sábado, 4 de julho de 2015

Dilemas da crise


O sistema parlamentarista de governo vigeu por todo o período monárquico, garantindo a estabilidade política de um país em formação, palco de sucessivos levantes regionais de cunho separatista. Teve eficácia para garantir a unidade nacional.

A república, proclamada por meio de um golpe militar, introduziu o presidencialismo, inspirado no modelo dos Estados Unidos, único país que soube conciliá-lo com a democracia.

O Brasil não absorveu essa particularidade – e abraçou-se com a instabilidade. Caiu na vala comum, oscilando entre a ditadura e a democracia fisiológica, a que temos hoje em plena vigência. O parlamentarismo, contudo, não foi sepultado. Foi posto no freezer.

Em 1961, com a renúncia de um presidente conservador, Jânio Quadros, e a perspectiva de posse de um presidente esquerdista, João Goulart, em plena Guerra Fria, a criatividade política retirou do congelador, como medida paliativa, o parlamentarismo. Era um remendo para driblar a crise militar.

Tancredo Neves, negociador da solução, assumiu o cargo de primeiro-ministro, ao qual renunciaria, diante do empenho de Jango e da esquerda em sabotar aquela saída.

Passou o cargo ao deputado Brochado da Rocha, cujo nome se adequava ao que se pretendia: mostrar a impotência do parlamentarismo para resolver os desafios da crise brasileira. O presidencialismo foi restabelecido por plebiscito, em 1963, desembocando no golpe militar de 1964.

O golpe, na verdade um contragolpe, teve apoio civil, na expectativa de que cumpriria apenas um mandato tampão até as eleições do ano seguinte. As eleições diretas não vieram – viriam apenas 25 anos depois, em 1989, com a eleição de Collor.

Na Constituinte de 1988, ainda se tentou a solução parlamentarista, abortada pelo governo Sarney e remetida a novo plebiscito, em 1993. Como em 63, o povo optou pelo presidencialismo, graças à retórica populista das lideranças políticas. Não é simples explicar as tecnicalidades de um sistema político complexo, o que favoreceu a preservação do status quo.

Hoje, diante da falência do governo Dilma, volta-se a falar em parlamentarismo – e mais uma vez como truque para uma transição política anódina, com data marcada para ser abortado. O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, foi claro: o parlamentarismo vigeria por este mandato, em que, assim sendo, seria ele próprio um dos favoritos para ocupar o posto de primeiro-ministro.

Em 2018, voltaria o presidencialismo, com a eleição direta do novo presidente da república. Desnecessário dizer que, nesses termos, as chances de cumprir a missão estabilizadora serão nulas. Funcionará como mero anestésico, adiando a crise e seus conflitos. Há ainda complicadores jurídicos: o fato de ter sido derrotado em dois plebiscitos – o anterior já sob a vigência da atual Constituição – poderia gerar questionamentos judiciais.

Seja como for – e aqui não se está discutindo os méritos da mudança, que exigiriam artigo específico -, o simples fato de tal discussão já estar sendo feita a céu aberto, com a participação e o patrocínio do presidente da Câmara, indica que ninguém mais questiona o fim do governo Dilma. Acabou-se – e ponto.

Discute-se, isto sim, como será formalizada sua saída: se por impeachment (pedaladas fiscais), se por cassação (caso se confirmem as doações eleitorais com dinheiro roubado da Petrobras) ou se por renúncia.

A torcida é que se dê por renúncia, que permitiria uma liturgia sucessória protocolar, sem maiores contratempos. O próprio Lula, convertido em demolidor da criatura que ele mesmo inventou – e sonhando em voltar à presidência em 2018 -, torce por essa solução. Tornou-se subitamente adepto do parlamentarismo-tampão, que o devolveria à oposição, alheio aos dolorosos ajustes econômicos que as sucessivas gestões do PT tornaram imperativos.

A confusão é geral - e, tendo a operação Lava-Jato como pano de fundo, o país assiste, perplexo, a mais um capítulo da falência de seu sistema político. Em tal contexto, cabe o velho axioma das crises: quem disser que sabe o que vai acontecer está no mínimo mal informado.

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