domingo, 4 de janeiro de 2015

Aberto o saco de maldades

O que significa a proposta anunciada pelo novo ministro do Planejamento, de novas regras para o salário mínimo? Com perdão palavra, é trolha que vem por aí. Como sempre, penalizando os pobres e os humildes, no caso, quem consegue sobreviver com 788 reais por mês. Pois vai ficar pior. Segundo Nelson Barbosa, os reajustes do salário mínimo ainda serão superiores à inflação…

Dá para traduzir ajuste fiscal como algo diferente do que aumentar impostos? É o que também se prevê, assim como cortes nas despesas sociais. Jamais, é claro, nos recursos destinados a pagar juros ou a saldar débitos externos.

Num estalar de dedos o país toma conhecimento do que será o segundo mandato de Dilma Rousseff, porque apesar das promessas de não recuar um milímetro na preservação dos direitos sociais, a presidente assinou medida provisória cortando pela metade o abono salarial, o salário-desemprego, o auxílio-doença, as pensões pela morte de um cônjuge e até os benefícios para os pescadores proibidos de pescar.

Vale aguardar mais peças do conteúdo do saco de maldades aberto pelo novo governo todos os dias, começando na véspera da posse e seguindo impávido no rumo da desconstrução de uma sociedade mais justa. Calaram as forças que poderiam opor-se a esse massacre do PT aos sindicalistas. As oposições parlamentares nada farão, pelo menos até que o esbulho se estenda às classes privilegiadas. Enquanto isso, com as exceções de sempre, os ministros recém-nomeados batem cabeça, reconhecendo nada ter a ver com os setores para os quais foram escolhidos. É constrangedor citá-los. Mais responsáveis do que eles e os partidos que os impuseram será a presidente da República, que os nomeou.

No capítulo da corrupção, com ênfase para o escândalo na Petrobras, chega a ser hilariante a explicação de que deveu-se a uns poucos maus funcionários e à pressão de forças externas. Estas sempre existiram,  aqueles integram a parte visível da quadrilha que ocupou o poder para transformá-lo na caverna do Ali Babá, não obstante os protestos do já agora ex-ministro Gilberto Carvalho em seu canto de cisne. Ladrões existem, são identificados e continuarão agindo à luz do dia, pertençam ao PT, ao PMDB, ao PP, PR e penduricalhos.

Logo depois de sua primeira posse, Dilma conseguiu livrar-se de seis ministros envolvidos na roubalheira, mas quatro anos depois eles tinham voltado a influir no governo, diretamente ou através de prepostos. Participaram ativamente da montagem do segundo ministério.

Outra vez a conta da incúria vai para os menos favorecidos e, em pouco tempo, atingirá a classe média. Trata-se de uma questão de tempo saber onde a corda se romperá.
Carlos Chagas

A presidente, os novos ministros e o samba

Seu Presidente,/ Sua Excelência mostrou que é de fato/Agora tudo vai ficar barato/Agora o pobre já pode comer/Seu Presidente,Pois era isso que o povo queria/ O Ministério da Economia/ Parece que vai resolver/ Seu Presidente//Graças a Deus não vou comer mais gato/Carne de vaca no açougue é mato/Com meu amor eu já posso viver.
(Do samba Ministério da Economia, de Geraldo Pereira e Arnaldo Passos)

Basta trocar o tratamento inicial de Senhor para Senhora Presidente e fazer algumas pequenas adaptações de linguagem para evitar os chatos de plantão no tempo do “politicamente correto”, que atravessamos, e está tudo OK. A exemplo do que rolou em Brasília na última quinta-feira, primeiro dia de 2015.

Temos até, na letra e melodia do velho e bom samba “Ministério da Economia”, sucesso popular absoluto no Brasil de 1951 (pode parecer distante, mas é quase ontem para os registros históricos), o tema musical da festa da posse para o segundo mandato da petista Dilma Rousseff. Acompanhada do coro de calouros e veteranos ministros, de múltiplas e desafinadas vozes, que ela escolheu na largada de seu segundo mandato no ano regido pelo guerreiro Oxóssi, a entidade sincrética de São Jorge nos cultos afro-brasileiros.

A garimpagem atenta e certeira, retirada do fundo do baú da MPB, da música interpretada à perfeição pelo saudoso sambista Geraldo Pereira, deve ser creditada ao jornalista baiano Claudio Leal. De São Paulo, ele postou no site blog Bahia em Pauta, o vídeo do Youtube, acompanhado da letra e informações básicas sobre a composição genial.

No título, o jornalista cravou com a inteligência e refinada perspicácia de sempre: “Seu Presidente/ Graças a Deus não vou comer mais gato”. Um samba de Geraldo Pereira para sonhar com as promessas dos discursos de posse em todo o Brasil”.

Na mosca!!!

Vejam, por exemplo, aquela foto tradicional em dia de posse, que todos os jornais fazem e quase nenhum publica na edição do dia seguinte. A chamada “foto de Arquivo” no jargão das redações, para ajudar em futuras comparações à medida que os governos vão passando e vários dos sorridentes ou circunspectos auxiliares do primeiro escalão vão se desgastando política ou tecnicamente, perdendo força e visibilidade.

No caso em tela, um amontoado de 39 figuras díspares, boa parte surge e desaparece como miragens no deserto, sem que a maioria dos brasileiros saiba de fato quem são, ou o que fazem. A não ser quando os malfeitos e escândalos explodem e se multiplicam com suas sequelas e contaminações inevitáveis.

Alguns acabam descartados. Sem sequer um “muito obrigado” do poderoso da vez. Em outros casos, simplesmente, são deixados na margem da estreita e selvagem estrada do poder, sem verbas, sem atenção, abandonados para morrer à mingua.

Neste começo do segundo governo Dilma, a “foto de Arquivo” foi publicada em alguns diários impressos, como a Tribuna da Bahia, sites e blogs. A imagem que tenho é a publicada na edição de ontem (2) do jornal espanhol El Pais (Edição do Brasil, que sempre leio junto com a TB).

Nela, uma figura se destaca no meio do bolo completo de novos e antigos auxiliares da presidente: O Ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Ele assume de fato o comando Economia na segunda-feira, 5, em cerimônia no Banco Central que promete dar o que falar. Atualmente é ele o nome do samba.

Vitor Hugo Soares

Ainda hoje


Pichavam nos muros o slogan de Marx: “Trabalhadores do mundo, uni-vos”. Mas quem pichava e quem lia não sabia o que era uni-vos.
Graciliano Ramos 

Dilma não corta nem faz bainha


Sequer um Ministério a menos entre os 39, nenhuma redução em bônus, gratificações ou pessoal. Nada. A máquina de Dilma continua igual, obesa e cara

Dilma Rousseff inaugurou o 13º ano de governo petista com o mesmo de sempre: discurso recheado de generalidades, fantasias fabulosas, autoelogios e um amontoado de mentiras. Algumas de descaramento espantoso.

Nem corou ao dizer “assim como provamos que é possível crescer e distribuir renda, vamos provar que se pode fazer ajustes na economia sem revogar direitos conquistados ou trair compromissos sociais assumidos”. Isso dois dias depois de seu governo anunciar um pacote que reduz benefícios adquiridos de trabalhadores e de os mais otimistas apostarem em 0,3% de crescimento em 2014, número próximo à estagnação, com consequências seriíssimas nas arrecadações estaduais e municipais.

Mas enquanto governadores anunciam cortes na própria carne, como fez o do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), e o de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), Dilma só desossa a carne alheia.

Sequer um Ministério a menos entre os 39, nenhuma redução em bônus, gratificações ou pessoal. Nada. Nem bainha, quanto mais corte. A máquina de Dilma continua igual, obesa e cara.

Suas escolhas expõem a fragilidade dos compromissos que assumiu no Congresso Nacional. Basta um exemplo: prefere agradar 21 deputados do PRB, nomeando para o Esporte o polêmico George Hilton, do que reduzir ministérios inúteis.
Até agora, o ajuste de Dilma limita-se a regras mais rígidas e redução de percentuais pagos aos trabalhadores na pensão por morte, auxílio-doença, abono salarial, seguro-desemprego e seguro defeso, criado para proteger pescadores.

As reformas propostas, que devem vir por Medida Provisória, até poderiam ser louváveis se constitucionais forem, mas nem de longe arranham privilégios dos aboletados no poder. Passam longe do Planalto, da Esplanada, do governo e dos seus.

Representam uma economia de R$ 18 bilhões, pouco mais do que a metade do último aporte R$ 30 bilhões do Tesouro feito para tapar rombos no BNDES. O banco de fomento financiou a construção do Porto de Muriel, em Cuba, fez a alegria de gente seleta como o ex megaempresário Eike Batista e de todas as empreiteiras enroladas com a roubalheira na Petrobras.

Os bilhões que a Petrobras perdeu para a corrupção, em negócios mal geridos e mal explicados, são apenas parte da herança de Dilma para Dilma. Há encrenca para todo lado, com faturas já preparadas para os brasileiros pagarem. Estão previstos aumentos de energia, gás, combustíveis. Mais impostos.

No caso da petroleira, Dilma atribuiu todos os males a predadores internos e inimigos externos. Nada disso. Quem matou a charada foi Paulo Ferraz, em um comentário no Facebook: são inimigos íntimos. Ou amigos íntimos. E esses são imexíveis.

Os Ninguéns


As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.

Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
Eduardo Galeano

Por que Dilma não revela os 'inimigos' externos da Petrobras?



Até agora nenhum dos acusados denunciou inimigos externos responsáveis pelo seu colapso

A presidenta Dilma Rousseff em seu discurso de posse perante o Congresso fez uma afirmação grave, uma das mais importantes de seus 40 minutos de discurso, e que causou perplexidade. Falou que existem “inimigos externos” que conspiram contra a Petrobras, a grande petroleira brasileira hoje sofrendo grande humilhação da Justiça e da Polícia Federal por ter sido descoberto em seu interior o maior escândalo de corrupção política e empresarial da democracia. E garantiu que está disposta a combatê-los.

Não revelou, no entanto, quem são esses famosos inimigos que decidiram causar a crise na importante petroleira. Por que esse silêncio?

Fez bem, Dilma, em tecer os elogios à que já foi a joia da coroa da indústria brasileira fora e dentro do país. Fez bem em prometer que deseja extirpar o câncer que corrói a Petrobras, que tem, entre os diretores e gestores nomeados por ela ou seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, alguns que estão na prisão acusados de ter subtraído da empresa bilhões de dólares para alimentar o partido do governo ou partidos aliados, além de terem enriquecido pessoalmente, como estão revelando os interrogatórios da Justiça.

Ocorreu, porém, um lapso grave da presidenta em seu discurso, como puseram em evidência os analistas políticos, no fato de ter mantido o silêncio e suspense em relação a esses misteriosos “inimigos externos” da Petrobras.

É estranho porque a tentativa de lançar sobre inimigos externos os males de um governo costuma ser patrimônio de democracias frágeis, inseguras, dominadas por populistas ou ditadores incapazes de fazer autocrítica de seus erros.

Não é o caso do Brasil, que, como a própria presidenta destacou, goza de uma democracia onde funcionam com liberdade os três poderes e todas as instituições.

Os cidadãos brasileiros e todos os que têm ações da empresa, que perdeu 60% de seu valor, têm o direito, portanto, em respeito à democracia que desfrutam, de conhecer quem são esses inimigos de fora da Petrobras que os levaram a perder parte de seu patrimônio.

Pelo que até agora estão descobrindo tanto a Polícia Federal como os promotores e juízes federais por meio dos interrogatórios e das delações premiadas, esses inimigos ficaram aninhados durante anos dentro da empresa, foram escolhidos pelo governo, às vezes para agradar aos partidos aliados, e eles mesmos estão revelando que o demônio que tentou a Petrobras estava dentro, muito dentro, e não fora.

Nenhum deles, nem sequer os empresários opulentos que faziam seus cambalachos com a empresa para obter benefícios –altos dirigentes que continuam na cadeia –, acusou nenhum inimigo externo pelos males que prejudicaram a Petrobras e a levaram a perder valor e prestígio.

Já que a presidenta preferiu o silêncio sobre esse enigma dos “inimigos externos”, cabe imaginar que poderia referir-se, por exemplo, aos meios de comunicação que trouxeram a públicos os escândalos hoje confirmados pelos juízes.

A liberdade da mídia, porém, de trazer a público os escândalos do poder não só não pode ser vista como “inimiga” da Petrobras, mas, pelo contrário, como um estímulo a mais para ajudar o governo a corrigir os graves casos de corrupção, cada vez mais numerosos e graves.

Quantos desses escândalos teriam ficado ocultos para sempre, impunes, sem a colaboração dos meios de comunicação, cuja missão em uma democracia é a de ser uma das instituições que vigiam o poder? A experiência nos ensina que poucos, talvez nenhum, dos casos de corrupção denunciados pela imprensa brasileira nos últimos 20 anos eram falsos.

Leia mais o artigo de Juan Arias