segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Vem chegando a onda


Formiga de ouro


O escracho com que são tratadas as obras públicas chegou ao cúmulo de até formiga servir de motivo para a extorsão nos cofres públicos, no caso da Petrobras. A descoberta de formigas ameaçadas de extinção da espécie Atta robusta, mais conhecida como saúva-preta, em área de uma obra da Petrobras, rendeu R$ 64,3 milhões em “dificuldades geradas por motivos de ordem ambiental” para a Mendes Júnior Engenharia, investigada no Lava-Jato. A empresa cobrou os ressarcimentos depois que o contrato já estava encerrado, por meio de transação extrajudicial sem que fosse preciso apresentar provas.
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Um projeto de extorsão contra a patuleia


A tese é engenhosa. Pressupõe que empresas angelicais que fazem negócios com a Petrobras tornaram-se vítimas de dois demônios.

Dois diretores de empreiteiras disseram à Justiça que foram extorquidos pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa e seu operador financeiro, Alberto Youssef. Se não pagassem, teriam seus contratos prejudicados ou até mesmo cancelados.

A tese é engenhosa. Pressupõe que empresas angelicais que fazem negócios com a Petrobras tornaram-se vítimas de dois demônios. Para que a pizza fosse ao forno, faltaria só o orégano.

A primeira denúncia da extorsão veio de Sérgio Mendes, vice-presidente e herdeiro da tradicional Mendes Junior, fundada em 1953 por seu avô. Ele contou que em 2011, a mando de Paulinho, pagou R$ 8 milhões a Youssef. Se não fizesse isso, estariam fechadas as portas e os guichês da Petrobras.

A Mendes Junior opera com o governo brasileiro há três gerações e com a Petrobras há pelo menos duas. Teve negócios bilionários (em dólares) com a cleptocracia de Saddam Hussein no Iraque. Admita-se que jamais molhou mãos alheias. Tendo sido obrigada, em 2011, não denunciou o malfeito. Seria tudo coisa do Paulinho e do Youssef.

A segunda denúncia de extorsão veio do diretor de Óleo e Gás da Galvão Engenharia, doutor Erton Medeiros. Seu advogado, José Luis de Oliveira Lima, explicou por que a Galvão ficou calada: “Se ele denunciasse o que estava acontecendo, era ameaçado de perder os contratos. Paulo Roberto Costa e Alberto Youssef estão longe de serem Madres Teresas de Calcutá”.

Bingo! Paulinho e Youssef são delinquentes, mas colaboram com a Viúva. Madres Teresas seriam a Galvão Engenharia e suas colegas. Segundo o doutor Erton, na origem de tudo estaria o deputado José Janene (morto um ano antes), e o dinheiro do achaque iria para o Partido Progressista. Bingo de novo, e surge mais uma Madre Teresa: o PT.

Durante a última campanha eleitoral, a Galvão Engenharia deu R$ 1,4 milhão ao Diretório Nacional do PT, partido da doutora Dilma. Portanto, a empresa foi achacada por dois delinquentes, não se queixou, e fez uma bela doação ao partido que, governando o país, nomeou Paulinho para uma diretoria da Petrobras. Entre 2006 e 2012, as grandes petroempreiteiras torraram R$ 856 milhões em doações para campanhas eleitorais. O PT ficou com R$ 266 milhões.

Nessa batida, a coisa fica assim: os dois delinquentes que estão colaborando com a Viúva achacavam empresas, e uma delas entrou na dança levada por um deputado que morreu, em benefício de um partido subsidiário. Tudo o mais seria golpismo, terceiro turno, e coisa de uma elite contrariada. Já a elite lubrificada, à qual ascendeu o comissariado petista, vai bem, obrigado.

Todos são vítimas no Brasil


Políticos, estatais, empreiteiras... – se existe uma vítima clara do petrolão, é você, contribuinte
 O petrolão daria um filme de suspense e ação. Só que não. Em qualquer roteiro blockbuster que se preze, há vilões e vítimas das vilanias. No Brasil, só há vítimas. Políticos, estatais, executivos, empreiteiras, diretores, governadores, prefeitos, presidente. São todos vítimas de um “esquema”. Afirmam só fazer “o que todo mundo sempre fez”, porque, caso contrário, o país poderia parar. Irrigam com propinas bilionárias o vale-tudo do Congresso e as obras públicas. É a cultura brasileira, estúpido.

Vamos comprar essa desculpa, sem pedir uma comissão por fora? Lula, na Presidência, banalizava o mensalão. Como você e Zé Dirceu bem sabem, o mensalão nunca existiu. A compra de votos nada mais era que a prática herdada de governos anteriores, para fazer funcionar a engrenagem política entre “os 300 picaretas (sic) do Congresso”, citação do ex-Lula, metamorfose ambulante. E estamos conversados. Punhos cerrados para cima, hasta la victoria siempre. Porque a História tem a péssima mania de ser reescrita por quem está no poder.

Nesse poço sem fundo da Petrobras, revelado pela Operação Lava Jato e pelo juiz Sergio Moro, as novas vítimas são as empreiteiras e seus executivos de capuz. Não se faz obra pública no Brasil sem “composição ilícita com um político”, diz o advogado Mario Oliveira Filho, que defende o lobista Fernando Soares, mais conhecido como Fernando Baiano, o boa-praça apontado como “operador” do PMDB. Sem propina, afirma Oliveira, não se coloca nem paralelepípedo na rua.

Deve ser verdade. Mas o esquemão não exime os executivos das empreiteiras, não os transforma em meras vítimas da ganância de políticos. O esquemão também não transforma partidos, gerentes ou presidentes de estatais em meros atores de extorsão ou marionetes das empreiteiras. São todos vilões e cúmplices de um clube VIP, que envolve doleiros, operadores, lobistas, executivos, políticos.

Mais de 4 mil pessoas, relacionadas com 4.300 empresas ligadas à rede de produção da Petrobras, são acusadas de movimentar, de maneira suspeita, R$ 23,7 bilhões, entre 2011 e 2014. A denúncia é do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). É um escândalo vasto, pesado, impossível de acompanhar. O cidadão comum fica assustado com o desfile diário de nomes desconhecidos e valores estratosféricos. O fator surpresa foi a delação premiada. Ninguém quer ir sozinho para a cadeia. A esperança é que as denúncias cheguem logo ao Congresso, como presente de Natal.

Se existe uma vítima clara, é você, contribuinte. Você, que não sabia de nada e não seria chamado para figurante nesse filme de vilões que posam de vítimas. Você está em boa companhia. Também não sabiam de nada a presidente Dilma Rousseff e sua indicada para o mais alto posto da Petrobras, Graça Foster. Dilma e Graça também são vítimas da má-fé dos diretores e políticos. Embora se orgulhem de seus dotes em gestão, Dilma e Graça não poderiam desconfiar de nada, mesmo após saber que a refinaria em Pernambuco multiplicara seus custos de R$ 4 bilhões para R$ 18 bilhões.

Apenas a indignação acabará com a corrupção


O que amedronta os políticos corruptos é a ira dos sem poder
Não serão os Governos, a polícia, os juízes, nem sequer a detenção de alguns corruptos importantes, que acabará com a impunidade que contagiou com um abraço mafioso partidos e empresas brasileiras.

Contra a raiz da corrupção e contra a impunidade dos criminosos existe uma só arma: a rejeição das mesmas por parte da sociedade, dos sem poder.

A presidenta Dilma Rousseff afirmou na Austrália, durante a reunião do G20, que o escândalo da Petrobras “mudará a história do Brasil para sempre”, porque representa o fim da impunidade. Não. Isso só acontecerá se o Brasil, a parte limpa da sociedade, puder mudar a Petrobras para devolver à empresa a honra da qual foi despojada por políticos e empresários corruptos.

Nada, nem ninguém, será capaz de acabar com a impunidade da corrupção sem que haja um despertar da sociedade no sentido de descobrir que pode ser mais letal do que o vírus do ebola, porque, além de atentar contra a vida, esses crimes sujam a dignidade da nação.

A aceitação manifestada e subliminar da corrupção e da impunidade por parte da sociedade é o que deixa as mãos dos políticos livres para assaltar os cofres públicos. Como explicar, então, que, às vezes, os políticos e partidos mais corruptos são os mais votados nas urnas?

Isso se deve à má consciência daqueles cidadãos que pensam que todo mundo, quando pode, rouba e suborna e, por isso, recorre aos políticos menos moralistas porque eles costumam ser, também, os mais generosos?

Não existe, em nenhum lugar do mundo, uma regeneração ética originada pelo poder. Só a força de uma sociedade que um dia desperta e diz “basta”, que deixa de apreciar os políticos corruptos e que se envergonha de aparecer perante o mundo como cúmplice dos crimes pode mudar as coisas.

Os políticos não mudam, e cada vez que tomam atitudes diferentes relacionadas a eles mesmos é para se blindarem melhor e aumentar seus próprios privilégios.