domingo, 31 de maio de 2015

Tive um sonho: o Brasil era um país normal

Sonhei que o país era normal, com poucas notícias políticas, todo de classe média, com sua presidenta conversando feliz com as pessoas na rua
Sonhar não é pecado. Além do mais, às vezes os sonhos se tornam realidade. Ontem, fora do Brasil, tive um sonho. Sonhei que, de repente, escutando as notícias nos jornais, na televisão e nas redes sociais, o Brasil parecia um país normal. Não se falava mais de escândalos. Era o país da América Latina com os menores índices de violência.

Ninguém sabia mais o que era o Bolsa Família, porque todos ganhavam com seu trabalho o suficiente para viver com dignidade e até se permitiam alguns luxos lúdicos e culturais.

Os meios de comunicação não falavam de escândalos de corrupção. A Petrobras tinha recebido um prêmio na União Europeia como empresa modelo de gestão.

O que mais me chocou no sonho foi não ver mais favelas. Nos arredores das cidades havia bairros novos e coloridos, criados por arquitetos jovens, com parques e fontes, escolas e hospitais, e até ônibus com ar-condicionado.

Fiquei surpreso ao não ver nas notícias políticas os nomes de personagens que enchiam as crônicas todos os dias (até as policiais). Não se falava mais de Dilma Rousseff nem de Lula, nem de Cardoso, nem de Renan Calheiros ou de Eduardo Cunha.

Muitos dos doze ministros eram jovens formados em universidades estrangeiras, assim como os prefeitos e governadores. Todos ganhavam como professores universitários. Viajavam com as pessoas, em metrôs modernos e em aviões comerciais. Às vezes eram vistos caminhando a pé pela rua. As pessoas cumprimentavam e paravam para discutir com eles temas de interesse nacional ou local.

Nos jornais se falava mais de cultura, de ciência, de gastronomia e até de filosofia do que de política.

As pesquisas davam porcentagens altas de índices de felicidade cidadã. As pessoas usavam algumas drogas, mas podiam comprá-las nas farmácias. Não havia traficantes.

As pessoas enchiam de noite os restaurantes e salões de festas sem medo de sofrer algum tipo de violência. O turismo havia triplicado em todo o país.

Nas periferias das cidades havia bairros novos e coloridos, nenhuma favela

Milhares de jovens eram pequenos empresários, orgulhosos de suas conquistas e com vontade de ganhar o mundo. Os avôs contavam aos netos sobre o tempo em que no Brasil havia milhões de pessoas que não sabiam nem ler nem escrever. Contavam que no passado havia quem matava homossexuais e a polícia acreditava que todos os negros eram delinquentes em potencial.

Um negro de idade média era presidente da República e as pessoas aplaudiam e tiravam fotos com ele quando o encontravam na rua ou no cinema.

Os policiais militares eram quase todos universitários. Ganhavam bem, como profissionais qualificados. As pessoas ficavam felizes quando se encontravam com eles nas ruas, porque sentiam confiança, nunca medo.

No exterior, os empresários brasileiros tinham fama de serem criativos e só uma vez um deles apareceu implicado, junto com um político, em um caso de corrupção. Os dois foram logo processados e presos.

O Brasil era admirado no mundo por seu futebol original. Era proibido vender jogadores a outros clubes estrangeiros. Não havia torcidas violentas. Cada partida acabava em uma festa coletiva.

As mulheres tinham o direito de decidir sobre seu próprio corpo, os doentes sem esperança podiam decidir, conscientemente, se desejavam parar de sofrer.

O Brasil tinha um assento no Conselho de Segurança da ONU, relações estreitas com os irmãos latino-americanos mais democráticos e seu comércio estava aberto a todos os continentes. Seus diplomatas eram elogiados internacionalmente por sua capacidade de diálogo e sua pouco propensão a criar conflitos, e não apoiavam regimes ditatoriais.

Milhares de jovens eram pequenos empresários, orgulhosos de suas conquistas

A inflação era de 2%, a renda das famílias crescia junto com o PIB nacional e a indústria era vigorosa e conseguia exportar para todo mundo. Os produtos brasileiros eram vistos fora do país como um selo de garantia e até distinção.

O Brasil era autossuficiente em petróleo e energia, e cerca de 80% eram de fontes alternativas não contaminantes.

A Amazônia tinha um índice zero de destruição. A ministra do Meio Ambiente era uma jovem universitária. Líderes das comunidades indígenas estavam presentes em todas as instituições do Estado.

No Congresso havia apenas quatro partidos com representação, 200 deputados e 30 senadores. Todos ganhavam um salário modesto e tinham direito a apenas dois secretários. Os partidos eram financiados com as contribuições de seus afiliados. As campanhas eleitorais duravam 15 dias e cada candidato apresentava seu programa diretamente na televisão, com o mesmo espaço de tempo.

O Brasil aparecia nos índices mundiais de educação entre os 12 primeiros países do mundo e era o primeiro da América Latina. Todos os políticos e os ricos preferiam enviar seus filhos às escolas e universidades públicas porque eram consideradas as melhores. E eles e seus familiares se tratavam nos hospitais do sistema público de saúde, onde trabalhavam os melhores especialistas.

Há dez anos não havia protestos de rua.

O Brasil era um país de classe média, com poucas notícias policiais e políticas. Um país normal, pouco interessante para os correspondentes estrangeiros.

O Brasil continuava sendo o mesmo. No entanto não era um sonho impossível. Os sonhos podem também ser presságios do futuro

Leia mais o artigo de Juan Arias

Governo padrão Fifa

No 31º lugar, à frente apenas da Ucrânia e da Rússia, atrás da falida Grécia. É assim que o Brasil aparece na análise de desempenho da Austing Rating, divulgada na sexta-feira, quando o país contabilizava mais uma queda no PIB. Mais uma posição vexatória entre tantas outras que o país coleciona em rankings globais, todos eles apontando o mesmo alvo: caminha-se para trás, na trilha do subdesenvolvimento.

Os últimos levantamentos mundiais, realizados entre 2011 e 2014, comprovam o desacerto geral das políticas públicas e o quanto o país tem de correr para, pelo menos, postar-se em um patamar mediano.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o atendimento à Saúde coloca o Brasil na 125ª posição entre 195 países. Fica em 112º lugar entre 200 no que diz respeito a saneamento básico. Na Educação, se classifica na 60ª posição em matemática e ciências entre os 76 países avaliados no Pisa. Aparece bem depois do Chile, do México, da Costa Rica, do Uruguai.

Liderança? Só no que há de pior. Está no topo em números absolutos de homicídios (64 mil, segundo a OMS), batendo a superpopulosa Índia, com 52 mil, e o México, com 26 mil. Na listagem geral, é o 11º país mais violento do mundo, com 29 mortes matadas para cada 100 mil habitantes. Em outro levantamento, o Mapa da Violência 2014, ocupa a sétima pior posição entre 100 países analisados, atrás da Colômbia, El Salvador, Guatemala e Venezuela.

Em alguns estados, a violência é endêmica. Em Alagoas, chegou a 64,6 assassinatos por 100 mil habitantes, índice maior do que as mais sanguinárias guerras.

O Brasil é ainda o país mais cruel na relação entre o imposto cobrado e os serviços ofertados. É o que mostra o Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (Irbes), do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Entregam-se ao governo cinco meses de trabalho por ano para ter em troca atendimento precário ou atendimento nenhum.

Em países que se levam a sério, os rankings mundiais servem de baliza para orientar acertos e mudanças de rumo. Um revés no Pisa, por exemplo, fez com que a Alemanha reestruturasse parte de sua rede de ensino e que a Inglaterra revisse parâmetros curriculares. A Colômbia fez o mesmo depois virar sinônimo de violência.

O Brasil, não. Prefere arrumar desculpas para os fracassos. Com isso, impede qualquer possibilidade de solução.

Mesmo diante da estagnação e às portas da recessão, a presidente Dilma Rousseff continua a culpar o cenário externo pelas adversidades brasileiras, a maior parte criada por ela própria. Outra parcela por seu antecessor, incapaz de aproveitar o período de bonança que o mundo viveu antes da bolha explodir em 2008.

De 2008 para cá, enquanto a maioria das nações se reorganizava, o Brasil se perdia no populismo sustentado por gastos sem lastro. Estímulo desenfreado ao consumo, preços controlados na marra, intervencionismo, apropriação do Estado e roubalheira sem fim.

Como bem definiu Dilma, um governo padrão Fifa.

O Brasil não tem ideia

O Brasil viveu tumultos políticos imensos em cada vez que a economia passou por baixas grandes, tal como deve ser a de 2014-2015, quem sabe com 2016 no pacote.

A frase embute bobices, a começar pela vaga palavra "economia". Mas a estatística do efeito dos PIBs velhos na política não deixa de ser uma assombração.


Em 1963-64 (golpe), 1981-83 (estertor da ditadura) e 1990-92 (Collor) houve confluência de crises políticas e econômicas. A mera lembrança desses anos tão horríveis desacredita a comparação com 2015. Com todas as suas selvagerias, o Brasil não seria mais assim tão primitivo.

Se a comparação é descabida, também não tem cabimento a atenção menor que se tem dado aos efeitos do ajuste-arrocho sobre o brasileiro comum, que só começou a ser esfolado. De resto, há nova confluência de crises econômica e política.

Sim, o Brasil é mais rico: há muito menos gente no limiar da sobrevivência. É algo menos desigual. Não há inflações mortais. Há amortecedores sociais como nunca antes.

Há 30 anos de experiência democrática e válvulas de escape, eleições bienais, embora o Congresso flerte com a ideia idiota de realizá-las apenas em anos de Copa.

OLIVEIRA 300515 Face

Mas a crise econômica de fundo é difícil, "estrutural". Resulta em parte da ideia de que se vai dar jeito na pobreza e na desigualdade apenas por meio de mera e rápida redistribuição de renda (isto é, via Estado. Assim só não dá, falta crescimento). Nessa tentativa, nem se promoveu redistribuição maior (o gasto público e a tributação são ainda porcamente injustos) e menos ainda se procurou reformar a economia de modo que ela funcione por si só de modo a promover menos desigualdade e que cresça mais rápido.

Nos anos finais de Lula 2 e sob Dilma 1 essa ilusão foi sustentada a base de drogas, dívidas, o que nos levou à beira da quebra e ao arrocho.

Sair do impasse, parar de tomar drogas, é politicamente conflituoso. Mais ainda em um país que pode ficar socialmente conturbado por três anos de empobrecimento e estagnado por meia década. Para piorar, nossa democracia padece de fadiga de material político e, como se sabe pelo menos 2013, de desconexão entre "ruas" e política formal.

Faltam novidades políticas, como o PT dos 1980, o que suscita temores de uma novidade do gênero Collor. Não há movimento de renovação nos partidos que temos, seja por meio de lideranças, seja por correntes vindas "da base" ou "das ruas".


Desgraçada e infelizmente, diga-se, o PT afunda no seu lodo e na ignorância espantosa do que sejam políticas públicas, para ficar em problemas imediatos. Desgraçada e infelizmente, o PSDB "não tem projeto de país", para resumir o problema no clichê de uma de suas lideranças; afunda em oportunismo eleitoreiro e ressentimento udenista derrotado.

Quase todo o resto é ainda mais indizível, nanico ou doidivanas. Como se não bastasse, o sistema incentiva a fragmentação parlamentar, a maior desde a redemocratização, ao menos. Em tempos de presidente sem prestígio, política desacreditada e lideranças pequenas, isso induz mais confusão.

Temos ainda mais problemas políticos e institucionais. Mas conviria prestar atenção a essa conjunção de crise econômica com falta de rumo político e de imaginação programática.

Não sei como dar um título a coisas como estas

Pensei em intitular como um circo o que anda acontecendo no Congresso. Mas os circos merecem meu respeito e minha saudade. Um mau teatro? Deles podemos escapar: é só não ir. Se a novela é ruim, a gente desliga a televisão. Mas o que fazer com essas excelências?! Vejam só.

Ex-senador pelo PTB, Gim Argello – é aquele mesmo, apadrinhado por Dilma e Renan que seria sabatinado por seus pares para ocupar uma vaga de ministro do TCU e renunciou antes – mudou de nome parlamentar no fim de seu mandato. Se alguém tentar saber algo sobre ele, no Senado Federal, nada mais encontrará nas páginas oficiais. Teria morrido? Não! Está vivinho da silva, mas não adota mais esse apelido de guerra. Voltou a ser o cidadão Jorge Afonso Argello, seu nome de batismo. Até aí, tudo bem.

Todo mundo que usa um apelido – registrado na Justiça Eleitoral –, como Chico Vigilante ou Tiririca, ou que só usa um sobrenome, tem todo o direito de voltar a ser um cidadão comum e, como tal, readotar seu nome completo. Eu mesma só assino Sandra Starling, quando, na verdade, sou Sandra Meira Starling e, até hoje, tomo um susto ou não me reconheço quando, na fila do médico ou de algum exame laboratorial, sou chamada por Sandra Meira. Mas nunca vi ninguém mandar sumir de seu prontuário na Câmara dos Deputados ou no Senado o nome que usou como parlamentar. Pois foi isso o que o Gim fez.

No dia 26 de dezembro do ano passado, requereu em ofício ao presidente da Casa que fosse expungido de atas, projetos, relatórios, requerimentos e discursos o nome que usava ao tempo em que circulava como pajem-mor. Você, talvez, não se recorde: era aquele que, na campanha presidencial de 2010, costumava acompanhar a candidata Dilma em suas caminhadas matinais e andanças por missas nas cidades-satélite de Brasília. Deferido o ofício em janeiro por Renan Calheiros, de Gim não resta rastro algum nos registros oficiais do Senado. Talvez – quem sabe? – para não deixar evidências que lhe criem embaraços em investigações judiciais a que já está submetido. Ou evitar que possa ser mencionado na operação Lava-Jato, o que, aliás, já ocorreu. Detalhe: o agora cidadão comum Jorge Afonso foi vice-presidente da CPI da Petrobras do ano passado, aquela que nada concluiu sobre o que investigava.

Tudo isso posto, cabe perguntar: que nome dar a isso aí?! 

Quase 100 anos depois, nossa política não mudou nada

Revolta da Vacina

No momento em que o país passa por inúmeros e gravíssimos problemas, veio-me às mãos, por gentil obséquio do meu amigo Ronaldo Macedo, o livro do escritor mineiro Jorge Azevedo “Eles Deixaram Saudade”. Detive-me num soneto, nele transcrito, do poeta, jornalista e romancista cearense (publicou um só romance) Antônio Sales (1868-1940), amigo de Machado de Assis; ajudou-o a fundar a Academia Brasileira de Letras, mas, por não ser bom orador, se negou a fazer parte dela.

O soneto se refere ao governo de Arthur Bernardes (de 15.11.1922 a 15.11.1926) ou Washington Luís (de 15.11.1926 a 15.11.1930):

“Este país vai todo em polvorosa.
A anarquia por toda parte impera.
A lei sucumbe, inerente e dolorosa.
A tirania, estúpida, prospera.

Da traição medra a planta venenosa,
a semente dos ódios prolifera,
a dilapidação campeia e goza
das vacas gordas a ditosa era…

As eleições são conto do vigário,
couro e cabelo tira-nos o erário,
geme a lavoura, os bancos não têm fundos…

Mas, para consolar-nos desse inferno,
brevemente, a mensagem do governo
dirá que estamos no melhor dos mundos.

O que flagrou o poeta há 90 anos é quase nada diante do que vivemos hoje – o completo abastardamento da política brasileira. Uma calamidade!

Conserva sem educação

Parece que, entre nós, a ignorância não é um desserviço público, um pecado social
Cinco séculos antes de Cristo viveu Sócrates. Que tinha um amigo. Que resolveu ir ao templo de Apolo em Delfos e perguntar quem era o mais sábio dos gregos. Apolo não pensou duas vezes: era Sócrates. E isso criou um problema descomunal. Pois Sócrates, oleiro de ofício, sabia uma coisa só: que não sabia nada. Era um ignorante. E um ignorante não pode ser sábio, muito menos o mais sábio. O deus tinha se enganado. Mas o deus não se engana. Por isso é deus. E Sócrates, o ignorante, levou o resto da vida procurando a sabedoria que não tinha, para não o desmentir.


Dessa tensão entre ignorância e sabedoria forjou-se para nós, até hoje, a necessidade da educação como gênero de primeira necessidade. Como o pão. O grande discípulo de Sócrates, Platão, fundou a Academia. E Aristóteles, aluno de Platão, criou o Liceu. E de então em diante estar na escola tem sido a condição para gestar o conhecimento e pô-lo em comum, a mais elevada missão dos descendentes dos antigos gregos. Na luminosa Idade Média criaram-se as universidades, onde os cristãos reuniram o saber vindo dos gregos e a sabedoria migrada da Judeia, em cujas escolas os jovens, aos pares para estimular a divergência e o equilíbrio, aprendiam a Lei. Das universidades nós somos os descendentes diretos. Elas, onde o estudo conduz à superação da ignorância, são a mais nobre atividade emancipatória que criamos no Ocidente greco-judaico-cristão. Até hoje. As grandes universidades do mundo dão testemunho dessa continuidade histórica.

Aqui, não. Durante o período colonial as universidades foram proibidas no Brasil. No Império houve faculdades no Recife, em São Paulo, no Rio. Mas a primeira universidade foi criada apenas em 1920, a Universidade do Brasil, atual UFRJ. Temos, como país incorporado à cultura ocidental, 515 anos. Nossa mais antiga universidade não chega a 100. Diz alguma coisa? Infelizmente diz. Fala do desapreço dos governos pela escola, de baixo ao alto, do fundamental ao doutorado. Estudar, no Brasil, é heroico. Os pais humildes que querem para seus filhos vida melhor do que a que vão levando sempre acertam no remédio: “Meus filhos vão ter estudo”. Os pais “de posses” encaminham naturalmente seus filhos na mesma direção. E aí começa a tragédia. Porque os filhos dos pobres estudam nas escolas públicas, que já foram ótimas e se tornaram ruins. Professoras e professores equilibram-se nelas com estímulo perto de zero. E os filhos dos não pobres frequentam as escolas particulares, algumas muito caras, que são em geral boas. Isso não seria mais do que a expressão da estrutura social perversa em que vivemos não fosse o fato de que depois de 12 anos de estudos os filhos dos pobres vão para as universidades particulares, que não são boas — exceção para as PUCs e poucas mais —, e os filhos dos não pobres entram nas universidades públicas, que são melhores. Os filhos dos pobres não ficam, ou se endividam para estudar. Porque, justamente, são pobres, e as universidades particulares são caras. Xeque-mate. Há programas paliativos, mas de fato vamos criando um abismo entre os que sabem e os que não. Parece que, entre nós, a ignorância não é um desserviço público, um pecado social. Convivemos bem com ela.


Não que nós, a sociedade, não tenhamos consciência de que alguma coisa vai muito mal e não pode ficar assim. Mas assistimos, apatetados, como se não pudéssemos fazer nada. Nem, pelo menos, votar certo. E vemos que mesmo as universidades públicas têm sido levadas a tratar seus alunos como objetos de simples adestramento para o “mercado”, essa entidade misteriosa. O sentido emancipatório e crítico da educação vai desaparecendo. É só olhar para as humanidades, cada vez mais minguadas, sem prioridade orçamentária. Deviam ser bibliotecas cercadas de estudantes por todos os lados. Não são. Onde há bibliotecas, são magras. Têm horário de repartição pública. Não funcionam nos fins de semana. Onde não há parece que é assim mesmo, não é um horror.

Agora foram cortados R$ 70 bilhões do orçamento da educação. A pátria educadora ficou R$ 70 bilhões mais pobre. Já tinha pouco. Havia, na esquerda, a esperança de que agora essa prioridade saísse do papel das propagandas dos governos. Não saiu.

Sócrates foi condenado à morte pela cidade de Atenas porque inquietava as consciências. A ignorância que procura a sabedoria desequilibra privilégios, é subversiva. Se vivesse no Brasil de hoje podia ficar tranquilo. Não dariam por ele. Mas vem uma greve dos professores aí. Se o tivessem aceito como mestre numa universidade (ele não publicou nada...), talvez devesse parar agora para reclamar do descaso criminoso. Sair da Ágora onde ensinava, deixar seus alunos. O que é, para um professor, também uma forma de morte. Dói menos do que o veneno que teve de tomar. Mas dói.

Marcio Tavares D’amaral 

Chega de supérfluo

Inventamos um comércio de coisas supérfluas para poder manter a economia. E não temos a coragem de aplicar um keynesianismo para os indigentes do mundo. A economia do mundo tem problemas de demanda, mas de coisas úteis: de casas, de escolas, de água, de medidas contra a desertificação... Não temos que andar inventando um telefone novo todos os meses para que multidões vivam pagando prestações
José Mujica em conferência em Madri

'Padrão Fifa' ainda é o modelo da Dilma

Fifa-Mafia

 A Dilma não dá uma dentro. Depois de dizer na campanha que o seu governo adotaria o “Padrão Fifa”, agora vê desmoronar o maior antro de corrupção do mundo na área do futebol. A blitz realizada em um hotel de luxo da Suíça, onde os mafiosos estavam hospedados, levou a reboque o José Maria Marin, corrupto conhecido, a exemplo de Paulo Maluf, mas solto e fagueiro no Brasil. Preso pelo FBI, ele será extraditado para os Estados Unidos onde certamente terminará seus anos de vida na cadeia.

No Brasil, esses corruptos posam de ilustres personalidades ao lado de presidentes como Dilma e Lula, também envolvidos em maracutaias já comprovadas de recebimento de propina para suas campanhas. Paulo Maluf, hoje parceiro do Lula nas campanhas paulistas, é procurado em mais de cem países no mundo por corrupção mas continua dando as cartas na Câmara Federal e na política de São Paulo, onde foi convocado para uma parceria com o PT para eleger Haddad prefeito da cidade.

A prisão de José Maria Marin e dos corruptos da FIFA, a quem Dilma copia o padrão de administração, envergonha a Justiça brasileira. Alguns desses personagens anacrônicos e carcomidos pela corrupção, já deveriam estar encarcerados aqui. Muitos deles, exercendo mandatos, continuam roubando porque têm a certeza da impunidade. Veja os mensaleiros: passaram pouco tempo no xadrez e agora já pensam em deixar o país para morar no exterior, como anunciou o José Dirceu que pretende se mudar para Portugal.

Com os bolsos cheio de dinheiro, produto do roubo da Petrobrás e de outras empresas estatais, os mensaleiros chegaram a conclusão de que o crime compensa. Certamente não está compensando para o Marco Aurélio o intermediário do PT nas extorsões nas empresas estatais e privadas saqueadas por ele e sua quadrilha. Hoje abandonado pelos seus parceiros petistas.

Só no exterior Marin seria preso pela turma do FBI que esperou uma reunião da quadrilha da FIFA para algemar uma dezena deles, eleitores de Blatter , o presidente da organização criminosa. Aqui, no Brasil, solto, o ex-presidente da CBF era recebido pelas autoridades como um homem acima de qualquer suspeita, mesmo depois do flagrante dele roubando medalhas de atletas mostrado em rede de TV. Até a CBF na Barra da Tijuca, bairro nobre do Rio de Janeiro, mantinha o nome dele na fachada da sede que custou 100 milhões de reais, despesa nunca auditada por ninguém.



Infelizmente, na última década, a única coisa que o Brasil vem produzindo com muita eficiência é corrupto. Eles estão em toda parte: nas empresas estatais, no futebol, nos jogos olímpicos, nas prefeituras, nos governos estaduais, no Congresso Nacional e até escamoteados nos pequenos delitos praticados por garçons que adulteram as contas dos bares e restaurantes.

O Brasileiro começa a se envergonhar do seu país e de seus mandatários atolados na lama podre da bandidagem. O PT, que apregoava a ética na política, transformou-se no partido mais corrupto da história do pais. Seus dirigentes, muitos já presos e condenados, ainda vivem aboletados no poder sugando o que resta do dinheiro púbico de um país que vive a pré-falência econômica e desce rapidamente a ladeira da indecência administrativa.

Com a prisão de Marin, os torcedores brasileiros lavam a alma pelos 7x1 da Alemanha, agora acrescido de mais 1 no pijama listrado do ex-presidente da CBF atrás das grades: 171.

A aristocracia petista vive seu pior momento

Em 2015, em meio a muita tensão política, a Constituição de 1988 terá sua prova de fogo. Não há qualquer paralelo com o episódio do impeachment de Fernando Collor. Este já tinha percorrido mais de dois anos de mandato quando foi apeado do poder. E o momento mais agônico da crise foi resolvido em quatro meses — entre julho e outubro de 1992.


Também deve ser recordado que o então presidente tinha um arremedo de partido político, sua conexão com a sociedade civil era frágil — e quase nula com os setores organizados, a relação com o Congresso Nacional era ruim, e com medidas heterodoxas descontentou amplos setores, do empresariado ao funcionalismo público. Sem contar que, em 1990, o país passou por uma severa recessão (-4,3%) e tudo indicava — como efetivamente ocorreu — que, em 1992, teria uma nova recessão. O quadro atual é distinto — e causa muito mais preocupação. 

O governo tem um sólido partido de sustentação — que está em crise, é verdade, mas que consegue agir coletivamente e tem presença dominante em governos estaduais e dezenas de prefeituras. A base congressual é volátil mas, aparentemente, ainda responde ao Palácio do Planalto. As divergências com o sócio principal do condomínio petista, o PMDB, são crescentes mas estão longe do rompimento. Em 12 anos, o governo construiu — usando e abusando dos recursos públicos — uma estrutura de apoio social. E, diferentemente de Collor, Lula estabeleceu uma sólida relação com frações do grande capital — a “burguesia petista” — que é hoje dependente do governo.

O país está vivendo um impasse. O governo perdeu legitimidade logo ao nascer. Dilma não tem condições de governar, não tem respeitabilidade, não tem a confiança dos investidores, dos empresários e da elite política. E, principalmente, não tem mais apoio dos brasileiros horrorizados com as denúncias de corrupção e a inépcia governamental em enfrentá-las, além do agravamento dos problemas econômicos, em especial da inflação.

Deve ser reconhecido que Fernando Collor aceitou o cerco político que sofreu sem utilizar da máquina de Estado para coagir os adversários. E foi apeado legalmente da Presidência sem nenhum gesto fora dos limites da Constituição. Mas o mesmo não ocorrerá com Dilma. Na verdade, não com Dilma. Ela é um nada, é uma simples criatura, é um acidente da História. O embate vai ser travado com Lula, o seu criador, mentor e quem, neste momento, assumiu as rédeas da coordenação política do governo.

Foi Lula que venceu a eleição presidencial de 2014. E agora espera repetir a dose. Mas a conjuntura é distinta. As denúncias do petrolão e a piora na situação econômica não permitem mais meros jogos de cena. O momento do marketing eleitoral já passou. E Lula vai agir como sempre fez, sem nenhum princípio, sem ética, sem respeito a ordem e a coisa públicas. O discurso que fez no Rio de Janeiro no dia 24 de fevereiro é apenas o início. Ele — um ex-presidente da República — incitou à desordem, ameaçou opositores e conclamou o MST a agir como um exército, ou seja, partir para o enfrentamento armado contra os adversários do projeto criminoso de poder, tão bem definido pelo ministro Celso de Mello, do STF.

Lula está desesperado. Sabe que a aristocracia petista vive o seu pior momento. E não vai sair do poder sem antes usar de todas as armas, legais ou não. Como um excelente leitor de conjuntura — e ele o é — sabe que os velhos truques utilizados na crise do mensalão já não dão resultado. E pouco resta para fazer — dentro da sua perspectiva. Notou que, apesar de dezenas de partidos e entidades terem convocado o ato público do dia 24, o comparecimento foi pífio, inexpressivo. O clima no auditório da ABI estava mais para velório do que para um comício nos moldes tradicionais do petismo. Nos contatos mantidos em Brasília, sentiu que a recomposição do bloco político-empresarial que montou no início de 2006 — e que foi decisivo para a sua reeleição – é impossível.

A estratégia lulista para se manter a todo custo no poder é de buscar o confronto, de dividir o país, jogar classe contra classe, região contra região, partido contra partido, brasileiro contra brasileiro. Mesmo que isso custe cadáveres. Para Lula, pouco importa que a crise política intensifique ainda mais a crise econômica e seus perversos efeitos sociais. A possibilidade de ele liderar um processo de radicalização política com conflitos de rua, greves, choques, ataques ao patrimônio público e privado, ameaças e agressões a opositores é muito grande. Especialmente porque não encontra no governo e no partido lideranças com capacidade de exercer este papel.

O Brasil caminha para uma grave crise institucional, sem qualquer paralelo na nossa história. Dilma é uma presidente zumbi, Por incrível que pareça, apesar dos 54 milhões de votos recebidos a pouco mais de quatro meses, é uma espectadora de tudo o que está ocorrendo. Na área econômica tenta consertar estragos que produziu no seu primeiro mandato, sem que tenha resultados a apresentar no curto prazo. A corrupção escorre por todas as áreas do governo. Politicamente, é um fantoche. Serve a Lula fielmente, pois sequer tem condições de traí-lo. Nada faria sozinha.

Assistiremos à lenta agonia do petismo. O custo será alto. É agora que efetivamente testaremos se funciona o Estado Democrático de Direito. É agora que veremos se existe uma oposição parlamentar. É agora que devemos ocupar as ruas. É agora que teremos de enfrentar definitivamente o dilema: ou o Brasil acaba politicamente com o petismo, ou o petismo destrói o Brasil.

sábado, 30 de maio de 2015

Conselho de deputada

 
Hoje, o mundo político precisa demonstrar que pode mudar e melhorar a política. Ser mais transparente, mais humilde e gastar menos para voltar a ser respeitado pela opinião pública. A política é o espelho da sociedade. Se há problema de corrupção na política, significa que também há na sociedade.
Ex-porta-voz da agência das Nações Unidas para refugiados e presidente da Câmara na Itália,  Laura Boldrini 

Na cozinha do Planalto


Uh, LULA, qual é? Quer tocar fogo no meu governo? – Eu, Dilminha?

– Você, sim! "Onde está, no estatuto do PT, que tem que votar contra o trabalhador e o aposentado? Vote de acordo com a sua consciência" –foi isso que você falou pro Paim. –Esquece o Paim, querida. Ele não ia ceder mesmo. Falei por falar.

– Ok, mas e o Lindbergh com aquele manifesto contra o Levy? Esse só faz o que você permite. Tem mais: no congresso do PT de São Paulo, aquele fracasso, todo mundo gritava "Fora, Levy". Vai ser assim no Congresso Nacional, vai? – Dilminha, você sabe como é o PT, né?

– Não sei. Nunca circulei no PT, graças a Deus. Sei que não gritariam isso contra você. O jogo agora é derrubar o Levy, Lula? Onde você quer chegar? – Não grita, Dilma! Não sou teu ministro número 40. Vê se entende: sou candidato. Pronto, falei.

– Isso eu sei, desculpa gritar. Mas combinamos outra coisa. O Levy, aquele desaforado, você quis o Levy! – Eu, não: queria o Brandão. – Dá no mesmo, ora, é o Bradesco. E combinamos que o Levy fica até passar essa fase; depois troco pelo Barbosa. – Sei, Dilminha, não é pra mudar o plano, não. – Ah, não? E o "Fora, Levy"?

– Querida, sou candidato! Não posso ser candidato da recessão, da austeridade. Sou o cara da utopia, do futuro. Entendeu? – Entendi, sim. Bacana, pra você. E eu? Você viu meu Ibope? – Divisão do trabalho, Dilminha. O projeto é o mesmo.


– Projeto? E se o Levy não aguenta, pega o chapéu? Qualquer um pode fazer corte no orçamento, mas ele é o amigão dos caras das agências de rating. Se cortam nossa nota, afundamos. E bau bau teu projeto! – Calma, querida, ele não sai. É bobo, vaidoso. Quer escrever no currículo que salvou a pátria. Dá pra esticar a corda. Não veta a mudança no fator previdenciário. Ele engole mais essa, garanto. E você ainda ganha umas palminhas no congresso do PT.

– Gozado, Lula, você teve oito anos e não mudou o fator previdenciário. – Não precisava, Dilma. Fui reeleito. Você foi eleita. – Captei: eu quebro a Previdência pra te eleger, é assim? – Não grita, querida! O mundo não nasceu hoje: eu comecei a quebrar o país pra te eleger. Todo mundo que lê jornal sabe disso.

– Jornal, Lula, sério? E a tua história da mídia malvada? E essa grana que nós torramos com os puxa-sacos dos blogs? Aliás, puxa-sacos teus! Eles estão nessa do "Fora, Levy" e quase pedem a minha cabeça. Pagos pela Petrobras, logo a Petrobras. Tem graça? – Grana de troco, Dilminha. Você vem falar disso no meio da Lava Jato?

– Lava Jato, Lula, bem lembrado. Gabrielli era teu, não meu. Vaccari, teu. A turma das empreiteiras, teus chapas. Minha era a Graça, que sacrifiquei. – Para, Dilminha. E daí? – Daí, é a tua herança. Tem o Moro, que vai chegar nas elétricas. Querem abrir os segredos do BNDES. Tem o impeachment, sabe o que é isso? E justo você quer incendiar meu governo! Não admito essa campanha contra o Levy. – Querida, sou candidato. É esse o projeto. Até a eleição, preciso da esquerda.

– Sei, depois é outra coisa, né? Você governou com o Levy, quando precisou. Eu não posso? – De novo, Dilminha, esse papo? – Esquerda até 2018, depois Odebrecht. Cara de pau! – Devagar, querida. Chantagem, agora?



– Agora é você que está gritando, Lula. – Olha bem pra mim: sou o o cara, lembra? – O cara? Olha em volta, é só ruína. O Dirceu, o Palocci. Vaiam o PT na rua. Pelo menos o Levy dá editoriais a favor. Esses caras dos jornais acreditam em ajuste fiscal, saci-pererê, mula-sem-cabeça. São minhas únicas vitórias no Congresso. Preciso de uma trégua, Lula.

– Querida, você não aprende mesmo. É política, isso. Segura a onda. Fica com os editoriais, eu fico com o Stédile. É o que tenho, hoje. Mas sem chantagem! Esquece os meninos do MBL. Você viu, não são nada. Impeachment? Desencana. Você não é o Collor, porque tem o PT. Ainda. Enquanto eu quiser.

Estado corrupto e estado violento: a conjunção


Hora de mudar hábitos e trocar rotinas: acostumados a acompanhar os escândalos nas páginas de política, a violência urbana no noticiário local e os desmandos no futebol nos cadernos de esporte, agora se tornou impossível escapar do confronto com a totalidade.

Estamos condenados ao holismo, não há alternativas: o tamanho e concomitância das nossas desgraças nos obriga a encará-las como aberração única, expandida e integrada. A complacência e, sobretudo, a impunidade colocaram ao lado do gigante adormecido outro gigante, desperto e esperto que maliciosamente juntou num único pacote aquilo que por comodismo sempre tratamos de forma descuidada e fragmentada.

Os assombrosos resultados da Operação Lava Jato, o pavoroso crescimento da delinquência nas ruas e, agora, o encarceramento na Suíça de um dirigente máximo do nosso futebol não são ficções, esta consolidação dos ilícitos não é casual, não estamos nos capítulos finais de uma telenovela com pretensões planetárias nem diante de uma fábula catastrofista.

A realidade, ela sim, assume conotações apocalípticas porque perversamente nos distrai com querelas secundárias – maioridade penal, distritos eleitorais, shopping no parlamento etc. – e nos faz esquecer de mazelas descomunais: o presidente da Câmara dos Deputados assim como o seu colega, presidente do Senado e chefe do Legislativo, não têm no momento legitimidade para propor, debater e votar emendas à Constituição. Incluídos nas investigações conduzidas pela Procuradoria-Geral da República, no chamado petrolão, estão sob suspeita.

Em sociedades onde impera a decência e a compostura, incriminados em qualquer ação de improbidade se afastam voluntariamente de funções onde sua atuação possa ser eventualmente questionada. Aqui, ao contrário, a praxe é agarrar-se ostensivamente ao poder até como prova de inocência. E, assim, assistimos impassíveis ao deprimente espetáculo – digno do Coliseu Romano – de uma Carta Magna sendo emendada por representantes do povo com idoneidade ainda não comprovada.

Normal, ninguém estrila ou esperneia. A sociedade se esgoela na discussão sobre a maioridade penal enquanto alguns cidadãos encanecidos sentem-se no direito de gozar de imunidades indevidas.
A impunidade é o cimento que junta os malfeitores da Petrobras com os delinquentes de rua e a bandidagem que rodeia os gramados de futebol. A extrema elasticidade na punição de certos pecados, ao longo dos séculos criou uma sociedade desatenta às infrações, conivente. O fenômeno da cartolagem não se restringe ao âmbito do nobre esporte bretão, todos se consideram imunes e inimputáveis, certos de seus privilégios.

Além de vulneráveis à tempestade perfeita na esfera socioeconômica estamos sendo convocados para uma tarefa urgente, inédita, no âmbito moral e político: o despertar para as dimensões do fenômeno sem colocar em risco o sistema que escolhemos para viver: a legalidade democrática.

O Estado corrompido é naturalmente violento. Nosso desafio é acabar com a causa e com o efeito, sem ferir o paciente. Coisa de adultos.

Para se pensar

A Pátria Grande

A construção de uma unidade geopolítica latino-americana – ou ao menos sul-americana – não surge com o PT. É ideia antiga, que, há três décadas, inspirou o Mercosul e alterou, para o mal e para o bem, a diplomacia e o comércio continentais.

O fato de ser desejável e necessária, numa época em que as nações se organizam em blocos, para melhor figurar no cenário geopolítico mundial, não a torna menos complexa. A unidade europeia, ideal antigo de séculos, começou a ser implementada após a Segunda Guerra. Passou por diversos estágios e ainda está em curso, cada etapa sendo publicamente discutida.

Não é fácil unir coisas distintas e assimétricas, respeitando-se os espaços de soberania.

O problema da união latino-americana cogitada pelo PT, e pelas organizações da esquerda continental, reunidas no Foro de São Paulo, é tentar impô-la sem debates e sob o tacão ideológico.

A Pátria Grande terá que ser socialista – ou bolivariana - e seu projeto objetiva, com a urgência possível, unificar forças armadas, moeda e territórios. Nada menos.

Pátria Grande  (Foto: Telesur)

Para definir sua institucionalização, criou-se a Unasul, cuja última reunião de cúpula, no Equador, em dezembro, aprovou três propostas complicadíssimas: uma Escola Sul-Americana de Defesa – “um centro articulado de altos estudos para formação de civis e militares” -, abertura do espaço aéreo dentro da Unasul, além de passaporte comum, sem distinguir nacionalidades.

São questões que tangenciam a soberania e pressupõem longas e complexas tratativas, acompanhadas de perto pelas sociedades dos países abrangidos. Nada disso, porém, ocorreu: nem na sociedade, nem no Congresso, nem em parte alguma.

Quem assiste os vídeos do PT tratando do assunto – e há vários na internet (deve ser isso que o partido entende como “debate”), constata que se parte de um pressuposto falso: de que a sociedade brasileira está não só ciente desse projeto, mas de pleno acordo – sobretudo quanto a seu teor ideológico.

Num deles, fala-se de “uma América do Sul vermelha”. Em outro, Lula fala da importância de o Brasil investir na infraestrutura de Cuba, sem explicar o porquê. O debate deu-se sempre intramuros, com a militância do partido e do Foro.


Os reflexos dessa manobra são evidentes. Mudou a diplomacia brasileira, trocando parceiros e prioridades. O Brasil é o único país a dispor de duas chancelarias: a oficial, o Itamaraty; e a real, a cargo do chanceler Marco Aurélio Garcia.

As antigas alianças ocidentais foram trocadas por outras, de teor oposto, que em vez de lucro dão prejuízo. Serve-se ao país a política do fato consumado, na base da terapia do susto.

A figura de Simon Bolívar tem peso simbólico nos países hispano-americanos, como libertador do colonizador europeu, mas nenhum no Brasil, que viveu processo de independência diverso.

Impingi-la como elo comum é uma arbitrariedade. Os nossos “pais fundadores” – e os há – são civis. Os mentores de nossa independência não eram militares, que só passaram a ter presença exponencial na política brasileira a partir da República, por eles proclamada. Nosso Bolívar é José Bonifácio.

O problema, portanto, começa na falsificação dos símbolos. A grande figura militar brasileira, o Duque de Caxias, firmou-se menos como guerreiro e mais como pacificador, arquiteto da unidade nacional, ao longo do Segundo Reinado.

Nem ele, no entanto, desfruta mais desse prestígio, tal a eficácia do processo iconoclasta a que foram submetidas as figuras históricas do país de algumas décadas para cá. Sem heróis, não há nação – e por isso as grandes nações sempre cultivaram os seus.

A Pátria Grande não inova nesse ponto: vê em Bolívar um herói comum, ainda que o perfil histórico que esculpiu esteja bem longe da figura real que ele encarnou. O Brasil, e esse é o absurdo maior, mesmo sem ter nada a ver com Bolívar, cumpre o papel de promover e patrocinar esse projeto, sem que sua população saiba de seus objetivos e, sobretudo, do seu custo.

Não é por outro motivo que o governo reage ferozmente à ideia de abrir a caixa preta do BNDES, que revelará parte dos custos da construção da Pátria Grande. Ela também é destinatária de parte do saque à Petrobrás e aos fundos de pensão.

O Foro de São Paulo promove a eleição dos bolivarianos e sustenta a construção (que não é barata) dos alicerces dessa “nação comum”. O dinheiro vem daqui. E Joaquim Levy, antípoda ideológico do pessoal do Foro, foi chamado a administrar o troco que restou ao Tesouro Nacional nessa aventura em pleno curso.

Dilma está fazendo o haraquiri fiscal

A canetadas, Dilma pode estar cavando a cova do próprio partido. E o pior: para sepultar, inclusive, o legado pelo qual o PT reivindica ser responsável. Desde que chegou lá, em 2003, Lula deixou claro qual parcela da população deveria ser o alvo prioritário das políticas de Estado: os mais pobres.

Por meio do estímulo de políticas desenvolvimentistas, o desemprego caiu, a miséria quase se extinguiu, ampliou-se o consumo por uma classe média inflada, e o acesso à educação demonstrou-se a caminho da universalidade. Foi esse estado de premente transformação que garantiu três reeleições do PT, apesar dos vários escândalos no caminho e do empenho diuturno de nossa fatia aristocrata (de fato ou pseudo) e exclusivista em tentar, em vão, obscurecer a face real da mudança social em curso.

Pois o ciclo petista no Planalto atinge um estágio especial imediatamente após a reeleição de Dilma. O desemprego cresce, bate em nossas portas, e os índices de inflação resistem, vão superar o teto da meta apesar das elevações da taxa Selic mês a mês – o que confirma a tese de que há formas mais eficazes de se praticar política monetária contracionista em cenários de estagnação ou recessão.



Fato é que a baliza mestra do lulismo, a inclusão pelo consumo, trincou-se. O povo anda com dinheiro curto, com crédito mais caro na praça, e quem tem emprego percebe que é o momento de lutar para mantê-lo. O governo petista está perdendo, portanto, o público cativo que provou e aprovou seu “modus”. Perdendo essa massa, que armas restarão para Lula, Dilma e o PT contra uma crise de sete cabeças?

Qual o próximo capítulo? A retração nas políticas sociais. Dilma e os ministros garantem que não, que o ajuste fiscal é implementado justamente para garantir o orçamento das ações de transferência de renda. Mas alguém ainda acredita no que ela diz?

A presidente cantou o valor de R$ 70 bilhões para contingenciamento nos ministérios, sendo esse outro nome para arrocho. O Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, é exemplo de iniciativa que não sairá ilesa do facão. Trata-se de um programa com força para fazer girar um segmento poderoso e multiplicador da economia, que gera uma cadeia de empregos formais, especialmente para trabalhadores menos capacitados. A próxima sequela recairá sobre o Bolsa Família? Quem garante que não?

Dilma, Levy, Barbosa, Mercadante e cia. perpetuam a velha sina dos países em desenvolvimento, ou subdesenvolvidos: quando seu povo mais precisa do Estado é quando o Estado mais se nega a atendê-lo. Duro é saber que, ainda hoje, há muito mérito próprio retratado nos desmandos que acorrentam nosso país a seu fado histórico.

Dependente desde sempre de vender suas bananas ao mundo, o Brasil entra em recessão quando sobram bananas, ou porque a safra foi inesperadamente boa, ou porque se enjoou delas no hemisfério Norte. O resultado é que as políticas sociais, financiadas pela venda de nossas bananas, não se expandem ou retraem em contrafluxo ao andamento desse comércio internacional, como deveriam.

E dizer que 20 mil brasileiros trabalharam de graça para a Fifa

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Dói e dói muito, saber que perto de 20 mil brasileiros prestaram trabalho voluntário para a Fifa, na Copa do Mundo de 2014. Nada receberam. Nada ganharam. Mão-de-obra fácil de ser atraída. Trabalharam para uma entidade que se descobriu corrupta, indigna e que ganhou a maior fortuna de todas as copas. Entidade que aqui estiveram seus dirigentes máximos e que sugou o trabalho físico e intelectual de uma multidão de brasileiros inocentes, além de nos ofender a todos, quando o Jerôme Walker disse que era preciso dar um chute do traseiro do Brasil.

Isso, e muito mais, foi objeto de dois artigos que a Tribuna da Internet publicou em junho do ano passado: “Nem Deus perdoa a exploração de milhares de voluntários a serviço da Fifa e suas subsidiárias” e “Legado da Copa, Legado da Olimpíada: tapeação do povo”. Apenas a Tribuna da Internet publicou os alertas contra a exploração. Ninguém mais publicou ou noticiou a respeito.

Também naquela ocasião (junho de 2014), a TI já se posicionava contra a perda da soberania do Brasil para a Fifa. A Lei Geral da Copa (LGC) criou um estado de exceção nas capitais que sediaram o evento, mudou o Estatuto do Idoso, o Estatuto do Torcedor e muitas outras leis.

Dizem que na escolha do Brasil para sediar a Copa de 2014 não houve propina, corrupção e suborno. Sei não. É preciso investigar. Porque foi escandalosamente vergonhosa e subalterna a LGC que a Fifa impôs ao Brasil. Num dos debates no Supremo, durante a apreciação da constitucionalidade da lei, o ministro Joaquim Barbosa chegou a perguntar a seus pares: “Os senhores sabem o que é o Alzirão?”. A pergunta referia-se à tradicional festa de torcedores na Rua Alzira Brandão, esquina de Rua Conde de Bonfim, na Tijuca, festa pública e que a Fifa queria proibir ou cobrar para que fosse realizada!!!

Todos, antes, durante e depois da Copa de 2014, ficamos reféns da Fifa, que teve figuras ligados a ela presos no Hotel Copacabana Palace, depois soltos e deixaram o país. E também não seria a hora de investigar o que está acontecendo com o dinheiro público na preparação dos Jogos Olímpicos. A gastança é enorme. E não haverá legado algum, como registrado e explicado num dos artigos referidos.

As construções estão sendo feitas com dinheiros públicos. Quando os jogos terminarem, as edificações e construções nunca serão legados, isto porque, ninguém é legatário de um bem que a própria pessoa construiu. De um bem que à própria pessoa pertence, ou seja, a coletividade. Apenas uma pergunta, nada mais do que uma pergunta ,que neste mundo sujo se justifica. Se vê agora que a Fifa é corrupta. Se nunca foi, passou a ser. E o COI (Comitê Olímpico Internacional)?

sexta-feira, 29 de maio de 2015

E não estamos em guerra!



Alexandre Garcia comenta falta de vagas em UTI 

Mas que semelhança!?

A questão hoje é se Blatter, como presidente da FIFA desde 1998, é o astuto capo di tutti capi de uma máfia do colarinho branco que administra milhares de milhões de euros gerados pelo futebol internacional ou se, aos 79 anos, é o que parece ser: um vovô distraído com tendências burlescas que não sabia das más ações dos corruptos ao seu redor.
O que também todo mundo sabe, ainda mais depois de quarta-feira, quando a polícia suíça prendeu sete diretores de alto escalão da FIFA, é que muitas das pessoas que cercam Blatter encheram os bolsos com dinheiro de suborno. Ele sustenta que não sabia de nada. Uma olhada em seu currículo coloca em dúvida essa declaração.
Não há nenhuma prova de que Blatter foi um dos beneficiários, mas ele deve ter sido muito cego ou muito incompetente, para não ter nenhuma ideia do tenebroso modus operandi de quem foi seu chefe durante 17 anos.
(Trechos do artigo Sepp Blatter: bobo da corte ou Don Blatterone?, de John Carlikn, que mostrou uma caricatura de um personagem muito conhecido no Brasil)
 

O elo perdido



Quanto vale a corrupção?

A corrupção vale cerca de 2% do PIB, 100 bilhões de reais. Equivale ao orçamento destinado à saúde e ao dobro do valor reservado à educação


Os economistas ensinam que para compreender como se organiza o orçamento de um país basta usarmos os mesmos critérios que utilizamos na composição do orçamento doméstico. Temos que adequar a entrada e a saída de dinheiro —se estamos gastando mais do que ganhamos surge a necessidade de cortar despesas para reequilibrar as contas. Em geral, eliminamos os custos supérfluos, ou seja, tudo aquilo que não constitui uma perda irremediável. Adiamos a compra de uma nova geladeira, substituímos uma marca de manteiga, economizamos no consumo de energia elétrica e água.

Diante do baixo desempenho da economia —ou seja, frente à pouca entrada de divisas nos cofres da União por meio de impostos— tornou-se premente realizar ajustes no orçamento. A presidente Dilma Rousseff determinou o corte de cerca de 70 bilhões de reais das despesas previstas, sendo as áreas mais atingidas a saúde (12 bilhões de reais), a educação (9,5 bilhões de reais) e a construção de casas populares (7 bilhões de reais). Se raciocinarmos como sugerem os economistas, podemos deduzir que estes são os setores não prioritários do ponto de vista do governo.

Muito mais que os montantes envolvidos —quase abstratos aos leigos—, e para além das justificativas oficiais, legítimas, o que permanece é o valor simbólico dessa atitude: saúde, educação e moradia são justamente os pilares de qualquer agrupamento que se quer inserido nisso que denominamos civilização. Primeiro, o homem tem que ter garantida a comida —com fome, regressamos ao estatuto de selvagens, não pensamos, agimos por instinto apenas. Depois, tem que ter assegurado um lugar onde se refugiar —sem um teto, perambulamos desenraizados, sujeitos às intempéries. De barriga cheia e vivendo em uma casa, podemos então nos preocupar em adquirir conhecimento e fundar uma civilização, pautada no respeito ao outro e ao meio ambiente e organizada em bases sólidas, cujo fim último é proporcionar aos cidadãos o bem-estar, cuidando de sua saúde nas diversas fases da vida para que possam usufruir dos prazeres cotidianos.

Dilma Rousseff determinou o corte de cerca de 70 bilhões de reais das despesas previstas, sendo as áreas mais atingidas a saúde, a educação e a construção de casas populares

No entanto, o nosso sistema público de saúde é um desastre. A média nacional de leitos hospitalares é de 2,4 por 1.000 habitantes, abaixo do mínimo recomendado pela Organização Mundial da Saúde, de 3 leitos por 1.000 habitantes. Há um déficit de 54.000 médicos e o número de enfermeiros não chega a um por 1.000 habitantes. Além de hospitais superlotados, faltam medicamentos e em muitos os aparelhos estão quebrados ou obsoletos. Leva-se semanas para marcar consultas ou exames, meses para internação ou intervenção cirúrgica —18% de todas as mortes registradas no Brasil são catalogadas como “mal definidas”, ou seja, o atendimento ao paciente foi precário ou não existiu.

No entanto, o nosso sistema público de educação é um desastre. Apenas 27,5% das escolas possuem bibliotecas —seria necessário construir 130.000 bibliotecas até 2020 para cumprir a Lei 12.224, que estabelece a existência de acervos de pelo menos um livro por aluno em cada instituição. Faltam 1,2 milhão de vagas nas pré-escolas. Os alunos, em todas as etapas do ensino, têm aulas em prédios mal conservados e ambiente pouco estimulante; os professores são em número insuficiente, recebem salários baixos e contam com poucos recursos didáticos —ambos, alunos e professores, são acossados pela violência.


Não entendo que educação, saúde e construção de casas possam ser os primeiros setores a sofrer cortes, quando todos sabemos que justamente esses necessitariam ser preservados

No entanto, o nosso déficit habitacional chega a quase 7 milhões de moradias —73% das famílias que não possuem casa ganham até três salário mínimos. Cerca de 6% da população (12 milhões de pessoas) vivem em favelas, quer dizer, em aglomerações irregulares onde inexistem serviços públicos essenciais e urbanização.

Talvez seja ingenuidade minha ou mesmo ignorância, admito, mas não entendo que educação, saúde e construção de casas possam ser os primeiros setores a sofrer cortes, quando todos sabemos que justamente esses necessitariam ser preservados —mais que preservados, deveriam constar como prioridade absoluta. Mais triste ainda é constatar que a corrupção equivale a algo em torno de 2% do Produto Interno Bruto —ou seja, o assalto sistemático aos cofres públicos desvia todo ano cerca de 100 bilhões de reais, um dinheiro equivalente ao orçamento total destinado à saúde e ao dobro do valor reservado à educação...

Taxação das grandes fortunas


Escrevo este artigo em defesa de meus interesses próprios. Não, não me entenda mal. Não tenho fortuna grande, nem média, nem pequena. Minha fortuna é minha família, são meus amigos, meus leitores, minha fé e meus valores imateriais. Mas considero que defendo interesses próprios, como cidadão brasileiro, quando reprovo a taxação das grandes fortunas, como qualquer aumento de impostos, porque essa é uma ideia de jerico. Dela sequer se pode dizer que vem embalada nos ideais do igualitarismo. Não no nosso caso. Não na concepção mau caráter que lhe deu origem.

O ideal do igualitarismo, é bom esclarecer, já produziu desastres em proporções suficientes para que se saiba o que acontece quando deixa de ser ideal e vira prática. No caso brasileiro, porém, a taxação das grandes fortunas não representaria isso. Tampouco significaria um pouco mais do mesmo, ou seja, ampliação da política atual, que confunde donativo com renda e que, por isso, não consegue gerar progresso social. O governo brasileiro não resolve o problema da Educação dos segmentos de baixa renda, não lhes proporciona adequado saneamento básico nem atenção à saúde e não cria condições para que esses recursos humanos se habilitem às atividades produtivas. Todos se tornam, cada vez mais, dependentes do Estado, o que é a segunda pior situação possível.

A taxação das grandes fortunas, no Brasil, seria um caso inédito. Foi pensada agora, num momento de crise fiscal pela qual não precisaríamos estar passando não houvesse, a ganância pelo poder, gerado imperdoável prodigalidade do governo no uso do dinheiro que abusivamente nos toma. Em linguagem simples, sem pedaladas retóricas, a taxação dos mais ricos viria para salvar o Estado da escassez de recursos a que ele mesmo se conduziu. Algo assim só pode parecer razoável a dois tipos de pessoas: os amigos leais do Estado perdulário e os fanáticos do igualitarismo.

Há um erro imenso em atribuir a pobreza dos pobres à riqueza dos ricos, ou vice-versa. Essa é uma ideia desorientadora, que prejudica aqueles a quem pretende ajudar. Os pobres não são pobres por causa dos ricos. Eles são pobres por causa do Estado porque não há concentração maior de renda do que a promovida pelo Estado quando fica com quase 40% de tudo que se produz no país! E, apesar dessa monstruosa expropriação, não só rouba e se deixa roubar, mas se omite em relação às políticas e ações que poderiam gerar desenvolvimento social nas populações de baixa renda. O Estado não deveria “cuidar das pessoas”, mas deveria, isto sim, proporcionar condições para as pessoas cuidarem bem de si mesmas.

Precisamos das grandes fortunas. Elas viram poupança, investimento, postos de trabalho, consumo (inclusive sofisticado, claro) e tributos. Pegar esse dinheiro e entregá-lo à gestão do Estado seria uma operação absolutamente contraprodutiva: tira-o de quem o faz produzir para entregá-lo a quem só sabe gastar.

Percival Puggina

Profecia


Ou construímos escolas ou no futuro teremos um exército de trombadinhas assaltando nas ruas

Darcy Ribeiro, em 1984

Lula deve explicações

Um dia o Lula falou que não bastava aumentar salários. Era preciso mudar o regime. O tempo passou, mas à exceção dos metalúrgicos do ABC, durante alguns anos, os salários não aumentaram e o regime continua o mesmo. A Nova República continuou velha e o partido dos trabalhadores nem é dos trabalhadores e muito menos é partido. A reforma política nada reformou. A Câmara rejeitou todas as propostas de mudança e o Senado confirmou a supressão de direitos trabalhistas.


Fazer o quê? Aguardar as próximas eleições é sonho de noite de verão. Faz décadas que nos enganamos com a expectativa, porque tudo fica na mesma. Imaginar a rebelião das massas equivale a desconhecê-las e a ignorar que jamais terão consciência de sua capacidade.

Quem assistiu as longas sessões da Câmara, terça-feira e ontem, rejeitando alterações eleitorais, bem como a adesão do Senado ao massacre do trabalhador, concluirá pela desimportância do Congresso e a falência dos partidos políticos.

Madame, no México, exultou e confundiu todo mundo ao dizer “que desde 2008 o Brasil adotou medidas anticíclicas para evitar contaminação da economia pelos efeitos da crise global e que agora é hora de desfazer as medidas anticíclicas e fazer o dever de casa”. Entenderam? Nem eu.

A verdade é que apesar de o PT continuar votando contra os direitos trabalhistas, nenhuma proposta saiu de suas bancadas no sentido de dividir com as elites a carga de sacrifícios para enfrentar a crise econômica. Joaquim Levy já se declarou contra o imposto sobre grandes fortunas e sua opinião parece haver frutificado no partido. O vampiro continua se banqueteando no banco de sangue.

Numa palavra, o regime continua o mesmo enquanto, ou por conta disso, os salários não aumentam. O Lula deve explicações. Pretende voltar ao palácio do Planalto, em 2018, com que intenção? Corrigir os malfeitos de Dilma parece muito pouco. Ampliar o assistencialismo será inócuo. Mudar o regime?

O primeiro companheiro precisa dizer o que pretende. O seu ideal não pode restringir-se à possibilidade dos operários freqüentarem churrascarias uma vez a cada seis meses. Muito menos a voltar aos tempos em que a crise econômica não nos atingia. O provável candidato é intuitivo. Pouco ou nada lê. Toca de ouvido. Mas deve definir o seu regime.
Carlos Chagas

À espera da necessidade

Até que ponto a presidente Dilma e as parcelas dos partidos que a apoiam vão aguentar o tranco de uma política impopular?
Os deputados federais votaram três vezes para manter o sistema eleitoral exatamente como é hoje. Não que todos gostem do modelo. Ao contrário, a maioria não gosta. E tanto isso é verdade que a Câmara dos Deputados apreciou três propostas de mudança. Como nenhuma delas obteve a maioria de 308 votos, necessária para alterar a Constituição, ficou tudo na mesma.

Já as medidas do ajuste fiscal, aquelas que reduzem a despesa do governo e aumentam receitas, vão passando na Câmara e no Senado. Meio aos trancos e barrancos, mas, pelo menos até ontem, estavam passando.

Não que a maioria goste delas. Ao contrário, os que estão votando a favor, parlamentares do PT e do PMDB, por exemplo, fazem isso a contragosto. O governo da presidente Dilma precisa disso, é o que dizem quando perguntados por que sustentam medidas impopulares.

Reparem: eles não dizem que o país precisa ou, mais exatamente, que a economia depende dessas medidas para segurar dívida e déficit públicos e, assim, se reequilibrar. A presidente precisa e, pode-se acrescentar, eles, parlamentares, também. E precisam para se manter no poder.

A lógica: se não for feita nenhuma correção de rumos na política econômica, o governo simplesmente desaba com os números de desemprego, inflação e perda de poder aquisitivo dos salários. Logo, vamos corrigir. Como dizem a presidente e seus aliados, é só uma pequena correção e logo tudo voltará aos bons tempos.

O problema é que o desemprego já está subindo e vai continuar assim, a atormentar a vida das famílias; a inflação já está lá em cima comendo a renda das pessoas; e economia já está parada, ou pior, andando para trás, em recessão.

A presidente e seus aliados dizem que se trata de um sacrifício necessário, mas passageiro. E breve. Por esse lado da história, esses males econômicos são consequência da política de ajuste, de modo que, quanto mais abreviado for o aperto, melhor.

Já o ministro que propôs e conduz esse ajuste pensa bem diferente. Para Joaquim Levy, os males são consequência de um modelo esgotado — aquele baseado no forte aumento do gasto do governo e do crédito concedido pelo setor público.

Logo, por este lado, quanto mais profundo e mais duro for o ajuste, mais rapidamente se sairá do buraco. E, saindo, será preciso construir um novo modelo, baseado no investimento privado e nos ganhos de produtividade geral, pois o dinheiro (público) acabou.

Temos, portanto, duas versões para o mesmo fato. Na versão Dilma, o ajuste causa males, mas é o caminho para se voltar ao modelo dos seus primeiros quatro anos. Na versão Levy, foi justamente esse modelo que fracassou, gerou esses problemas todos e só pode ser superado com o ajuste, “para limpar o convés”, como disse para Míriam Leitão, e permitir que se viaje para uma nova economia.

Leia mais o artigo de Carlos Alberto Sardenberg

Recado do frei

 
Temos posto a perder a revolução pacífica e popular feita a partir de 2003, quando ocorreu não uma troca de poder, mas a troca da base social que sustenta o Estado: o povo organizado, antes à margem e agora colocado no centro. O PT pode suportar a rejeição dos poderosos. O que não pode é defraudar o povo e os humildes, que tanta confiança e esperança colocaram no partido. E muitos, como eu e Frei Betto, que nunca nos inscrevemos no PT, mas sempre apoiamos sua causa, por vê-la justa e afim às propostas sociais da Igreja da Libertação, sentimos abatimento e decepção. Não precisava ser assim.
Leonardo Boff, "Recado para o PT"

Um Real para Dilma

Há muito tempo o brasileiro não andava tão sem perspectiva. Não é força de expressão. Pesquisa inédita do Ibope mostra que faz 22 anos que o otimismo não ficava tão por baixo quanto hoje: 48% se dizem pessimistas ou muito pessimistas em relação ao futuro do País, enquanto só 21% se declaram otimistas ou muito otimistas. O resto não está lá nem cá, ou não sabe responder.

O baixo astral não escolhe gênero, cor nem religião. Como uma epidemia, contaminou todos os segmentos sociais e alcançou a parcela majoritária entre homens e mulheres, entre brancos e negros, entre ricos, pobres e remediados, entre jovens e velhos. Só muda de intensidade. Os muito pessimistas chegam a 16% no Sudeste e 17% nas periferias das metrópoles (são 12% na média).

A atual falta de perspectiva é histórica. A última vez que o brasileiro ficou tão pessimista foi antes do Plano Real, na ressaca do governo Fernando Collor, quando a economia ia de mal a pior e não havia sinal de que ela voltaria a melhorar: 22% de otimistas contra 48% de pessimistas, em setembro de 1993. No governo FHC, o pessimismo bateu em 42% em junho de 2000. No governo Lula, não chegou nem perto disso.

A perda do otimismo é um fenômeno recente. No ano da primeira eleição de Dilma, em março de 2010, 73% se diziam otimistas com o futuro. Quatro anos depois, no ano da reeleição da presidente, a fatia dos que olhavam para frente com esperança já tinha diminuído, mas ainda era grande: 49%. Desde então, os otimistas foram reduzidos a menos da metade. Por quê?

Outra pesquisa do Ibope, que mede a confiança do consumidor, dá algumas respostas. No último ano e meio as expectativas se deterioram muito e rapidamente. A desconfiança em relação à economia cresce a cada mês, engrossando o contingente dos que acham que a inflação e o desemprego vão aumentar mais - e, por tabela, que sua situação financeira pessoal vai piorar.

A falta de perspectiva coloca uma lente de aumento sobre problemas reais, fazendo-os parecer ainda maiores do que são. Embora a inflação oficial esteja em cerca de 8% ao ano, para 37% da população ela parece maior do que isso, segundo o Ibope. A percepção é pior para os mais pobres - entre eles, 27% acham que o aumento continuado de preços supera os 12% a cada ano.

O mesmo fenômeno se repete com o desemprego: a percepção é maior do que o número oficial. Embora a taxa nacional de desocupação, segundo o IBGE, esteja em 7,9%, quase metade dos brasileiros (47%) acha que ela é maior do que 9%. E um em cada quatro acredita que o desemprego seja maior do que 12%.

O pessimismo que torna a população ainda mais sensível aos problemas também muda sua percepção sobre a história. Segundo o Ibope, a maior parte dos brasileiros (43%) acha que a inflação atual é maior do que era no governo FHC, contra apenas 23% que pensam o contrário. Embora tenha sido bem mais baixo durante o primeiro mandato do tucano, o IPCA chegou a 12,5% ao fim de 2002, último de FHC na Presidência. Hoje a taxa é de 8,2%.

Segundo a pesquisa, parte dessa conta é da imprensa: 41% acham que ela mostra uma situação econômica mais negativa do que os entrevistados percebem no seu dia a dia. Mas não adianta o governo culpar o mensageiro. Para injetar otimismo, só criando uma perspectiva real de melhora da economia. Contra a crise de pessimismo de 1993, Itamar e FHC lançaram o Plano Real. Dilma e Joaquim Levy estão tentando com o ajuste fiscal. Goste-se ou não, é sua chance de ganharem a batalha das expectativas.

Puxadinho eleitoral. Escrevo antes da votação de todos os itens da reforma política. A eventual cassação do direito do eleitor de votar a cada dois anos seria ainda pior do que o "distritão". Se e quando for possível festejar, será porque o Congresso não piorou um sistema que, de tão ineficiente, é incapaz de aperfeiçoar-se a si mesmo.

quinta-feira, 28 de maio de 2015

Ter mais e ter menos

Vários leitores me escreveram para acusar os "tempos modernos", em que "ter" é mais importante do que "ser".

Hoje, o que temos nos define, à condição, claro, de ostentá-lo o suficiente para que os outros saibam: constatando nossos "bens", eles reconheceriam nosso valor social.

Essa seria a razão da cobiça de todos e, em última instância, da facilidade com a qual todos nos tornamos criminosos.

A partir dessa constatação, alguns de meus correspondentes tentam explicar uma diferença entre ricos e pobres em matéria de crime.

O argumento básico funciona mais ou menos assim: 1) para ser alguém, na nossa sociedade, é preciso ter e ostentar bens, 2) quem vale menos na consideração social (o desfavorecido, o excluído, o miserável) teria um anseio maior de conquistar aqueles bens que aumentariam seu valor aos olhos dos outros.
Em suma, precisamos ter para ser – e, se formos pouco relevantes ou invisíveis socialmente, só poderemos querer ter mais e com mais urgência.

À primeira vista, faz sentido. Mas, antes de desenvolver o raciocínio, uma palavra em defesa da modernidade.

Tudo bem, uma sociedade em que as diferenças são decididas pelo "ter" (vale mais quem tem mais) pode parecer um pouco sórdida. Acharíamos mais digna uma sociedade na qual valeria mais quem "é" melhor, não quem acumulou mais riquezas.

O problema é que, em nosso passado recente, as sociedades organizadas pelo "ser" já existiram, e não foram exatamente sociedades para onde a gente voltaria alegremente –eu, ao menos, não gostaria de voltar para lá.

Geralmente, uma sociedade organizada pelo "ser" é uma sociedade imóvel. Por exemplo, no antigo regime, você podia nascer nobre, perder todos os bens de sua família, inclusive a honra, e continuaria nobre, porque você já era nobre.

Inversamente, você podia nascer numa sarjeta urbana e enriquecer pelo seu trabalho ou pela sua sabedoria, e nem por isso você se tornaria nobre, porque você não o era.

Ou seja, em matéria de mobilidade social, as sociedades nas quais o que importa é o "ser" são sociedades lentas, se não paradas, e as sociedades nas quais o que importa é o "ter" são sociedades nas quais a mudança é possível, se não encorajada.

É bom lembrar disso quando criticamos nossa "idolatria" consumista ou nossa vaidade. Podemos sonhar com uma sociedade organizada pelas qualidades supostamente intrínsecas a cada um (haveria os sábios, os generosos, os fortes etc.), mas a alternativa real a uma sociedade do "ter" são sociedades em que castas e dinastias exercem uma autoridade contra a qual o indivíduo não pode quase nada.

Voltemos agora à observação de que, numa sociedade do "ter" como a nossa, os que tem menos seriam, por assim dizer, famintos –e, portanto, propensos a querer a qualquer custo. Eles recorreriam ao crime porque sua dignidade social depende desse "ter" –para eles, ter (como navegar) é preciso.

Agora, o combustível de uma sociedade do "ter" é uma mistura de cobiça com vaidade. Por cobiça, preferimos os bens materiais a nossas eventuais virtudes, mas essa cobiça está a serviço da vaidade.

A riqueza que acumulamos não vale "em si", ela vale para ser vista e reconhecida pelos outros: é a inveja deles que afirma nossa desejada "superioridade".

Em outras palavras, os bens que desejamos são indiferentes; o que importa é o reconhecimento que esperamos receber graças a eles. Por consequência, nenhum bem pode nos satisfazer, e a insatisfação é parte integrante de nosso modelo cultural.

Não é que estejamos insatisfeitos porque nos falta alguma coisa (aí seria fácil, bastaria encontrá-la). Somos (e não estamos) insatisfeitos porque o reconhecimento dos outros é imaterial, difícil de ser medido e nunca suficiente.

A procura por bens é infinita ou, no mínimo, indefinida, como é indefinida a procura pelo reconhecimento dos outros.

Os bens que conquistamos (roubando ou não, tanto faz) não estabelecem nenhum "ser", apenas alimentam, por um instante, um olhar que gratificaria nossa vaidade.

Não existe uma acumulação a partir da qual nós nos sentiríamos ao menos parcialmente acalmados em nossa busca por esse reconhecimento.

Ao contrário, é provável que a cobiça e a vaidade cresçam com o "ter". Ou seja, é bem possível que a tentação do crime seja maior para quem tem mais do que para quem tem menos.

Os falsos profetas

Não sou muito chegado em assuntos de religião, mas tenho certeza de que os maiores problemas da humanidade provêm de ações religiosas. Todas as religiões se intrometem em assuntos de Estado, e aí começam as confusões.

Quem de nós não é praticante de sua fé? Até eu, que sei das fraquezas humanas, tenho fé para viver uma amizade antiga com Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, herança da mamãe. Gostava imensamente do papa João Paulo II e cheguei a ir a Roma para acompanhar seu sepultamento. Até hoje me emociono com a voz dele. Também admiro João XXIII. Quanto ao papa Francisco, tenho algum receio de sua popularidade, pelo momento que a humanidade atravessa. Popularidade é vizinha de vulgaridade. A figura de pessoas importantes como um papa não pode prescindir de uma certa distância do mundo leigo. Tem de preservar certos mistérios para ser importante, sem dizer ou demonstrar que é. O papa Francisco não pode ser chamado de Chico, a não ser pelos íntimos. Mas o papa não pode ter amigos íntimos... E por que não? Talvez para não ter decepção, que é sempre fraqueza ou má-fé de amigos.

Disse, no início, que toda religião é intrometida. Aqui no Brasil existe a CNBB, que “se acha”, tanto que dá palpite em tudo, e ai do governo que mantiver distância ou que demonstrar certa indiferença por suas decisões. Foi de lá que saíram os padres comunistas hoje em atividade, que se dizem revolucionários, confundindo Marta Rocha com morto roxo.

E esses cultos que vendem a salvação por módicas prestações mensais, hoje pagas até com cartão de crédito? E canais de televisão – que são concessões do Estado – concedidos e alugados para seitas que prometem o céu e ameaçam com o fogo do inferno? As cenas de cura que forjam para depois se vangloriarem do milagre deveriam ser casos de polícia. É crime, capitulado no Código Penal, essa mercantilização promovida por alguns cultos religiosos. Enquanto Edir Macedo constrói o Templo de Salomão e reside em ilhas paradisíacas no Caribe, o arcebispo de Belo Horizonte faz campanha para a construção da Catedral da Fé, idealizada para comportar mais de 100 mil católicos. E o povo precisando de hospitais e escolas... O melhor templo para nossa contrição é a solidão de nós mesmos.

E por que será que, acostumado a falar de política e temas conexos, de repente estou me metendo em assunto tão polêmico? Sei lá... Talvez porque não sou mais político e não penso em votos. Pensava em falar mal daqueles que, na verdade, são os responsáveis pela situação a que chegamos. Dizer que tudo começou com a praga da reeleição articulada pelo vaidoso FHC, invenção que provocou essa corrupção que grassa e desgraça nosso país, pois só existe ex-Luiz e essa mentirosa Dona Dilma porque existe reeleição.

E querem aumentar o número de vereadores, construir shopping no Congresso, aumentar prazo de mandatos e outras desgraceiras congêneres. As Escrituras falam em sinais do fim do mundo, e o aparecimento de falsos profetas é um deles.