quarta-feira, 12 de novembro de 2014

E vem o Natal!


Péssima notícia

Eis a péssima notícia: estamos perdidos, irremediavelmente perdidos.
Estamos perdidos, mas temos um teto, uma casa, uma pátria. É a nossa
pátria, o lugar de nossa comunidade de destino de vida e morte. O evangelho dos homens perdidos diz-nos que devemos ser irmãos, não porque seremos salvos, mas porque estamos perdidos

Edgar Morin, in "Terra-pátria",1995

Os Anos de Caca




A reeleição de Dilma está provocando cenas inéditas no filminho do PT, nunca antes projetadas por João Santana. Ninguém poderia imaginar que, além de manter um ministro demitido, e com ele a tiracolo participar de reunião internacional de economias, Dilma encenaria mais um caso inusitado dentro do seu ministério.

A presidente, que defendeu para a galera, na campanha, o bem-estar de uma economia em pandarecos, vive à beira do ostracismo. Não só os adversários, a quem anunciou, com onipotência, a mão estendida, reclamam do desastre. 

Passada a maré da reeleição, o barco de Dilma é atingido mesmo pelo fogo amigo num claro sinal de que nada está como antes no quartel de Abrantes.

A ministra senadora Martha Suplicy anunciou sua demissão do cargo com um violento ataque à gestão econômica. Detentora da pasta da Cultura, Martha saiu esbravejando pelo desastre econômico a ponto de dedicar na carta de demissão muito espaço para desejar que “nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, resgate a confiança e credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país”.

Foi essa candidata, incompetente como administradora e desastrosa gerente, assim reconhecida por eles, para quem os próprios petistas fizeram o diabo. No entanto, só não a despediram porque não podiam. Vão se aguentar com o próprio poste, e o povo que pague as consequências de um partido que faz de tudo para continuar no poder, porque não tira um centavo do bolso nem liga a mínima aos problemas do país.O que importa para eles é ser governo, e basta. 

Pinóquio para presidente



Se não é estelionato eleitoral, é muita cara de pau o festival de notícias impopulares pós 26 de outubro
 É conhecida a fábula de Collodi e o seu personagem Pinóquio, simpático boneco de madeira cujo nariz aumentava quando mentia. Seria ótimo que o mesmo acontecesse com os políticos, especialmente nas campanhas eleitorais, porque é gritante a contradição entre as palavras e os fatos ocorridos após o pleito.

Bastaram duas semanas para Dilma transformar a sua carruagem em abóbora. A presidente reeleita deve ter se inspirado em Maquiavel, que no seu livro “O Príncipe” (1513) aconselhou:“É preciso fazer todo o mal de uma só vez a fim de que, provado em menos tempo, pareça menos amargo”.

A quinzena do mal foi intensa. O Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), elevou em 0,25 ponto percentual a taxa básica de juros (Selic), com o argumento de que precisava garantir cenário mais “benigno” para a inflação em 2015 e 2016. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou aumentos de tarifas em Roraima, Amazonas e no Rio de Janeiro. O Ministério da Fazenda anunciou déficit primário de R$ 20,4 bilhões nas contas do Tesouro, Previdência Social e BC em setembro, o pior resultado de todos os meses desde o início da série histórica, em janeiro de 2007. O ministro da Fazenda já demitido confessou que a meta fiscal não será alcançada este ano. Para que as autoridades econômicas não sejam enquadradas em crime de responsabilidade, a equipe econômica vai recorrer ao Congresso, que deve ajustar o primário para o limite menor.

A balança comercial brasileira registrou o maior rombo mensal desde 1998. A gasolina e o diesel já estão mais caros. O número de brasileiros em situação de extrema pobreza cresceu em 2013, conforme dados oficiais divulgados na página do Ipea, à surdina, após as eleições. O desmatamento da Amazônia em setembro e outubro deste ano cresceu 122% se comparado ao mesmo bimestre no ano passado, o que também só veio à tona depois do pleito.

Na terra de Macunaíma — obra surrealista do escritor Mário de Andrade repleta de aspectos fantasiosos e ilógicos — tão logo Aécio Neves ganhou as eleições, Armínio Fraga e Neca Setúbal subiram os juros e adotaram o receituário ortodoxo recomendado pelos banqueiros que fumam charutos e somem com o prato de comida da mesa das criancinhas. Até os subsídios ao BNDES a trinca já cogita reduzir! Dane-se a verdade.

No vale tudo das eleições brasileiras, se Jesus Cristo fosse candidato, o marqueteiro de Dilma, João Santana, demonstraria que o PT fez mais em 12 anos do que o filho de Deus em 33. O maior milagre de JC foi multiplicar peixes e pães dando de comer a cinco mil fiéis na Galileia, enquanto o Bolsa Família atende a 56 milhões de pessoas! A frase “Vinde a mim as criancinhas...” seria apresentada com conotação de pedofilia. Pobre Jesus Cristo. Antes morrer na cruz.

Dilma demitida


 Ainda no primeiro turno da eleição presidencial deste ano, Dilma anunciou que Guido Mantega, ministro da Fazenda, deixaria o governo mesmo que ela fosse reeleita. Mantega então virou um ministro demitido no exercício temporário do cargo. Original, por suposto.

E Dilma? O que virou depois que Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, disse em entrevista à BBC Brasil que ela “avançou pouco” no atendimento das demandas dos movimentos sociais e se afastou dos “principais atores na economia e na política”?

Gilberto disse mais: faltou também “competência e clareza” ao governo para avançar na questão indígena. A presidente que tinha prometido ampliar o diálogo com a sociedade deixou de fazê-lo “da maneira tão intensa como era feito no tempo de Lula”.

Ou Dilma demite Gilberto, embora possa mantê-lo no governo até o fim do atual mandato, ou se arriscará a ser conhecida como a presidente que foi demitida por um dos seus ministros. Onde já se viu um ministro criticar de público a presidente a quem deveria servir com lealdade? 

A derrota do óbvio


O pensamento da 'esquerda metafísica' tem de dar lugar a uma reflexão mais testada, mais sociológica

A vitória da Dilma começou há dez anos, quando o PSDB preferiu não se defender dos ataques de Lula e do PT. Nunca entenderei como um partido que, no governo, acabou com a inflação, criou leis modernizantes, reformas fundamentais, fechou-se, se “arregou, se encagaçou” diante das acusações mais infundadas, por preguiça e medo. Aí o PT deitou e rolou. E conseguiu transformar os social-democratas em “reacionários de direita”, pecha que os jovens imbecis e intelectuais de hoje engoliram.

Ou seja, o melhor projeto para o país foi desmoralizado como “neoliberal”, de “direita”.

Os intelectuais que legitimaram o Lula/Dilma nos últimos 12 anos repetem os diagnósticos óbvios sobre o mundo capitalista mas, na hora de traçar um programa para o Brasil, temos o “silêncio dos inocentes”. Rejeitam o capitalismo, mas não têm nada para botar no lugar. Assim, em vez de construir, avacalham. Estamos no início de um grave desastre. E esses “revolucionários” de galinheiro não se preocupam com o detalhe de dizer “como” fazer suas mudanças no país.

Dizem que querem mudar a realidade brasileira mas odeiam vê-la, como se a realidade fosse “reacionária”. Isso me faz lembrar (para um breve refresco cômico) a frase de Woody Allen: “A ‘realidade’ é enigmática, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife”.

No Brasil, a palavra “esquerda” continua a ser o ópio dos “pequenos burgueses” (para usar um termo tão caro a eles). Pressupõe uma especialidade que ninguém mais sabe qual é, mas que “fortalece”, enobrece qualquer discurso. O termo é esquivo, encobre erros pavorosos e até justifica massacres.

Nas rasas autocríticas que fazem, falam em “aventureirismo”, “vacilações”, “sectarismo” e outros vícios ideológicos; mas o que os define são conceitos como narcisismo, paranoia, onipotência, voracidade, ignorância. É impossível repensar uma “esquerda” mantendo velhas ideias como: democracia burguesa, fins justificam os meios, superioridade moral sobre os “outros”, luta de classes clássica. Uma “nova esquerda” teria de acabar com a fé e a esperança. Isso dói, eu sei; mas, contar com essas duas antigas virtudes não cabe mais neste mundo de bosta de hoje.





Estamos descobrindo que temos poucos instrumentos para modernizar o pais — tudo parece ter uma vocação para a marcha à ré em direção ao atraso. O óbvio está berrando à nossa frente, e os donos do poder fecham os olhos.