uma diversão, e não como algo a ser suportado.

O riso irônico dos filósofos franceses separa a luta politica das opções religiosas. Naquela, matava-se com método (usando a guilhotina — uma maquina de matar moderna — igualitária e mecânica); no caso da religião, contudo, tudo se justifica em nome de Deus e do Profeta. A liberdade de dizer o que se quer é deste mundo; matar quem blasfema contra o nosso sagrado é uma guerra e uma vingança porque fala deste mundo e do outro.

A modernidade domesticou o riso que, supomos, pode ser dirigido contra ou a favor de alguma coisa ou alguém. “Certamente, continua Bakhtin, o riso subsiste mas ele se atenua e toma a forma de humor, ironia ou sarcasmo. Deixa de ser jocoso e alegre. O aspecto regenerador e positivo do riso reduz-se ao mínimo". Eu humildemente diria que, se o riso for além da ironia, ele readquire sua antiga volúpia utópica (e carnavalesca) que regenera e pode levar à morte. Morte física ou morte pela transformadora aceitação do gargalhar.
Leia mais o artigo de Roberto DaMatta